O atendimento psicológico ao idoso: benefícios e resultados

O atendimento psicológico ao idoso: benefícios e resultados

É vísivel na clínica psicológica o aumento no número de idosos que vem procurando processos psicoterápicos como forma de ajuda na superação de problemas. Tal fato, por si só já reflete uma mudança na forma como a velhice vem sendo percebida e das possibilidades vivenciais dessa fase.

Na minha experiência no atendimento aos idosos, os motivos que trazem o idoso para o consultório são os mais variados: problemas de relacionamento, episódios depressivos, ansiedade, processos de luto, relacionamento familiar, necessidade  de adaptação ou reabilitação diante de uma doença ou condição de dependência, anorexia, dificuldade para perder peso, sexualidade, perdas cognitivas, alcoolismo, aposentadoria, entre muitas outras.

Como qualquer outra fase do desenvolvimento humano, a velhice é um momento que exige mudanças e adaptações, nas quais estão presentes ganhos, perdas, potencialidades e limitações.

Fase que produz no imaginário humano uma série de concepções, fantasias, crenças, imagens, idéias, sentimentos, etc.

De acordo com nosso contexto sócio-histórico, nossas experiências e histórias de vida e das informações que recebemos das mais diversas mídias, vamos construindo nosso imaginário, lidando com o envelhecimento e com a velhice, seja a nossa ou a do outro.

Mas, afinal, como percebemos a velhice e o processo de envelhecimento?

Será que podemos caracterizar essa população de uma maneira única e geral? Ou temos que pensar numa multiplicidade de condições em que os idosos possam estar vivenciando e que ajudam a definir características mais específicas?

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Penso que a segunda possibilidade seja mais tangível que a primeira. Isso porque, dependendo das condições biopsicossociais de um idoso, de sua história de vida, etc, muita coisa pode mudar em relação a forma como ele vive, como é visto em nossa sociedade e quais suas necessidades de ajuda e suporte.

Nesse sentido, a ciência destaca duas condições essenciais: a senescência e a senilidade.

A primeira, caracteriza-se pelo curso natural do envelhecimento, sem a presença de condições patológicas que possam interferir significativamente na qualidade de vida do idoso.

Já a senilidade, manifesta-se pela presença de patologias que alteram o curso normal do processo de envelhecimento, como é o caso das doenças crônico-degenerativas e das demências, por exemplo.

Mas como é feita essa distinção em nossa sociedade?

Para além das definições presentes na área da saúde, essa divisão também é realizada pelo imaginário social, por meio das crenças e concepções acerca da velhice.

Acredito que hoje temos algumas visões bastante opostas. Por um lado há os que veem a velhice como a “melhor idade”, construindo uma imagem positiva, na qual o idoso, afinal, pode desfrutar da vida e do tempo, com saúde e vitalidade. Por outro, existem os que veem essa fase como uma fase de decrepitude, marcada pela solidão, pelas limitações e pela dependência.

Qualquer visão unilateralizada tem seus perigos, uma vez que não permite que também vejamos o outro lado da moeda!

Uma visão estereotipada e negativa em relação ao próprio envelhecimento pode afetar negativamente o autoconceito e a autoestima do idoso, influenciando a forma como lida com situações da vida, suas perspectivas futuras, seu envolvimento social, em atividades prazerosas e seus relacionamentos interpessoais.

Além disso, pode aumentar a probabilidade de conformidade com condições precárias de saúde, diminuindo adesão a tratamentos.

Pode fazer com que o idoso e suas necessidades sejam negligenciadas ou então supervalorizadas e superprotegidas, seja pela família, pelos profissionais da saúde ou pela própria sociedade.

Ao mesmo tempo, uma visão idealizada e extremamente positiva, pode dificultar a elaboração de momentos de dificuldades e perdas, tanto por parte dos próprios idosos, mas também dos que com eles convivem.

Por isso, “envelhecer bem” depende de um delicado equilíbrio entre as perdas e os ganhos vindo com o envelhecimento. É preciso compreender que cada fase da vida tem seus desafios e objetivos a serem cumpridos e isso não é diferente na velhice.

O problema é quando queremos negar essa fase e ficamos apegados a uma imagem de juventude que o próprio corpo físico não suporta mais e então sofremos por não querer seguir adiante. Ou então acreditamos que não existe qualquer desafio e realização pessoal nesta fase e nos entregamos ao tempo e à espera da finitude, sem planos e metas para o futuro.

No atendimento aos idosos no consultório, percebo que nesta fase as pessoas são capazes de fazer um reexame da própria vida; com reorganização e reorientação da personalidade, agora de uma maneira mais realista que em outras fases da vida. Conseguem deixar pra trás as bagagens extras e sem importância e podem recuperar tesouros que foram deixados para trás.

Assim, quando passam a viver de forma mais verdadeira e vinculadas com quem realmente são, assumem maior responsabilidade pelo seu bem estar pessoal, vivendo com mais qualidade.

Quando as perdas são inevitáveis, o atendimento psicológico, seja no consultório, no hospital ou na própria casa do paciente (home care), torna-se um espaço valioso para que possam resgatar os recursos necessários para enfrentar a situação. Além de todo o acolhimento, escuta e cuidado que podem receber nestes momentos tão delicados, imprescindíveis para uma boa recuperação.

Assim, a psicoterapia voltada para a terceira idade se transforma em uma ferramenta preciosa para que os idosos possam enfrentar satisfatoriamente os desafios trazidos por essa nova fase da vida.

Cada passo é uma conquista e acrescentar “vida aos anos” traz maior significado para os anos de vida!

contioutra.com - O atendimento psicológico ao idoso: benefícios e resultadosMarcela Alice Bianco – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana formada pela UFSCar. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Sedes Sapientiae. CRP: 06/77338

A Cegueira Humana

A Cegueira Humana

Por Monaliza Montinegro

Um Brasil diferente. É isso que todos desejam. Opinam, discutem, brigam, gritam, compartilham informações na “era da reprodutividade técnica”[1]. Estamos “vivendo em um país sedento, um momento de embriaguez”[2]. E nos intervalos de sobriedades, há uma realidade que precisa ser discutida. Uma realidade social dura, escancarada aos olhos de todos e uma realidade política que não mais se sustenta.

O legislativo parece ter perdido o sentido da norma. Políticos esquecem o fim social e pacificador da legislação e passam a coordenar suas ações sempre agindo contra a oposição. Eleitores apoiam suas escolhas no lado puramente partidário, como se os partidos e as pessoas que os compõem fossem mais importantes do que o próprio tema que está sendo votado ou discutido.  Com isso, chega-se a um resultado que não agrada nem a pobres, nem a ricos e, tão menos, aos miseráveis.

Um dia me disseram/Quem eram os donos da situação/ Sem querer eles me deram/ As chaves que abrem essa prisão. (Engenheiros do Hawaii)

Não nos tornamos gigantes, como já foi ventilado pela grande mídia. Sequer suportamos o peso de nossas ideias diante do imenso bombardeio de mensagens mascaradas de bondade. Grandes são os que olham para todos os lados, não apenas para uma direção.

A verdade é que nos sentimos pequenos perante tamanhas arbitrariedades. Mas, o que precisamos mesmo é tirar os joelhos do chão e, de pé, começar a dar saltos mais altos. E, às vezes, é preciso muita iniquidade para que isso ocorra, para que as mentes sejam inquietadas.

A história nos mostra que quando somos empurrados para trás da forma mais brusca ganhamos impulso para começar caminhar com mais força e tenacidade. Foi preciso que a ditadura militar atingisse o seu mais alto grau de estupidez para que todos contra ela se rebelassem.

E tem sido assim. Quando o CONAMP tentou suprimir da Defensoria Pública o direito ao manejo de ações coletivas, ela se fortaleceu. Todos passaram também a vestir o verde. O STF ficou verde, o Senado ficou verde. Até o Cristo Redentor ficou verde, da cor da pátria amada, que é também a bandeira da Defensoria Pública. Não só a luta da defensoria fortaleceu, como também fortaleceu aos necessitados que terão cada vez mais seus corações invadidos pelo verde da esperança em um mundo mais próxima da justiça.

Cada vez que tentam impor o cinza, as cores aparecem como resposta. Cada vez que as pedras são atiradas, mais preconceitos são tirados do caminho. Quem imaginou um dia um padre e um pastor unidos em um ato de amor lavando os pés de uma transexual? Quem imaginou evangélicos da Tradicional Igreja Batista levantando a bandeira Deus Cura a Homofobia? Quem imaginou um Papa levantar a bandeira colorida? As cores invadirem as redes sociais? As cores  do respeito à diversidade. As cores que mudam a vida.

Enquanto a vida imita o vídeo, a lucidez quer ter seu lugar. Por isso, mais do que nunca, a atitude é uma necessidade e todo o descaso do Estado e da própria sociedade com os adolescentes e adultos crescem em um mundo que a eles nada oferece, todo esse desejo forçado de colocar na prisão quem já está preso pela desigualdade, fará um virada na história. Quem vier viver, “verá”. É só querer “enxergar”.

Habermas e o processo de comunicação.

Habermas tem razão. A porta de entrada para essa mudança é uma comunicação livre, racional e crítica.  O aspecto da legitimidade da norma só pode ser desenvolvido adequadamente com base no conceito de autonomia e democracia, com base na possibilidade de que os destinatários das normas do direito se vejam também como autores dessas normas.[3]

Para Habermas todas essas “patologias sociais” são  resultados de perturbações na reprodução simbólica do mundo da vida.  Perturbações na reprodução cultural e midiática, as quais, para ele, tem levado a fenômenos de perda de sentido, provocando na integração social estados de anomia, e  nas socializações produzindo psicopatologias[4]. A realidade é que o foco de preocupação social deveria iniciar com uma reforma nos meios de comunicação, uma vez que esses têm se mostrado mais influentes nos últimos tempos do que a própria pena de prisão.

O que acontece é que todo o processo de comunicação tem se voltado a favor do individualismo, da meritocracia, do direito penal máximo, do isolamento daquelas pessoas que são consideradas indesejáveis e do culto ao direito penal do inimigo. Dessa forma, toda a sociedade passa a crer e a coordenar suas ações como se de fato vivêssemos em um estado de guerra e toda a solução para o caos estivesse na ordem penal, na intimidação e na sanção.

Despreza-se a moral, a família, os costumes, a consciência, a mídia, a religião e todos meios de vigilância que exercem mais influência no indivíduo do que o próprio sistema penal. Assim, fica facilmente camuflado o papel da mídia, principalmente na construção da realidade social e no processo de escolha dos inimigos da sociedade.

A produção do lema “país da impunidade”, onde temos um dos mais altos índices de encarceramento do mundo, nos faz esquecer que cultivamos o direito penal mínimo para quem detém o poder e o direito penal máximo para que esteja afastado dele. E essa estrutura é observada desde o processo de fabricação de leis até o processo de aplicação e execução da sanção. E assim seguem de mãos dadas a ignorância, a manipulação e a desigualdade.

Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago x Realidade Atual:

Nesse cenário vem bem a calhar a ideia de José Saramago, no livro Ensaio a Cegueira, onde é criado um ambiente semelhante ao que vivemos hoje. No metáfora de Saramago, aos poucos muitas pessoas vão sendo contagiadas por uma cegueira branca e a responsabilidade daqueles poucos que conseguem ver vai aumentando até que apenas uma única pessoa no livro, a mulher do médico, tenha visão.

O contexto narrativo descreve da forma mais cruel as reações do ser humano ao estado de necessidade, a baixa auto estima, ao abandono etc. Mostra também como é fácil o contágio dessa cegueira através do medo, no momento em que até os Santos da Igreja ficam de olhos vendados. Saramago mostra que um mundo cego é um mundo sem ética, sem moral e cheio de barbárie.

A narração mostrou várias faces da natureza humana e a principal consequência dessa falta de visão pode ser vista na descrição da primeira cegueira ocorrida no livro, quando o personagem ficou cego ao dirigir seu veículo e “de repente, a realidade tornou-se indiferenciada a sua volta”.[5]

E assim segue  o drama, onde o escritor consegue narrar bem três tipos de cegueira do mundo contemporâneo. A primeira é a cegueira daqueles que não possuem qualquer poder de autodeterminação, uma vez despidos de sua individualidade, passam a se identificar como coisa abandonada, desconhecendo a noção de individuo quando são isolados em um antigo hospício e esquecidos pelo Estado; a segunda, a cegueira daqueles que são dominados pelo medo e com isso passam também a cometer atrocidades; e a terceira, e mais cruel, a cegueira dos opressores que se aproveitam do momento em que todos estão cegos para mostrar sua face mais cruel.

Trazendo para a nossa realidade, o mais preocupante é a cegueira ocasionada pelo medo e esse trecho ilustra bem isso: “O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegamos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos, Quem está a falar, perguntou o médico, Um cego, respondeu a voz, só um cego, é o que temos aqui.”[6]

E o medo cega e segue dominando nações. Essa foi a temática de Mia Couto em uma conferência sobre segurança pública, citando o poeta Eduardo Galeno, enfatizou: os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quem não tem medo da fome, tem medo da comida. Os motoristas têm medo de caminhar e os pedestres têm medo de ser atropelados. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras… E completou  o escritor moçambicano: há quem tenha medo que o medo acabe.[7]

Nesse momento, em que em o medo reduz o homem à essência humana, quando o egoísmo mostra a sua pior face, vem a pergunta de Agostinho Ramalho Marques Neto para inquietar nossos corações quem nos salvará da bondade dos bons? [8]Quem na democracia nos salvará do medo da maioria? Quem nos salvará daqueles se dizem compadecidos com a situação dos adolescentes renegados e mesmo assim confessam conscientemente que desejam mandá-los pra prisão? Daqueles que afirmam preliminarmente não serem racistas mas são contra cotas para negros? Dos que se dizem não homofóbicos mas são contra casamento homoafetivo?  Dos que criam o cenário para que os que se dizem reis rasguem as leis? Dos que operam as leis e rasgam a justiça?

A cegueira moral de Zygmunt Bauman:

Quem nos salvará da cegueira moral que parece ser mais contagiante em tempos de redes sociais? Quem fará os bons entenderem o que concluiu Bauman que o mal não está restrito às guerras ou às circunstâncias nas quais pessoas atuam sob condições de coerção extrema, que o mal maior está dentro de cada um, na frequência na insensibilidade diária diante do sofrimento do outro, na incapacidade ou recusa de compreendê-lo e no desejo de controlar a privacidade alheia?[9]

 Como fazer as pessoas entenderem que maldade e a miopia ética se ocultam naquilo que consideramos comum e banal na vida cotidiana  e sobretudo na forma que externamos isso. Como conter o botão de “compartilhar” das redes sociais, que dá liberdade ao emissor da mensagem na medida em que aprisiona suas vitimas? Dos que compartilham as notícias sem questionar a sua veracidade? Como explicar as pessoas que nem tudo que está ali é certo, se a maioria sequer consegue distinguir humor de realidade?  Como fazer o olhar se voltar para quem não está nas redes sociais, se essas pessoas estão em algum lugar no mundo em que não podem ser vistas?

Teoria da Cegueira Deliberada:

Encontrei uma explicação para isso na Teoria da Cegueira Deliberada. Aquela criada pela Suprema Corte Americana, também conhecida como Conscious Avoidance Doctrine” (doutrina do ato de ignorância consciente), que deu origem a “Teoria das Instruções da Avestruz”, que os concursos públicos adoram.

A teoria criada para explicar o comportamento criminoso no delito de lavagens de capitais aduz que há um comportamento criminoso quando o agente finge não enxergar a ilicitude da procedência de bens, direitos e valores com o intuito de auferir vantagens dela decorrentes e age como se fossem um avestruz, enterrando a cabeça deliberadamente para não ver.

Fez-me pensar que as bases dessa teoria poderiam ser transportadas para a cegueira humana. A cegueira descrita por Saramago “dos cegos que veem e dos cegos que vendo, não veem.” E por fim, cheguei a conclusão de que muitos de nós somos coautores das atrocidades praticadas todos os dias contra as pessoas que são excluídas da sociedade,  muitos que se colocam deliberadamente no estado de cegueira para dele auferir vantagem.

 Quem ocupa o trono tem culpa/Quem oculta o crime também/Quem duvida da vida tem culpa/Quem evita a dúvida também tem” (Engenheiros do Havaí)

Vejo uma luz na esperança de que as crianças, adolescentes e todos os adultos que estão nessa berlinda, possam a ter consciência de que também do outro lado existe alguém que enxerga um mundo através deles. Todos lutando para que ninguém venha a limitá-las como a música diz no refrão: “somos quem podemos ser/sonhos que podemos ter”

Nesse sentido,  a metáfora do escritor português deixou sobre os nossos ombros o peso que carregou no livro uma única mulher. Isso me faz crer em um mundo real no qual seja  possível a sabedoria vencer a falta de percepção. Talvez, a claridade ocasionada por essa “cegueira branca” provoque um intervalo na escuridão, assim como na composição musical.

Nesse ponto, em que convergem a literatura, a música e a realidade, José Saramago, Bauman e Gessinger  tem nos passar uma mensagem: quando muitos estão ficando cegos, devemos incorporar com mais altivez a responsabilidade de termos olhos para ajudar o outro a recuperar a lucidez e a procurar dentro de si algo que está se perdendo a cada dia: “uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos”.  Esse talvez seja um dos caminhos para salvação.

Esse artigo foi publicado originalmente em nossa página parceira:

contioutra.com - A Cegueira Humana

[1] Disponível em http://ideafixa.com/wp-content/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdf (acesso em 04.07.2015)

[2] Disponível em http://letras.mus.br/engenheiros-do-hawaii/12899/ Somos Quem Podemos Ser (acesso em 04.07.2015)

[3] NOBRE, Marcos e TERRA, Ricardo. Um Guia de Leitura de Habermas. Direito e Democracia. Malheiros Editores LTDA. São Paulo. 2008.

[4] HABERMAS, Jurgen. Uma conversa sobre questões da toeria política. Novos Estudos. Cebrap: São Paulo.1997.

[5] SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. Companhia das Letras. 24º reimpressão, 2002.

[6] SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. Companhia das Letras. 24º reimpressão, 2002

[7] Disponível em http://www.revistaforum.com.br/mariafro/2013/05/31/mia-couto-ha-quem-tenha-medo-que-o-medo-acabe/(acesso em 04.07.2015)

[8] MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. O Poder Judiciário na Perspectiva da Sociedade Democrática: O Juiz Cidadão. In: Revista ANAMATRA. São Paulo, n. 21, p. 30-50, 1994

[9] BAUMAN, Zygmunt. LEONIDAS, Donskis. Cegueira Moral: A perda da sensibilidade na modernidade líquida.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

Sobre a autora:

Monaliza Maelly Fernandes Montinegro. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte; Analista do Seguro Social com formação em Direito; Aprovada no concurso da Defensoria Publica do Estado da Paraíba.

Email: [email protected]

Expectativas x Realidade

Expectativas x Realidade

Por Adriana Vitória

Há três anos, uma amiga deixou a cidade grande com a família em busca de uma vida mais saudável e economicamente mais justa para criar seus filhos. Foi para o interior. Optou por uma cidade com boas escolas onde todos poderiam continuar tendo acesso à cultura e informação.

A família alugou uma bela casa em um bairro super charmoso. Os arredores eram cheios de verde e davam morada a tucanos, canários, sabiás e maritacas.

Ao longo dos anos, entretanto, a realidade mostrou-se mais forte que as expectativas e a família sentiu uma profunda disparidade de valores que ficava mais evidente em ocasiões como reuniões de escola ou até mesmo na convivência com alguns vizinhos.

A princípio eles julgaram que era só uma questão de choque cultural, mas essas diferenças eram superadas facilmente, uma vez que estavam próximos de onde vieram e podiam contar com as visitas frequentes dos amigos e com as idas à cidade que dava  continuidade as trocas afetivas que eram tão essenciais para eles, prociando o equilíbrio de que precisavam.

Um ano se passou até que, nas caminhadas que faziam com os cachorros por uma estradinha de terra, antes caminho de pasto da antiga fazenda loteada, começaram a ver a necessidade de sair com um saco de lixo recolhendo garrafas de suco, papéis de bala e picolé, latas e todo tipo de coisa que as pessoas, simplesmente jogavam pelo caminho.

Notaram ainda que, apesar da grande lixeira estar a pouco mais de 200 metros das casas do quarteirão, poucos eram os que se davam ao trabalho de ir até lá deixar os restos do dia ou da semana. O lixo, constantemente atacado por animais, continuaria se espalhando eternamente e de nada adiantaria todo este trabalho.

O tempo seguiu e os vizinhos começaram a espalhar também os restos de suas obras pela pequena estradinha que antes fora tão charmosa e as caminhadas tornaram-se desagradáveis. Ladrilhos, pregos, pedaços de arame farpado, canos e tubulações por toda parte.

Nesse meio tempo, houve tentativas de aproximar os filhos das crianças locais para que tivessem uma infância saudável de brincadeiras na rua. Não funcionou. O linguajar, não raro, lotado de palavrões e hábitos singulares acabou por separá-los.

Tudo isso começou a faze-los pensar na necessidade de uma nova mudança, mas, devido à dificuldade de se encontrar uma boa casa, resolveram procurar com calma, até que, há algumas semanas, uma vizinha próxima foi até eles aos berros e palavrões de quinta, ameaçando e reclamando das “fezes” dos cães na porta de sua casa.

Como vários cachorros, assim como vacas e cavalos, passeiam livremente a noite, isto não queria dizer que seriam cães deles. Mesmo assim, o que a vizinha chamava de “porta da sua casa” é, na verdade, um canto da estrada com pequenos arbustos adorados pelos cães. Mas não existem argumentos possíveis diante da ignorância. Ela continuou a atacá-los de maneira veemente.

Claro que, durante os anos em que viveram nessa região, a família já conheceu exceções, porém, em se tratando de Brasil, infelizmente esse tipo de comportamento vem se tornando uma regra.
Espero que encontrem um lugar melhor para viver.
Toda esta história me fez pensar. Tenho me dado conta de que, o que de fato separa as pessoas não é a religião, o gênero, orientação sexual, raça ou nacionalidade. O que separa as pessoas é a educação, ou a falta dela. O resto parece ser consequência.

A educação real nos mostra os limites de até onde podemos ir sem prejudicar quem esta ao lado. É a compaixão. Nos da o senso comum, ético e moral, e sem eles não podemos viver em sociedade. A falta dela, nos torna intolerantes, desagradáveis, mesquinhos, verdadeiros parasitas da sociedade. Um cardume nadando contra a maré, ou será a favor? Nem sei mais. Os valores andam tão equivocados que já ando meio perdida.

Partindo deste princípio, podemos encontrar o porquê de tantas discrepâncias do mundo atual, entender as guerras e os preconceitos: frutos da ignorância (ausência de informação) e da falta de educação.

O que nos diferencia dos países chamados do primeiro mundo, não é o poder econômico, mas a porcentagem de pessoas com direito à educação.

Ao contrário do que muitos pensam, a educação nos liberta e nos unifica. Quando privilegiamos a educação, respeitamos as diferenças e tiramos proveito delas para crescer e nos fortalecemos como país.

A história que acabo de narrar é triste. Ao longo da minha vida, vivi em diferentes países e, em cada um, meu nome ou condição social de origem de nada me atrapalharam. Em todos me foi dada a chance de aprender a cultura local, mostrar meus talentos, desenvolver meu trabalho com seriedade e mostrar que eu valia a pena. Dessas experiência, guardo alegrias e amigos preciosos. Pude ainda participar de movimentos importantes em prol de interesses locais, como ajudar a salvar uma árvore centenária do corte em uma pequena comunidade.

Temos que entender de uma vez por todas que não adianta lamentarmos. Quem faz um país é o povo e não meia dúzia de pessoas que porventura estejam no poder. Se vivemos no meio do lixo, é nossa responsabilidade limpar a casa.

Minha família é o mundo

Minha família é o mundo

Por Tatiana Nicz

Esses dias duas amigas que iam viajar viveram um dilema, uma delas por motivos pessoais teve que cancelar a viagem de última hora, a outra seguiu viagem sozinha. Uma das coisas que disse para a que foi é que viajar sozinha pode ser maravilhoso, porque nós nos permitimos muito mais e nos abrimos para encontros inusitados que surgem em qualquer momento da jornada. Quando viajamos sozinhos, ter um pouco de companhia vira necessidade básica e é por isso que nos abrimos. Eu já viajei sozinha algumas vezes, nunca me senti inteiramente só. Com certeza foram as viagens em que mais conheci pessoas diferentes e com elas vivi momentos muito especiais.

Eu conto isso porque hoje vivo algo parecido já que não tenho família perto. Eu tive um “timing” diferente dos meus irmãos, logo que me formei coloquei o pé na estrada, de turismóloga virei turista, entre idas e vindas, passei muitos anos longe. Quando decidi voltar para ficar, minha irmã havia casado e iniciava com sua família uma peregrinação pelo país, atualmente eles moram em Manaus, mas já moraram em outras cidades. Meu irmão também resolveu se aventurar e fez da terra do Tio Sam sua morada. E, por diversos motivos, eu fiquei. Hoje, meu pai se foi desse plano físico, minha mãe está sob os cuidados da minha irmã em Manaus. E eu escolhi ficar.

Ainda tenho parentes aqui, tios e poucos primos, tenho também minha madrasta e seus filhos que são como uma família para mim, tenho amigos de longa data, mas família de primeiro grau e sangue mesmo, da maneira como conheci, pai, mãe, irmãos, esses por perto não tenho mais. Esse poderia ser um texto triste e pedante, mas eu sinto o contrário. O que sinto hoje é o mesmo que disse para minha amiga antes dela viajar sozinha, a solidão nos força a abrir o coração para o mundo de uma maneira que nunca antes imaginamos, porque nos tira totalmente da zona de conforto, porque nos faz precisar do outro. Saber que você precisa do outro é um grande antídoto para o processo de anestesiamento espiritual. O outro te convida a abrir o coração, a ser melhor e a estar presente.

Sim é certo, a orfandade não é algo tão fácil, às vezes pode ser profundamente amedrontador. É mais do que não ter onde almoçar aos domingos, é mais do que não ter um colo para chorar. É muito mais que não ter com quem trocar presentes no Natal. Não ter família presente e perto é coisa séria que exige muita força, é aprender a viver sem nossos maiores conselheiros e incentivadores, é aprender a tomar decisões importantes na vida sozinha. Ser órfã requer um tipo de coragem que preciso reconstruir e revisitar todos os dias. E que todos os dias me faz lembrar que preciso ter mais valia para o mundo.

Com tudo que vivi aprendi muito sobre o valor do tempo. Tempo é algo muito precioso, a vida é mesmo impermanente. A melhor maneira que existe de colecionar boas recordações sem arrependimentos é estando presente naquele momento por inteiro. Eu tive tempo de qualidade com meu pai e meus irmãos. Eu me dediquei para minha mãe. Por isso sei o que é ter uma família, sei a importância que existe nesse sentimento de pertencimento. Esses valores são muito fortes em mim e só porque tive tudo isso hoje não me sinto carente ou sozinha.

Além disso, desde que fiquei órfã de pai e mãe como os conheci aprendi a cuidar melhor de mim, porque ninguém vai me dar colo. Aprendi que caminhar em boa companhia é melhor do que estar sozinha, mas que é melhor estar só do que em má companhia. Hoje tenho uma grande família, uma família estendida feita de muitos bons amigos e parentes que me acolhem e estranhos que rapidamente se tornam grandes amigos. Uma família feita de pequenos gestos de gentileza e fragmentos de tempo e momentos vividos com qualidade.

Depender assim dos outros é um processo bem vulnerável e complexo, ao mesmo tempo que é belo. E de maneira saudável e equilibrada sei que quero e preciso de companhia. Precisar dos outros é aprender todos os dias sobre a força do coletivo, é desejar fazer parte de algo muito maior, é abrir mão do processo extremo de individuação e de egoísmo. Eu quero ser uma companhia mais agradável para mim e para os outros.

Família é puro conforto espiritual, é aquele seleto grupo de pessoas que não escolheram estar ao seu lado (pelo menos não conscientemente) e que te aguentam, independente de quem você seja ou quão diferente e irritante você é. Isso é bom, mas pode ser também muito cômodo. Esse amor tão incondicional e “de graça” nos fortalece e é vital durante a nossa infância, mas como adultos nem sempre nos convida a sermos melhores para o mundo. O mundo em si não tolera suas faltas com a mesma facilidade, então é importante fazer bem o “dever de casa”.

E hoje, sem os eventos e reuniões familiares na agenda, sobra tempo de qualidade para dedicar à mim e aos outros e faço questão de preenchê-lo com bons momentos e companhia; procuro ambientes acolhedores e estar com aqueles que fazem questão de ter minha companhia e que me acolhem de peito aberto; amigos de quem a companhia eu faço questão de ter e quem acolho inteiramente.

E assim a vida tem me proporcionado muitos encontros maravilhosos e inesperados que se tornam atemporais por serem feitos de pessoas presentes e inteiras. É como se eu sentisse em todos que encontro uma pequena amostra de família. Porque no fundo, agora sei, que é isso mesmo: somos todos parte de uma grande e diversa família. Minha família é o mundo.

A menina que mentia demais

A menina que mentia demais

Em seu livro clássico “Coerção e suas implicações”, Sidman fala sobre como a punição pode ser ineficiente para mudar comportamentos – primeiro porque punir não ensina como se comportar, mas apenas como não se comportar – e segundo que as pessoas podem manter o comportamento punido, mas agora de forma encoberta. É como um filho que é ameaçado pelo pai se tirar notas vermelhas e, ao receber o boletim, esconde-o para não ser pego. Ou o namorado que já foi pego traindo a namorada e quase a perdeu e agora exclui seus rastros digitais apagando conversas no Facebook e no Whatsapp para que não seja punido com a perda do relacionamento.

O comportamento de mentir, dentro desse contexto, pode ser extremamente importante para esconder comportamentos que possuem grande possibilidade de serem punidos. Vejamos um caso que ocorreu comigo:

Faz alguns anos que conheci uma menina. Ela gostava de inventar histórias absurdamente desnecessárias. Criava todo tipo de mentira para as coisas mais simples: se estivesse comendo um bolo de chocolate e alguém lhe perguntasse o sabor do bolo, diria baunilha.

Nem sempre, no entanto, suas mentiras eram inofensivas. Muitas vezes ela inventava histórias sobre as pessoas, criando confusões entre seus amigos. Chegou a dizer para o namorado de uma moça que sua namorada estava dando em cima dela e que elas tinham um caso. Contava também histórias de viagens para diversos países e fantasiava com praticamente qualquer assunto banal.

Aquela história me deixou intrigado, mas, ao mesmo tempo, me fez pensar que eu já conhecera várias pessoas que eram daquele jeito. Por que alguém mentiria tanto de forma aparentemente desnecessária? Fiquei imaginando que, segundo a Análise do Comportamento, um comportamento se mantém frequente se for reforçado, ou seja, o ambiente precisa oferecer algo agradável para que ela se mantenha mentindo tanto. Mas, o que seria? A mentira parecia sempre lhe trazer desvantagens: afastou-se da maioria dos amigos, era extremamente criticada por todos e muitas vezes chegava a ser xingada de mentirosa, falsa etc.

Se o presente não explicava muito bem aquele comportamento de mentir compulsivamente, então o passado explicaria. Fui atrás de sua história de vida.

Contaram-me que ela teve uma infância muito difícil, principalmente por conta da agressividade excessiva do pai. Este, um policial militar estressado, batia tanto nela quanto nos irmãos por qualquer motivo – parece que também era violento com a esposa, transformando o clima na casa em um inferno para todos.

Imaginemos o comportamento de mentir dentro de uma casa em que um homem muito violento convive. Mentir pode salvar a pele de muitas situações. Fiquei imaginando essa menina que mentia demais quebrando um vaso e o pai perguntando quem quebrou. Mentir a salvaria de uma surra. Diversas situações podem ter ocorrido para que inventar histórias absurdas lhe trouxesse a oportunidade de não apanhar.

Outra consideração importante para se lembrar é que nenhum comportamento se mantém sem uma função – se ele perde sua função, deixa de existir (é extinto).

A menina cresceu. O comportamento de mentir perdeu a função inicial de livrá-la das surras do pai e, ao mentir como adulta, era muito mais fácil de ser descoberta – seus amigos percebiam as incoerências em seus discursos, ela era mais facilmente “desmascarada”. A complexidade de sua vida social (diferente da simplicidade da vida de uma criança) também tornava o comportamento de mentir muito mais difícil e a punição mais provável. Portanto, o comportamento dela de mentir diminuiu progressivamente.

Mentir, entretanto, ainda poderia ter suas utilidades. Um mesmo comportamento pode mudar de função e manter-se na mesma pessoa. Essa garota, então, encontrou uma forma de mentir que lhe seria útil, aceita e reforçada social e economicamente: ela se tornou uma grande atriz.

SIDMAN, Murray. Coerção e suas implicações. Editora Livro Pleno, 2009.
Fonte indicada: Comportese

Amor é incompreensão

Amor é incompreensão

Quando se ama, o pior inimigo não é, como dizem por aí, o costume. Ele pode ser traduzido em intimidade, à guisa de elogio. A rotina pode ser deliciosa, porto seguro da alma. A mesmice do outro não é chatice, é repouso. A repetição de seu ser nos acolhe como o café fumegante depois do almoço.

A duração de um amor não esbarra nisso. É a idealização das escolhas que a abala. Somos tolos como insetos em volta da lâmpada. Ficamos trocando de parceiro, renovando a expectativa de algo maior, relançando as apostas num encontro absoluto. Balela, amar é combater o desencontro a cada dia. Escute Clarice Lispector: “pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente”.

O convívio não destrói o mistério, pelo contrário. Viver uma vida inteira ao lado de alguém é resignar-se a jamais decifrá-lo. Não nos saciaremos um no outro. Ele nunca chegará a nos pertencer definitivamente. Um rio separa os amantes, travessias são possíveis, mas as margens não se fundirão. Gulosos, consideramos que a felicidade seria fazer-se um: queremos mais do que encaixe, o objetivo é zerar a distância, anular a diferença.

Nesse caso, melhor casar com o espelho ou seguir em busca desse par perfeito, pulando de promessa em promessa, procurando no amor o tesouro escondido da felicidade. O problema é que amor e felicidade sofrem da mesma sina.

São inflacionados, acima de tudo incompreendidos e costumam não ser reconhecidos quando estão presentes. Por natureza, eles são discretos, deixam-se estar, suaves, dispostos a um bom papo. Mas em geral são ignorados. Depois de um tempo, partem incógnitos. Os que não souberam reconhecê-los sequer têm motivo para lamentar por isso, a ignorância protege.

Já a paixão e a euforia nunca passam despercebidas, causam furor quando chegam e todos querem ser vistos a seu lado. São barulhentas e somem sem que se saiba quando foi que a ressaca tomou seu lugar. Os amantes ingênuos são mais afeitos ao estilo dessas últimas. Como num parque de diversões, ficam em longas filas, por meses, anos, na chatice da espera, para viver instantes de vertigem.

Prefiro gastar meu prazo tomando um vinho com a intimidade. Essa, vos asseguro, é mais próxima da felicidade. Acho que nunca terminarei de comemorar a permanência do amor como um presente diário. Um pacote que nunca abro. O mistério de seu conteúdo faz parte da felicidade de tê-lo em mãos.

Diana Corso é psicanalista e autora do livro Fadas no Divã. Escreve há dois anos para Vida Simples.

Fonte indicada: para conhecer mais o pensamento da escritora, recomendamos o site Vida Simples

Aproximar a escola do aluno, o maior desafio do século 21

Aproximar a escola do aluno, o maior desafio do século 21

Matéria de TATIANE CALIXTO

Métodos do século 19, mais professores do século 20 e alunos do século 21. Desta forma, a conta da educação não fecha. É assim que o educador e filósofo Mario Sérgio Cortella analisa o dia a dia das salas de aula no País. A solução, porém, não é apenas empurrar a tecnologia para dentro da escola. Para Cortella e especialistas, é fundamental entender o papel do professor e levar em consideração o mundo dos alunos.

“Muitos professores falam: ‘os alunos não são mais os mesmos’.Então eu me pergunto:por que eles dão aula do mesmo jeito?”, questiona Cortella, provocador. Segundo ele, para conseguir minimizar os conflitos,o professor precisa ficar atento ao que é arcaico – do passado e que lá deve ficar – e ao que é tradicional e deve ser levado para sempre. Já sobre o novo, tecnologia, por exemplo, ele garante que é preciso entender o papel que ela deve ter.

“Tecnologia é ferramenta. O principal é entender o que emociona nossos alunos e trabalhara partir disso, usando a tecnologia como ponte”. Em sua opinião, a internet proporciona informação. Mas informação é apenas o caminho para se alcançar o conhecimento.E é do professor a tarefa de conduzir isso.

A consultora de Educação da Bett Brasill, Vera Cabral Costa, pensa semelhante. Segundo ela, professor não é a fonte única do conhecimento e o Google está aí para provar isso. O que aprender também mudou e datas e “decorebas” hoje não fazem diferença, já que a informação está disponível em todo lugar.”O que vale é a capacidade de usar a informação e transformá-la em conhecimento. A tecnologia não desvaloriza a profissão docente. Ao contrário. De transmissor do conhecimento, o professor passa a ser o maestro da transformação do aluno em cidadão autônomo”.

Barreiras

Andrea Guedes tem 35 anos e é professora orientadora de informática educacional (poie). Ela concorda que as aulas devem ser mais atrativas para que a aprendizagem dos alunos possa ser mais efetiva. No entanto, há barreiras a vencer, para que a teoria de aulas dinâmicas para atender essa nova geração de alunos vire prática. “Hoje a informática, que é como que trabalho, por si só não é uma novidade para os alunos. O papel dela é contribuir como ensino em todas as outras matérias. Mas isso ainda acontece de diferentes formas”.

Para Andrea, a rede particular consegue integrar melhor a tecnologia às disciplinas. Já na rede pública, a questão esbarra na demora burocrática para que os equipamentos cheguem às salas de aulas.”Há também a resistênciade alguns professoresa ferramentas tecnológicas.Por outro lado, muitos educadores trabalham mais de um período e falta tempo para que eles se qualifiquem”. Na opinião dela,pensar na educação do século 21 é equacionar esses problemas.

Indisciplina

Porém, nada assusta mais no dia a dia escolar do que a indisciplina, diz Cortella. E isso, afirma, vem de casa. ” Os pais de agora tiveram um descuido:acharam que seus filhos eram seus pares e não seus subordinados”. Assim, para ele, as crianças crescem confundindo desejo com direito e um exercício na escola é uma afronta.

Além disso, o cotidiano que deixa os pais mais ausentes também impacta. “Às vezes, o primeiro adulto que o aluno vê no dia é o professor perguntando da lição e exigindo disciplina. Aí ele vai para cima mesmo”. Por isso, Cortella defende que trabalhar a indisciplina não deve ser uma ação isolada entre professores; precisa fazer parte de um projeto político pedagógico e que, necessariamente, precisa do apoio da família.

Fonte indicada: A Tribuna (site altamente recomendado pela contundência e a coerência de suas abordagens temáticas)

A inspiração como guia

A inspiração como guia

Por Clara Baccarin

Sigo por caminhos, atalhos e matas inexploradas. Meus guias são a intuição e a brisa do (a)mar.

Paro e me demoro quando encontro no meio do caminho picos de visão ampla e clara.

Sigo a borboleta amarela que se perde no meio da mata fechada, vou atrás dela sem medo de me perder e continuo seguindo-a por um bom tempo, mesmo depois de tê-la perdido de vista. Pelos sentidos continuo sentindo o rastro dela dentro de mim. E eu sigo neste caminho até que se esgotem presença e lembrança.

Quando a beleza acaba, eu paro, respiro, medito. E quando estou pronta novamente, ouso espiar novas vidas renascendo.

Então eu sigo as pegadas de bicho grande e desconhecido só para, com o coração descompassado outra vez, encontrar olhares selvagens e misteriosos que me fazem me perder num mar de encantamento.

Sigo com o pensamento as curvas dos tantos galhos da árvore idosa, retorcidos e altos, tentando alcançar o céu. Eu vou com eles.

Sigo a dança das nuvens que criam histórias para depois desmancha-las no tempo. As formas sendo desfiguradas pelo vento. A vida em movimentos constantes, formando outras imagens, paisagens e sentimentos. Para depois desmanchar tudo outra vez.

Sigo o barulho do mar, mesmo sem vê-lo. Será que existe? Será que eu o encontrarei? Sigo o seu cheiro que vem e vai como o balanço das marés.

Sigo a beleza de uma mão estendida e de um sorriso vivo que me trazem momentos de certeza e alegria por poderem me mostrar um percurso que eu não conhecia. Sigo de mãos dadas por um tempo.

Sigo os encantos, os instantes que me tocam, por isso não posso te contar qual é a fórmula do meu caminho, não sei dar as coordenadas, não sei dizer se é calmo ou labiríntico, não sei dizer se é seguro. Não sei dizer se me encontro ou se me perco.

Só posso dizer que eu sigo o que me amplia a visão, o que me desperta e instiga e mesmo que por vezes eu morra, renasço ainda mais viva.

Eu sigo apenas o que me inspira.

“O casamento é um risco para a vida das mulheres”, diz médica especialista em saúde mental feminina

“O casamento é um risco para a vida das mulheres”, diz médica especialista em saúde mental feminina

Por Débora Fogliatto

A cidade de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, recebeu uma série de formações em gênero e saúde mental promovidas pelo projeto Girassóis. Os cursos foram iniciados em março de 2014 e divididos em três datas, que capacitaram profissionais da saúde, da rede de enfrentamento à violência contra a mulher e lideranças comunitárias. Uma das pessoas que tornou essa medida possível foi a médica baiana Maria José Araújo, que esteve na cidade na última terça-feira (7) para participar do Seminário Gênero, componente essencial na atenção à saúde mental das mulheres. Ela trabalhou como consultora para o projeto, desenvolvido pelo Coletivo Feminino Plural.

Maria José formou-se inicialmente em Pediatria, carreira que ela logo abandonou para fazer mestrado em Saúde Mental Materna e Infantil na França, seguido de uma formação em Ginecologia de Atenção Primária na Suíça. Paralelamente, é ativista pelos direitos das mulheres e uma das fundadoras da Rede Feminista de Saúde, além de coordenadora da área técnica de Saúde da Mulher no Ministério da Saúde, no primeiro mandato do presidente Lula, e coordenadora, no Brasil, da instituição internacional “Médicos pelo direito a decidir”. Em 2005, Maria José foi uma das 52 brasileiras indicadas pelo projeto 1000 Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz. A iniciativa selecionou mil mulheres ao redor do mundo todo indicadas para o prêmio como forma de criticar o fato de apenas 11 mulheres o terem recebido durante seus 113 anos.

Ela critica as desigualdades e violências que afetam as mulheres, causando problemas psiquiátricos

Nesta entrevista ao Sul21, ela analisa as questões que relacionam gênero e saúde mental, defendendo que as mulheres têm mais problemas psiquiátricos (elas são 74% da população que toma remédios para estas doenças) devido às desigualdades, violências e pressões sociais sofridas. As políticas públicas voltadas à saúde mental, porém, não fazem esse recorte, critica ela. “Não tem nenhuma base no sentido de mudar um pouco a autoestima das mulheres, de tentar interferir na questão da violência, no auto-conhecimento, na tripla jornada, na discriminação que as mulheres sofrem”, aponta.
Essa violência que as mulheres sofrem na sociedade pode ser tanto física quanto psicológica. “É real a violência psicológica. Tanto é real que está categorizada na lei Maria da Penha, mas as mulheres às vezes nem percebem que estão sofrendo com essa violência que não deixa marca física, mas deixa marca emocional”, avalia a médica. Isso passa por questões de autoestima, determinada sempre pelo “olhar masculino”, segundo ela, que faz com que as mulheres tenham cada vez mais problemas de saúde. Confira a entrevista completa:

contioutra.com - “O casamento é um risco para a vida das mulheres”, diz médica especialista em saúde mental feminina
07/07/2015 – PORTO ALEGRE, RS, BRASIL – Maria José de Oliveira Araújo, especialista em saúde da mulher pela Sorbonne participa do encontro de entidades da saúde de Canoas que discute nova abordagem para a saúde mental das mulheres. | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Sul21 – Como começou o seu envolvimento com o Projeto Girassóis?

Maria José – A gente [ela e o Coletivo Feminino Plural] faz parte da mesma rede, a Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos, já trabalho com o coletivo há muitos anos. E com o começo desse projeto, elas precisavam de uma pessoa que tivesse uma visão de saúde mental distinta, que contemplasse as questões de direitos humanos, gênero e vulnerabilidade, com outro olhar sobre a saúde mental das mulheres. E eu venho trabalhando com isso há bastante tempo, por isso me convidaram para ser consultora do projeto e fiquei muito feliz.
“Têm questões relacionadas à biologia e à socialização que exigem políticas diferentes”

Sul21 – Muitos profissionais da área parecem ainda não ter formação nesse sentido, nem a percepção da relação entre gênero e saúde mental. Como a senhora percebe essa questão?
Maria José – É, na verdade as políticas públicas homogenizam todo mundo. Fora as políticas de pré-natal, parto e aborto, as políticas públicas de saúde são políticas globais, que não contemplam essa questão. Não são elaboradas a partir de uma percepção de que as mulheres têm determinantes da saúde diferentes dos homens. Têm questões relacionadas à biologia e à socialização que exigem políticas diferentes, com outros olhares, outras abordagens, outras percepções. Quando sai uma política de saúde mental, ela sai para todo mundo. Não tem nenhuma base no sentido de mudar um pouco a autoestima das mulheres, tentar interferir na questão da violência, no auto-conhecimento, na tripla jornada, na discriminação que as mulheres sofrem. [Essas políticas] homogenizam o que é desigual, Muitas vezes são inadequadas, a visão e a abordagem.

Então a mulher com sofrimento psíquico vai permanentemente no serviço de saúde e não consegue ter suas questões resolvidas justamente por isso. Enquanto as políticas públicas não conseguirem ter essa abordagem, mulheres vão continuar sem ter suas questões resolvidas.

Sul21 – Isso tem também a ver com toda a questão da autoimagem da mulher, da pressão da mídia e da sociedade sobre os corpos das mulheres?
Maria José – Exatamente. O Brasil é um dos países do mundo em que mulheres mais fazem cirurgias plásticas. A autoestima das mulheres é sempre baseada no olhar masculino, são os homens que determinam o valor das mulheres e dão status. Não é por acaso que é um dos países onde elas mais são considerada como objetos. Pelo comportamento, tipo de roupa, por essa questão da cirurgia plástica. Eu estava em um debate onde uma das debatedoras disse que fizeram uma pesquisa com as meninas de 15 anos e o presente que elas pedem nos aniversários é botar silicone nos seios. Com 15 anos! É tão complicado isso, essa questão da mulher como objeto. Eu achava até que isso tinha melhorado, mas nos últimos dois anos acho que regrediu.
“A [violência] psicológica, às vezes, a mulher nem percebe, são as micro violências cotidianas”

Sul21 – Tem a questão da violência que é perpetuada em casa, não apenas física, mas também psicológica.

Maria José – E a violência psicológica não é nunca relatada. A física e sexual, embora muitas mulheres não denunciem, outras o fazem. Enquanto a [violência] psicológica, às vezes, a mulher nem percebe, são as micro violências cotidianas: “Você é feia, burra, tem o peito caído, está gorda, não entende nada, você é incapaz, não presta para nada”. Esse tipo de violência, que é sutil, vai minando a autoestima das pessoas o tempo inteiro. Toda mulher que sofre violência tem muito baixa autoestima, ou porque sofre violência há muito tempo, ou porque a mãe já sofria violência e cresceu vendo aquilo. É real a violência, tanto é real que está categorizada na lei Maria da Penha, mas as mulheres, às vezes, nem percebem que estão sofrendo com essa violência que não deixa marca física, mas deixa marca emocional.

Sul21 – Em comparação com outros países, se a sociedade for menos machista, percebe-se uma diferença na saúde mental das mulheres?
Maria José – Eu acho que sim. Quanto mais as mulheres têm autoestima, são menos discriminadas, se valem por elas mesmas, a saúde mental melhora demais. As mulheres casadas que têm mais de três filhos, isso é um risco para a saúde mental. Porque são elas que fazem tudo, cuidam da casa, criam as crianças sozinhas, são elas que abortam, elas que gerenciam a casa. Quando chegam do trabalho, se forem pobres, vão ter que fazer de novo tudo que fizeram na casa da patroa; se não forem pobres, de qualquer forma têm que cuidar das crianças, ajudar nos deveres da escola. É uma sobrecarga que não termina nunca. Então, o casamento é um risco para a vida das mulheres. Infelizmente, essa é a realidade. Porque aumenta demais a sobrecarga de trabalho.

Eu tenho uma reflexão, acho que no Brasil a maioria das mulheres de classe média e alta só está junto com os homens porque têm empregada doméstica. É um amortecedor da falta de apoio, da falta de divisão sexual do trabalho, porque os homens e os filhos não fazem nada. Tem um círculo vicioso que as mulheres não conseguem sair, e aí é uma sobrecarga de saúde mental. Por isso que elas são 74% dos consumidores de remédios psiquiátricos, porque tem que ter alguma válvula de escape.

“Não tem uma reflexão de que é a vida dela que provoca aquele mal estar”

Sul21 – E ao mesmo tempo, parece que muitas vezes os problemas das mulheres não são levados a sério, e elas mesmas não percebem.
Maria José – Elas muitas vezes não percebem o círculo vicioso em que entram. Sabem que se sentem mal, mas não sabem o porquê. Não tem uma reflexão de que é a vida dela que provoca aquele mal estar: a infelicidade, sobrecarga de trabalho, violência. Há muitas mulheres hoje que conseguem perceber, mas é lento o processo.

“Transformam o que é do cotidiano do ser humano em doença, e assim o primeiro passo é a medicalização”

Sul21 – Atualmente, os cuidados de saúde mental são muito voltados para a medicalização. Quais os efeitos disso?
Maria José – Olha, eu sou médica, acho que alguns casos precisam de medicamento. Uma depressão grave, severa, provavelmente tanto homens quanto mulheres precisam de medicamentos, além de apoio de uma terapia, de um profissional. Mas só pelo número já dá para ver que existe um abuso de medicação. Todas as queixas das mulheres para ginecologistas, obstetras e psiquiatras, são imediatamente medicalizadas. Uma pessoa que perdeu a mãe, por exemplo, tanto homens quanto mulheres, é normal que a pessoa chore, sinta tristeza, sinta seu luto. Mas o próprio manual de Doenças Mentais, o DSM, traz que 15 dias de luto já é uma doença mental. Ou seja, transformam o que é do cotidiano do ser humano em doença, e assim o primeiro passo é a medicalização. Nessa sociedade capitalista, pós-moderna, individualista, as pessoas não podem mais fazer seu luto, de todos os tipos. Como é uma sociedade de supérfluos, de consumismo, que tudo é temporário e descartável, os afetos também viraram descartáveis. Se seu pai, mãe, companheiro ou companheira morre, você tem que, 15 dias depois, já estar numa boa. É todo um conjunto de sintomas da sociedade atual, da contemporaneidade.

Sul21 – E essas questões de saúde mental afetam de forma diferente em função da raça ou da classe social?
Maria José – Que eu saiba, não tem nenhum estudo no Brasil por exemplo que digam se as mulheres negras tomam mais medicamentos psiquiátricos ou não. Na minha cidade, Salvador, 70% das mulheres são negras, então… eu não tenho dados científicos, mas pode ser que sejam mais medicalizadas, porque têm acesso a serviços de saúde que não são de boa qualidade, estão nas camadas mais pobres, são mais discriminadas. É só ver o que aconteceu com a Maju, a mulher do tempo no Jornal Nacional, que foi alvo de piadas discriminatórias*. Tinha um comentário que dizia: “onde eu posso comprar essa escrava?”, ou seja, estamos num país totalmente machista e racista. Então, isso acontece com uma mulher que está no Jornal Nacional, que é uma mulher culta, que todo mundo elogia o trabalho dela, e mesmo assim os comentários nas redes sociais são terríveis. Eu fiquei chocada, eu imagino que podemos inferir que as mulheres negras tomam mais medicamentos psiquiátricos, até porque as mulheres brancas são discriminadas por serem mulheres, mas não por sua cor.

*A apresentadora da Rede Globo Maria Júlia Coutinho foi alvo de diversos comentários racistas pela internet, na semana passada. As mensagens foram enviadas após a emissora publicar no Facebook uma foto da apresentadora.

Fonte indicada: Sul 21

“Divago, quando o que quero é dizer que te amo”, conheça esta declaração de amor de Adélia Prado

“Divago, quando o que quero é dizer que te amo”, conheça esta declaração de amor de Adélia Prado

Eu te amo, homem, hoje como toda vida quis e não sabia, eu que já amava de extremoso amor o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos de bordado, onde tem o desenho cômico de um peixe — os lábios carnudos como os de uma negra.

Divago, quando o que quero é só dizer te amo.

Teço as curvas, as mistas e as quebradas, industriosa como abelha, alegrinha como florinha amarela, desejando as finuras, violoncelo, violino, menestrel e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito pra escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo o teu coração, o que é, a carne de que é feito, amo sua matéria, fauna e flora, seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas perdidas nas casas que habitamos, os fios de tua barba.

Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:

“Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros”.

Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.

Te alinho junto das coisas que falam uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece, tira de mim o ar desnudo, me faz bonita de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega, me dá um filho, comida, enche minhas mãos.

Eu te amo, homem, exatamente como amo o que acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando os panos, se alargando aquecido, dando a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.

Amo até a barata, quando descubro que assim te amo, o que não queria dizer amo também, o piolho.

Assim, te amo do modo mais natural, vero-romântico, homem meu, particular homem universal.

Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.

Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,a luz na cabeceira, o abajur de prata; como criada ama, vou te amar, o delicioso amor: com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso, me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles eu beijo.

Adélia Prado

Da vida quero o que é simples, mas de boa qualidade

Da vida quero o que é simples, mas de boa qualidade

Por Clara Baccarin

Da vida quero o que é simples, mas de boa qualidade.

Troco um jantar requintado por um arroz-feijão feito em casa refogado com muita cebola, alho e papo furado.

Gosto dos sentimentos simples, mas bem temperados. Do sorriso caseiro com uma pitada de pimenta. Das receitas simples de felicidade, fáceis de decorar, de seguir e de ensinar. Gosto de um canteiro de afeto cultivado no aparador da janela. Do cheiro acolhedor invadindo a casa e os corações. Das falas fáceis, da risada solta, dos medos guardados do lado de fora da porta de entrada.

Gosto de comer me reconhecendo nos sabores. De lembrar a riqueza que é apreciar sentimentos familiares. Gosto de me sentir em casa dentro de mim quando estou perto do outro.

O meu castelo é de fantasia, construído dentro da casinha simples do interior. Nele, as paredes não possuem muitos quadros, a cozinha não precisa de muitos apetrechos, os armários não guardam grandes segredos. Mas as janelas são amplas, boas de se perder a vista.

No meu lar não sei receber visitas ilustres, cheias de etiquetas, de pompas e de mistérios. Este lar é ‘pobre’, porém limpinho. Quem chega descalçando os sapatos é bem vindo. E também são bem vindos aqueles que se deixam invadir sem medo, daquele jeito ingênuo de quem nunca percebeu as segundas intenções do mundo. Aqueles que tratam até os estranhos como ‘de casa’. E eu, se preciso, jogo mais água no feijão para fazer render a amizade e a boa companhia.

É que aqui, os sentimentos são antigos, talvez até antiquados, cozidos em panela velha, devem ser resultado de receita de avó.

As tarefas da casa são simples, mas há de executa-las com carinho. Qualquer frescura pode ser substituída por uma boa dose de afeto. E no final do dia, uma mão lava a outra.

Às vezes as roupas sujas se acumulam num canto da casa, mas a gente perde um tempo e lava tudo aqui dentro mesmo, no dia seguinte fica tudo às claras outra vez. As mágoas vão para o ralo junto com a espuma do sabão de coco.

Da vida quero o que é simples mas de boa qualidade. Quero pessoas que trazem o que podem, mas se compartilham por inteiro e quando se afastam, carregam lembranças bem nutridas e corações satisfeitos.

O amor da nossa vida

O amor da nossa vida

Por ElikaTakimoto

Estava aqui lendo Proust (fala sério, gente, eu sou mega burguesia cultural insuportável), quando recebo o telefonema da Nara, minha filha adolescente, que acabava de sair de um ensaio.

– Mãe! Encontrei o homem da minha vida!

Nara faz cursos de teatro, dança, canto e bababá bububú lá em Copacabana. Num desses ambientes, apareceu um rapaz bonito, mais experiente que ela na carreira artística e que lhe ajudou em um ensaio lá pelas tantas. Ele explicava, ela ficava olhando com aquela cara de quem olha para um pote de nutella munido com uma colher. Entendeu, Nara?

– Ai, mãe!, eu nem havia prestado atenção!, acredita? Ele me perguntou quanto tempo eu estava estudando canto e o que mais eu fazia! Disse que sou afinada! Mãe! É o homem da minha vida! Tem que ver que fofo ele me ensinando as coisas! Quero me casar com ele, mãe! – Falava ela como se houvesse encontrado um vestido que lhe vestisse muito bem.

Nessas horas, eu tenho que fazer o meu papel de mãe e ponderar algumas coisas mega válidas.

– Ele é neoliberal? – Perguntei.

– Ai, mãe, mora na zona sul, já trabalhou para a um empresa americana… será?

– Ele é vegetariano?

– Não sei, mãe…, pode ser que sim.

– Ele tem cara de quem adotaria uma vira-lata?

– Tem super cara disso, mãe.

– Tem nada! Você não o conhece, minha filha!

Resolvi dar meu cheque-mate na conversa:

-Qual o signo dele?

(Não que isso importa para mim, mas sei que Nara é desse tipo que sabe se um relacionamento vai dar certo ou não olhando a data de nascimento dos namorados.)

– Não sei, mãe! Mãe! Ele NÃO pode ser de libra! Mãe! Se for de libra… eu teria que ver o ascendente… Eu super dou errado com librianos…

– Você não sabe nada desse rapaz e diz que ele é o homem da sua vida? E se for gay?

– Mãe! Não importa! Isso tudo que você falou são detalhes! Não dá pra ficar se pegando nessas pequenas coisas e, depois, agora ele me conheceu, né? Eu estou aqui para mudá-lo! Ele vai super ser desses que adotam vira-lata e se orgulham disso, vamos conhecer Cuba, comer só coisas que não têm cabeça, vamos andar de mãos dadas pelas ruas do Rio, ver filmes com o Johnny Depp e Helena Bonham Carter, ele vai aprender a cozinhar e vamos ser ricos cantando juntos! Não é lindo, mãe?

Nara estava com a Primavera no estômago. Que máximo…

O rapaz apareceu na aula como assistente do professor, resolveu ajudar a Nara e ela assimilou isso tal como aquelas cenas de filme onde o cara aparece no aeroporto no último segundo só pra pedir pra mocinha ficar. Nem acreditei… Incrível como Nara cresceu e está pronta para viver em sociedade. Viver a vida intensamente. Ter um relacionamento sério. Orgulho de ver minha filha iniciando o ciclo: apaixonar-se loucamente, viver o amor, desiludir-se, tomar rivotril fazer terapia engordar emagrecer e querer virar um monge budista desapegado. Se ela der sorte, o ciclo se passará ou muito lentamente, a ponto de não dar tempo de passar para a fase 3, ou terminar rápido demais e deixá-la pronta para iniciá-lo novamente.

Nara me disse que iria desligar e fazer algumas coisas importantes antes de pegar o metrô e depois o trem para Madureira. Mais tarde, a gente veria juntas o que era preciso para a cerimônia. Ok. Beijo, filha. Beijo, mãe!

– Mãe! – Ela, em menos de um minuto – Descobri! Ele pode ser de esquerda! Ele estuda na UFRJ. É de gêmeos! Hétero e compartilhou vídeos de animais! Agora estou indo para casa! Beijo de novo, mãe!

Nara stalkeou o príncipe todinho, gente.

Cá para nós… Ainda que ele tenha votado em Aécio, goste de bife mal passado e tenha um gato persa, eu sei, Nara sabe e todo mundo sabe que o amor entre o futuro-marido-da-Nara-do-momento e ela pode acontecer de verdade, pois, o amor debocha da nossa razão. Referenciais não nos enchem de desejo. Buscamos um parceiro tal como os animais: pelo cheiro. Talvez um pouco mais do que isso: pelo mistério, pela paz que a pessoa nos traz ou pelo tormento que ela nos provoca. Ama-se por aquilo que o beijo nos oferece. Pelo o que sentimos quando tocam a nossa nuca ou quando nos explicam o que não entendemos com um jeito suave, ainda que não prestemos atenção em nenhuma palavra dita.

O amor, cuja fórmula matemática é: eu fofa + você fofo = casamento eterno, não requer consulta prévia, não se dá a stalkeamentos.

O amor da nossa vida gosta de clichês, portanto, o amor da nossa vida não é aquele que nos leva a Paris e sim traz Paris para dentro da gente. Não nos faz querer a chegada da Primavera; o amor da nossa vida é a nossa Primavera.

É isso. Cá estou pesquisando na internet umas casas de campo bem bonitinhas para sugerir a eles como moradia.

O Bêbado

O Bêbado

Por Lúcia Costa

Via, todas os dias, aquele homem perambular pelas avenidas quentes da minha cidade. Bêbado, cantava uma música de Altemar Dutra enquanto mendigava por centavos para trocar por cachaça em um boteco frequentado por prostitutas e outros bêbados amigos.

Seu corpo, há tanto sem água e sabão, era um fedentina andante. Alguns dentes haviam caído e os que lhe restavam doíam durante à noite, obrigando-lhe a uivar junto aos cães, naquela antiga estação de trem, onde dormia embrulhado com meia dúzia de jornais velhos.

Em uma manhã de sábado, acordou diferente. Estava sóbrio e queria visitar a mãe que morava em uma cidade próxima. Enquanto seguia para a rodoviária velha, bem na faixa de pedestre, foi atropelado por um veículo dirigido por um bêbado. Caído, olhou o céu, reparou as nuvens uma a uma, observou os pés que se aproximavam, sentiu o calor do próprio sangue lhe aquecer as costas. Seus olhos teimavam em fechar e ele teimava em continuar a olhar o céu. Foi vencido por uma força desconhecida que lhe cerrou as janelas pelas quais espiava o mundo.

Os cães se aproximaram, lamberam-lhe a boca, fuçaram-lhe os pés e uivaram alto. Em pleno dia, os cães emitiram aquela melodia triste, e os bêbados e as prostitutas choravam.

Naquele noite, na velha estação de trem, todos beberam a morte do bêbado e os cães se aqueceram no único bem restado por ele: meia dúzia de jornais velhos.

O sentido da vida é aprender a lembrar que hoje pode ser o último dia

O sentido da vida é aprender a lembrar que hoje pode ser o último dia

Por Gabriela Gasparin

‘O sentido da vida é aprender a lembrar que hoje pode ser o último dia’, diz jornalista que largou direção no Yahoo! para se dedicar a sebo de livros

No final de 2014, o jornalista Ricardo Lombardi, de 44 anos, largou o cargo que tinha de diretor de conteúdo do Yahoo! para se dedicar à venda de livros usados em um sebo montado na garagem da casa de sua mãe. A corajosa decisão dele, que inclui a redução dos gastos mensais em 70%, me fez ir até lá para entrevistá-lo, curiosa para saber o que ele responderia sobre o sentido da vida.

Cheguei no endereço onde fica a simpática loja de livros usados, chamada Desculpe a Poeira, em Pinheiros, no meio da tarde. Ricardo estava sentando numa mesinha na calçada do sebo, tomando um café e escrevendo no notebook. Na mesa, um livro e uma revista. Ao redor dele, duas bicicletas: uma para uso pessoal e outra adaptada com caixas para carregar livros.

A cena denunciou uma intenção que o jornalista em seguida me confirmaria verbalmente: a busca por simplificar a vida.

“Acho que simplificar é uma palavra interessante para mim. O mundo em que a gente vive é de muito consumo, as próprias escolhas são voltadas para o consumo. A gente tem que ter um celular melhor, e a tendência é sempre trocar as coisas por algo melhor ou superior. E acho que falta um pouco aquele momento que você para e pensa, eu preciso disso? Preciso dessas coisas? Eu preciso desse tênis, dessa roupa, desse celular? Se questionar um pouco mais acho que você consegue simplificar a sua vida e sua escolha também.”

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‘Acho que quando você tem um projeto em que acredita, você precisa gastar toda a sua energia nele’, diz Ricardo Lombardi

Eu perguntei a ele o que o moveu para apostar na mudança. Ricardo explicou que a escolha tem a ver com uma fase de ter mais tranquilidade na vida. Comentou, ainda, sobre a percepção de que o tempo é finito.

Em 2013, num curto período, a filha dele nasceu e seu pai morreu. Apesar de os dois fatos não terem relação direta com sua decisão de mudar a rotina, a experiência de vivenciar quase no mesmo tempo o nascimento e a morte fez com que ele refletisse mais sobre o sentido de sua existência. “Você começa a perceber que vai envelhecer, que as coisas vão passar, que você não vai poder voltar para fazer coisas que deixou de fazer.”

E foi essa sensação que o motivou a pensar que poderia fazer coisas que dão mais sentido para ele, de forma a passar mais tempo com a família, citando a mãe, a esposa e dois filhos. “Eu acho que a gente vai ficando mais velho e vai percebendo que andar de bicicleta é mais saudável, que andar a pé é mais saudável, que você pode se vestir de forma mais simples, se alimentar de forma mais simples e saudável, aproveitar mais as coisas que não custam nada.”

Para ele, o sentido da vida é “viver plenamente” e saber que as questões de hoje é que precisam ser colocadas na mesa, já que o passado já foi e o futuro ainda não aconteceu.

“Acho que cada um precisa entender a sua participação no mundo. Para mim, o sentido sempre foi viver o presente. É aproveitar o dia e tomar as decisões naquele dia como se fosse o último da sua vida, porque você não sabe o que vai acontecer, você pode escorregar numa casca de banana ou você pode ser diagnosticado com uma doença incurável. É um erro você projetar muito para o futuro. “

E completou: “o sentido da vida, acho que é aprender a lidar com a questão do presente, aprender a sempre lembrar que hoje pode ser o último dia.”

Vida no jornalismo

Ricardo trabalhou em redações de jornais por 25 anos, muitos deles em cargos de editor e diretor. Começou aos 17, como arquivista do Estadão, onde se apaixonou pela profissão e largou o curso de Direito que fazia para estudar jornalismo. Entre os veículos onde trabalhou está o Jornal da Tarde, editora D’Ávila, América Online (AOL), editora Abril e o Yahoo! (onde estava até setembro deste ano).

A mudança de vida não aconteceu de uma hora para outra. Na verdade, o que Ricardo fez foi sair do emprego para poder se dedicar a um projeto pessoal que toca há alguns anos. Desde 2007, ele tem um blog chamado Desculpe a Poeira, hoje hospedado no site do Estadão, onde dá dicas e sugestões de leituras.

Em 2013, numa viagem à Argentina, viu um sebo que despertou nele a ideia de criar, em suas próprias palavras, a “extensão analógica” do blog. “Pensei, e se eu fizesse um sebo com edições que eu gosto ou que alguém gostou, deu para mim e eu posso passar adiante? Eu tive essa ideia e pensei nessa garagem, que é da minha mãe. Falei, vou colocar em prática.”

Na época, o jornalista era diretor da revista VIP e trabalhava de segunda a sexta-feira. Foi nos finais de semana que ele mesmo reformou e transformou a pequena garagem da mãe no simpático sebo, processo que durou um ano e meio. “Primeiro eu pintei, coloquei as luminárias, fiz as prateleiras, o móvel, tudo. Até esse banquinho eu fiz”, disse, me apontando para um pequeno banco de madeira – a reportagem do Draft explica que ele fez cursos de marcenaria.

 

Desapego!

O desprendimento com relação aos bens materiais começou nessa época, inclusive. Ricardo percebeu que para tornar o sebo realidade precisaria desapegar do próprio acervo pessoal de livros. “Toda a minha biblioteca que eu tenho está aqui. Eu não queria me livrar dela, mas isso aqui só seria possível se eu começasse com ela.”

Em setembro de 2014, a ideia do sebo já estava formatada o suficiente e ele viu que o projeto precisava de mais tempo e dedicação para ganhar força. E foi por isso que resolveu sair do Yahoo!. “Eu acho que quando você tem um projeto em que acredita, você precisa gastar toda a sua energia nele, e não dividir em várias atividades, fracionar seu dia e sua energia, esse é meu modo de pensar.”

Para que a mudança fosse possível, ele vendeu o carro, mudou o estilo de vida e cortou seus gastos em 70%. Eu perguntei a ele se estava fazendo falta: “não, até agora não fez falta.” Ricardo estava vivendo de sua poupança, mas acreditava que dentro de um ano o sebo começaria a dar retorno financeiro.

“A beleza da nossa vida é que a gente pode fazer o que a gente quiser. A gente pode nascer de novo, mudar de profissão, reformular ou reformatar a nossa vida de outro jeito, que faça mais sentido naquela fase especifica. Eu não estou dizendo que é errado gastar dinheiro com roupa ou comer em restaurante caro, eu não acho errado. Você tem que saber que aquilo se encaixa com aquela fase da vida que está vivendo. Na minha fase atual, eu prefiro ter uma vida mais simples, prefiro ganhar menos, e gastar mais tempo com as pessoas que eu gosto, essa é a maneira que eu acho que pretendo gastar meu empo no resto dos dias.”

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