Divórcio? E agora?

Divórcio? E agora?

Por Viviane Lajter Segal

Desde pequenos somos influenciados pelos contos de fadas e nos acostumamos a ouvir a famosa frase “e foram felizes para sempre” no encerramento de todas as histórias. Esse imaginário infantil da princesa que conhece o príncipe e que tudo dá certo no final permeia a fantasia até hoje de grande parte dos adultos. A decisão de se casar e de compartilhar uma vida com outra pessoa é repleta de expectativas e de projetos em relação ao futuro. Incluem ideais como o desejo de ter a felicidade plena, filhos, morar em uma casa bonita, vivenciar diariamente trocas mútuas de carinho e afeto. Mas, será que é sempre assim que acontece?

A vida de um casal nem sempre funciona tão perfeitamente quanto se imagina. O convívio a dois é difícil, uma vez que são duas pessoas diferentes, com histórias de vida distintas, manias e exigências adquiridas ao longo dos anos. Compartilhar tudo isso às vezes se torna uma missão bastante delicada e, em certos casos, conflituosa.

Tenho observado no consultório, em que atuo como psicóloga individual e de casal, um aumento significativo de pessoas sofrendo com sérios problemas no relacionamento que culminam quase sempre em separação ou em divórcio.

A rotina

Ao longo do tempo é natural que o casal entre em uma rotina e que aquela paixão e euforia iniciais se tornem mais silenciosas. Além disso, com o passar dos anos as pessoas tendem a se modificar, o que pode gerar um descompasso entre os cônjuges, uma vez que as transformações de cada um deles parecem não acontecer na mesma direção. Isso costuma assustar os casais e gerar um afastamento. Passam a se olhar de forma diferente e consequentemente a questionar os seus sentimentos e o relacionamento como um todo.

Quando um casal passa a se desentender com certa frequência, muito pode ser feito para tentar renovar e reestimular o casamento. Conversas francas, mudanças de hábitos e rotinas, como por exemplo voltar a fazer programas do começo do namoro, são boas estratégias. Procurar uma ajuda psicológica individual ou para o casal muitas vezes se torna necessário ao longo desse processo, pois ajuda na reflexão e na compreensão do que se deseja para o futuro. Perceber se ainda há um desejo de permanecer e reconstruir a relação, ou se a separação é necessária para que cada um possa reescrever suas histórias. A tomada de decisão se torna mais sólida e segura.

A tomada de decisão

Porém, há situações em que, mesmo após várias tentativas, o casal não consegue mais se entender e nem sequer conviver. As brigas e discussões são frequentes, há falta de interesse mútuo e o desgaste do relacionamento é nítido.

Tomar a decisão de se divorciar requer coragem para enfrentar os problemas de frente e assumir que aquela escolha feita anteriormente não deu certo. É admitir para si, e para o mundo, que sim, nesse sentido, os seus planos fracassaram. É se conhecer bem o suficiente para perceber que o seu relacionamento não está mais satisfatório e se permitir escrever outra história a partir dali. Toda mudança requer coragem e força interior para acontecer.

O luto

Quando o casal decide se divorciar, não é somente a relação que acaba, mas também todos os projetos criados para o futuro se rompem. É preciso aprender a lidar com um turbilhão de sentimentos que surgem. Variam entre frustração, perda, tristeza, medo, vergonha e insegurança.

Inicia-se, então, um processo de luto. A morte dos ideais e expectativas construídos para a vida. Morte de um sonho, de uma história que terminou, morte dos planos fantasiados, dos projetos futuros. O divórcio, segundo estudos, é o segundo evento psicossocial que gera maior sofrimento psíquico. Perde somente para a morte de um ente querido, ou seja, é um momento muito difícil na vida de qualquer um, independentemente de ter sido amigável ou litigioso.

A sensação de medo e de insegurança são muito frequentes, pois o divorciado se vê em uma incerteza enorme perante a vida. Readaptação do cotidiano, voltar a estar sozinho e ser independente, ter autonomia, retomar um convívio social, lidar com as incertezas se conseguirá reconstruir uma nova relação, medo de se arrepender da decisão tomada.

Às vezes vemos situações em que o medo de um futuro incerto gera uma ansiedade tão forte no divorciado que este prefere se reconciliar com o ex-companheiro. Porém, tal comportamento costuma ser muito prejudicial para o casal, uma vez que esse retorno foi movido por uma insegurança e não pelo desejo de reestabelecer a relação. Consequentemente, após algum tempo os problemas conjugais retornarão gerando ainda mais desgaste e sofrimento para ambas as partes.

E agora? A reestruturação

Certa vez ouvi de um paciente que o divórcio “é uma montanha russa de sentimentos”. Por isso, é importante se respeitar e respeitar o seu tempo. É se permitir vivenciar o luto, parar e refletir sobre o que deu errado e como pretende seguir a vida para reconstruir a sua história. Evitar ter pressa para iniciar outro relacionamento.

A vida é construída baseada em acertos e erros! Quando acertamos nos sentimos plenos e seguros para seguir adiante. Quando erramos temos que nos levantar, aprender com aquilo que deu errado e seguir em frente. Na vida afetiva e nos relacionamentos não pode ser diferente! Temos que tentar nos aprofundar cada vez mais em nós mesmos, para percebermos o que queremos e para onde queremos guiar a nossa trajetória. A ajuda de um psicólogo é muito importante no auxílio para que esse processo de superação e de mudança possa ocorrer de forma mais plena e segura.

Não tenha medo de julgamentos e nem sinta vergonha por tentar mudar! A vida é sua, então, que seja vivida da maneira que você julgar ser melhor para traçar a sua história.

Seja feliz!

A Fita Branca: Reflexões compartilhadas no Cine Sedes Jung e Corpo

A Fita Branca: Reflexões compartilhadas no Cine Sedes Jung e Corpo

A fita Branca (Das weiße Band) é um premiado filme de 2009 dirigido por Michael Haneke e que retrata os acontecimentos de um vilarejo protestante no norte da Alemanha, em 1913, às vésperas da Primeira Guerra Mundial. Segundo o diretor, o enredo é sobre “a origem de todo tipo de terrorismo, seja ele de natureza política ou religiosa.”

De início somos apresentados a várias personagens: o barão, o reitor, o pastor, o médico, a parteira, o professor, os camponeses, as babás e as crianças. Todos os núcleos do elenco envolvem da relação entre pais e filhos, e aos seus rígidos métodos de disciplina e educação.

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Um arame derruba um médico, uma colheita é destruída, crianças são punidas severamente. Perguntas e mais perguntas vão sendo jogadas em nossa face, e no lugar de respostas, recebemos cenas indigestas de maus tratos com crianças.

A trama não nos permite o alívio da emoção, mas, ao contrário, nos deixa presos de maneira quase claustrofóbica nas vivências das crianças e dos estranhos acontecimentos “acidentais” e criminosos, que tomam aos poucos o caráter de um ritual punitivo.

Todos os personagens do filme conseguem transbordar frieza, palidez e características sombrias. O fato do filme ser em preto e branco e quase sem trilha sonora enaltece sua atmosfera rígida e nos situa nos selfs cultural e social que marcaram o período pré-guerras na Alemanha.

Aos poucos vamos entendendo que os eventos criminosos funcionam como descargas emocionais diante da educação severa e repressora e aos abusos sexuais e psicológicos cometidos pelos adultos.

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À primeira vista podemos pensar que o filme fala da maldade e da pureza. A tal fita branca do título é na verdade um elemento que o pastor usa para lembrar seus filhos de não pecar. Mas, a própria maneira rígida que ele usa ao lidar com as crianças já não seria um pecado? Nada é o que parece. Todos os personagens aos poucos vão revelando características dúbias e extremamente duvidosas. A fita branca, símbolo de pureza e inocência ganha o caráter de exposição e humilhação.

Assim, a Fita Branca fala dos extremos provocados por uma sociedade patriarcal, em que a ordem, o autoritarismo, a repressão e a punição caminham lada a lado.  Onde as expressões do matriarcal, de afeto, cuidado, e prazer não encontram espaço e permanecem encaixotadas e aprisionadas na Sombra.

A expressão da religiosidade materialista e não espiritualista, levada ao extremo e de maneira sombria, faz com que tudo que não esteja nas regras seja tido como pecado e precisa ser reprimido. A princípio podemos pensar que esses adultos são pessoas essencialmente más. Na verdade, elas também refletem a educação que receberam, trazendo assim a herança do patriarcado e sua repetição compulsiva na educação dos filhos e nos atos delituosos que comentem. Por consequência, toda uma sociedade se torna vítima de uma história perversa de educação e violência. E, ao invés de se conscientizar de sua inadequação, justifica seus atos como sendo os corretos e esperados.

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No cenário do filme, o mal se elimina através da atitude repressora. Mas, o que ocorre na verdade é que, com isso, a energia reprimida permanece fixada e ganha força no inconsciente, manifestando-se de maneira sombria, através de defesas psicopáticas (abusos, assassinatos, agressões de todos os tipos).

A criança quando nasce vai aprendendo como o mundo funciona a partir daquilo que é apresentado para ela. Dentro da sociedade retratada não há espaço para que elas sejam diferentes. Todo o potencial do Ser fica aprisionado e, como não há estímulo, o desenvolvimento pleno torna-se impossível de ser alcançado.

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Em contrapartida, chama a atenção a cena em que um menino indaga sobre o que é a morte. Sua irmã vai explicando, e ele faz mais perguntas, as quais ela responde na medida dos questionamentos. Após todo um lindo diálogo, o menino fica em silêncio alguns segundos, até que chega à uma conclusão: sua mãe nunca foi viajar, ela estava morta.

Através das respostas para suas perguntas, ele compreendeu algo que ainda não haviam explicado a ele. Nesta cena específica, percebemos a mudança de alguém ingênuo para alguém que adquire conhecimento. O menino, neste momento, fica sabendo o que é morrer e que nunca mais verá sua mãe. Vemos aqui uma das poucas expressões do feminino no filme. Sensível e protetora do irmão, a jovem acolhe o diálogo e permite a expressão da raiva e da frustração. Com isso, o pequeno pode elaborar a morte e entender melhor a vida.

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Em determinada cena, o médico recém-saído de uma recuperação, revela-se monstruoso e cruel. A maneira como ele trata a mulher que cuida de seus filhos é horrenda. Suas palavras de mau gosto ao rebaixar a pobre mulher que o ama é incrivelmente dilacerante. A mulher submissa àquela realidade servil aceita a humilhação. Mais adiante entenderemos os motivos dele, embora não haja desculpas para isto. A filha tenta proteger o irmão mais novo dos abusos cometidos contra ela pelo pai. Com isso, protege a inocência da criança, mas também a imagem do pai e a dela própria. A criança tende a “encobrir” os maus tratos causados pelas figuras dos cuidadores, pois necessita delas preservadas para poder dar curso ao seu desenvolvimento. Desta forma, a garota protege sua própria psique e a do irmão do abuso sofrido pela figura que deveria protege-la.

Toda criança precisa de acolhimento e de respostas às suas indagações para que possa compreender a realidade a sua volta. Quando não há espaço para a elaboração e para a compreensão do que a cerca, a criança preenche as lacunas através da fantasia ou da própria experiência.

Aos poucos, as pobres crianças vão se revelando tão cruéis e frias quanto seus pais e cuidadores.

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Pela metade do filme, começam os boatos da guerra. Em determinado momento se narra a notícia do assassinato do arquiduque austríaco Francisco Fernando, que acaba desencadeando a temível Primeira Guerra Mundial. O que levou os líderes e políticos da Europa a estourar a guerra na verdade já estava arraigado nos seus corações e modos de vida.

Deste modo, uma das grandes reflexões que o filme nos permite é que somos reflexo do ambiente em que fomos criados, neste caso hostil e inflexível.

Neste ponto relembramos as cenas em que um dos filhos do pastor que pede para cuidar de um filhote de passarinho que encontrou ferido. Recebe do pai seu aval, mas com grande discurso de responsabilidade. Deixa claro que quando o pássaro melhorar ele terá que devolvê-lo a natureza. O animal, símbolo da liberdade e do espírito ganha aqui duplo simbolismo. O pai também mantém um pássaro engaiolado e pelo qual nutre grande apreço. Para atingi-lo e puni-lo sua filha sacrifica o animal, transpassando uma tesoura em seu corpo. O menino que cuidara devidamente do pássaro ferido se penaliza da dor do pai e ao invés de entregar o filhote de volta à mãe natureza, oferta-o ao pai como forma de reposição do objeto perdido. Mais uma cena que demonstra que, mesmo entre os mais pequenos, o ciclo patriarcal continuará exercendo sua força e engaiolará as possibilidades de mudança e de afeto.

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Através das vivências do vilarejo, que representa aqui um microcosmos do cenário da Alemanha na época, A Fita Branca mostra as origens das guerras e da maldade em si. Quando se tira a inocência das indefesas crianças, pode-se esperar o pior! Porque inocência é a única coisa que elas não ensinarão quando adultas. Assim, o que se repete é um ciclo de unilateralidade, violência e terror, que não estrutura a prole para a vivência integrativa e da alteridade.

As escassas figuras que representam a função do sentimento e do afeto são os que “vieram de fora” do vilarejo. O professor, a babá e a esposa do barão. Mas eles não conseguem modificar a situação estagnada e repressora e todos acabam saindo o local.

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O professor, que é quem nos narra a história do filme é o que merece maior atenção. Possui a função de mestre educador, apresenta-se mais sensível as necessidades das crianças, poderia ser agente de transformação e de criatividade. Mas se vê preso as regras e a formatação da cultura local para sobreviver. Investiga os fatos e consegue decifrar parcialmente os enigmas que envolvem a série de incidentes. Porém, revelar os atos das crianças também desmascararia os adultos e, então é preferível manter o status quo e seguir com a farsa. E assim, faz o pastor.

A trama se encerra sem resolução, nem dos fatos e nem das emoções. A polarização é tão unilateral e extrema que não há chance de integração. Sem elaboração não há possibilidade de transformação!

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E quando prospectamos o futuro desses jovens e crianças do filme o que encontramos é a segunda grande guerra mundial. Vemos a fita branca da pureza e da humilhação transformar-se em estrelas costuradas na roupa dos judeus, tidos como impuros e indignos, vitimados pelo holocausto. Eventos de terror dos quais nos envergonhamos até os dias de hoje, mas que ainda vemos acontecer nas atitudes de intolerância, punição e destruição pelo mundo e especialmente com nossas crianças.

A guerra, a maldade, a rigidez de uma vida inteira, todo o padrão de uma sociedade em si, tudo é obscuro e nos remete a Sombra.  A Fita Branca é um filme que usa suas imagens em preto e branco, quase sem som, mas diz tudo sem precisar de diálogos. Um filme perturbador onde cabe muitas amplificações. Afinal de contas, todos nós, em algum momento da vida nos deparamos com alguma norma de moral autoritária.

Autoritarismo este que perturba, choca e reprime, tanto quanto uma simples fita branca. Elemento este que está ali para fazer lembrar sobre a pureza e os bons costumes ou seria para fazer perder a pura essência da inocência e da bondade?

Entre o Bem e o Mal, qual vence? A resposta que o diretor nos dá é que o vencedor é aquele que for alimentado! Cabe a nós refletir e identificar que lado nutrimos nas ações individuais e coletivas dos dias atuais. Afinal o que ocorre no macrocosmo é um reflexo do que ocorre dentro de nós.

Este texto foi produzido pela Comissão Organizadora do Cine Sedes Jung e Corpo com base nas reflexões realizadas durante o evento realizado em Maio de 2015, com os comentários da Professoras e Psicólogas Junguianas Denise Mathias e Karina Midori Ishimori.

O Cine Sedes Jung e Corpo é uma atividade extracurricular do curso Jung e Corpo: Especialização em Psicoterapia Analítica e Abordagem Corporal do Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo.

É um evento gratuito e aberto ao público geral organizado pelos professores do curso em conjunto com ex-alunos e ocorre todas as últimas sextas-feiras dos meses letivos do curso.

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Reprodução autorizada para o CONTI outra.

Conversa íntima com Fernando Pessoa

Conversa íntima com Fernando Pessoa

Por Josie Conti

“Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens.”
Fernando Pessoa

Pois, eu também os tenho, querido Pessoa. Cultivo-os à noite, depois que o sol se vai, e um mundo só meu é construído.

De criança, lembro-me de me deitar antes que o sono chegasse. Queria sonhar acordada para que o dormir não atrapalhasse a lucidez do sonho planejado.

Adolescente, nessas horas sagradas, imaginava romances, construía futuros, refletia possibilidades. Eram sonhos juvenis daquela que ainda não tinha trilhado reais caminhos e nem assumido o peso de suas escolhas.

Hoje, continuo profunda admiradora do noturno silêncio, do tempo que precede a entrega, daquele momento em que as influências do mundo externo quase não nos tocam, das horas em que a agitação descansa e que o coração pode ser ouvido.

Sou amante da madrugada, da passagem do tempo que me despe de trajes e máscaras. No momento do mais pleno encontro, onde não há outras pessoas, obrigações, carros e nem celulares. Sou apenas a beleza, a luz e a profundeza do existir.

Mas, se a consciência corporal é maior, a fantasia não se apequena a seu lado. Sedutora dos portais da consciência, ela encontra morada, onde tudo é possível, em cenários que são só meus, em terra encantada, onde o amor pleno é rei.

Meu lúcido sonho, despido de ilusões mundanas, é terno aconchego. Transforma-se em barco que viaja por águas calmas e sabe-se passageiro.

O barco que conduzo reconhece que a água que hoje o acalanta já foi cruel tempestade, água benta em batizado de criança, salvação da vida em terra que não pode ser arada, suor de enxada, lágrima de mãe órfã de filho morto.

A consciência do momento, entretanto, não diz do futuro e nem do passado. Ela fala do presente que é o único momento onde talvez tenhamos um ínfimo controle. E, antes que Morfeu me abrace e conduza a embarcação, coloco-me a navegar.

As águas tranquilas permitem a real observação da paisagem. E, nessa viagem escolhida, conecto-me com algo maior do que sou. Com o infinito que está além da humana compreensão.

Agradeço, então, pelo direito à vida quando reconheço a finitude do corpo. Sei que, independe de mim, as águas seguirão.

Ah, e como é bela a visão da pequenez humana. O senhor sabia das coisas, querido Pessoa:

“Navegar é preciso, viver não é preciso.”

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A definição da DEPRESSÃO segundo Andrew Solomon

A definição da DEPRESSÃO segundo Andrew Solomon

A depressão é a imperfeição no amor. Para poder amar, temos que ser capazes de nos desesperarmos ante as perdas, e a depressão é o mecanismo desse desespero. Quando ela chega, destrói o indivíduo e finalmente ofusca sua capacidade de dar ou receber afeição. Ela é a solidão dentro de nós que se torna manifesta e destrói não apenas a conexão com outros, mas também a capacidade de estar em paz consigo mesmo.

Embora não previna contra a depressão, o amor é o que tranquiliza a mente e a protege de si mesma. Medicamentos e psicoterapia podem renovar essa proteção, tornando mais fácil amar e ser amado, e é por isso que funcionam. Quando estão bem, certas pessoas amam a si mesmas, algumas amam a outros, há quem ame o trabalho e quem ame Deus: qualquer uma dessas paixões pode oferecer o sentido vital de propósito, que é o oposto da depressão. O amor nos abandona de tempos em tempos, e nós abandonamos o amor. Na depressão, a falta de significado de cada empreendimento e de cada emoção, a falta de significado da própria vida se tornam evidentes. O único sentimento que resta nesse estado despido de amor é a insignificância.

Andrew Solomão em “O demônio do meio-dia: uma anatomia da depressão”

Quer saber mais sobre o autor? Veja sua apresentação no TED em Depressão, o segredo que compartilhamos, Andrew Solomon

“A gorda indiana”, um conto de Mia Couto

“A gorda indiana”, um conto de Mia Couto

– “Quero ser como a flor que morre antes de velhecer”.

Assim dizia Modari, a gorda indiana. Não morreu, não envelheceu. Simplesmente, engordou ainda mais. Finda a adolescência, ela se tinha imensado, planetária. Atirada a um leito, tonelável, imobilizada, enchendo de mofo o fofo estofo. De tanto viver em sombra ela chegava de criar musgos nas entrecarnes.

A vida dela se distraía. Lhe ligavam a televisão e faziam desnovelar novelas. Modari chorava, pasmava e ria com sua voz aguçada, de afinar passarinho. Nos botões do controlo remoto ela se apoderava do mundo, tudo tão fácil, bastava um toque para mudar de sonho. Rebobinar a vida, meter o tempo em pausa. Afinal, o destino está ao alcance de um dedo. Moda ri, de dia, nocturna. De noite, diurna. No ecrã luminoso a moça descascava o tempo.

Tanta substância, porém, lhe desabonava a força. A gorda não se sustinha de tanto sustento. Não tinha levante nem assento. Desempregada estava sua carne, flácido o corpo em imitação de melancia recheada. Uma simples ideia lhe fazia descair a cabeça. Já a família sabia: se era ideia bondosa descaía para o lado esquerdo. Ideia má lhe pesava no ombro direito.

Em abono da estória se diga: ela se sujava ali mesmo, em plenas carnes. À hora certa, um empregado lhe vinha lavar. Despia a moça e lhe pedia licenças para passar toalhas perfumadas pelas concavidades, folhos e pregas. Lhe pegava, virava e desfraldava com o esforço do pescador de baleia. Depois, lhe deixava assim, nua, como uma montanha capturando frescos. Por fim, lhe ajudava a vestir uma combinação leve, transparente. O empregado nem era delicado. Mas ela se amolecia com o roçar das mãos dele. E adormecia, controlo remoto na mão.

Para não definhar, longe das vividas vistas, lhe abriram uma janela no quarto. Partiram a parede, levantaram tempestades de poeira. Impossível de ser deslocada, cobriram a gorda com um plástico. Modari espirrava em soprano, mais aflita com o aparelho televisivo que com seus pulmões.

Certo um dia ali chegou um viajeiro. O migrante lhe trouxe panos, cores e perfumes da Índia. Era um homem sóbrio, sozinhoso. Ele a olhou e, de pronto, se apaixonou de tanto volume.

– “Você tem tanta mulher dentro de si que eu, para ser polígamo, nem precisava de mais nenhuma outra”.

O homem amava Modari mas tinha dificuldade em chegar a vias do facto. Com paixão ele suspirava: “se um dia eu conseguir praticar-me com você!…”. Mas ele devia atravessar mais carne que magaíça mineirando nas profundezas.

– “De hoje em diante não quero nenhum empregado mexendo em você”.

Ele mesmo passou a lavá-la. Modari se tornou muito lavadiça e o homem lhe enxugava, aplicava pós medicinais, esfregava com loções. Foi num desses lavamentos que o acto se consumou. O visitante lhe empurrou as pernas como se destroncasse imbondeiros. Fizeram amor, nem se sabe como ele conseguiu descer tão fundo nas grutas polposas dela. Modari, a seguir, se sentiu leve. Controlo remoto na mão, ela então tomou consciência que, em nenhum momento do namoro, havia largado a caixinha de comando da televisão. Assim como estava, besuntada de transpiros, fez graça:

– “Meu amor, você prefere quê: entalado ou enlatado?”

Ela se encontrava tão ligeira que experimentou levantar o braço. E conseguiu. Deliciada, ficou marionetando os dedos no alto. Na noite seguinte, voltaram a fazer amor. E nas restantes noites também. Então, Modari se deu conta que, de cada vez que amava, ela emagrecia aos molhos vistos. Passados dias, já Modari se levantava da cama e ensaiava uns passos na ampla sala. O amante, reiquintado, parecia mais insatisfeito que abelha. Amava que se desunhava. Seu coração sofria de acesso de excessos.

Um mês depois, Modari até dançava. Esbelta, desenhada a osso e linha. Centenas de quilogramas se haviam evaporado, vertidos em calor e nada. Modari se ocupava em reduzir saris, apertar vestidos, acrescentar furos no cinto. A família, no início, se contentou. Mas, com o tempo, deixaram de celebrar aquela mudança. Modari se escaveirava, magricelenta. Das duas nenhuma: ou ela estava doente ou amava em demasia.
– “Demasia?”
Modari rejeitou conselho. Que o amor é como o mar: sendo infinito espera ainda em outra água se completar. Não abrando, gritou ela. E foi falar com seu homem que complacentou: amar-se-iam sempre, mas ela que deixasse na cabeceira o controlo remoto. Pelo menos durante o enquanto. Entre risos e lábios, se entrelaçaram. Pela primeira vez, nessa noite Modari sentiu o morder da ternura. O sabor do beijo resvala entre lábio e dente, entre vida e morte. Lamina e veludo, qual dos dois no beijo a gente toca? Asfixiação boca a boca: isso é o beijo.

No dia seguinte, Modari, minusculada, dispensava peso. Nunca se viu mulher em estado de tal penúria de carne. A ponto de o seu amante ter medo:

– “Não, Moda ri, não lhe devo tocar, seu corpo já não dá acesso ao amor”.

Modari sorriu: o seu amante receava que ela morresse? Lhe apeteceu responder que, por causa do amor, ela estava vivendo, ao mesmo tempo, infinitas vidas. Para morrer, agora, seriam precisas infinitas mortes. Em vez disso, perguntou:

– “Não lembra que, antes, eu desejava ser flor? Pois, me responda: não lhe sou perfumosa?”

Ele lhe pegou as mãos como que se colectasse coragem. E anunciou que, em sendo outro o sol, ele deveria seguir comprida viagem.
– “Amanhã, meu namorzinho”.

Modari se afastou, crepuscalada. Ficou assim, ocultada, despresente. O homem pensou que ela estivesse lagrimando. Súbito, porém, ela se voltou, operando risos. Agitando o controlo remoto na mão, desafiou:

– “Venha apanhar este seu rival. Venha seu ciumento!”

Ele a tomou nos braços e a acarinhou, cedido, sedento. Os que beijam são sempre príncipes. No beijo todas são belas e adormecidas. Como que dormida, a indiana se rendeu. No fim, o homem olhou surpreso os seus próprios braços. Não havia nada, ninguém. Modari se extinguira. Seu corpo saíra da vida dela, o tempo se exilara de sua existência. A indiana se antigamentara. O homem ainda escutou, algures na sala, tombar a caixinha do controlo remoto.

Mia Couto, no livro “Contos do nascer da Terra”, Editora Companhia das Letras e Editorial Caminho.

3 projetos inovadores que provam que nunca se é velho demais para fazer novas conexões

3 projetos inovadores que provam que nunca se é velho demais para fazer novas conexões

Por Josie Conti e Marcela Bianco

A população de todo mundo está envelhecendo ao mesmo tempo em que os núcleos familiares estão diminuindo, o que tem feito com que, dentro de casa, muitas vezes, as pessoas não possam mais acompanhar seus idosos e fornecer-lhes todo o amparo que necessitam para sua saúde e segurança. No Brasil ainda não temos uma cultura forte no uso de casas de repousos e moradias assistidas e, muitas vezes, as pessoas só vão para um espaço como esse quando estão totalmente dependentes ou sofrem de estados demenciais graves o que acaba reforçando um pensamento coletivo de que esses espaços são lugares de abandono e finitude.

Em paises como EUA e Canadá, entretanto, onde o envelhecimento da população já é um fator em evidência há mais tempo, a necessidade desses espaços possibilitou que núcleos onde as pessoas que estão mentalmente saudáveis e interativas fossem construídos.  Nesses países, assim como nos países europeus essas moradias não posssuem uma conotação negativa. Mas morar um lugar assitido não diminui a necessidade da interação familiar e com outras gerações.

Em 2014 um projeto inovador colocou jovens de uma escola de inglês de São Paulo em contato com vovós e vovôs americanos que vivem em casas de repouso e estão cheios de vontade de conversar. Enquanto aprendiam, muito mais do que a prática e a assimação da língua aconteciam. O projeto possibilitava a formação de vínculos e de um novo contato intergeracional que enriquecia a vida de ambos os lados.

Recentemente outra ideia que circulou fortemente pela internet foi a introdução de uma pré-escola em um lar para idosos em Seattle, nos Estados Unidos, para que as pessoas tivessem maior interação com as crianças. Livres de preconceitos e cheias de amor para dar, o projeto se mostrou um sucesso na estimulação mútua e na troca de afetos assim como no ensinamento das crianças nos limites e no respeito com os idosos.

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A novidade agora é documentário Conection Generations onde os idealizadores tiveram a genial ideia de chamar adolescentes que foram criados na geração internet para ensinar aos idosos como utilizar o computador e as redes sociais. Além de aprenderem mais uma ferramenta para se relacionarem com o mundo exterior e com os famíliares, eles produziram vídeos para o youtube e fizeram um concurso de vídeos entre eles.

As ações descritas acima deixam claro que existem vias possíveis para ampliar a interação entre gerações de uma maneira que as relações sejam enriquecidas e todos saiam ganhando. Da interação com crianças à aprendizagem do uso positivo da internet (informar e ampliar laços) vemos que, com um pouco de criatividade e boa vontade é possível fazer a diferença e diminuir cada vez mais as lacunas afetivas que podem existir quando as pessoas precisam sair de suas casas e morar em locais supervisionados.

Oferecer ao jovem um novo objetivo e papel dentro da sociedade também pode despertar o herói interior, numa fase da vida de tantas transformações e mudanças na identidade.

O vídeo abaixo é em inglês, mas as interações entre jovens e idosos, como poderão ver, são universais e compreensíveis mesmo para quem não domina o idioma.


O lema do projeto diz que “nunca se é velho demais para se fazer novas conexões ou jovem demais para se fazer a diferença”.

Como toda fase da vida, a velhice é um momento de adaptações, perdas e ganhos. A ideia de que não se adiantaria investir no aprendizado do idoso porque ele não seria capaz de fazer novas conexões cerebrais já caiu por terra há anos. O cérebro se desenvolve por toda a nossa vida e o uso da internet pode ser um recurso valioso para que os idosos se sintam integrados ao mundo atual e exercitem suas funções cognitivas.

Na vida de Da. Maria (nome fictício) foi exatamente isso que aconteceu:

“A internet foi um divisor de águas na minha vida. Ela é uma grande ajuda para o conhecimento, para o enriquecimento intelectual. Uma forma de saber mais de alguma coisa que a gente às vezes sabe pouco ou nada. É um instrumento de pesquisa muito valioso para os que desejam ficar atualizados. Posso conversar e trocar mensagens com meus filhos e netos. É divertido! ”

Usuária da internet – 79 anos

Assim, não precisa estar morando fora da família e nem ser jovem ou velho para se beneficiar dos recursos virtuais e interacionais entre gerações. Em qualquer lugar e a todo momento é possível ter um projeto de vida, acrescentar vida aos anos e viver bem!

4 poemas para relembrar Paulo Leminski

4 poemas para relembrar Paulo Leminski

Ai daqueles…

ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga

ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa

Do livro “Distraído venceremos”.

Amor, então, também, acaba?

Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.

Do livro “Caprichos e relaxos”.

Dor elegante

Um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegando atrasado
andasse mais adiante

carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisas que os valha

ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser minha última obra

Do livro “La vie en close”.

Razão de ser
Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
e as estrelas lá no céu
lembram folhas de papel,
quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

Do livro “Distraídos venceremos
contioutra.com - 4 poemas para relembrar Paulo Leminski

10 ladrões de sua energia segundo Dalai Lama

10 ladrões de sua energia segundo Dalai Lama

“Todos nós temos uma carga de energia, a qual devemos aprender a utilizar corretamente e não desperdiçar.” As energias nos permitem trabalhar com motivação, nos dão pensamentos positivos para enfrentar as situações do dia a dia e permitem aproveitar ao máximo todas as oportunidades que nos são apresentadas. Somente nós temos o poder de dominar nossas energias e ter acesso a elas para usá-las em nossos dias. No entanto, existem alguns agentes externos e internos que podem chegar a interferir em nossos níveis de energia provocando uma redução em nossa motivação, nosso humor e nossa produtividade.

As energias são chaves para alcançar o êxito e superar cada um dos obstáculos que nos são apresentados no caminho. Todos podem renovar todos os dias essas energias e aproveita-las ao máximo para deixar vir a tona nossas qualidades, nossos talentos e tudo o que nos permite descartar como pessoas. Levando em consideração que cada individuo está dotado de energia, e que isto é a chave para seu desenvolvimento pessoal e profissional, o grande líder espiritual Dalai Lama definiu os “10 ladrões da energia” que todos devem conhecer para conseguir o domínio das energias e evitar que hajam interferências que nos impeçam de aproveita-las.

1- Fique longe das pessoas tóxicas que consomem sua energia

Deixe ir as pessoas que somente chegam para compartilhar queixas, problemas, histórias desastrosas, medo e julgamentos sobre os demais. Se alguém busca uma lixeira para deixar seu lixo, não deixe que seja a sua mente.
Todos nós temos a capacidade de distinguir quais são as pessoas que trazem coisas positivas para nossa vida e quais são aquelas que querem nos deter e impedir nossa vida.

2- Pague suas contas a tempo

Não há nada melhor para nossa tranquilidade do que saber que não devemos nada a ninguém e que ninguém nos deve.

“Pague suas contas a tempo. Ao mesmo tempo cobre a quem te deve ou escolha deixa-lo ir, se já for impossível cobrar”.
Ser responsável com as dívidas nos ajuda a ficar tranquilos ante as demais pessoas e com nós mesmos. É melhor fazer tudo o que for possível para se libertar das dívidas e não ter que se esconder ou ficar com vergonha por não tê-las pagado.

3- Cumpra suas promessas

“Se você não cumpriu uma promessa pergunte-se por quê? Você sempre tem direito a mudar de opinião, a se desculpar, a compensar, a renegociar e a oferecer uma alternativa ante uma promessa não cumprida. A forma mais fácil de evitar o “não cumprir” é dizer NÃO desde o princípio”.

As promessas, por menores que sejam, podem ter um valor muito significativo para as pessoas as quais as fizemos. Cumprir nossas promessas nos faz pessoas melhores tanto do ponto de vista pessoal quanto profissional.

4- Delegue aquilo que não quer fazer

“Elimine o que for possível e delegue aquelas tarefas que prefere não fazer. Procure dedicar seu tempo às coisas que gosta”.
Não se trata de escapar de nossas responsabilidades, mas sim de ter consciência de que em certos casos o melhor é passar o trabalho para alguém que pode fazê-lo melhor ou que pode tomar seu lugar quando você não se sente nas melhores condições para realizá-lo. Isto nos lembra de que é importante realizar as coisas que são verdadeiramente significativas em nossas vidas.

5- Descansa e aja

“Permita-se descansar se estiver em um momento no qual necessita e autorize-se a agir se estiver em um momento de oportunidade”.
Tanto a natureza como nossa vida possuem diferentes ritmos  e cada um de nós deve saber como agir frente a isso. Muitas vezes não parar quando necessitamos pode ser um grande erro.

6- Coloque, recolha e organize

“Nada toma mais energia que um espaço desordenado e cheio de coisas do passado que você já não precisa. Organize-se”.
Desde as coisas físicas até as espirituais, é muito importante deixar aquilo de que não precisamos mais para trás. Devemos seguir com aquelas coisas que nos permitem viver bem o presente e buscar nossos sonhos.

7- Cuide de sua saúde

“Dê prioridade a sua saúde. Se seu corpo não funcionar bem não adianta. Tire alguns momentos para descansar”.
De nada nos serve ter o melhor trabalho, muito dinheiro e os melhores bens se não gozamos de boa saúde e não cuidamos de nosso corpo. Para desfrutar da vida com as melhores energias, devemos dedicar um merecido tempo a nosso corpo para desintoxicá-lo, meditar, nos alimentar bem, fazer exercícios, consultar um médico e fazer todo o necessário para estar bem de saúde.

8- Enfrente as situações difíceis

“Enfrente as situações tóxicas que está postergando. Tome a ação necessária”.
Enfrentar as situações é a maneira mais saudável de assumir as coisas e não deixar que se convertam em algo pior. É importante analisar e decidir a tempo  já que evitar decisões pode gerar estresse, dificuldade para se focar e problemas mais difíceis de solucionar.

9- Aceite

“Aceitar não é resignar-se, mas nada te faz perder mais energia que resistir e brigar contra uma situação que você não pode mudar”.
Ainda que muitos acreditem que nada é impossível e que a esperança é a última que morre, em certos casos a vida nos põe ante situações nas quais devemos aceitar que não podemos mudar as coisas e que a única forma será aceitar. Aceitar não quer dizer que devamos parar de lutar, quando aceitamos que não podemos mudar algo, também temos a possibilidade de mudar o plano e buscar novas oportunidades.

10- Perdoe

“Perdoe, deixe para trás a situação que esteja causando dor. Você sempre pode escolher deixar a dor ir embora”.
Uma das maiores fontes de energia é o Amor e estar conectado a Deus para aprender a perdoar. É verdade que muitas vezes a vida nos põe ante situações que nos enchem de ira, de dor, de rancor e de medos que dificilmente podemos superar. No entanto, quando decidimos não alimentar estes sentimentos e começar a perdoar, tudo em nossa vida melhora, e com o tempo nos damos conta que tomamos uma boa decisão. O ódio, o rancor e a ira são sentimentos que não nos trazem nada de bom e nos podem levar a tomar más decisões.

Fonte indicada: Melhor com saúde

Três magníficos poemas de Guimarães Rosa

Três magníficos poemas de Guimarães Rosa

Gargalhada
Quando me disseste que não mais me amavas,
e que ias partir,
dura, precisa, bela e inabalável,
com a impassibilidade de um executor,
dilatou-se em mim o pavor das cavernas vazias…
Mas olhei-te bem nos olhos,
belos como o veludo das lagartas verdes,
e porque já houvesse lágrimas nos meus olhos,
tive pena de ti, de mim, de todos,
e me ri
da inutilidade das torturas predestinadas,
guardadas para nós, desde a treva das épocas,
quando a inexperiência dos Deuses
ainda não criara o mundo…

Revolta
Todos foram saindo, de mansinho,
tão calados,
que eu nem sei
se fiquei mesmo só.

Não trouxe mensagem
e nem deram senha…

Disseram-se que não iria perder nada,
porque não há mais céu.
E agora, que tenho medo,
e estou cansado,
mandam-me embora…

Mas não quero ir para mais longe,
desterrado,
porque a minha pátria é a minha memória.
Não, não quero ser desterrado,
que a minha pátria é a memória…

Elegia
Teu sorriso se abriu como uma anêmona
entre as covinhas do rosto infantil.
Estavas de pijama verde,
nas almofadas verdes,
os pezinhos nus, as pernas cruzadas,
pequenina,
como um ídolo de jade
que teve por modelo uma princesa anamita.
Tuas mãos sorriam,
teus olhos sorriam,
o liso dos teus cabelos pretos sorria,
e mesmo me sorriste,
e foi a única vez…

Não pude calçar, com beijos os teus pezinhos,
e não pudeste caminhar para mim…
Mas é bem assim que os meus sonhos se possuem.

Poemas de João Guimarães Rosa, do livro “Magma”
contioutra.com - Três magníficos poemas de Guimarães Rosa

A melhor versão de nós mesmos, crônica de Martha Medeiros

A melhor versão de nós mesmos, crônica de Martha Medeiros

Por Martha Medeiros

Alguns relacionamentos são produtivos e felizes. Outros são limitantes e inférteis. Infelizmente, há de ambos os tipos, e de outros que nem cabe aqui exemplificar. O cardápio é farto. Mas o que será que identifica um amor como saudável e outro como doentio? Em tese, todos os amores deveriam ser benéficos, simplesmente por serem amores.

Mas não são. E uma pista para descobrir em qual situação a gente se encontra é se perguntar que espécie de mulher e que espécie de homem a sua relação desperta em você. Qual a versão que prevalece?

A pessoa mais bacana do mundo também tem um lado perverso. E a pessoa mais arrogante pode ter dentro de si um meigo. Escolhemos uma versão oficial para consumo externo, mas os nossos eus secretos também existem e só estão esperando uma provocação para se apresentarem publicamente. A questão é perceber se a pessoa com quem você convive ajuda você a revelar o seu melhor ou o seu pior.

Você convive com uma mulher tão ciumenta que manipula para encarcerar você em casa, longe do contato com amigos e familiares, transformando você num bicho do mato? Ou você descobriu através da sua esposa que as pessoas não mordem e que uma boa rede de relacionamentos alavanca a vida?

Você convive com um homem que a tira do sério e faz você virar a barraqueira que nunca foi? Ou convive com alguém de bem com a vida, fazendo com que você relaxe e seja a melhor parceira para programas divertidos?

Seu marido é tão indecente nas transações financeiras que força você a ser conivente com falcatruas?

Sua esposa é tão grosseira com os outros que você acaba pagando micos pelo simples fato de estar ao lado dela?

Seu noivo é tão calado e misterioso que transforma você numa desconfiada neurótica, do tipo que não para de xeretar o celular e fazer perguntas indiscretas?

Sua namorada é tão exibida e espalhafatosa que faz você agir como um censor, logo você que sempre foi partidário do “cada um vive como quer”?

Que reações imprevistas seu amor desperta em você? Se somos pessoas do bem, queremos estar com alguém que não desvirtue isso, ao contrário, que possibilite que nossas qualidades fiquem ainda mais evidentes. Um amor deve servir de trampolim para nossos saltos ornamentais, não para provocar escorregões e vexames.

O amor danoso é aquele que, mesmo sendo verdadeiro, transforma você em alguém desprezível a seus próprios olhos. Se a relação em que você se encontra não faz você gostar de si mesmo, desperta sua mesquinhez, rabugice, desconfiança e demais perfis vexatórios, alguma coisa está errada. O amor que nos serve e nos faz evoluir é aquele que traz à tona a nossa melhor versão.

O verdadeiro sentido da vida é sempre nela encontrar um sentido.

O verdadeiro sentido da vida é sempre nela encontrar um sentido.

Por Josie Conti

Victor Frankl (1905-1997) foi um psiquiatra austríaco que, durante a 2ª Guerra Mundial, esteve prisioneiro em Auschwitz. No período em que lá permaneceu, sob condições desumanas, também perdeu alguns dos membros mais importantes de sua família, entre eles, pais e esposa.

Nós, que vivemos nos campos de concentração, podemos lembrar de homens que andavam pelos alojamentos confortando a outros, dando o seu último pedaço de pão. Eles devem ter sido poucos em número, mas, ofereceram prova suficiente que tudo pode ser tirado do homem, menos uma coisa: a última das liberdades humanas – escolher sua atitude em qualquer circunstância, escolher o próprio caminho. (Victor Frankl)

Frankl entendeu, e mais tarde consolidou suas teorias dando forma a “Logoterapia”, que as pessoas que conseguiam identificar ou mesmo criar um sentido que justificasse as suas vidas independente das condições em que vivessem, eram aquelas que tinham a maior probabilidade de sobreviver.

O próprio Frankl tinha três razões para viver: sua fé, sua vocação e a esperança de reencontrar a esposa. Sua história pode ser encontrada no livro “Em busca de sentido”.

Nelson Mandela, um dos maiores líderes mundiais da história, esteve preso durante 27 anos após ter sido condenado, em 1967, por sua luta contra o Apartheid. Em seus anos de cárcere, relatou ter tido como uma de suas grandes fontes inspiradoras, o poema “Invictus”, de Willian Ernest Henley.

INVICTO*
William Ernest Henley

Da noite escura que me cobre,
Como uma cova de lado a lado,
Agradeço a todos os deuses
A minha alma invencível.

Nas garras ardis das circunstâncias,
Não titubeei e sequer chorei.
Sob os golpes do infortúnio
Minha cabeça sangra, ainda erguida.

Além deste vale de ira e lágrimas,
Assoma-se o horror das sombras,
E apesar dos anos ameaçadores,
Encontram-me sempre destemido.

Não importa quão estreita a passagem,
Quantas punições ainda sofrerei,
Sou o senhor do meu destino,
E o condutor da minha alma.

* Tradução: Thereza Christina Rocque da Motta

A teoria lacaniana também tem suas bases no sentido da vida, mas, que Lacan chamou “desejo”. Segundo ele, o homem, como ser desejante que é, sempre encontrará forças para continuar impulsionado pelo o que ainda não tem, pelo o que almeja, pela próxima etapa a conquistar. Uma vez conquistado um objetivo, ele logo será substituído por outro e o anterior deixará de ser figura central em sua vida.

Nas artes, o homem também encontra voz para seus desejos, e lá constrói sentidos o tempo todo, inventa, transborda em significados.

Chimamanda Adichie, escritora nigeriana, destacou-se em todo o mundo ao escrever e realizar palestras, alertando-nos para que sempre estivéssemos atentos às versões das histórias que nos são passadas. Ela fala tanto da necessidade de uma leitura pessoal de mundo, como da criação de novas interpretações.

O moçambicano Mia Couto é grande referência na literatura e na sua abordagem de causas sociais que o caracterizam como figura de destaque no cenário mundial, tanto na descrição que faz da realidade do povo africano, quanto em sua capacidade de nos emprestar as lentes necessárias para novas leituras de mundo, novas leituras da África, novos sentidos de mundo.

Não há como falar de comportamento humano sem pensar na arte, sem abordar os aspectos criativos que nos permitem a sublimação, a criação de algo novo a partir de um lugar, onde muitas vezes só há pó. Entretanto, artista consagrado ou sonhador inveterado, parece claro que a energia do homem precisa ser canalizada para algo que lhe forneça um sonho, lhe empreste um significado, um caminho, uma releitura, um objetivo. Formar-se na faculdade, sair da casa dos pais, pagar o aluguel do mês ou criar um poema original, sobreviver até a próxima sexta-feita, tanto faz. Os objetivos podem ser simples ou grandiosos, ter curto ou longo prazo para a possível realização.

Na psicoterapia, por exemplo, uma pessoa encontra maneiras para superar traumas do passado quando entende que uma mesma história pode ser compreendida de novas formas. Descobre maneiras de melhor se adaptar ao mundo, quando opta por caminhos diferentes para situações que sempre repetiam.

Do mais fútil desejo à luta pela sobrevivência em tempos de guerra, há que se ter motivos para continuar. Seja nas telas de um quadro, na interpretação da história da humanidade ou nas páginas de um livro, seja no amor ou na revolta, na busca de uma cura,  na raiva ou até na vingança, o homem há que encontrar maneiras pessoais de seguir, de desejar e de dar sentido a si mesmo. Essa é a maior dádiva do homem. Essa é a maior sina do homem.

A história do rapaz que foi expulso de casa aos 19 anos por gostar de tatuagem

A história do rapaz que foi expulso de casa aos 19 anos por gostar de tatuagem

Por Gabriela Gasparin

“Meu pai me acordou e disse: você está incomodando os moradores desta casa. Então, eu acho que é melhor você arrumar outro lugar para ficar. Eram 6h da manhã. Eu estava com um baita sono… Mas falei ‘beleza’. Levantei, coloquei meia dúzia de coisas na mochila, documentos e artigos pessoais. Roupas, sapato, chinelo. Peguei e levei. Fui embora.”

O tatuador Alexandre Eidi Goto tinha 19 anos quando foi expulso de casa porque os pais dele, de origem japonesa e de cultura bastante rígida, não aprovavam tatuagens. Eu conheci a história dele por um acaso, na sala da minha casa, onde ele esteve com seus equipamentos e tintas para tatuar um amigo meu.

Não deu outra. Aproveitei a visita para entrevistá-lo sobre o sentido da vida. Na conversa, Alexandre me contou que ficou anos sem rever os pais desde que foi expulso de casa. Hoje, aos 23 anos, revelou que a única visita que fez a eles ocorreu recentemente.

O jovem fez questão de nunca mais rever os pais até que se estabilizasse como tatuador. Ele queria provar aos dois que a profissão é como todas as outras, e que não há nada de errado em gostar de tatuagens.

É que os pais dele sempre associaram tatuagem com drogas e crimes: um assunto bastante delicado na família. Alexandre explicou que, ao todo, ele tinha três irmãos – totalizando quatro filhos. Só que um deles já tinha sido expulso de casa no passado (antes de Alexandre) por envolvimento com drogas. Anos depois, os familiares souberam que esse irmão foi assassinado.

“Meu estigma foi esse, ser visto como o próximo da lista a se envolver com drogas”, relatou. “Não faço ideia porque eles fizeram isso. Talvez por receio de ver a história se repetindo.”

Noites na rua

Desde que foi expulso, Alexandre aprendeu de forma bastante dura a se virar sozinho na vida – e na cidade de São Paulo, onde morava na época. Chegou a dormir na rua, encostado em bancos de terminais de ônibus ou dentro de estações de metrô. Passou noites em casas de amigos ou no estúdio de tatuagem onde trabalhava como aprendiz.

“Eu fiquei pulando de galho em galho. Dormia na casa de um amigo aqui, na casa de outro amigo ali. Enfim, eu também comecei a trabalhar numa oficina de máquinas de tatoos [tatuagem] no centro da cidade, no Anhangabaú. Fui me virando como dava”, relatou.

Por um tempo, trabalhou só pelo almoço e moradia. Aí a situação foi melhorando e ele conseguiu pagar o aluguel numa pensão no centro de São Paulo. Ao final de 2014, conseguiu alugar um espaço para montar o próprio estúdio de tatuagem. Só que neste ano ele resolveu interromper por hora os planos de ter o próprio espaço de trabalho para fazer uma viagem à Europa – juntou economias e pretende trabalhar por lá para pagar os gastos.

“Viajar sempre esteve nos meus planos”, disse. “A viagem é no sentido de dar uma volta pelo mundo, ver o que está acontecendo la fora, absorver isso, crescer, retornar e reabrir meu estúdio.”

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‘Eu mostrei para mim mesmo que eu podia’, diz Alexandre

Adolescência no seminário

Na conversa, eu ainda soube de fatos curiosos na vida de Alexandre. Um deles é que o rapaz foi seminarista. Com 13 anos, colocou na cabeça que queria fazer seminário. E foi estudar em um no Paraná, onde ficou até se formar no ensino médio. “Fui tentado a deixar o seminário. É engraçado dizer isso. A gente sempre culpa essas coisas que acontecem com um ‘foi a tentação, o diabo’. Foi o diabo o caramba, fui eu mesmo. Olhei para o lado e vi que não era isso que eu queria.”

Depois disso, ele se formou em Design (contou com a ajuda de uma namorada, tendo em vista que no período que foi expulso de casa ficou completamente sem dinheiro) e chegou a trabalhar em outras empresas antes de começar a ser tatuador.

Desenhos na pele

A paixão pela tatuagem começou aos poucos. O primeiro contato foi com o namorado de uma amiga, que era tatuador. Alexandre lembrou que a primeira tatuagem que fez foi um “raio” em um amigo que aceitou ser “cobaia”. “Era um raio preto chapado, eu lembro que eu tremia mais do que a máquina.”

Na mesma época, ele fez a primeira tatuagem no próprio corpo, em homenagem ao avô que morreu aos 104 anos. O desenho é de ideogramas japoneses que significam: “como uma erva silvestre”. Alexandre explicou que seu avô sofreu e enfrentou muitas dificuldades quando chegou ao Brasil, vindo do Japão. A frase significa o esforço que o avô fez para sobreviver no novo país, já que a erva cresce no meio das adversidades.

Talvez eu nem precisasse explicar que Alexandre adotou o lema do avô para a própria vida. Ele acredita estar conseguido enfrentar as adversidades e lamenta o preconceito que a família tem com a tatuagem, que é o que ele ama e mais gosta de fazer na vida.

No relato, ele chegou a comentar a marcante frase que “matou internamente os próprios pais”, um relato bastante forte, mas que revela o quanto o jovem deve ter sofrido ao se ver expulso de casa. Alexandre, contudo, disse que se considera “orgulhoso”, já que resolveu não voltar mais para casa e buscou cuidar da própria vida sozinho.

Sentido da vida

Para ele, o sentido da vida está justamente no trabalho e em lutar para conquistar os objetivos.

“Meu avô dizia que um homem sem trabalho não é um cara digno, um cara respeitoso. Para mim o meu trabalho sempre foi algo muito importante, a tatuagem, no caso.” E completou: “o sentido da vida está em superar a si mesmo”.

Alexandre afirmou que quando fez a primeira tatuagem, tremendo, chegou a pensar que não conseguiria. Mas tratou a inexperiência como um desafio. “Eu acho que é isso, o sentido da vida é superar a si mesmo. Mostrar não para os outros que você pode, mas mostrar para si mesmo. Eu mostrei para mim mesmo que eu podia.”

Vidaria é um projeto parceiro Conti outra.

Somos mesmo o resultado de nossas escolhas?

Somos mesmo o resultado de nossas escolhas?

Por ElikaTakimoto

Você já deve ter ouvido por aí que vivemos de acordo com as nossas escolhas ou que somos resultado daquilo que escolhemos. Há várias frases como essas compartilhadas ou ditas diariamente por alguém. A despeito de isso parecer algo óbvio e até sábio, esse papo motivacional, a meu ver, é uma grande ilusão. Há grandes possibilidades de que as “nossas escolhas” não sejam exatamente nossas, mesmo quando temos total certeza de que as tenhamos tomado de forma consciente.

Comecei a suspeitar de que a ‘liberdade’ é uma mentira em que acreditamos. Já escrevi sobre isso por aqui. Daí para concluir que a ‘escolha’ é uma ilusão não me custou nada. Nós, como seres humanos, gostamos muito dessa “ideia de liberdade”. Mas será que nós somos completamente autônomos como pensamos ser? No cotidiano, temos a faculdade de realizar ações que, em tese, poderíamos não realizar caso quiséssemos. O que defendo é que esta noção é muito mais complexa quanto parece e que pode ser tão real quanto uma miragem no deserto. Será que temos realmente a faculdade plena de escolher entre esse ou aquele caminho? Estamos inteiramente livres para escolher entre fazer ou não fazer certas coisas? Ouvir que somos livres para escolher isso ou aquilo sempre me incomodou profundamente porque jamais me senti livre e escolhendo nada. Nem profissão, nem marido, nem ter ou não filhos e nem a separação foram me dados como alternativas. Como não?, diria você. Vem comigo que no caminho eu te explico.

Para começar, se acreditamos na ciência, que o universo é previsível e segue um conjunto determinado de regras, ou seja, que cada coisa no universo que temos observado até agora segue algumas diretrizes específicas e nada está isento da influência de forças externas, então, por que nós – os produtos do universo – estaríamos isentos de influências do ambiente? Como fundamentar o livre arbítrio, a vontade que causa algo mas não é causada, numa mente inserida num mundo físico onde nada quebra a regra da causa e efeito?

Ok. A ciência também pode ser um tremendo discurso romântico e subjetivo, mas trazê-la para a discussão nos permite perguntar se e quais forças externas desempenham algum papel na nossa tomada de decisões. E só pelo fato de flertar com a ciência sem sequer aprofundarmos em seus fundamentos já surge a dúvida: será que a razão pela qual a intuição nos diz que temos um livre-arbítrio não seria porque a nossa mente altamente limitada não consegue identificar todos os fatores que afetam a nossa “escolha”?

Diria você: mas eu me vejo escolhendo, por exemplo, em tomar café com açúcar ou com adoçante. É? Vejamos: seja lá qual for a sua “escolha”, considere que ela possa ter acontecido porque a mídia tem mostrado demasiadamente o mal que um ou outro produto faz, que seu paladar não aceita ou um ou outro, que o seu médico aconselhou a diminuir o consumo de um dos dois e por aí vai. Até a mais simples das escolhas conta com fatores que não podemos saber ao certo quais são e muito menos pensar em questioná-los, mas que existem, concordam?

Continuando… Se acreditarmos nas ideias levantadas por Freud, veremos que não agimos de forma livre mas sim conforme nossos impulsos e desejos inconscientes, como se fossemos reféns do mesmos.  Desta forma, acreditamos estar agindo a todo instante conforme queremos e escolhemos sem notar que na verdade, estamos satisfazendo desejos que se encontram em nosso inconsciente. E vejamos como isso faz sentido: o que nos leva a consumir certos produtos, a trabalhar em certas atividades e a nos relacionar com determinadas pessoas? O quanto condicionamos nossos atos aos resultados que estes trarão? O quanto estes resultados que almejamos são construídos pelo meio social em que vivemos? Dito de uma outra forma: se um objeto lançado por nós tivesse consciência do seu movimento não poderia ele se julgar livre para perseverar nesse movimento na medida em que ignorasse por completo o impulso que demos a ele? Em que medida aquele que crê ser livre não é tal e qual uma pedra lançada ao vento que ignora a força que a impeliu?

Se acompanharmos os estudos feitos pela neurociência veremos que atribuir à mente humana alguma liberdade de decisão não condicionada por processos inconscientes parece cada vez mais difícil. Para muitos neurocientistas, o nosso cérebro é um órgão do corpo, como tantos outros, igualmente formado por tecidos e células especializadas, que funcionam conforme nossa constituição bioquímica, reagindo a estímulos internos e externos de maneiras complexas, porém, de certa maneira, previsíveis. A mente é um troço que emerge da atividade do cérebro em conformidade com as leis da física e da química, o que implica em dizer que somos, em certa medida, o que a química de nossos cérebros faz de nós ainda que não sejamos previsíveis totalmente. Cada emoção pode ser associada a processos neurológicos que, por sua vez, podem ser reduzidos a processos bioquímicos que, em última instância, nós não temos controle.

Eu, particularmente, não acho que a mente possa se reduzir aos processos que ocorrem no cérebro. Para mim, a equação seria “cérebro + alguma coisa = mente”, sendo que essa alguma coisa geralmente é algo metafísico, que traria imprevisibilidade para as decisões do indivíduo, quebrando o determinismo do mundo físico. Mas ainda assim não acho que isso implique a existência do livre arbítrio. Sentir nojo de insetos não me parece uma escolha. Sentir-me mal em um determinado ambiente não me parece uma escolha. Sentir-me atraída por alguém não me parece uma escolha. Sentir saudade não me parece uma escolha. Sentir-me sozinha não me parece uma escolha. Sentir-me triste não me parece uma escolha. Sentir seja lá o que for não me parece uma escolha.

Afinal, “o que, então, determina a minha vontade?”, perguntaria você. Eu não sei ao certo, mas se você acha que é você mesmo ou nada, perceba o quanto isso é incoerente: se é você que determina a vontade, isso significa pressupor um “você” de certa natureza que determina necessariamente a vontade. Dizer que “você” determinou sua vontade só faz algum sentido na defesa do livre arbítrio se “você” não é determinado por nada. Porém, o que seria algo que não é determinado por nada? Complicado quando pensamos seriamente a respeito, não?

Ainda na esteira da ciência, pergunto-lhe: uma célula individual tem o livre-arbítrio? E uma bactéria, teria? Ou uma flor? E uma girafa, um cachorro ou um leão, por exemplo – será que eles têm livre-arbítrio? Em que ponto da nossa história essa tão contraditória e ilusória ideia de liberdade para escolher apareceu em nós?

Visto pelo lado religioso, perceberemos como essa ideia surge e a necessidade de que acreditemos nela, afinal, o fundamento do mal e da punição dos pecadores é o livre arbítrio. Que sentido teria mandar para o inferno pessoas cujos pecados não tivessem sido cometidos por vontade própria? Ou pior, sem agentes de vontade livre, a culpa pelo mal no mundo recairia sobre o único ser livre que sobraria: Deus. O fato de a ideia da escolha vir associada a outra de julgamento não é por acaso: a última precisa da existência da primeira. Isso é algo simples de compreender, afinal, quais seriam as consequências para a sociedade, então, se descobríssemos que não existe livre arbítrio? Como a doutrina da condenação e salvação se sustentaria?

Penso que grande parte da infelicidade, da culpa, do arrependimento e da angústia que sentimos é porque nos fazem acreditar que somos livres e que devemos pagar pelas más escolhas. No caso das religiões abraâmicas (cristianismo, islamismo e judaísmo) o impacto da ideia de que não somos livres para escolher seria fatal. Muito complicado, eu sei, acreditar que não escolhemos nada e que não somos culpados por nada. Como lidaremos com a responsabilidade e autonomia pessoal na Moral e no Direito? Como algumas religiões se legitimariam? Como educar nossos filhos sobre o certo e o errado?

Pesquisando aqui, li que em 2008, em um estudo publicado na Nature com o título Determinantes Inconscientes de Decisões Livres no Cérebro Humano, ficou provado que a decisão começa a ser formada no cérebro até 10 segundos antes dele tomar consciência disso. Ou seja, você se prepara inconscientemente pra fazer algo bem antes de sequer se dar conta que está fazendo isso – e bem antes de realizar o movimento de fato. Outros estudos, dessa vez focados na atividade de cada neurônio em vez do cérebro como um todo, mostraram que as células neurais ficavam ativas antes da decisão de apertar um botão, por exemplo.

Tudo bem. Vocês podem dizer que o livre arbítrio é muito mais profundo do que os resultados dessas pesquisas nos induzem a pensar. Em vez de mexer dedos e apertar botões, seria necessária a análise de atividades mais complexas. Concordo com isso, mas ainda assim percebo que mesmo essas tarefas mais abstratas e intelectuais do que propriamente de movimento não são totalmente espontâneas – elas dependem de coisas como carga genética, experiência, traumas de infância etc.

Talvez você acredite tanto nessa ideia de livre-arbítrio e da existência da escolha porque ignora as causas do seu querer. E veja que interessante e paradoxal: quanto mais imaginamos um livre-arbítrio para escolher, mais nos tornamos escravos porque precisamos de regras que limitem, justifiquem e expliquem a liberdade.

Somos o que somos porque, acredito eu, temos uma essência que não controlamos. Talvez, se houver liberdade de fato, esta deva ser compreendida como a proximidade máxima do conhecimento dessa nossa essência (que é ímpar para cada ser), do que nos torna tristes ou mais felizes. Vocês que acham que existe liberdade de escolha perdem o tempo pensando que tudo poderia ter sido diferente e ficam se culpando por caminhos (que não existem de fato) que poderiam ter tomado. É para isso que o livre-arbítrio nos serve. Para condenar e nos culpar.

Mas, então, perguntaria você, se eu não posso escolher como posso ser julgado? Justamente. Eu acho que essa ideia de ‘escolha’ leva diretamente a outras como de julgamento e moral que eu não aceito como objetivas e universais. Mas, continuaria você, se não há certo nem errado, matar, por exemplo, seria lícito? Se estou criticando a escolha, estou dizendo exatamente que quem mata não teve outra alternativa; o que não quer dizer que um assassino não deva ser condenado porque entendo que o ‘mal’ pode ser considerado como aquilo que prejudica o outro.

Perceba o que quero dizer: ainda que eu acredite que não exista o bem e o mal nesse mundo isso não significa que dispenso qualquer valor. Não existir o bem e o mal não quer dizer que não exista o bom e o ruim. Tenho meus valores. O ponto é que penso no ser em si, no que o movimenta, no que o engrandece e o diminui e dispenso um critério exterior e moral para julgar as coisas. Refugiamo-nos naquilo que nos limita, nossa moral nos protege, concordo. Mas friso que isso nos enfraquece e nos tira muitas essências. Quando eu nego essa ordem moral do mundo abro as portas para os devires: permito-me tornar o que sou e a aceitar o outro como ele é. Sem julgamentos.

Compreendo, vale observar, que a liberdade da vontade não poder ser coerentemente pensada através de conceitos (uma vez que, em última instância sempre caímos ou no determinismo ou no acaso) não significa que sua possibilidade esteja negada. Mas não consigo desistir da ideia de que a metáfora da bifurcação e de caminhos escolhidos é uma invenção que só nos serve para nos gerar culpa e medo.

Se entendo que agi mal em uma situação é pelo fato de ter feito uma coisa de uma determinada maneira e ter tido um resultado ruim.  Neste caso, tentarei mudar, digamos, a química de meu corpo ou o meu modo de pensar para que eu seja capaz de agir de uma forma diferente quando submetida a uma situação similar.

Por fim, as consequências de acreditar que não temos escolhas, ou seja, reconhecer que minha mente consciente nem sempre vai originar meus pensamentos, minhas intenções e ações não muda, a meu ver, o fato de que pensamentos, intenções e ações de todos os tipos são necessários para a vida.

Delirei muito? Não tenho culpa se entendo tudo assim.

Um nenhum, por Viviane Mozé

Um nenhum, por Viviane Mozé

Por Viviane Mozé

Foi muito difícil encontrar um lugar a partir do qual pudesse falar ao senhor. Infinitas são as perspectivas que nosso tempo desintegrado nos permite. Desintegrado por tantas razões que não caberiam nesta cartinha. Então, resolvi falar de um lugar comum. O lugar de um homem.

Todo homem é comum mesmo não sendo. O não ser comum do homem parece estar em sua forma própria de ser comum. Em seu jeito singular de sofrer, brincar, envelhecer. Em sua necessidade de construir, simbolizar, criar. Um homem não deixa de ser comum mesmo entre letras, livros, máquinas, sistemas, signos. Um homem é sempre uma trajetória que declina. Que ascende, mas que declina. O comum do homem é sua aparição relâmpago, o seu constituir e o seu perecer. O comum do homem é sua necessidade de dizer, manifestar, inscrever, perpetuar. Ao mesmo tempo sua impossibilidade de permanecer. Todo homem constitui-se na tensão entre viver e morrer, entre dizer e calar, entre subir e descer. Mas por razões extensas e difíceis a história humana parece ter ordenado-se em torno da vontade de não ser.

Não envelhecer, não sentir dor, não se cansar, não se aborrecer. O homem parece envergonhar-se de ser: pequeno, sensível, mortal, humano. E organiza-se em torno de um ideal de homem, sem corpo. O homem envergonha-se de seu corpo. Não de seu sexo ou de seu prazer, mas de suas vísceras, de seus excrementos, de seus sons e odores, de seu processo bioquímico, fisiológico, orgânico. O homem envergonha-se de morrer e vai acuando-se, escondendo-se, perdendo-se em torno de uma idéia, de uma imagem. Em sua luta por não ser comum, o homem tornou-se nenhum. Todo homem virou nenhum. Nenhum homem na rua, em casa. Nenhum homem na cama. Nenhum homem, mas um nome. O homem se reduziu a um nome. Não um nome próprio, mas um substantivo.

Mas um homem é sempre maior que um nome mesmo que não queira. E uma outra história foi sendo tecida por trás desse desejo de não ser. Enquanto construía seus mecanismos de não corpo, enquanto se constituía como idéia, pensamento, imagem, a humanidade proliferava em seus excessos contidos, em suas angústias não canalizadas, em suas paixões não vividas, em seus pavores maquiados. E um corpo invertido, nascido de tantos corpos abafados, foi constituindo-se socialmente, foi ganhando força e vida. Uma vida invertida, mas uma vida.

Tóxica, ela foi se alastrando pelas casas, pelas ruas, em forma de morte. A morte negada, as perdas e dores abafadas saíram às ruas reivindicando seu espaço. O que antes esteve circunscrito aos campos de batalha, às margens, aos guetos, agora ganha as escolas, os metrôs, os restaurantes, as praias. Não há mais lugar seguro, carros blindados, condomínios fechados. Agora todos somos igualmente passíveis. Vivemos a democratização da violência. Vivemos o predomínio daquilo que foi por tanto tempo obstinadamente negado.

A violência trouxe-nos de volta a urgência pelo corpo, pela vida, pelo tempo. E apartou-nos de nosso sonho de perenidade, de futuro, de verdade. Agora, todos estamos órfãos de nosso medíocre projeto de felicidade. Agora é preciso viver, temos urgência do instante, precisamos do corpo, mesmo gordo, magro, estrábico. E aqui, de meu lugar comum, de mulher comum, enquanto lavo a louça do café olhando a cor insistente da tarde que passa, me pergunto por quê? Por que não os dias nublados, as dores do parto, os serviços domésticos? Por que não o escuro, o delírio, a solidão? As lágrimas, os espinhos no pé, as quedas?

Dizem que o homem como conhecemos tende a desaparecer. É possível que uma espécie mais forte possa surgir, uma espécie capaz de um dia divertir-se com este nosso hábito demasiadamente humano de negar o inexorável, de controlar o incontrolável, e, não conseguindo, de esconder-se em cápsulas virtuais, em psicotrópicos de ultima geração, em imagens. Um homem que talvez tenha sempre existido pode começar enfim a surgir. Um homem capaz de viver a dor e a alegria de ser mortal, singular, sozinho, comum. Um homem capaz de gritar sua dor impossível. Um homem capaz de cantar. Um homem capaz de viver.

Talvez esta carta seja um dos últimos depoimentos a respeito desta espécie que se envergonha. Espero sinceramente que sim. Que quando letras estas palavras forem somente e meu corpo, que agora por elas vibra, não mais existir, que seja tudo isso somente ruína. Que sejam ruínas os projetos de imortalidade, os corpos mumificados, os rebanhos de pessoas ansiando ser nenhum.

Fonte: Carta Maior

Essa matéria foi uma indicação de nosso parceiro Psique em Equilíbrio

Viviane Mosé é poeta, filósofa e dedica-se à divulgação de filosofia por intermédio de novas linguagens, inclusive a televisiva no quadro “Ser ou não ser?” do Fantástico, na Rede Globo de televisão.

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