Ensaios sobre a calma

Ensaios sobre a calma

Por Tatiana Nicz

Eu não fui uma criança tranquila, da minha infância tenho algumas recordações bem marcantes de como eu era curiosa. Lembro-me bem de como enchia meu pai de perguntas e como ele se incomodava. Para mim não bastava saber “Por quê?” eu também queria saber “Como?”.

Meu pai às vezes perdia a paciência, minha irmã se irritava “pare de ser tão curiosa!”, um conselho praticamente impossível de se seguir, ainda mais quando se é criança. Eu queria saber e entender de tudo! Com o tempo aprendi a buscar as respostas sozinha. Nessa ânsia para encontrá-las, desmontava e remontava brinquedos, virava horas montando quebra-cabeças, devorava livros e, com os olhos grandes e redondos que herdei de minha mãe, observava tudo com muita atenção.

Minha curiosidade cresceu junto com uma grande inquietação, o que sempre me movia a buscar mais e mais. Eu não acho que ser curiosa é algo ruim, pelo contrário, mas minha curiosidade rapidamente aliou-se à muita ansiedade. No intuito de saciar toda aquela energia, meus pais me matriculavam em tudo e me mantinham sempre ocupada. Eu nadava e competia desde cedo, fazia jazz, sapateado e inglês. Acho que tudo isso contribuiu para transformar minha curiosidade e energia em ansiedade e pressa.

Eu sempre tive pressa. Ironicamente, meu relacionamento com meu pai no seu último ano de vida foi conturbado, ele se incomodava com a minha personalidade enérgica, falante e rápida. Eu lembro que entrava na casa dele falando e gesticulando sem parar e ele me pedia calma. Da mesma maneira com que ele sempre (em vão) me pedia para comer mais devagar. Eu comia da mesma maneira com que devorava os livros, com a esperança de que a comida me fosse saciar a fome que sentia. Mas essa fome nunca foi fisiológica, ela vinha de dentro, era uma fome de alma.

Foi desassossegadamente que caminhei pela vida durante anos e de certa maneira sou grata à isso, pois a pressa me fez continuar sempre, me trouxe muito conhecimento, me fez alcançar objetivos diversos e buscar sempre o novo: uma nova maneira de olhar o mundo, de me relacionar, de encarar a vida. Mas com essa pressa toda era impossível parar para absorver e digerir tudo que eu vivia.

A doença do meu pai me trouxe profundas reflexões sobre a calma. Tinha dias que eu o observava, sentado, lendo, emagrecido, sem sair de casa e com um semblante tranquilo, parecia que era com a mesma calma que a vida lhe escorria pelos dedos. Eu tentava entender como era viver nesse tempo dele, que estava tão descompassado do meu. Quando eu perguntava para ele sobre o tempo, ele me dizia sobre a importância de ser paciente e de como as horas passavam de maneira diferente para os atarefados e para quem tinha tempo de sobra. E o que eu queria mesmo era parar o tempo.

E de tudo que ele dizia, ele me pedia calma. Muitas das nossas discussões eram em torno disso. “Calma, minha filha, você é muito rápida, calma, coma devagar”. O que ele não entendia é que eu não tinha calma porque a doença dele me deixava com muita pressa. Era difícil de vencer os dias pensando em tudo que eu tinha para dizer e queria dizer para ele e pensando se seria suficiente, será que não surgiriam novos assuntos? Com pressa, eu tentava falar mais rápido para caber tudo naquele curto espaço de tempo que nos restava e antecipar todos os assuntos e dúvidas que viessem um dia a surgir. Tinha tanta coisa que eu queria falar e ouvir. Tantas perguntas que sei que ficariam sem respostas. Então, com pressa, eu tentava prever todos os assuntos do futuro e queria acelerar o passo para que pudesse viver mais coisas e compartilhar com ele o máximo possível da minha vida. Não tem como ter calma quando seus dias com a pessoa mais importante da sua vida estão contados.

Em dezembro do ano passado senti que essa pressa toda me pesava na alma, me dei conta de que vinha carregando em minha bagagem muito peso extra e então resolvi olhar com calma para esse sentimento de cansaço que se apresentava. Da mesma raiz da fome que eu sentia, senti um cansaço de alma. Assim, antes de terminar o ano, sentei-me à beira do mar e sob a luz do sol poente fiz uma lista com os assuntos de ordem prática que estavam me pesando e me deixando mais apressada e como faria para resolvê-los. Finalmente era hora de aprender sobre a calma.

E os meses seguintes me trouxeram esse aprendizado. Meu pai ficou quase 2 meses internado e todos os dias eu ia para o hospital e me sentava ao seu lado, lá passava horas calada e imóvel. Era inútil falar sobre qualquer assunto, era inútil ter pressa. Pois nada, nenhum assunto tem importância diante da morte. Então é preciso parar, é preciso ter calma.

O tempo no hospital, como meu pai mesmo havia me dito, passava diferente de como eu estava acostumada. O tempo da despedida é um tempo descompassado, onde o futuro se desvanece, onde o passado fica borrado em meio às lágrimas e onde cada batida traz a dura certeza de que somos pequenos e insignificantes diante da infinitude do Universo e da finitude da vida; a certeza de que nem toda a curiosidade do mundo, nem toda a pressa, nem todos os brinquedos que desmontei, nem os quebra-cabeças que montei ou os livros que li, nem os lugares por onde andei, nada disso me serviu quando tive que sentar ao lado de meu pai, segurar-lhe a mão já fria e pacientemente contemplar a vida que, agora com pressa, lhe esvaia junto às batidas rápidas dos ponteiros do relógio, mas meu coração estava tranquilo.

Durante o tempo que meu pai esteve internado, aprendi que a pressa não me servia, a vida é para ser pacientemente degustada. Aprendi também que muitas perguntas ficam mesmo sem respostas, não dá para questionar a morte. A morte não responde à nenhum “Por quê?” ou “Como?”.

Na despedida final, permaneci calma ao seu lado, nossos corações finalmente pareciam ter acertado o compasso era como se o tempo tivesse parado e lá no fundo eu ainda podia ouvir a voz de meu pai que me pedia: “- tenha calma, minha filha!”

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Cego mesmo é quem só confia no que vê

Cego mesmo é quem só confia no que vê

Por André Luís Neto da Silva Menezes

É um absurdo existirem pessoas que negam o invisível só porque seus olhos não enxergam.

A própria configuração de expansão que o universo assumiu apresenta vestígios da intervenção gravitacional da matéria escura.

É possível acreditar na existência de coisas invisíveis? Certamente, como é o fato astronômico da matéria escura. Essa substância estranha, que permeia 95% do universo é constituída de partículas nunca detectadas em laboratório, com massa superior à de átomos do universo observável.

O universo se resume ao que podemos ver? Definitivamente não. Canais de frequência ultravioleta, infravermelho, ondas de rádio, raios X radiação cósmica de fundo, magnetismo e diversas outras configurações energéticas já provam conclusivamente que o que os olhos podem ver não representa nem 0,0000001% do que existe e os melhores equipamentos e técnicas de captação de vibrações energéticas em frequências não visíveis aos olhos humanos estão ampliando nossa visão de uma realidade que os olhos humanos não podem ver, mas que é real e é incontestável: não pode ser negada nem discutida.

Desde os anos 30, o astrônomo suíço, Fritz Zwicky (1898-1974), provou que o universo não se resume ao que vemos, comparando as velocidades observadas de galáxias individuais do aglomerado de Coma com as velocidades calculadas a partir da massa total do aglomerado. Esses dados foram conseguidos pela relação entre massa e luminosidade, comparando os resultados obtidos com outros resultados de outras populações estelares já documentadas na época.

O resultado foi contundente: para explicar as velocidades significativas das galáxias do aglomerado essa estrutura deveria ser muito massiva, maior que sugeria sua luminosidade. Uma parte do aglomerado não brilhava mais e, portanto, segundo Zwicky, deveria ser formada por “Dunkel Materie” (matéria sombria).

Essa “matéria sombria” era composta de que? Inicialmente duas hipóteses permearam o ambiente científico dos anos 30: trata-se de uma nova forma de matéria, que nomeamos “matéria escura”, pela sua óbvia invisibilidade, ou matéria convencional emitindo luz muito fraca. De fato existe muita matéria no espaço que simplesmente não faz parte de uma estrela e por isso não brilha, é o caso da poeira estelar, não visível por não brilhar, mas detectável pelos efeitos gravitacionais que produz nos corpos celestes ao seu redor.

Mas essa matéria convencional, como o gás ionizado e a poeira cósmica, por exemplo, sem luz própria sempre é atingida por fótons das estrelas ao seu redor, absorvendo e refletindo o eletromagnetismo que recebem e assim podem ser captadas pelos aparelhos de leitura de frequência de onda de raios-x ou infravermelho.

As estrelas e a matéria detectável pelos instrumentos conhecidos são apenas uma pequena parte de toda a matéria contida no universo.

A física nuclear nos fornece mecanismos para que possamos pesar o universo.

A nucleossíntese primordial iniciada no primeiro segundo depois do Big Bang, gerou tanto calor que os prótons e nêutrons recém-formados não conseguiam se combinar para formar núcleos atômicos. Esse processo só começou no fim desse primeiro segundo, quando a temperatura caiu a menos de 1 bilhão de graus.

Nessa época o universo já era extremamente rarefeito: a densidade média da matéria não chegava a alguns gramas por metro cúbico, ou seja muito menos denso do que o ar atmosférico. O período em que o Universo não era nem muito quente, nem muito frio para permitir que prótons e nêutrons se combinassem formando hélio foi relativamente curto (alguns minutos apenas). Além disso, para a combinação ocorrer, é preciso que prótons e nêutrons se encontrem, o que é muito mais provável quando o número de partículas por unidade de volume é mais elevado. Portanto, se conhecermos observacionalmente a quantidade de hélio produzida durante o Big Bang é possível inferir a densidade de matéria à época. E a partir daí deduzir informações sobre a densidade atual, desde que o fator de rarefação devido à expansão cósmica seja conhecido.

Observações de galáxias distantes, como estrelas que mal tiveram tempo de produzir grandes quantidades de hélio, indicam que aproximadamente 24% da matéria convencional é formada por hélio, o que indica, segundo as leis da física nuclear, que a densidade média da matéria atualmente é de aproximadamente 0,2 prótons /m³. Isso representa mais do que podemos obter por observação direta ,mas está longe do suficiente para explicar as velocidades das estrelas em galáxias, e de galáxias em aglomerados galáticos.

Podemos determinar a composição do universo em termos de matéria convencional de forma talvez ainda mais indireta, estudando a primeira luz emitida – a radiação cósmica de fundo. Essa radiação foi emitida quando o universo tinha cerca de 370 mil anos e representa praticamente uma fotografia dos confins do cosmos observável àquela época.

Como a gravidade é uma força que atrai para regiões densas, a matéria começou a se distribuir de forma cada vez mais irregular no universo. Por isso, o universo jovem era muito homogêneo, o que se traduz na radiação cósmica de fundo por uma grande uniformidade de temperatura na direção de observação.

Podemos então determinar facilmente qual seria o grau de heterogeneidade do universo para que ele fosse composto unicamente de matéria convencional e, em seguida, comparar esse resultado com o mapa da radiação cósmica de fundo.

A diferença aparece no tamanho e é nítida. Se o universo jovem fosse formado apenas por matéria convencional, deveria ser 100 vezes mais heterogêneo que o observado e assim seria impossível ter acomodado a matéria escura.

As leis da gravitação são universais, o que significa que a matéria convencional e a matéria escura sofrem os mesmos efeitos do campo gravitacional. Mas elas não se distribuem da mesma maneira no universo, pois a matéria convencional interage com a luz: um átomo que absorve um fóton emite um elétron; um íon que captura um elétron emite um ou vários fótons. Esses processos fazem a matéria convencional perder energia por radiação. Já com a matéria escura ocorre exatamente o contrário. Como ela não reage com outras partículas conhecidas, não emite quantidades significativas de luz. Como consequência, a matéria convencional capturada no interior de uma concentração de matéria escura dirige-se para o centro dessa formação, dissipando energia como um satélite que perde velocidade devido ao atrito com as camadas mais altas da atmosfera.

O telescópio do projeto SDSS (o mais ambicioso levantamento astronômico da história, que pretende mapear 25% do universo observável), situado no Apache Point Observatory, no Novo México, Estados Unidos, com uma poderosíssima lente de 2,5 metros de diâmetro, determinou a posição e distância de quase 1 milhão de galáxias. Sua distribuição espacial mostra a mesma alternância característica de filamentos e regiões vazias, explicadas com a suposição da presença da matéria escura com abundância igual à que deduzimos mediante a leitura dos dados obtidos pela sonda Planck.

Todas as evidências apontam para uma matéria que interage com o campo gravitacional, pode se aglomerar e interferir na expansão das galáxias e aglomerados, mas não interage diretamente com as partículas conhecidas pela física nuclear, dando respaldo ao que os cientistas físicos da mecânica quântica chamam de anti-matéria.

Definitivamente quem crê só no que vê precisa aprender muito sobre a realidade.

(André Luís Neto da Silva Menezes, pseudônimo: Tiranossaurus Rex – publicitário, inventor, filósofo, músico, integrante da Royal Society Group e vice-presidente da Associação Canedense de Imprensa – [email protected])

Fonte: Diário da Manhã

E por que não felizes para sempre?

E por que não felizes para sempre?

Por Adriane Sabroza

Tudo bem que a vida não é um conto de fadas, que nós não somos princesas e que os príncipes, na maioria das vezes, acabam se transformando em sapos.

Tá bom, eu também acho que para sempre é muito tempo, mas que mal tem os relacionamentos acabarem bem ou, melhor dizendo, não acabarem nunca, assim como nos contos de fadas?

Por que o para sempre hoje em dia tem uma conotação negativa e acaba sendo sinônimo de tédio, falta de opção, medo da mudança ou acomodação?

Por que não acreditamos na magia do renascimento, na possibilidade de descobrir o novo em meio ao que é tão familiar e não nos arriscamos a acreditar que é possível, sim, reencontrar na pessoa que está ao nosso lado há tempos alguns dos motivos que nos fizeram, simplesmente, querer ficar?

Ainda que os sonhos não sejam os do passado ou que alguns projetos tenham fracassado, é possível olhar para o lado e reconhecer alguém por quem, um dia, tudo valeu a pena.

Claro que nem tudo vai durar para sempre e todos temos o direito, pensando melhor, o dever de procurarmos a felicidade onde quer que ela esteja. Mas penso que no mundo atual, em plena onda do fast food (a comparação aqui é proposital) tudo se tornou rápido demais, curto e passageiro.

A descontinuidade recorrente das relações não me parece uma falta de compromisso com o outro ou apenas um querer aproveitar as oportunidades. É mais uma falta de compromisso consigo mesmo, o não conseguir apostar todas as fichas pra valer, o não se dar a chance de se conhecer e se reconhecer num mesmo relacionamento durante as diversas fases que ele apresenta.

Não é ficar muito tempo com o outro que a gente não aguenta. O que não suportamos é conviver com aquilo que nos tornamos com o passar do tempo, sem a maquiagem da paixão e o disfarce da novidade. É ter que se esforçar para manter o interesse onde a rotina impera e fazer valer o que se tem de bom, lado a lado com o que não é lá tão bom assim, e que, por culpa da convivência, não há mais como esconder.

O que estou querendo dizer é que, pra aqueles que se dispõe a se aventurar ao felizes para sempre, também não há garantias e há muito trabalho a ser feito, mas que para que o final seja mesmo feliz, é fundamental se olhar de verdade e buscar o melhor possível. Não para agradar ao outro, como muitos pensam, equivocadamente, mas para si mesmo. Para que possamos viver o lado bom do “felizes para sempre”, através do reconhecimento de que estamos juntos, apesar de tudo; de que o tempo passou, mas continuamos aqui, com a nítida percepção de que valeu a pena. E de que pode, sim, ser para sempre.

Sempre, mas de um jeito novo, que se refaz e se transforma com o passar do tempo. Sempre, mas fazendo todos os necessários pit stops para reabastecer o amor e calibrar o relacionamento. Sempre, mas sabendo que príncipes e sapos são dois lados da mesma moeda e que, cá pra nós, as princesas também são meio bruxas. Sempre, lembrando que vai haver momentos em tudo o que você vai querer é estar só, mas que isso não é, de modo algum, incompatível com o estar junto. Aliás, um só é possível quando há a possibilidade do outro. Sempre, do jeito que você sonhou ou como foi possível, mas sim ( por que não?), para sempre. Afinal, como já disse alguém por aí, para sempre não é todo dia.

Adriane Sabroza

contioutra.com - E por que não felizes para sempre?Psicoterapeuta por paixão e opção, mãe de três meninas lindas, minha maior realização e, nas horas vagas, aprendiz de escritora, sem nenhuma pretensão.

Do insulto e do elogio, por Jorge Forbes

Do insulto e do elogio, por Jorge Forbes

Pobres daqueles que acreditam em insultos e desconfiam de elogios…

Existe, eu diria, um fascínio, uma sedução, uma hipnose no insulto. As pessoas ficam hipnotizadas ao serem insultadas. Ao contrário do elogio, que é sempre questionável, o insulto não deixa dúvida sobre seu alvo. Há uma tendência a dar peso de verdade ao insulto e a desconfiar do elogio.

Fomos ensinados a não tomar para nós os elogios, a justificá-los como conseqüência dos atos de outras pessoas, que nos ajudaram, ou à sorte, ao acaso. A boa educação manda dizer: “Não é bem assim”, “Não é tanto”, “É porque sou seu filho”, “Caiu nas minhas mãos”. Se por um lado desconfia-se do elogio, por outro ninguém põe o insulto sob suspeita. Ele é certeiro.

Por estar prestando uma “homenagem”, aquele que elogia se põe a serviço do elogiado: ele se faz “homem a serviço de”. Quem elogia frequentemente é criticado pelo que disse. Corre um risco porque, ao elogiar, fala mais de si que do outro: “Não seja bajulador” “Bonita, ela? Ora, você está cego!”, “Mas como você foi falar uma coisa dessas?!” , Você vai votar nesse cara?”.

Já quem insulta não fala de si. Em geral, o insultante é visto como tendo razão, ele é honesto, é verdadeiro. Por quê? Porque quem insulta toca o ser do outro. O prazer de receber um nome pode ser maior que o desprazer provocado pelo qualificativo desse nome. Quando alguém diz “filho da mãe”, o insultado pode não sentir o destrato o suficiente e dizer que ser filho da mãe não é tão grave. Mas se o outro insiste e completa a frase usando a expressão “de uma prostituta”, ele pode reagir e dizer que o insultante exagerou. Da mesma maneira que entre a vítima e seu carrasco, há certa cumplicidade entre o insultado e o insultante. A cumplicidade deriva do fato de o insultado ter recebido um nome. É melhor ser “filho da mãe” do que não ser nada, base do dito “Falem mal, mas falem de mim”.

O fragmento acima é excerto do TEXTO COMPLETO localizado no site do autor.

Jaulito, animação de 2 minutos traz profunda reflexão sobre a liberdade

Jaulito, animação de 2 minutos traz profunda reflexão sobre a liberdade

Sinopse

Jaulito é uma animação espanhola lançada em 2008. Foi selecionada entre as finalistas do concurso de melhor curta-metragem de animação da Espanha no Artfutura de 2009. É dirigido por Javier de la Torre. Jaulito nasceu trancado em uma gaiola. Um dia ele consegue escapar com ajuda de um corvo, mas jamais imaginou que a gaiola que tirava sua liberdade, era a mesma que lhe ajudava a viver.

Pensando sobre…

Aqueles que nos aprisionam o corpo são algozes menores. Carrascos de verdade não nos cortam as asas, não nos quebram as pernas, não nos cercam com grandes concretas ou com alambrados invisíveis. O verdadeiro algoz nos aprisiona alma. Faz com que o coração, embora se saiba alado, se sinta preso a emoções fixas e estanques, a medos dantescos do mundo no qual hermeticamente nos fechamos. Assim, de que vale ter asas e ver aberta a gaiola se o coração não quer a si próprio libertar? (Nara Rúbia Ribeiro)

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.
Clarice Lispector

O jardineiro e a Fräulein, história de amor verídica narrada por Rubem Alves

O jardineiro e a Fräulein, história de amor verídica narrada por Rubem Alves

Menino, ele de longe olhava os pescadores nos seus barcos levados pelo vento. Pensava que o mar não tem fim. Pensava que os pescadores eram felizes porque não precisavam plantar peixes para colher depois. O mar era generoso: ele mesmo plantava os peixes que os pescadores só faziam colher com as suas redes. Tinha inveja dos pescadores. Ele era filho de agricultores. Tinha de plantar para colher. Diferente do mar, a terra tinha fim. Todos os pedaços de terra, os menores, os mais insignificantes, todos já estavam sendo cultivados. Os pescadores, se quisessem mais, bastava-lhes navegar mar a dentro. Mas os agricultores não podiam querer mais. A terra chegara ao fim. Quem quisesse mais terra para cultivar teria que sair da terra conhecida e ir em busca de outras terras, além do mar sem fim.

E foi porque a terra chegou ao fim que ele, adolescente, seus irmãos e seus pais, entraram num navio que os levaria a uma nova terra, Buragiro… Era assim que eles, japoneses, conseguiam falar o nome Brasil…

No Brasil, Hiroshi Okumura – esse era o seu nome – conseguiu trabalho na casa de uma família de alemães. Família rica, casa de muitos criados e criadas. Ele não falava português nem alemão. Mas não importava. Seu trabalho era cuidar da horta e do jardim. E a língua da terra e das plantas ele conhecia muito bem. E foi assim que, na sua fiel e silenciosa competência de jardineiro e hortelão, ele passou a ser amado pelos seus patrões.

Mas os jardineiros têm também sonhos de amor. Jardins sem amor são belos e tristes. Mas quando o amor floresce o jardim fica perfumado e alegre. Pois esse era o segredo que morava na alma do jardineiro japonês: ele amava uma mulher, uma alemãzinha, serviçal também, todos a tratavam por “Fräulein”. Cabelos cor de cobre como ele nunca vira no seu país, pele branca salpicada de pintas, olhos azuis, e um discreto sorriso na sua boca carnuda que se transformava em risada, quando longe dos patrões. Era ela que lhe trazia o prato de comida, sempre com aquele sorriso…

E ele sonhava. Sonhava que suas mãos acariciavam seus cabelos. Sonhava que seus braços a abraçavam e os braços dela o abraçavam. Sonhava que sua boca e sua língua bebiam amor naquela boca carnuda… E a sua imaginação fazia aquilo que faz a imaginação dos apaixonados: se imaginava num ritual de amor, delicado como a cerimônia do chá, tirando a roupa da Fräulein e beijando a sua pele…

Mas era apenas um sonho. Olhava para seu corpo atarracado, para sua roupa rude de jardineiro, para suas mãos sujas de terra, para seus dedos ásperos como pedras. A Fräulein pertencia a um outro mundo distante do seu mundo de jardineiro.

Seu amor nunca saiu da fantasia. Ninguém nunca soube.

Os anos passaram. Ele ficou velho. A Fräulein também envelheceu. Mas o amor não diminui. Para ele, era como se os anos não tivessem passado. Ela continuava a ser a meninota sardenta. O amor não satisfeito ignora a passagem do tempo. É eterno.

Chegou, finalmente, o momento inevitável: velho, ele não mais conseguia dar conta do seu trabalho. Seus patrões, que o amavam profundamente, pensaram que o melhor, talvez, fosse que ele passasse seus últimos anos num lar para japoneses idosos, uma grande área de dez alqueires, bem cultivada, com pássaros, flores e um lago com carpas e tilápias. Ele concordou. Visitou o lar mas, por razões desconhecidas, não quis viver lá. Achou preferível viver com parentes, numa cidade do interior. Mas o fato é que os velhos são sempre uma perturbação na vida dos mais novos. São, na melhor das hipóteses, tolerados. E a sua velhice se encheu de tristeza.

Um dia, movido pela saudade, resolveu visitar a casa onde passara toda a sua vida e onde vivia a Fräulein. Contaram-lhe que ela fora internada num lar para idosos alemães. Estava muito doente. Quis visitá-la. Encontrou-a numa cama, muito fraca, incapaz de andar.

E então ele fez uma coisa louca que somente um apaixonado pode fazer: resolveu ficar com ela. Recusou-se a sair. Passou a dormir ao seu lado, no chão. Cuidava dela como se cuida de uma criança. O extraordinário é que a enfermeira-chefe compreendeu e fez como se nada estivesse vendo… Desrespeitou o regulamento.

A Fräulein estava muito fraca. Não conseguia mastigar os alimentos. Não conseguia comer. Aconteceu, então, um ato assombroso de amor que os que não estão apaixonados jamais compreenderão: o jardineiro passou a mastigar a comida que então colocava na boca da agora “sua” Fräulein.

Nunca ninguém viu, nunca ninguém me contou. Imaginei. Imaginei que quando estavam sozinhos, sem ninguém que os visse, o jardineiro encostava seus lábios nos lábios da Fräulein, e assim lhe dava de comer… Assim o fazem os namorados apaixonados, lábios colados, brincando de passar a uva de uma boca para a outra…

E assim, ao final da vida, o jardineiro beijou sua Fräulein como nunca imaginara beijar…

Rubem Alves
Conheçam o Instituto Rubem Alves e participem de seus projetos.

Casal de dançarinos encanta ao apresentar-se em uma plataforma de metrô

Casal de dançarinos encanta ao apresentar-se em uma plataforma de metrô

Os bailarinos americanos Phillip Chbeeb e Renee Kester deram um espetáculo de beleza e sensibilidade ao realizar uma apresentação tendo como cenário uma plataforma de metrô.

Para Phillip “Todos dizem que é difícil superar a dor… e é mesmo. Desde que somos crianças, ouvimos que devemos nos agarrar ao melhor de nossas experiências e descartar as piores. Mas o que acontece quando nossas mais lindas memórias do passado prejudicam nosso futuro?”, conta o dançarino na descrição de seu vídeo no youtube.

Concept/Choreography:
Phillip Chbeeb
Renee Kester

Editing: Phillip Chbeeb
Música: “Slip” de Elliot Moss

Desejo de palco

Desejo de palco

A atriz Lorenna Mesquita estreia hoje, em São Paulo, o solo teatral Florbela Espanca – a hora que passa. O espetáculo é resultado de três anos de pesquisa da atriz sobre a vida e obra dessa grande poeta portuguesa, conhecida pela intensidade com que escrevia e por apresentar ideias muito avançadas para a década de 20 e ainda bastante atuais, sobretudo em relação ao comportamento feminino. Inclusive, pela postura que adotava em sua vida, Florbela é considerada uma das primeiras feministas. Mas a poeta não levantava nenhuma bandeira social ou política. Apenas queria ser respeitada e ter os mesmos direitos que os homens possuíam na época em que viveu.

Há mais de um ano em cartaz, a montagem já foi vista duas vezes em Portugal, em temporadas de 40 e de 30 dias por 19 cidades; além dos Estados Unidos e Cabo Verde. No Brasil, o espetáculo esteve em três temporadas em São Paulo e também viajou para Belém do Pará, terra natal da atriz onde há uma grande colônia portuguesa.

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Lorenna Mesquita como Florbela – Foto Aline Serra

Desta vez, a reestreia do espetáculo terá um sabor especial. Lorenna Mesquita está grávida de oito meses e vai ficar em temporada até o fim de julho, quando entra no nono mês de gestação. Na sua gravidez, seu desejo é pelo palco.

“Apresentar Florbela grávida é muito mágico. Já passei por três etapas da gravidez e cada uma delas foi diferente. Quando apresentei o espetáculo nos Estados Unidos, no início de janeiro, eu desconfiava da gravidez, mas ainda não tinha certeza. Lembro de ter passado a mão na barriga durante uma cena. De volta ao Brasil reestreei Florbela em São Paulo e já sabia que estava grávida. Mas a barriga ainda não aparecia e o público nem desconfiou. Foi uma temporada difícil, pois no início da gestação sentia dores (por conta da expansão do útero) e algumas movimentações precisaram ser adaptadas. E agora, com essa barriga enorme, também tivemos que modificar algumas marcações que eram feitas no chão.”, comenta.

Para o público também será inusitado ver uma Florbela grávida. “Em Cabo Verde, o escritor português Rui Zink disse que iria ver pela primeira vez um monólogo com duas pessoas no palco. Até então, eu não tinha me dado conta que de fato o público iria ver um espetáculo diferente. É impossível ignorar que esta mulher está grávida. E tudo o que ela diz durante o espetáculo e com toda a força que possui, acaba sendo um contrasta com essa barriga aparente. O teatro é sempre único. Cada sessão é diferente da outra. E desta vez, é mais diferente ainda.”, reforça a atriz.  

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Lorenna Mesquita como Florbela – Foto Aline Serra

Com direção de Fabio Brandi Torres, o solo teatral apresenta Florbela Espanca como uma mulher angustiada e ao mesmo tempo forte, exigindo da atriz uma carga emocional muito grande. Lorenna Mesquita conta que numa das primeiras sessões em São Paulo, chegou a sair do teatro com dores no peito que só passaram após alguns dias. “Mexemos com sentimentos muito fortes. Além da angústia, tem a tristeza da Florbela por ter sido tão incompreendida e se sentir abandonada e esquecida por sua família e rodas sociais”, conta. A montagem também apresenta uma Florbela apaixonada, querendo amar a tudo e a todos; uma Florbela irônica, debochando da vida, altiva. “Procuramos mostrar as várias faces dessa mulher, que é contraditória em suas ações e suas palavras de acordo com cada momento da vida. Ela, como cada um de nós, muda de pensamento segundo suas nossas experiências. E é justamente essa a grande riqueza do espetáculo: mostrar a pessoa por detrás daqueles versos”, comenta a atriz.

É por isso que mesmo quem não conhece a poeta portuguesa e assiste o espetáculo também se emociona. A peça não é um recital de poesia, são as ideias de Florbela Espanca apresentadas num fluxo de pensamento, durante a hora que antecede a sua morte. Ela fala de destino, amores, dores, sonhos, desilusões, paixões. É um espetáculo para quem quer ouvir sobre vida e se emocionar.

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Florbela Espanca – A Hora que Passa – Fotografia Vagner Click

Florbela Espanca – a hora que passa

Temporada: 2 a 30/7

Sempre às quintas-feiras

Hora: 21h

Local: TOP Teatro – Rua Rui Barbosa, 201. Bela Vista – São Paulo

Ingressos: 30 reais

50% de desconto para os seguidores das páginas CONTI outra, artes e afin e Mia Couto

Abaixo, a CONTI outra, artes e afins traz uma entrevista exclusiva com a atriz, feita por Nara Rúbia Ribeiro.

Lorenna, você consegue se lembrar da primeira vez em que teve contato com a poesia de Florbela? Como foi? Quando surgiu o interesse na séria pesquisa sobre Florbela e sua obra?

Quando descobri as poesias da Florbela Espanca, eu me apaixonei perdidamente. Eu queria saber quem era aquela mulher que escrevia com tanta intensidade, às vezes por meio de metáforas que transmitiam cores, cheiros, imagens capazes de nos fazer sentir exatamente o que ela estava sentindo; outras vezes de forma crua e dura. Na época, eu estava procurando um monólogo, mas não encontrava nenhum texto que me tocasse de verdade. Eu queria alguma coisa profunda, que pudesse emocionar o público. E quando me deparei com os poemas de Florbela, eu senti que realmente havia encontrado o que eu tanto procurava. E pressentia que esse trabalho iria mudar a minha vida.

O monólogo “Florbela Espanca – A hora que passa” é muito festejado pela crítica e aplaudido por aqueles que tiveram o privilégio de assistir. Diga-nos como foi escrito o monólogo. Você mesmo o escreveu? Ele virou livro?

Eu comecei a pesquisa da obra de Florbela Espanca em 2011 e dois anos depois eu tinha em mãos um texto dramatúrgico de 3 horas de espetáculo. Eu sentia que ainda não seria o texto final, que faltava lapidá-lo. E decidi viajar a Portugal para conhecer as principais cidades em que ela viveu: Vila Viçosa (nascimento), Évora (juventude) e Matosinhos (morte). Eu tinha que respirar os mesmos ares, olhar para as ruas onde ela havia andado, ver as casas em que ela morou, mesmo que não conservadas. Em Matosinhos, consegui entrar na casa em que ela viveu com o terceiro marido. Visitei todos os cômodos, inclusive, o quarto onde ela teria cometido o suicídio. Todas essa imagens foram muito enriquecedoras para a minha pesquisa e para o meu trabalho como atriz. De volta ao Brasil, conheci o diretor e dramaturgo Fabio Brandi Torres e o convidei para o projeto. E juntos fizemos experimentações em sala de ensaio e construímos uma nova dramaturgia, a que o público conhece hoje e que também virou livro. Inclusive, o livro traz fotos do Vagner Click, com a primeira experimentação pública da peça.

Diga-nos sobre a sua experiência internacional com esse espetáculo. Como tem sido levar a emoção de Florbela a outros países? Como foi participar das festividades de aniversário de Florbela em sua terra natal?

A receptividade do público nos outros países tem sido um grande presente. Sempre vemos pessoas muito comovidas na platéia, com os olhos marejados. Isso ocorre porque no espetáculo falamos sobre vida e esse é um assunto universal. Em Portugal, ainda foi mais especial, porque ouvimos dos portugueses que mostramos a eles uma Florbela que eles não conheciam, que “precisou vir uma brasileirinha apresentar Florbela pra gente”. Saber disso foi tão gratificante. E voltar com esse espetáculo nos 120 anos de nascimento da poeta, foi ainda mais especial. No dia do aniversário dela, em 8 de dezembro, em Vila Viçosa, fui convidada para declamar em praça pública, na frente do seu busto, o poema “Amar!”. Nessa hora passou um filme na minha cabeça. Eu havia estado naquele mesmo local, em 2013, para pesquisar sobre sua vida e pouco mais de um ano depois, eu estava declamando um poema de Florbela para a comunidade no dia do aniversário dela. Não agüentei a emoção e recitei o poema chorando.    

E, para finalizar, Lorenna Mesquita tem muito de Florbela? Se você pudesse definir essa sua experiência com a poesia de Florbela em uma só palavra, que palavra seria?

O que eu tenho de Florbela é a intensidade. Quando eu me entrego a alguma coisa ou a alguém, é com minha alma que eu faço isso. É por isso que viver Florbela Espanca em cena é sempre muito forte. Eu não consigo fingir. Tudo o que eu faço ou falo, como Florbela, é de verdade. E também tem uma mistura de sentimentos. Florbela mudou a minha vida. Transformou minha carreira como atriz e me deu a família que eu tenho hoje. Esse filho que tenho na barriga é fruto desse projeto, da minha união com o Fabio Brandi Torres, resultado de um grande encontro que vida e Florbela me deram de presente. Se for para resumir em uma só palavra essa experiência, a palavra é GRATIDÃO.

Sobre Marietas, Jôs & Rouanet

Sobre Marietas, Jôs & Rouanet

“Somente quem mama na teta do governo pode falar bem como ela. Os brasileiros que se dane. Até um teatro ela construiu no Rio. Espero que como eu ninguém mais vá prestigiar esta mulher que não ama o pais”

“Vaca igual ao safado do ex marido!”

“Vendida!”

 “Só podia, agora é moda só fala e elogia se receber, que pais é esse?”

“Eu tinha um apreço por esta senhora mas perdeu toda credibilidade com o Brasil ela e o gordo sem caráter”

Muita gente já viu aquele vídeo em que o Chico Buarque morre de rir, contando como foi quando ele descobriu que a internet é um poço de ódio. Só espero que a Marieta Severo tenha a mesma reação que ele, já que tudo o que tá escrito aí em cima foi dirigido a ela, em uma página do Facebook. Da última vez que dei uma olhada lá, tinha mais umas centenas de comentários desse mesmo teor, que publicou esse post aí embaixo.

contioutra.com - Sobre Marietas, Jôs & Rouanet

         Não existe nada que faça perder mais a fé na espécie humana do que ler os comentários de um sites de notícias. Opiniões raivosas baseadas em falsas premissas sempre existiram, claro, não foram inventadas pela internet. Dizem que eram os comentários de mesa de bar, que antes só podiam atingir três ou quatro pessoas, e agora são expostos para milhões. Outra coisa que também não é invenção da web é usar mentiras e desinformação para dirigir o ódio de um grupo. Mas o que é a grande contribuição desse meio, é o poder e a intensidade com que ele atinge um número enorme de pessoas.

         E tudo é possível. Alguém resolveu criar um post, dizendo que a combinação de camarão e vitamina C causa envenenamento por arsênico. Se você parar dois segundos pra pensar – ou se quiser economizar neurônios e só se lembrar de alguma vez em que tenha espremido um limãozinho em cima do camarão em alguma praia – vai perceber que a notícia é absurda. Mas milhares de pessoas compartilharam essa notícia. Vez por outra, ela volta a aparecer na timeline, assim como notícias de sites de humor, postadas como se fossem verdadeiras.

         Esses comentários que eu separei aí em cima foram postados no Facebook, em resposta a uma suposta denúncia. Uma acusação, na verdade. Todo esse carinho foi motivado por uma postagem que acusa Marieta de ter defendido o PT pela simples razão de ter recebido dois milhões de reais do governo.

         No meio dos comentários, tem gente que tenta argumentar que Marieta não defendeu o PT, só fez uma afirmação que pode ser medida por qualquer pessoa que se disponha a fazer uma pesquisa séria. E que muito menos recebeu dois milhões de reais do governo, no máximo teve um projeto com esse valor aprovado na Lei Rouanet, se é que isso é verdade. (O site usou uma imagem ilegível, de definição bem baixa – como tudo o mais – nesse post.) Mas existe um prazer enorme em poder exercitar a maldade quando se acha que se está com a razão. Se alguém contestar o seu comportamento, sempre dá pra dizer que você fazia o que achava que era certo. E é com isso que contam esses sites que se especializam em espalhar boatos, destruir reputações e incitar o ódio: a sua participação bem-intencionada.

         Claro que ninguém é inocente. Em termos de internet, só acreditamos naquilo que já estamos predispostos a acreditar. Quem odeia um partido, vai acreditar em qualquer boato que sirva para desmoralizá-lo, por mais duvidoso que seja o boato. Na verdade, tanto faz se a pessoa acredita ou não, o importante é passar a desinformação pra frente. Tenho amigos virtuais que bradam contra a corrupção, mas sempre que podem, compartilham um boato, uma mentira, qualquer coisa que ajude a provar que estão certos em seu ódio.

         A Lei Rouanet tem sido usada sempre que se quer desqualificar alguém por um suposto apoio dado ao governo, como aconteceu nesse caso da Marieta e com Jô Soares. Pra funcionar, é preciso contar com a ignorância das pessoas sobre os mecanismos da Lei, mas eu tenho visto gente da área artística, gente que sabe como funciona a Rouanet, passando esse tipo de postagem pra frente. Não tá na hora de parar pra pensar se esse tipo de comportamento também não é uma forma de corrupção? Talvez esteja mesmo na hora de pensar. Pensar, por exemplo, se vale a pena destruir a reputação de uma pessoa pra se afirmar uma ideia. De um dia pro outro, Marieta Severo se tornou um ser desprezível, sem caráter, pra pessoas que antes a admiravam,. A gente tem que pensar no que significa esse poder todo. E pra ajudar a pensar, mais alguns comentários dirigidos pra Marieta, na forma como foram escritos:

         “Deve está recebendo dinheiro do roubo do governa deve fazer parte da quadrilha de safados ladrão”

         “Mais uma pro meu caderninho, vai se juntar com Toni ramos.zecuamargo, josoares ….”

         “Decrpcionante magouo os fãs.”

“O animal satisfeito dorme”, texto de Mário Sérgio Cortella

“O animal satisfeito dorme”, texto de Mário Sérgio Cortella

O sempre surpreendente Guimarães Rosa dizia: “o animal satisfeito dorme”. Por trás dessa aparente obviedade está um dos mais fundos alertas contra o risco de cairmos na monotonia existencial, na redundância afetiva e na indigência intelectual. O que o escritor tão bem percebeu é que a condição humana perde substância e energia vital toda vez que se sente plenamente confortável com a maneira como as coisas já estão, rendendo-se à sedução do repouso e imobilizando-se na acomodação.

A advertência é preciosa: não esquecer que a satisfação conclui, encerra, termina; a satisfação não deixa margem para a continuidade, para o prosseguimento, para a persistência, para o desdobramento. A satisfação acalma, limita, amortece.

Por isso, quando alguém diz “fiquei muito satisfeito com você” ou “estou muito satisfeita com teu trabalho”, é assustador. O que se quer dizer com isso? Que nada mais de mim se deseja? Que o ponto atual é meu limite e, portanto, minha possibilidade? Que de mim nada mais além se pode esperar? Que está bom como está? Assim seria apavorante; passaria a idéia de que desse jeito já basta. Ora, o agradável é quando alguém diz: “teu trabalho (ou carinho, ou comida, ou aula, ou texto, ou música etc.) é bom, fiquei muito insatisfeito e, portanto, quero mais, quero continuar, quero conhecer outras coisas.

Um bom filme não é exatamente aquele que, quando termina, ficamos insatisfeitos, parados, olhando, quietos, para a tela, enquanto passam os letreiros, desejando que não cesse? Um bom livro não é aquele que, quando encerramos a leitura, o deixamos um pouco apoiado no colo, absortos e distantes, pensando que não poderia terminar? Uma boa festa, um bom jogo, um bom passeio, uma boa cerimônia não é aquela que queremos que se prolongue?

Com a vida de cada um e de cada uma também tem de ser assim; afinal de contas, não nascemos prontos e acabados. Ainda bem, pois estar satisfeito consigo mesmo é considerar-se terminado e constrangido ao possível da condição do momento.

Quando crianças (só as crianças?), muitas vezes, diante da tensão provocada por algum desafio que exigia esforço (estudar, treinar,EMAGRECER etc.) ficávamos preocupados e irritados, sonhando e pensando: por que a gente já não nasce pronto, sabendo todas as coisas? Bela e ingênua perspectiva. É fundamental não nascermos sabendo e nem prontos; o ser que nasce sabendo não terá novidades, só reiterações. Somos seres de insatisfação e precisamos ter nisso alguma dose de ambição; todavia, ambição é diferente de ganância, dado que o ambicioso quer mais e melhor, enquanto que o ganancioso quer só para si próprio.

Nascer sabendo é uma limitação porque obriga a apenas repetir e, nunca, a criar, inovar, refazer, modificar. Quanto mais se nasce pronto, mais refém do que já se sabe e, portanto, do passado; aprender sempre é o que mais impede que nos tornemos prisioneiros de situações que, por serem inéditas, não saberíamos enfrentar.

Diante dessa realidade, é absurdo acreditar na idéia de que uma pessoa, quanto mais vive, mais velha fica; para que alguém quanto mais vivesse mais velho ficasse, teria de ter nascido pronto e ir se gastando…

Isso não ocorre com gente, e sim com fogão, sapato, geladeira. Gente não nasce pronta e vai se gastando; gente nasce não-pronta, e vai se fazendo. Eu, no ano que estamos, sou a minha mais nova edição (revista e, às vezes, um pouco ampliada); o mais velho de mim (se é o tempo a medida) está no meu passado e não no presente.

Demora um pouco para entender tudo isso; aliás, como falou o mesmo Guimarães, “não convém fazer escândalo de começo; só aos poucos é que o escuro é claro”…

Excerto do livro “Não nascemos prontos! – provocações filosóficas”. De Mário Sérgio Cortella

Em novo vídeo, Ana Claudia Quintana Arantes fala sobre a vida, o tempo e a morte

Em novo vídeo, Ana Claudia Quintana Arantes fala sobre a vida, o tempo e a morte

A morte ensina a viver

Para a geriatra e especialista em cuidados paliativos Ana Claudia Quintana Arantes, lidar com a morte nos ensina a aproveitar melhor o tempo. Pensar sobre o assunto, explica, ajuda a tomar decisões com lucidez e aproveitar mais as conquistas.

Esse material foi publicado originalmente pelo site NAMU, espaço que recomendamos sem reservas.

Direção: Alessandra Haro
Reportagem: Daniel Cunha
Produção: Guilherme Speranzini
Câmera: Cintia Pimentel e Sandra Adami
Edição e finalização: Cintia Pimentel

Dica de livro: Sobre A Morte E O Morrer

“Devagar, crianças”- um texto de Ligia Moreiras Sena

“Devagar, crianças”- um texto de Ligia Moreiras Sena

Por Ligia Moreiras Sena

O ano corre, as tarefas do mundo adulto se sobrepõem, se acumulam, nos sobrecarregam e a chegada dessa época do ano traz junto a sensação de que “ufa, enfim será possível relaxar”, mesmo que por poucos dias.
Fazemos planos de andar pela casa de pijama, ou de deixar o celular no mudo, ou de não responder aos e-mails, ou de acordar bem cedo apenas para saborear lentamente um cafezinho bem passado, ou de dormir até meio-dia, ou qualquer outra coisa que, para cada um de nós, represente um momento de pausa em meio a tantos compromissos, que devoram nosso tempo, engolem nossa energia e nos levam muitas vezes à beira da exaustão, física, mental e emocional.

Nessa correria – e na pausa dela, que as festas representam para muitos de nós – acabamos esquecendo que as crianças também podem estar exaustas.

Muitas vezes achamos que, por serem crianças, não se preocupam com nada, não se cansam com tanta facilidade, têm toda a energia do mundo e não precisam de tanto descanso assim, já que não têm “compromissos sérios” ou “grandes responsabilidades”.

Mas isso é um grande erro, fruto do “adultismo”, um jeito de ver o mundo que supervaloriza o adulto em detrimento das crianças, que as considera menos capazes de decisões sobre si, ou menos conscientes do que se passa à sua volta, ou menos envolvidas na rotina por vezes massacrante de suas famílias, um jeito de ver o mundo que as oprime e as secundariza na ordem do dia. É o adultismo, inclusive, que faz com que muitas famílias criem para suas crianças uma agenda de compromissos quase desumana, a fim de que desenvolvam habilidades, responsabilidades, organização, foco, meta. Isso tudo com 3, 4, 5, 6 aninhos, ou mais. É claro que esses pais e mães acreditam verdadeiramente que, agindo assim, estão fazendo o melhor para elas, proporcionando experiências ricas, que farão a diferença no futuro e trarão melhores oportunidades. Então as matriculam na escola tradicional, e na aula de inglês, no judô, no balé, na musicalização, na ginástica olímpica, no piano e em mais uma infinidade de tarefas e compromissos.

Mas a ausência de tais compromissos excessivos também não é sinônimo de vida infantil tranquila e sem cansaços. Crianças que não seguem uma agenda corrida ou extremamente exigente, que podem levar a vida com mais flexibilidade, que não estão inseridas em rotinas tão rígidas, também podem estar bastante cansadas. Isso porque existe um tipo de exaustão tão ou mais importante que a física: a emocional.

Engana-se quem pensa que uma criança estará sempre protegida contra as intempéries ou mudanças vividas por sua família, ainda que a família se esforce muito para protegê-la. Crianças sentem tudo. Podem não saber os detalhes das situações, mas sentem exatamente que algo está acontecendo. Sentem a tensão, vivem a dúvida, sentem o que seus pais e mães também estão sentindo. E isso não é algo de todo ruim não, pois mostra que a criança é membro ativo e participante daquela dinâmica familiar, que não é apenas um figurante, e que as decisões tomadas também passam por elas – e muitas vezes são pensadas e tomadas justamente em função delas. Mas sempre é importante lembrar: crianças sentem e vivem o que seus pais e mães estão sentindo e vivendo, estão vinculadas a eles – pelo menos espera-se que estejam, e de maneira positiva…-, sentem suas alegrias e angústias, preocupam-se com eles.

Então chegam as férias e festas de fim de ano, que para tantos é sinônimo de brincar, de se divertir, de estímulo, aventura e descoberta. Algumas famílias chegam a planejar dezenas de atividades divertidas e estimulantes para entreter seus filhos. E começa a corrida contra o “tédio infantil”. Corra. Brinque. Divirta-se. Chame seu vizinho para jogar bola com você. Vamos para a colônia de férias. Invente novas brincadeiras. Não desperdice seu tempo e seu verão dormindo. Não fique aí parado. Vá andar de bicicleta. Vá jogar seu novo jogo eletrônico, ou testar um novo equipamento. Faça alguma coisa para se divertir. Mantenha-se ativo.
Mas essa associação quase obrigatória entre criança e estímulos – quando acreditamos que é preciso estimular as crianças cada vez mais para que tenham seu tempo preenchido – pode não ser tão positiva quanto se pensa. Podemos estar atropelando as crianças. Podemos estar sobrecarregando quem também precisa descansar.

Podemos estar esquecendo de ensiná-las que nem sempre ausência de atividade é sinônimo de tédio e que, muitas vezes, tédio é apenas falta de um olhar acolhedor sobre o descanso, sobre momentos de tranquilidade em meio à tão conhecida agitação.
Crianças precisam descansar. Física e mentalmente também, mas principalmente emocionalmente. E as férias são ótimos momentos para isso.

Elas precisam ficar sem fazer nada. E entenda que o “nada” aqui não tem a conotação de “ficar parada em frente à tv, computador ou qualquer outro eletrônico”. Tem, isso sim, conotação de CONTEMPLAÇÃO. Contemplação, descanso, relaxamento, tranquilidade. Dormir o quanto quiser. Proporcionar conversas tranquilas e agradáveis com elas. Preparar um café da manhã com calma, paz e tranquilidade, junto com elas. Não soterrá-las em brinquedos mil. Curtir uma preguicinha juntos. Contar histórias “de cabeça”, inventar algumas, e não apenas seguir roteiros prontos ou livros de histórias. Observar o mundo ao redor. Calmamente. É preciso ensinar as crianças a valorizarem seu tempo livre, seu tempo ocioso. E mostrar que é também na ausência de atividades que elas podem se conhecer melhor, se observar, entrar em contato com elas mesmas.

Crianças são esponjas humanas. Absorvem tudo ao seu redor, inclusive durante momentos de tensão ou de dificuldades. Elas também se sobressaltam. Elas também ficam exaustas. Elas também precisam descansar, relaxar, contemplar, ficar de pernas e papo para o ar, ouvir o silêncio que vem de si mesmas e desenvolver uma boa relação com isso.

Ensinar as crianças a bem acolherem seus silêncios internos, a bem se relacionarem com os momentos de ócio, é ensinar um futuro adulto que ele não precisa fugir de si ou ter medo de estar sozinho. Que calmaria não significa ausência. Que não é preciso ir atrás de pessoas e aventuras a todo custo. E que contemplação dá um significado ainda mais especial à vida.

Estou viajando com minha filha e assim ficaremos por mais alguns dias. Estamos hospedadas em um trailer pequeno e aconchegante. Trouxemos alguns poucos brinquedos, massas de modelar, um caderno de desenho, lápis, canetas e agora ela acaba de ganhar uma bicicleta. Não temos horários para nada. Acordamos quando os olhos se abrem. Dormimos quando dá sono. E tenho observado atentamente seu comportamento. Ela desacelerou completamente, talvez que pelo simples fato de termos rompido a rotina. E olha que é uma criança sem agenda corrida, sem horários rígidos, e com uma rotina bastante flexível e amigável. Mas acontece que ela vive tudo o que eu vivo, sente o que eu sinto, é parte ativa e participante da família e minhas decisões sempre a envolvem de maneira decisiva. E assim, estando tão fortemente vinculada a mim, pode sentir o que sinto, viver o que vivo, ainda que em grau diferente.

Ontem, quando estávamos deitadas descansando, eu contando para ela, no aconchego do trailer, uma história de uma personagem que criei há um certo tempo e que a acompanha em seu crescimento, ela se levantou, olhou para mim e disse:

– Mamãe, estou adorando essa viagem…
Mostrei-me feliz, disse que também estava amando viajar com ela e perguntei do quê ela estava gostando mais.
– Ah, mamãe… Estou gostando que aqui as coisas não acontecem o tempo todo.
Surpresa com a resposta, pedi que me explicasse melhor o que estava sentindo.
– É que lá em casa a gente fica fazendo, fazendo, pensando, pensando. As coisas ficam acontecendo o tempo todo. É isso, é aquilo. Muita coisa acontecendo. A gente fica feliz, depois fica triste, e depois tem correria. E as coisas não param de acontecer. Aqui a gente pode ficar de preguicinha, e sempre juntas, e descansar muito. E as coisas não acontecem o tempo todo.
Perguntei:
– Você gosta quando as coisas não acontecem o tempo todo, filha?
– Sim, mamãe. Eu fico cansada quando você fica cansada. A gente tem que fazer férias sempre. Férias mesmo se a gente não for viajar. Pras coisas pararem de acontecer. Todo mundo tem que descansar. Criança também tem que descansar…

Nesse mundo tão corrido, não nos esqueçamos disso: crianças também precisam descansar. Precisam de ócio, de silêncio, de contemplação.
Ensinar, ainda na infância, que silêncio e solitude não são sinônimos de solidão e que calmaria nem sempre é tédio, é criar adultos que não sintam necessidade de buscar emoções a todo custo apenas para fugirem de si mesmos.

Estejamos atentos.
Onde houver criança, que possamos ir mais devagar.

O texto acima faz parte do acervo do blog Cientista que virou mãe, espaço que recomendamos para mais materiais sobre a temática.

Se o mundo fosse acabar, dançaria contigo

Se o mundo fosse acabar, dançaria contigo

Por Fabrício Carpinejar

Minha namorada me convidou para dançar em público.

Público significa meus amigos e os dela em nosso apartamento. Era uma festa com mais de 35 pessoas.

Dançar para os outros é uma loucura para mim: eu que me encostava nas paredes na adolescência, eu que mexia a garrafa de cerveja para fingir desinteresse na pista das baladas, eu que era travado e de pernas duras, incapaz de sambar sem olhar para os pés.

Em um único movimento de mãos, com seu gesto de bandeja “Vem fazer uma performance!”, Katy desafiou todo o meu passado, todas as minhas amarras, todas as minhas fobias.

– Performance? Que performance?, questionei.

– A que vamos inventar – ela respondeu.

O salão abriu para nos assistir. Tremia, mas fechei as pálpebras com a consciência de uma boca.

Ela colocou nossa música, “O Último Dia”, de Paulinho Moska, e me puxou com força.

Rodopiamos, descemos os joelhos, ela confiava em mim, ela dançava simples e fácil, como o vento é simples e fácil a uma criança – pegava impulso para o balanço e chegava o mais próximo possível das traves.

Jogava os cabelos para trás e me adivinhava. Seus braços eram pernas, suas pernas eram asas enraizadas em minha cintura, voei com os ouvidos.

O ritmo recebia apenas uma breve trégua dos lábios ou do rosto roçando, para o torvelinho nos arremessar de novo aos lados. Não concebia se aquilo que fazíamos era dança ou patinação artística.

Não encarava mais ninguém, o apartamento foi esvaziado pelo nosso desejo de se pertencer, de não ser ninguém para ser dois.

Celebrávamos o amor, nos oferecíamos ao amor, amadores e espontâneos em cada movimento, viscerais e intuitivos, animais que confundem fome e pressa.

No final da canção, ela se curvou e não estava próximo para segurar sua cintura. E caímos com violência no chão.

Só deu tempo de deixar meu dorso como travesseiro de sua cabeça.

Enquanto os amigos acreditavam que havíamos nos machucado, descobríamos que havíamos nos curado.

Deitados no tapete, gargalhamos da ensurdecedora queda. Porque a queda é também improviso. A queda é onde acontece o melhor abraço. O mais humilde abraço. O mais sincero abraço.

Naquele momento antes de subir e finalizar a coreografia, lembrei de nossa conversa durante o primeiro beijo.

Eu tinha dito com orgulho “Somos muitos!”, quando ela me corrigiu “Temos que ser menos, cada vez menos, até ser um só”.

Em uma noite, aprendemos a cair juntos, a nos levantar juntos, a matar o medo do vexame.

Publicado no site Vida Breve

Amor pacífico e fecundo, um poema de Rabindranath Tagore

Amor pacífico e fecundo, um poema de Rabindranath Tagore

Amor pacífico e fecundo

Não quero amor
que não saiba dominar-se,
desse, como vinho espumante,
que parte o copo e se entorna,
perdido num instante.Dá-me esse amor fresco e puro
como a tua chuva,
que abençoa a terra sequiosa,
e enche as talhas do lar.
Amor que penetre até ao centro da vida,
e dali se estenda como seiva invisível,
até aos ramos da árvore da existência,
e faça nascer
as flores e os frutos.
Dá-me esse amor
que conserva tranquilo o coração,
na plenitude da paz!

Rabindranath Tagore, in “O Coração da Primavera”
Tradução de Manuel Simões

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