Todo filho quer dar uma casa para o pai

Todo filho quer dar uma casa para o pai

A imagem que temos sobre determinadas pessoas pode não retratar, nem de longe, quem elas são ou como elas se comportam na intimidade.

Angry Drandpa´s, por exemplo, é um senhor muito conhecido no Youtube por seu gênio forte, por suas explosões de humor e por sua teimosia.

Por aqui ele não é muito conhecido, mas nos EUA seus vídeos são assistidos por milhões de internautas.

Abaixo, confira o momento em que seu filho Michael aparece para mudar a vida de seu pai e realizar seu sonho. Para isso, ele e sua namorada fingem que estão comprando uma casa para si, mas na verdade a casa é um presente para o pai.

Prepare-se para muita emoção, afinal, quem nunca sonhou em dar uma casa para seus pais?

Coisas que nenhum mineiro te contou

Coisas que nenhum mineiro te contou

Ser mineiro é comer quieto o fim das palavras. Mineiro que é mineiro tem fome de sílaba e deve ser por isso que guarda dentro do peito poemas inteiros. Entre tantas letras embaralhadas, o vagão das ideias se perde e a coisa vira trem, ou o trem vira coisa.

É, o trem tá feio.

Ser mineiro é escutar no silêncio uma prosa bonita e musicar em sotaque frases curtas. O mineiro não fala, ele canta com um sorriso tímido no canto da boca.

Nem todo mineiro é tímido, mas todo mineiro carrega o charme da timidez. Das bochechas coradas, do sorriso amarelo que ganha novas cores num piscar de olhos abertos, bem abertos.

Mineiro parece não gostar de elogio, mas gosta, pode apostar. Sempre retruca, mas cá dentro tá todo feliz.

São seus olhos. Ele diz.

Mineiro se esconde em suas montanhas, mas desmorona em abraço apertado. Chora água doce e se derrama em cachoeira.

Ser mineiro é fazer da cozinha a melhor parte da casa. Receber os amigos com mesa farta. Mineiro tem mesmo fome seja de letra ou de amor.

O mineiro não se apaixona “pelas” pessoas e, sim, “com” as pessoas. Ser mineiro é sentir as coisas sem dar nome. É se confundir entre dois ou três beijinhos quando conhece alguém.

São três pra casar.

Ser mineiro é passar a noite inteira em um ônibus e ainda não sair de Minas. As montanhas parecem continentes, mas fazem tudo parecer pertim.

É logo ali.

Nunca confie em um “ali” de mineiro.

De resto, pode confiar. Seja nas reticências que ele não diz ou nos versos dos seus poemas inteiros.

Ser mineiro é saber que as melhores coisas da vida não são coisas.

Texto de Luana Simonini
Fonte indicada: Medium

Uma declaração de amor que só os amantes do café entenderão.

Uma declaração de amor que só os amantes do café entenderão.

Na casa da minha avó, sob o fogão de lenha já desativado, ficava um suporte de arame que fornecia o apoio necessário a um filtro de café daqueles mais antigos, dos de pano. Meu avô fervia a água e, após filtrado pelo tecido já encardido, ficava no fundo aquela borra marrom que teria dois destinos prováveis, ora seria usada para adubar as flores do jardim, ora seria jogada no tanque. Minha avó, que perdera a visão há muitos anos por conta de um glaucoma, pedia para que eu fosse ao quintal executar a tarefa que a mim caberia no dia. Na cozinha, por alguns minutos, o afeto tinha cheiro e a garrafa bem fechadinha no centro da mesa não deixava fugir o calor.

Para alguns pequenos prazeres, não há explicação lógica que atenda à dimensão do sentir. Os amantes do café costumam ter histórias que já trazem lá da infância e seja em padarias, cafeterias ou qualquer lugar que forneça um cantinho aconchegante, lá estão eles, sentados com sua xícara na mão. Em seus rostos, pensamentos ocultos, planejamentos ou sonhos distantes passeiam sem pedir licença.

Há na degustação do café um intervalo da rotina que eleva e deixa em suspenso o ritmo acelerado dos dias.

contioutra.com - Uma declaração de amor que só os amantes do café entenderão.Não importa se a pessoa é entendedora dos tipos de grão, se usa açúcar, chantilly ou toma o café puro. Conhecimentos técnicos não diminuem a sensação do encontro do líquido quente com os lábios no momento que precede a explosão do sabor.  O café aguça os sentidos do mais simplório trabalhador da roça ao dono do mais sofisticado e apurado paladar. Quando o perfume do pó em contato com a água aquecida visita nossas narinas não há argumento, o jeito é tomar um cafezinho.

Venha direto do coador de pano, moído na hora para o expresso, feito em cafeteira italiana, com leite, mocha ou cappuccino, pingado ou macchiato, o homem encontrou formas de apreciar esse grão e junto com elas construiu histórias.

O café sempre foi companheiro nos momentos de solidão ou parceiro em mesa de amigos. Penso que ele é como macarronada de domingo, só que é melhor, porque não tem preconceito com dia.

Se na infância o café vinha do coador de pano que depois a avó pedia para lavar no tanque, com o correr dos anos e na passagem por cidades e países diferentes tornou-se fonte de um olhar atento às cafeterias que apareciam pelo caminho, às padarias que trariam alguns minutos de conforto e a sensação de estar em casa em qualquer lugar do mundo, onde um bom gole de café se fizesse presente.

Algumas vezes, confesso, o paladar sofria com as diferenças do sabor. Em outras, a tristeza era fruto da pouca quantidade, apenas um dedinho no fundo da xícara que poderia causar um ataque de pânico a qualquer amante de café que se preze.

Numa esquina francesa ou num barzinho perto do trabalho. Brasileiro ou colombiano. Peruano, paraguaio ou venezuelano. Rapidamente junto ao balcão ou dentro de uma livraria…. onde há parada o café se faz presente e, realmente como um presente, desperta as memórias de um paladar amigo, do tempo em que, sob o cuidado amoroso dos avós, a mais complexa decisão seria saber se a borra seria jogada no tanque ou formaria um pequeno castelo junto às flores do jardim.

***

Abaixo você encontra a interpretação que o ator Duilio de Pol fez para a crônica. Vale conferior, pois é belíssima!

Encerrando Ciclos, por Gloria Hurtado

Encerrando Ciclos, por Gloria Hurtado

Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final. Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver. Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos – não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram.

Foi despedido do trabalho? Terminou uma relação?
Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em outro país?
A amizade tão longamente cultivada desapareceu sem explicações?

Você pode passar muito tempo se perguntando por que isso aconteceu. Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desgaste imenso para todos: seus pais, seu marido ou sua esposa, seus amigos, seus filhos, sua irmã, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao ver que você está parado.

Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem conosco. O que passou não voltará: não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar.

As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora. Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem. Tudo neste mundo visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso coração – e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir espaço para que outras tomem o seu lugar.

Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se.
Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos. Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando, e nada mais.

Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do “momento ideal”. Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará.

Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa – nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade. Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante. Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida. Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é.

Gloria Hurtado
psicóloga e colunista colombiana

Vamos todos ficar nus!

Vamos todos ficar nus!

Percebe-se com o tempo que certas ideias e concepções de mundo são como tendências da moda. Elas vêm, pregam como carrapato, infestam todas as partes como uma peste, invadem a línguas e falas dos seguidores das tendências dos tempos. Pessoas se vestem com ideias como roupas da moda, e quando a moda passa, trocam de ideia com a mesma facilidade, deixando aquela peça superficialmente utilizada, antes esquecida no corpo, agora esquecida no guarda-roupa da vida. Tendências vem, tendências vão, se misturam, se invadem, se reconfiguram, ficam tempos a mais, ficam por alguns dias e minguam, se desgastam, se renovam, são idolatradas e depois esquecidas.

Não é que a mudança de ideia seja um problema, mas há algo de preocupante em tratá-las de uma forma tão rasa. É que as roupas nos vestem e tal, precisamos trocar o figurino para representar os nossos papéis cotidianos. Seguir correntes para se vestir não é exatamente algo que tenha um grande impacto no mundo, embora seja uma pena não usufruir da possibilidade de se expressar e de criar a partir do vestuário, combinando apenas propostas peças prontas preestabelecidas. Mas assim tratar as ideias e as concepções de mundo tem efeito pernicioso. Ideias não foram feitas para serem vestidas sem crítica ou aprofundamento na questão, não foram feitas para serem aceitas, impregnadas e viralizadas para depois se perderem no tempo.

Na verdade, ideias sequer foram feitas para serem vestidas, ideias não são como roupas. Elas exigem, para se realizarem, uma ação direta na nudez – esse estado puro e bruto que mostra o corpo como ele realmente é, como todas as suas belezas e imperfeições, com todas as suas formas únicas moldadas pela natureza dos encontros geradores de vida, com todas as linhas e marcas desenhadas pelo tempo e pela experiência, com todas as cores e detalhes que fazem de cada corpo único. Corpo completo do cabelo às unhas, sem remendos ou dissimulações, completo em sua própria natureza, a obra final de um trabalho contínuo do organismo em interação com o mundo.

Desse corpo nunca se livra: ele sempre estará lá, ele é o que é, e é ele que molda tudo o que a ele se destina. Ele é o que nenhum outro poderá ser. Só o tempo se mete com o corpo, e do exercício no tempo ele se modifica, das rebeldias estéticas que a ele se impõem ele escolhe o que lhe cairá bem, ou castiga a vontade que contra ele se impõe rebelando-se também. O corpo é o que revela a experiência das vivências as quais ele foi submetido. Assim, também a mente nu: a verdade da alma que erra pela vida. Essa tão íntima e escondida natureza do ser, sempre velada por um simulacro, por uma fantasia, por uma burca, uma túnica, por sedas, linhos ou panos de saco. Mas é a nudez que aprende, é a nudez que sente, é a nudez que vive e segue até os limites da vida. Só a nudez permite encontros com as ideias, encontros que marcam, encontros que transformam as formas, as cores, as texturas, os estigmas, a natureza do que é, e não uma vestimenta externa que já vem pronta e se coloca por um tempo ou para sempre até que estejamos adornados por trapos.

Dessa divagação fica o desafio, e do desafio fica o convite: experimente! Deixe os retalhos e as tendências lidarem com os guarda-roupas, mas no que diz respeito à mente: vamos todos ficar nus!

contioutra.com - Vamos todos ficar nus!
Almoço na Relva , 1863, Manet. Óleo sobre tela, 214 X 270 cm. Museu do Louvre, Paris, França.

 

Sobre a Educação e a Pobreza no Mundo

Sobre a Educação e a Pobreza no Mundo
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É comum não pensarmos a respeito de conceitos que usamos no nosso dia a dia. “Sabemos” do que tratam certos vocábulos até o momento em que passamos a refletir sobre eles. Educação. Quase não se fala sobre isso, mas a Educação Pública e Obrigatória foi inventada em um determinado momento da nossa história. Na Antiguidade, havia espaços para a conversação e a reflexão. A instrução obrigatória por muito tempo era coisa somente para escravos. No mundo ocidental, a “Educação” esteve nas mãos, por um bom período, da Igreja católica e não possuía ainda as características que a definem atualmente. Somente no final do século 18 que se criou o conceito de Educação pública, gratuita e obrigatória. A Escola, tal como a conhecemos hoje, começou na Prússia com o objetivo de evitar as revoluções que se sucediam na França. As escolas prussianas se baseavam na forte divisão de classes e, tal como o regime espartano, pregava a obediência e o autoritarismo. Os monarcas até incluíram alguns princípios do Iluminismo certamente para satisfazer o povo, mas mantinham o regime absolutista. E o que buscavam os déspotas esclarecidos? Um povo dócil, disciplinado e que se pudesse preparar para as guerras que aconteciam na época entre várias nações que estavam nascendo.

O mundo gira, a Lusitana roda e, em poucos anos, a América e outras nações da Europa visitaram a Prússia para se capacitarem. “Educação para Todos” já era uma frase que se usava assim como a bandeira da igualdade quando justamente a essência do sistema educacional provinha do despotismo buscando perpetuar os modelos elitistas e a divisão de classes. Napoleão importou essa “educação” para também formar seu corpo docente e poder dirigir a opinião dos franceses.

A escola nasce em um mundo que começa a ser regido por uma economia industrial, portanto, busca obter os maiores resultados observáveis com o menor esforço e investimento possível aplicando, em muitos casos, fórmulas científicas e leis gerais. Nessa esteira, a escola era a solução e a resposta ideal à necessidade para se preparar  trabalhadores. Não foi sem motivo que foram os grandes empresários do século 19 que financiaram a escola obrigatória e não é difícil perceber que o modelo de formação industrial como uma linha de montagem era perfeito para ser usado nas escolas. A educação foi comparada à manufatura de produtos e por isso a importância e necessidade de uma série de passos determinados.

E hoje? Se olharmos de cima, bem do alto, percebemos que atualmente a educação também funciona como a melhor ferramenta para formar trabalhadores úteis a um determinado tipo de sistema e também para fazer a cultura permanecer a mesma – o que significa conservar a estrutura da sociedade.

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Qual o papel do professor? Ele era (como hoje continua sendo) o encarregado de ensinar uma série de conteúdos determinada por alguns administradores. Percebam o que eu acabei de dizer: a Educação não foi preparada por educadores e sim por administradores. Na “linha de produção” uma pessoa estaria a cargo de uma pequena parte do processo que é propositadamente insuficiente tanto para conhecer o mecanismo em sua totalidade e as pessoas em profundidade. Nós, como professores, temos várias turmas com uma média de 40 alunos por ano o que torna o nosso trabalho, de fato, puramente mecânico de uma forma geral. As exigências e as pressões terminam por desumanizar a todos seja professor, seja aluno, seja diretor, seja inspetor.  Somos um mero funcionário que obedece a uma autoridade que dita o que temos que ensinar e de que forma devemos fazer isso.

Outra pergunta interessante a se fazer é: por que todos têm que saber o mesmo? Quem disse e escreveu isso? Se somos tão diferentes, se cada um de nós constitui senão um universo uma galáxia talvez, por que todos temos que aprender do mesmo jeito e ao mesmo tempo? As nossas escolas não tem capacidade e muito menos se propõe a responder às necessidades de cada um. Por quê? Porque ela não foi feita para educar  e sim para instruir.

Nosso sistema “educativo” é um sistema de exclusão social que seleciona o tipo de pessoa que vai para a faculdade para fazer parte de uma elite. A nossa “Educação” nas escolas não tem como função olhar e trabalhar cada um, ou seja, até hoje seguimos o mesmo modelo das escolas prussianas dos idos dos novecentos: ensino padronizado, aulas obrigatórias, divisão de séries por idade, currículos desvinculados da realidade, pressões por parte dos professores que por sua vez são pressionados por coordenadores e diretores, prêmios e castigos, horários rígidos e uma estrutura vertical.

 

Vou propor a você um experimento de pensamento. Esqueça, por um momento, tudo o que disseram que deveríamos aprender na vida. Se pudéssemos escolher como deveríamos ser educados, a forma que temos hoje está lhe parecendo uma boa maneira de fazê-lo? Quem formamos nesse sistema de ensino? Respondo me colocando como fruto desse sistema tanto como aluna que já fui como professora que sou há duas décadas: formamos pessoas que sabem logarítmos e diferenciar briófitas de pteridófitas, mas não sabem como se relacionar com outras pessoas e com o meio ambiente.

Informação é definitivamente diferente de compreensão. A última é uma ferramenta em constante crescimento com características únicas que variam para cada indivíduo. Compreensão implica estabelecer relações entre conceitos e critérios e resolver problemas e construir novos conhecimentos. A primeira é o que é passado na maioria das escolas. Nossos alunos viram depósitos de informações e são bem recompensados por isso quando tem sucesso nessa empreitada. A informação que a escola deve passar para seus alunos é o que constitui o currículo. Mais uma vez cabe a pergunta: Quem fez o currículo aplicado nas escolas e com qual objetivo?

O discurso na maioria das casas é algo parecido com isso: educamos para que nossos filhos saibam se adaptar à sociedade que eles vão viver e que sabemos que vai ser dura. Proponho pensar em encarar a educação, tanto em casa como na escola, como algo que sirva para o educando como um meio de ele perceber criticamente o que gosta ou não, como uma ferramenta para ele pensar como pode melhorar a sociedade e viver em paz consigo, com o seu entorno e o meio ambiente.

É muito difícil, concordo, pensar em tudo isso porque implica mudança. E toda mudança gera um medo danado na gente porque significa questionar o que acreditamos. Não podemos mudar mantendo as crenças e abandoná-las. Em certa medida, mudar é morrer. Entretanto, “morrer em vida” pode ser sinônimo também de renascer. Por outro lado, a “morte em vida” pode ser sinônimo de se manter sempre na zona de conforto. Tudo é uma questão de coragem e precisamos tê-la se queremos ser educadores, pois, a aprendizagem não deixa de ser uma transformação. Se não aprendemos e se não enfrentamos a nossa própria mudança, como pretendemos mudar alguém? Estamos todos como mortos porque não mudamos. Cada vez que negamos escutar nossos jovens é como uma pá de cal sendo colocada a mais na nossa sepultura. Cada vez que escolhemos a meta no lugar do trajeto nos mumificamos. Cada vez que deixamos de criar algo novo, uma parte de nosso corpo apodrece.

Vamos olhar para outras formas de educação no mundo diferente da nossa tradicional. Se fizermos um breve estudo, veremos que as primeiras sempre promoveram sustentabilidade. Não quero dizer que sejam formas perfeitas de educar, mas sim ressalvar que outros tipos de educação promovem um conhecimento maior do solo, do clima, da água… e fazem os educando seres responsáveis pela própria vida e pelo outro geração pós geração. Voltemos ao nosso sistema educacional. Não aprendemos nada sobre sustentabilidade, não aprendemos sequer primeiros-socorros, não sabemos nos comunicar com pessoas com deficiência auditiva, praticamos bullying com o diferente, não temos ideia de como é produzido o nosso alimento, nos livros de ciências das escolas fundamentais os animais são apresentados pelas suas utilidades para nós, aprendemos a confiar cegamente nos médicos e nada sabemos sobre a história da indústria de fármacos e como a ciência hoje é financiada e desenvolvida. Mas sabemos logarítmos e a utilizar a equação de Torricelli em problemas que jamais serão nossos na realidade e não temos ideia de como lidar com problemas ambientais e qual é a nossa parcela de responsabilidade na degradação do meio ambiente.

Vejamos agora o projeto “Educação para Todos” sancionado por inúmeros países do mundo. Trata-se de um programa apoiado pelo Banco Mundial e pela ONU que tem financiamento de grandes corporações. O plano é colocar todas as crianças na escola. A alegação é que indo à escola as comunidades serão capazes de se desenvolver e de fazer parte de uma sociedade maior que, para mim está claro, significa tornar-se parte de uma economia global. Não é raro presidentes, ministros e até educadores confirmarem essa informação ao dizer que temos que educar para crescer como sociedade. O que eles querem dizer com isso? A missão anunciada é “combater a pobreza global” pela educação. “É uma condição absolutamente necessária para a redução da pobreza”, afirmou Julian Schweitzer, diretor de desenvolvimento humano do Banco Mundial. Quais são os interesses aos quais o banco serve? Ele mesmo, o próprio Schweitzer responde: “A demanda da educação está vindo de homens de negócios que estão descobrindo que eles não conseguem desenvolver suas fábricas porque há uma escassez de trabalhadores qualificados”. A questão que me faço lendo tudo isso é: quem se beneficia quando todas as crianças são educadas de uma mesma forma? Pergunto-me ao me deparar com isso. O que esses administradores de educação pensam sobre o “progresso”? Pesquisem vocês e vejam quantidade de crianças e adolescentes no mundo que sofrem de algum transtorno psicológico como a depressão, por exemplo. Vejam quantas tomam remédios psiquiátricos e quantos tentam o suicídio em nosso planeta.

Definitivamente, vivemos sob uma grande crença de que é através dessa educação que conhecemos que vamos tirar as pessoas da pobreza. Se prestarmos atenção, veremos que foi com o advento do colonialismo juntamente com o dito “desenvolvimento” e a ideia de “ajuda” que a pobreza foi criada no mundo. Nos outros sistemas de economia pré-modernas ou pré-desenvolvimento não encontramos o tipo de pobreza que se tem nas favelas. Futuro bom, para nós, é sinônimo de consumirmos muito e, vejam vocês, há pessoas estão se endividando para dar essa “boa educação” para seus filhos sob a grande esperança de que eles sejam futuros engenheiros ou médicos e “alguém na vida”. Quantos conseguem ter esse almejado “sucesso”? A grande maioria? Não. Pasmem. Menos de 10%.

Quando viajamos e visitamos culturas que não têm o nosso sistema educacional, deparamo-nos com uma economia sustentável, achamos pessoas extremamente desestressadas e vivendo em harmonia com o meio ambiente. Encontramos seres que interagem bem entre si e que se respeitam mutuamente. E ainda há quem acha que devemos melhorar a vida dessas pessoas com escolarização? Tirar as crianças do contato com a natureza e colocá-las imersas em prisões de concreto, sem verde algum e e darmos a elas livros que falam sobre a natureza da forma como falam? Para que faríamos isso? Com que propósito fazemos isso?

Todos os nossos índices de desenvolvimento não dizem nada sobre qualidade de vida. Ouvimos que “a renda per capita dobrou”. O que isso quer dizer? Devemos mesmo comemorar? Isso pode significar que algum agricultor saiu de uma economia agrária não-monetária para entrar em uma fábrica que explora seus empregados, não? A nossa qualidade de vida melhora, de fato, quando a nossa renda melhora?

Não quero, porém, desprezar tudo o que temos e sim propôr um olhar mais crítico, pois quando analisamos a maneira que estamos ganhando o nosso dinheiro percebemos que ela é baseada em um paradigma econômico que segundo qualquer definição científica está mudando a bioquímica do planeta. O “sucesso” que a educação tradicional e a mídia nos fazem sonhar deteriora a olhos vistos o nosso meio ambiente e a nós mesmos como indivíduos. E pior, nosso “sucesso” implica o “fracasso” de outros. A riqueza material não existe sem seu oposto: a pobreza.

Pensemos com carinho sobre o assunto.

Para ler a versão completa do artigo CLIQUE AQUI.

Geni Guimarães: a poesia a serviço da igualdade

Geni Guimarães: a poesia a serviço da igualdade

Mãe, mulher, negra, poetisa, defensora da mulher e dos direitos de igualdade a todos os gêneros e raças, Geni representou o Brasil indo a diversos países falando sobre a questão do negro e o preconceito. Conheça a poesia e a vida e a luta de Geni Guimarães.

Quando me vem oferecer uísque
aproveita o dedo que segura a taça
e me indica a porta, disfarçadamente.
Eu consciente
do direito a festas,
(inclusive a comemorada no mês de maio)
bebo. E não saio.

Geni Guimarães, em Balé das emoções

Não sou racista.
Sou doída, é verdade,
tenho choros, confesso.
Não vos alerto por represália
nem vos cobro meus direitos por vingança.
Só quero,
banir de nossos peitos
esta gosma hereditária e triste
que muito me magoa
e tanto te envergonha.

Geni Guimarães, em Balé das emoções

Lista de afazeres para uma vida mais leve

Lista de afazeres para uma vida mais leve

Lembrar-se de:

– Apagar as contas.

– Ir ao banco e sentar.

– Colocar o lixo lá fora.

– Corrigir prova e a postura.

– Alimentar o gato e as borboletas.

– Regar as plantas e a auto-estima.

– Arrumar o armário e bagunçar o coreto.

– Comprar presente e se livrar do passado.

– Trocar a lâmpada do banheiro e do pensamento.

– Rasgar os rascunhos e as lembranças que imobilizam.

– Botar para consertar e botar para quebrar.

– Livrar-se das roupas velhas e da culpa.

– Pagar a conta de luz e não apagá-la.

– Lavar o carro e secar as lágrimas.

– Estender a roupa e passar bem.

– Cortar o cabelo e pintar o sete.

– Correr e parar o relógio.

– Esquecer e aquecer-se.

– Amar-se.

13 coisas que você não pode deixar de experimentar

13 coisas que você não pode deixar de experimentar

Então eu, com a mania das minhas incontáveis listas, resolvi agora listar 13 coisas que você não pode deixar de experimentar antes de se mandar daqui, desse mundo louco. Geralmente as listas contém 10 coisas, mas como estou do contra hoje , resolvi postar 13. E, olha que hoje nem é sexta-feira 13, nem sexta é. Bem lá vai…

  • Uma paixão daquelas de tirar o fôlego, que faz a gente tremer por dentro quando encontra a pessoa, que faz o pensamento virar monotemático e que faz a gente querer tudo pra ontem, porque na paixão, o futuro é muito distante. Então, vive-se o hoje, intensamente;
  • Uma amizade sincera e duradoura, daquelas que basta um olhar para que os dois amigos se entendam; onde os defeitos de um e de outro são motivo de piada e as qualidades, os motivos pra quererem estar juntos; daquelas com mil histórias pra contar e muitas risadas, frutos de piadinhas internas que só os dois compreendem; daquelas que você sabe que é para sempre e que pode contar enquanto essa vida louca durar;
  • O amor incondicional de um animalzinho de estimação, não importa se é gato, cachorro ou qualquer outro bicho, o que vale aqui é receber um carinho despretensioso; é ter certeza de que ele estará ao seu lado, independente do seu bom ou mau humor e que vai te ensinar que o amor é, sim, capaz de tudo suportar; que vai ouvir as suas lamúrias e aturar suas esquisitices, simplesmente, porque é assim que você é e eles adotaram você assim mesmo (sempre achei que os animais escolhem os donos e não o inverso) por isso não há expectativas e cobranças, somente o amor na sua mais pura e sincera expressão;
  • O medo de perder alguém querido. Seja por morte, doença ou simplesmente porque ele pode não estar mais lá. Isso nos dá a perfeita perspectiva das coisas, da impermanência da vida, de como temos que valorizar quem amamos enquanto é tempo. E, também , por que não? Afinal, quem disse que eu só listara coisas boas?
  • A doce e reconfortante sensação do perdão. Isso mesmo. Perdoar alguém é algo mesmo divino. Quando somos capazes do perdão genuíno, aquele que apaga as mágoas e deixa o coração mais leve, experimentamos algo capaz de nos devolver a paz roubada pelo ressentimento e vivenciar uma leveza de que poucos são capazes. Vale a pena tentar;
  • O amor por um filho. Não importa aqui de onde ou como ele veio. Importa é você senti-lo como seu e ser tomado por um querer bem que ultrapassa todo entendimento. Este pode ser o sentimento mais poderoso que irá experimentar. Um amor inexplicável e capaz de tudo, tudo mesmo;
  • A sensação de ultrapassar um grande obstáculo. Seja a conquista do tão almejado emprego, ver seu nome na lista dos aprovados para o vestibular (na minha época isso ainda era um grande obstáculo), superar uma limitação ou vencer uma doença grave. Com certeza você terá inúmeros outros para acrescentar a esta lista. Não importa o que seja, mas que você possa se sentir um vencedor em algum momento e que isso sirva de combustível para seguir em frente e, melhor, acreditando ainda mais em você;
  • Vivenciar alguma séria dificuldade. Pode ser de qualquer tipo, desde que seja algo realmente importante. Isso te dará um olhar mais amadurecido sobre as coisas da vida e lhe ajudará a não fazer tanta tempestade em copo d’água. Sinceramente acredito que a falta de problemas sérios abre espaço para pitis desnecessários e para o famoso “procurar pêlo em ovo”, ou seja, criar problemas onde não se tem, o que, pra alguns , corre o risco de se tornar um vício e diga-se de passagem, além de ser perda de tempo, é muito chato;
  • Ajudar alguém que precisa. De fato ajudar ao outro pode ser uma das melhores sensações da vida. O que, num primeiro momento, pode até parecer piegas, e é. Mas é isso mesmo. Ajudar ao outro nos faz sentir necessários ou, ao menos, importantes naquele momento. Além disso, te fará grato pelo que tem e tornará possível se colocar no lugar do outro, exercício que, a meu ver,  deve ser praticado sempre, não só para ampliar a nossa capacidade de compreensão, mas também para que possamos aprender com as diferenças;
  • Viajar, viajar muito. Não somente pra conhecer lugares, pessoas e culturas diferentes, mas pra conhecer melhor a nós mesmos, pois quando estamos longe de casa, na nossa zona de conforto e enfrentando algumas dificuldades temos a oportunidade de ampliar a nossa percepção e melhorar enquanto pessoas.
  • Enfrentar um medo. Medos, todos nós temos e alguns nos acompanham para sempre, mas quem teve a sorte de poder superar um medo, sabe do que eu estou falando. O medo paralisa e nos faz desistir de coisas que jamais saberemos se dariam certo ou não. Ele trava o riso, enrijece o corpo, nos coloca na defensiva. Tudo bem que o medo pode ser providencial e nos livrar mesmo de algum perigo, mas há medos e medos, alguns são pra proteger e outros pra nos impedir de crescer. Estes, sim, devem ser superados, sempre que possível. Vale a pena tentar;
  • Se dedicar a uma causa. Pode ser qualquer uma, pelos animais, pelas crianças, pela paz mundial ou até pela substituição do síndico do seu prédio. Envolver-se em um projeto e dedicar-se a uma causa ajuda, não só ao objeto do seu intento (no caso do síndico, atrapalha né?), mas te dá uma sensação de empoderamento, de se sentir necessário e fazendo algo que tenha valor, além de encontrar, no caminho, alguns adeptos à sua causa e chegar a realizar, nem que seja aos poucos, devagar  e sem pressa, coisas grandiosas;
  • A fé em Deus. Isso, mesmo, a fé em Deus. Independente de como você o conceba, mas que você possa crer que há algo maior do que tudo e que você não está e nunca estará sozinho. Que você possa descobrir isso o quanto antes, mas que se assim não o for, que você tenha ao menos um contato genuíno com Deus, nem que seja na hora de partir, nem que seja só para compreender o porquê de você ter tido a oportunidade de experimentar tudo isso, nem que seja pra agradecer e dizer que valeu a pena.

O corpo em terapia: a abordagem corporal na psicoterapia junguiana

O corpo em terapia: a abordagem corporal na psicoterapia junguiana

Muitas das pessoas que nos procuram para um tratamento psicoterápico trazem, além das questões emocionais e comportamentais, relatos de sintomas de ordem física, como: dores diversas (cefaléias, dores musculares, etc.), problemas gastrointestinais, cansaço, tensāo, desânimo, alterações do sono, do apetite, da memória, da concentração, da imagem corporal, entre muitos outros.

Também é notável que problemas como estresse, ansiedade, depressão e doenças em geral sempre apresentam sintomatologia física e psíquica associadas.

Assim, este artigo pretende, de maneira simples e acessível ao entendimento do público geral, trazer alguns esclarecimentos sobre o uso de psicoterapias que utilizam a abordagem corporal como recurso terapêutico.

Em uma abordagem integrativa não podemos conceber a psique e o corpo como entidades separadas e isoladas. É preciso perceber o ser humano em todas as suas facetas e compreendê-lo como uma unidade integrada.

Nossos sistemas psíquico, neurológico, endócrino e imunológico estão totalmente interligados. E por isso, corpo e psique estão em constante inter-relação. O que acontece em um aspecto repercute no outro concomitantemente.

Assim, quando ficamos ansiosos, percebemos imediatamente uma alteração dos nossos padrões corporais. Eleva-se o ritmo cardíaco e respiratório, apresentamos sudorese e vários outros sintomas relacionados. Quando conseguimos, por meio de exercícios de respiração e relaxamento, equalizar o ritmo respiratório e cardíaco conseguimos amenizar também os sintomas ansiosos. Esse é um exemplo simples dessa inter-relação corpo-psique.

Além disso, também podemos levar em conta que o corpo é um arquivo de memórias. Nele estão gravadas e “impressas” todas as nossas experiências de vida, conscientes ou inconscientes e todas elas carregadas de afeto. Por meio do corpo revivemos e reexperimentamos sensações, emoções e sentimentos de experiências confortáveis ou traumáticas. Nossas memórias formam o tom básico pelo qual percebemos a nós mesmos e o mundo.

Muitos pacientes que sofreram traumas e abusos, por exemplo, relatam sensações corporais relacionadas a esses eventos mesmo após haver decorrido muito tempo. O corpo manteve o registro do acontecimento que, muitas vezes, é insuportável para a consciência reviver.

Por conta de toda essa complexidade, uma psicoterapia capaz de atentar também para as questões corporais pode ser um diferencial no tratamento. Nesse modelo é possível considerar a totalidade do ser humano e corpo-psique como uma unidade indissociável.

Através de técnicas específicas (como os toques sutis, a calatonia, técnicas de relaxamento, percepção corporal, movimentos expressivos, entre outras) o corpo, uma vez tocado e mobilizado, pode produzir efeitos fisio-psíquicos, como sensação de relaxamento e conforto, além de experiências sensitivas diversas como: memórias, imagens, emoções e sentimentos que podem ser verbalizados e elaborados trazendo clareza e possibilitando maior integração.

De acordo com Sandor Petho,

“o relaxamento… pela comutação dos processos fisiológicos, de suas autoregulações, ritmos, ‘memórias’, reagibilidades e coordenações, retroage sobre a afetividade, alterando de modo intenso, também as reações da personalidade. O resultado será, além do ‘descanso’, o ‘desatar’ interno, a introspecção e a reprodução construtiva de antigas vivências, atingindo-se assim, novas coordenações e estruturação psicobiológicas” (1982, p.6).

Por permitir um rebaixamento do nível de consciência e facilitar o acesso as camadas mais profundas da psique, as técnicas de relaxamento como a calatonia e os toques sutis, permitem que o material inconsciente venha à tona, podendo ser expresso e conscientizado pelo indivíduo. O contato com o próprio corpo e com a psique de uma maneira mais abrangente e profunda permite o descondicionamento de padrões egóicos que o indivíduo está acostumado. Surgem então, novos caminhos e recondicionamentos que auxiliam a pessoa reequilibrar suas potencialidades.

Através de uma relação de confiança, ética e respeitosa é possível fornecer uma nova mensagem ao corpo ferido e traumatizado. É possível criar memórias de conforto que possam se sobrepor as anteriores e com isso, alcançar uma nova forma de perceber e ser no mundo.

Esse diálogo entre corpo e consciência pode auxiliar de maneira ímpar na dissolução de sintomas, reorganizando a psique. Assim, é possível trazer um novo equilíbrio para o indivíduo e promover saúde física e emocional.

Bibliografia:

CORTESE, F. N. Calatonia e integração fisiopsíquica, São Paulo: Escuta, 2008.

FARAH, R, M. Integração psicofísica: O trabalho corporal e a psicologia de C.G. Jung. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2008.

RAMOS, D. G. A psique do corpo: A dimensão simbólica da doença. São Paulo: Summus, 2006.

SANDOR, P. Técnicas de relaxamento. São Paulo: Vetor, 1982.

SPACCALQUERCHE, M.E. (org) Corpo em Jung: Estudos em calatonia e práticas integrativas. São Paulo: Vetor, 2012, p. 19-38.

ZIMMERMANN, E. Corpo e individuação. Petrópolis: Vozes, 2009.

Autoria

contioutra.com - O corpo em terapia: a abordagem corporal na psicoterapia junguianaLilian Marin Zuchelli – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana pela PUC-SP. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Institiuto Sedes Sapientiae. CRP: 06/23768

 

 

contioutra.com - O corpo em terapia: a abordagem corporal na psicoterapia junguianaMarcela Alice Bianco – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana formada pela UFSCar. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Sedes Sapientiae. CRP: 06/77338

Síndrome de Burnout: E quando o profissional adoece?

Síndrome de Burnout: E quando o profissional adoece?

Trabalhar diretamente com pessoas exige uma série de habilidades e capacidades, seja qual for a profissão em que estamos envolvidos.

Muitas vezes, a carga emocional presente nos relacionamentos no ambiente trabalho são tantas que, em algum momento, o profissional se vê diante de uma sobrecarga que não mais suporta. Em decorrência, acaba exausto emocionalmente, distanciado afetivamente das pessoas com quem trabalha e perde a satisfação que antes encontrava na atividade laboral.

Essas alterações fazem parte de um quadro específico que tem sido alvo de muitos estudos recentes: A Síndrome de Burnout.

Definição

A Síndrome de Burnout é definida como uma síndrome psicossocial surgida como uma resposta crônica aos estressores interpessoais ocorridos na situação de trabalho.

É um problema complexo, afetando a saúde física e psíquica de muitos profissionais que lidam diretamente com pessoas, como por exemplo: profissionais da saúde, professores, policiais, atendentes de telemarketing, profissionais do judiciário, executivos, entre outros.

Tem desenvolvimento lento e gradual e quando os profissionais procuram ajuda o desgaste é muito intenso e a saúde física e mental já se encontra comprometida.

Desenvolvimento

O quadro desenvolve-se a partir de três dimensões características: a exaustão emocional, a despersonalização e a baixa realização pessoal.

A exaustão emocional é o traço inicial da síndrome e está relacionada ao esgotamento dos recursos emocionais do indivíduo; a falta ou carência de energia e entusiasmo; aos sentimentos de frustração e tensão, sendo que o profissional não se sente mais capaz de dispensar a mesma energia de antes.

A exaustão é consequência da sobrecarga emocional e do conflito pessoal nas relações no trabalho.

A despersonalização, aparece como consequência da exaustão emocional. Por não mais conseguir lidar com os sentimentos vividos nas relações interpessoais no trabalho, o profissional, desenvolve uma insensibilidade emocional, sendo que o mesmo passa a tratar seus clientes/alunos/pacientes e colegas de trabalho como objetos e de forma fria, impessoal e massificada.

Surge uma dificuldade para lidar com os sentimentos e emoções e uma diminuição dos contatos pessoais para evitar a angústia.

O desenrolar desta difícil situação faz com que o profissional diminua seu desempenho e eficácia no trabalho. Com isso, há o desenvolvimento da terceira dimensão da síndrome: a baixa realização pessoal.

Passa a existir um declínio dos sentimentos de competência e êxito e da capacidade de interagir satisfatoriamente com as pessoas, que cede lugar a sentimentos de incompetência e frustração. O profissional passa a ter uma auto-avaliação negativa associada à insatisfação e infelicidade com o trabalho.

Sintomas, Fatores desencadeantes e Consequências

Os sintomas da síndrome são os mais variados, compondo sintomatologia física, psíquica e comportamental.

Entre eles podemos destacar: fadiga, cefaleias, distúrbios gastrointestinais e cardiovasculares, humor deprimido, irritabilidade, isolamento, ansiedade, baixa auto-estima, impaciência, negativismo, rigidez e consumo de álcool e substancias psicoativas em geral.

Está relacionada a diferentes fatores desencadeantes, sejam eles internos ou pessoais (como personalidade, crenças, aspectos sócio-demográficos, história de vida, presença de recursos de enfrentamento, etc) ou externos ou organizacionais (como condições de trabalho, características da organização, etc).

Influência na qualidade de vida do profissional que a desenvolve, aumentando o risco de episódios depressivos, abuso de substâncias e tentativas de suicídio. Interfere negativamente na qualidade dos relacionamentos com pacientes/clientes/alunos e equipe e afeta a qualidade dos serviços prestados. Aumentam as taxas de absenteísmo e de abandono do trabalho.

Superando a Síndrome de Burnout

Se você se identificou com a descrição feita até aqui, o primeiro passo para a superação do problema é buscar ajuda profissional!

Neste caso, a procura com profissionais especializados (médico e psicólogo) é o mais indicado.

A Psicoterapia ajudará a identificar as raízes do problema e a encontrar os recursos necessários para lidar de maneira mais saudável e equilibrada com as demandas laborais e relacionais.

O uso de técnicas de abordagem corporal e/ou expressivas aliadas a psicoterapia podem ser de grande valia.

Outra dica importante é a melhora dos hábitos de saúde e qualidade de vida.

Busque atividades prazerosas e de relaxamento para diminuir a tensão.

Procure ter uma vida social e afetiva mais rica e evite centrar sua vida somente no trabalho.

Buscar supervisão com profissionais mais experientes, grupos de apoio e suporte emocional também podem ajudar. Eles te tiram da solidão e isolamento, despotencializam a ansiedade e podem ampliar sua visão do problema.

A capacitação profissional também é importante neste caso. Voltar a estudar amplia os conhecimentos técnicos e pode te ajudar a ter novos recursos para lidar com as situações no trabalho.

Quanto mais preparado você for, mais hábil para lidar com os desafios laborais e relacionais você estará!

Envelhecer é tornar-se múltiplo

Envelhecer é tornar-se múltiplo

Temos o costume de pensar que envelhecer é um caminhar para o fim, é um definhar, murchar, envergar. Quando jovens, a nossa visão mais à frente na vida, o nosso marco de chegada é o topo da montanha (as conquistas que este mundo ainda nos reserva). Quando velhos, a nossa visão mais à frente, o nosso marco de chegada (ou partida) é o vale, a desconhecida planície para onde não queremos caminhar, mas que a gravidade e o tempo se incumbem de nos empurrar, e que representa o fim das aventuras.

Pensamos que, depois do ápice adulto da vida, o caminhar da velhice é um declive, o corpo vai se curvando, a pele enrugando, o pensamento falhando, a importância diminuindo, a vida esvaecendo.

Mas eu gosto de pensar no ato de envelhecer não como o caminhar na montanha, com subida, ápice e descida. Gosto de pensar no envelhecer como o amadurecer de uma árvore, que se fortalece com o tempo, solidifica, e através das sábias curvas de seus galhos que souberam perseguir a luz do sol, acabou aprendendo a chegar mais perto do céu.

Gosto de pensar na velhice não como perda, mas como soma. Me parece que, pelo menos para quem gosta mesmo da vida, envelhecer não é perder a juventude, mas é um somar de personalidades, traços, fases, tempos, eus…

Envelhecer é um agregar, é possuir nesse mesmo corpo gasto, todos os seres que aqui habitaram um dia: a criança, a jovem, a adulta. É lembrar-se de cada uma dessas fases e senti-las ainda presentes aqui dentro.

Envelhecer não é um descartar fases que passaram com o tempo e me transformaram em um outro ser, mais frágil, atrasado e sem esperanças. Envelhecer é possuir nesse corpo curvado a robustez de todas as mulheres que fui, a amplidão de uma vida que foi vivida.

Envelhecer é tornar-se múltiplo. Como a árvore antiga e persistente que se constitui, em matéria e essência, dos anéis de outras épocas. E essa casca enrugada, aparentemente frágil, é força que soube resistir às intemperes do mundo e possui a sabedoria de preservar dentro de si, correndo vivos, rios de seivas e sentimentos.

Malévola: Reflexões compartilhadas no Cine Sedes Jung e Corpo

Malévola: Reflexões compartilhadas no Cine Sedes Jung e Corpo

Malévola não é exatamente um conto de fadas ou uma produção mítica a priori, mas como qualquer produção artística e cinematográfica, ela pode ser considerada um produto da psique pessoal e coletiva, dada a sensibilidade das pessoas que captam os conteúdos do inconsciente e os representam na forma de imagens.

Os contos de fadas traduzem a realidade psíquica e falam sobre o que está acontecendo numa comunidade em uma determinada época, transmitindo quais os valores que precisam ser integrados na consciência. É com este olhar que precisaremos refletir sobre Malévola e sua trama: uma história que nitidamente trata da questão do Feminino em tempos de dominância Patriarcal.

A narrativa enfoca um ponto até então deixado de lado na história da Bela Adormecida: quem era a fada má que lança o feitiço na pequena filha do rei durante seu batizado.

Malevóla e Aurora são as protagonistas da história e o que a acontecerá com ambas mudará o destino dos dois reinos para sempre.

Num mundo dividido entre masculino e feminino, consciente e inconsciente, “Reino dos Homens” e “Reino dos Moors” (pântanos), o encontro entre duas crianças inicia a trajetória rumo a individuação ou a loucura.

Ainda na infância, Stefan adentra o mundo dos Moors e de lá tenta roubar uma joia preciosa. É barrado pelas entidades que lá vivem até a chegada da guardiã do reino, a pequena Malévola. O encontro marca o início do que seria, a princípio, uma grande amizade.

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Moors simboliza o Reino da natureza inconsciente, matriarcal e feminina. Mundo mágico cujo simbolismo da lama se faz presente, indicando que se trata de uma terra fecunda, cujo princípio receptivo é dinâmico e gerador de evolução. Mas que, pela mistura da terra com a água, pode também caminhar para a involução e estagnação. Assim, se aquilo que está no inconsciente não for ativado e estimulado, a transformação e o processo de amadurecimento não poderão acontecer.

Essa possibilidade se faz com a chegada de Stefan (entrada do masculino) no Reino mágico, da amizade entre eles, do processo de apaixonamento de Malévola e de todo o posterior desenrolar da trama. Até a vinda Stefan, a vida de Malévola caminhava sem mudanças, sem conflitos e protegida do reino dos Homens. Ela fica curiosa e quer se aproximar do menino e assim, se entrega à experiência. Sem conflito não há crescimento, e se a história não tivesse enveredado pelos caminhos do destino, a possibilidade de integração da qual fala o filme não ocorreria.

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Em relação a figura da Malévola podemos fazer muitas ampliações. A personagem é caracterizada com dois atributos supranaturais que nos chamam a atenção: os chifres e as asas.

Suas asas simbolizam a possibilidade de alçar voos, a liberdade, a autonomia, a leveza, a elevação e seu aspecto divino.

Os chifres, que remetem as figuras míticas de Dioníso (gregos e romanos), Isís (egípcios) e ao Diabo (cristão), dão a ela uma postura eminente e elevada. Símbolo de poder, força e agressividade. Em seu aspecto positivo atem-se à fecundidade, à força vital e à vida inesgotável. Em seu lado negativo simboliza a defesa, a destrutividade, o combate e o mal. Símbolo ambivalente que integra as forças do masculino e do feminino, seja por sua capacidade de penetração ou por sua abertura em forma de receptáculo. Assim, os chifres de Malévola se tornam o símbolo da necessidade da união e integração desses dois princípios para a formação da personalidade e para o alcance do equilíbrio e da harmonia.

Seu nome por si só já remete àquela que faz o mal. O que também enfatiza o modo como as formas da natureza e do feminino são tratadas dentro do modelo patriarcal negativo. Porém, o único mal que Malévola comete de maneira destrutiva e não defensiva é o feitiço que coloca em Aurora.

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Malévola e Stefan crescem. Os mundos continuam divididos e após o primeiro beijo entre Malévola e Stefan, as próximas cenas mostram o afastamento do rapaz. Stefan trabalha dentro do castelo e com o passar do tempo, segue dominado pelas forças de seu próprio mundo.

O Rei quer destruir o reino de Malévola e se apossar dos Moors. A guerra é travada e ele perde pois as forças da Guardiã e de seu reino são brutalmente maiores do que as dos homens. Tal fato remete à força do inconsciente e à impossibilidade do ego de querer tomar posse do controle da psique como um todo.

Após o conflito, no mundo dos Homens, o Rei, ferido por Malévola,  está adoecendo, o que mostra o enfraquecimento do domínio das forças patriarcais vigentes. Ele nega a natureza do Inconsciente, com quem luta e tenta destruir. Neste reino as mulheres não tinham lugar, o que denota um reinado unilateral, cindido e em que as forças do feminino eram reprimidas e não encontravam vias criativas de expressão.

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O Rei quer a morte de Malévola e promete o reino àquele que conseguir realizar tal tarefa. Stefan ouve tudo e tomado pela possibilidade de poder planeja o atentado contra ela. Ele a chama, seduz, e com o uso de uma poção narcótica, a faz dormir, mas não consegue mata-la.

Malévola acorda com suas asas cortadas. Sente a dor da liberdade ceifada justamente por aquele em que ela confiou. Podemos aqui fazer a relação com as mulheres que confiam cegamente nas figuras masculinas que depois às decepcionam brutalmente.

Como cita Leda Seixas, “quem confia cegamente não enxerga nada e pode perder suas asas!”

Ceifar as asas significa podar o aspecto divino e com isso, sua força e seu poder. Lembramos aqui de Lúcifer, o anjo caído que assume características sombrias e se torna a personificação do mal e da destrutividade.

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Malévola se sente traída. Os conteúdos que queriam se aproximar e serem integrados na consciência, são cortados, podados E isso desperta nela terríveis sentimentos, que vão da depressão à fúria e à necessidade de vingança. O matriarcal positivo, que nutre e cuida do reino, transforma-se na sua pior versão. Desperta o lado negativo da Grande-Mãe, e com isso, o anterior potencial de transformação do feminino através do amor romântico, agora reprimido, passa a ser fixado na Sombra, assumindo a forma defensiva e negativa do arquétipo.

Na sua nova condição Malévola, agora fadada a ter que caminhar pelas vias terrestres, transforma um galho em um cetro, o qual funciona como uma extensão dos braços, simbolizando o novo poder, a nova força e a autoridade, agora sombrias. Todo o Reino dos Moors escurece e perde a vitalidade de outrora, reagindo sintonicamente ao estado de humor da sua guardiã.

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Ela elege o Corvo para ser sua “nova asa”. O corvo ganhou simbologia negativa por ser a ave que planava sobre os campos de batalha na Europa após os combates de guerra. No seu aspecto positivo este pássaro é tido como mensageiro divino, símbolo de triunfo e perspicácia. No Gênesis, por exemplo, o corvo é o primeiro animal que retorna anunciando que havia terra à vista após o dilúvio. Nas lendas celtas ele tem papel profético e na Grécia ele é consagrado a Apolo e tem o papel de mensageiro dos deuses.

Assim, o corvo simboliza a ponte entre Malévola e o mundo dos Homens, aquele que penetra na sombra sem se perder. Ele permanece com sua consciência organizada e não se envolve diretamente nos sentimentos de Malévola. Ele a auxilia por ter prometido servi-la após ter sido salvo, é seu informante e se torna seus olhos, seus ouvidos e suas asas no mundo dos homens. Acompanha a guardiã em sua jornada, aconselha-a, e mais para frente, cuida da pequena Aurora no que diz respeito às funções maternas práticas que as pequenas fadas não conseguem desempenhar.

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Diaval (o corvo) chega com a notícia que Stefan se tornou o Rei e então Malévola descobre porque ele cortou suas asas. Enfurece-se e decide se vingar quando ele tem sua primeira filha: Aurora.

O padrão de comportamento expressado por Malévola revela que ela não tem os recursos necessários para elaborar e digerir sua frustração e perda, sem conseguir assumir que fora ingênua ao confiar em Stefan. E, por isso, precisa lançar de uma vingança contra aquele que a decepcionou profundamente. Sua forma de fazer justiça é a punição. E por isso ela atinge Aurora. Ela saberia que atingiria Stefan justamente no ponto em que foi traída: no amor!

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Aurora vai ser batizada! Momento que indica a transição, símbolo da cristianização, e da entrada no modelo patriarcal vigente no Reino dos Homens.

O feitiço é lançado para que a menina entre em sono profundo aos 16 anos, na mesma idade em que Malevóla foi beijada por Stefan pela primeira vez e em que achava ter encontrado o amor verdadeiro mas, foi enganada. Assim, acredita que seu feitiço é indestrutível por não mais confiar nesse sentimento.

Mas, quando lança o feitiço em Aurora, Malévola já se compromete, pois ao mesmo tempo que roga a praga mortal, diz que todos que conhecerem a princesa, a amarão. Neste momento, a guardiã enfurecida, já se enterneceu pela bela menina.

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Stefan, preso ao desespero e a ambição, entrega Aurora às três pequenas e desastradas fadas, na tentativa de impedir a realização do feitiço lançado contra ela. Segundo Chevalier, “costuma-se recorrer as fadas e às suas operações mágicas na medida em que não se romperam os laços das ambições desmedidas”.

As fadinhas da trama são imaturas, atrapalhadas, seres elementares integrados à natureza. Símbolos do inconsciente, que não conseguem se estruturar sem uma força que lhes digam o que fazer.

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Deste modo, Aurora nasce numa família disfuncional e cresce sob os cuidados dos aspectos da Sombra (Malévola e Diaval), com os quais entra em contato desde menina. Há de se ter resiliência!

Enquanto isso, Malévola e Stefan usam os mesmos recursos para atacar e se defender: um escudo de espinhos.

Mas, ao acompanhar o crescimento da pequena princesa, Malévola, embora sem admitir,  não consegue impedir seu amor pela pricesinha. A menina cresce e, curiosa, quer saber o que existe por trás do muro de espinhos próximo a sua casa. Elas se um dia se encontram, e a Aurora é apresentada ao Reino dos Moors, com o qual se encanta.

Malévola revive com Aurora o afeto e arrepende-se de ter lançado a praga sobre a menina. Porém ela não consegue desfazer o feitiço, porque tanta energia não pode ser retirada, só transformada.

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Aurora não fica morando com Malévola, o que simbolizaria a imersão no mundo do inconsciente e a impossibilidade de transformação. Assim, com 16 anos a menina segue ao encontro do seu destino. Descobre sua história e também quem é realmente Malévola. No caminho de volta para o Reino dos Homens conhece Felipe, príncipe de um reino vizinho, conhece seu pai e espeta o dedo na Roca de fiar.

A roca de fiar é mais um símbolo que integra aspectos do feminino e do masculino. A roda, remete ao feminino e já o fuso é um elemento masculino, que penetra e fura. A roca também remete à roda da fortuna, do tempo e às três moiras, conhecidas por tecer o fio da vida da humanidade. Senhoras do destino, da vida e da morte. Tudo aquilo que corta, perfura e penetra é também símbolo de discriminação que possibilita a transformação.

Quando Aurora descobre esse poder e poderia então ser mais assertiva em relação ao mundo, ela cai no sono profundo do feitiço.

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Malévola se vê impelida a entrar no castelo para salvar Aurora. Acredita que o jovem príncipe possa ser a solução. Mas, o beijo do jovem mostra que o amor romântico faz parte mas, não precisa ser o final feliz.  Há outras possibilidades de transformação.

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E assim, Malévola descobre o amor verdadeiro através da jovem Aurora. Felizes elas tentam sair do castelo, mas a emboscada já estava armada por Stefan. O ferro, elemento venenoso para a fadas, já estava sendo fundido há tempos para destruí-la.

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Ferro simboliza a robustez, a dureza, a obstinação e inflexibilidade. Em sua ambivalência, ao mesmo tempo que protege contra as consideradas más influências e é instrumento dessas mesmas influências destrutivas, levando à guerra e à morte.

Para não ser aniquilada pelos homens, Malévola transforma o Diaval (o corvo) em Dragão, aspecto que revela mais uma vez sua natureza, soltando sua fúria contra o masculino repressor. Resumidamente, o dragão, possui simbolismo semelhante ao da serpente, é o guardião dos tesouros ocultos em muitos mitos e representa a força primordial da natureza. Associado ao elemento fogo, tem também simbologia ligada à renovação e à transformação, ao mesmo tempo que pode ser mortal e destrutivo.

É por amor que Málevola liberta Aurora, e é o amor da jovem que devolve as Asas para sua mãe-madrasta-fada madrinha!

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Ao recuperar suas asas Malévola pode se elevar novamente e finalmente se desvencilhar do conflito ao qual estava enredada. Isso só pôde ocorrer após Malévola enfrentar diretamente o conflito, entrar no mundo dos homens para salvar Aurora e ser transformada pelo amor verdadeiro.

Ela vê voltar suas forças e recupera o aspecto positivo de sua divindade. Arrasta Stefan com ela. Insiste que para ela o conflito chegou ao fim. Mas para ele não! Tomado pelo ódio e pela loucura Stefan morre.

Stefan fica enredado na vingança contra as forças da natureza feminina de Malévola, obcecado por sua posição unilateral, esquecesse de tudo, enlouquece, sua personalidade se torna delirante e paranoica. Na primeira e na última vez que Stefan entra no reino do Moors é para retirar algo e não para ser transformado pelo reino mágico e alcançar uma nova integração da consciência. Fica perdido nas forças do inconsciente. A impossibilidade de integração o leva a morte, a aniquilação. Na psique, a morte de Stefan, remete a morte do Ego inflado, doentio e que acreditava ser o centro da personalidade. O Ego não é o Rei e o Castelo não é o Centro!

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Aurora simboliza o novo dia, a nova vida e a nova consciência. A possibilidade de unificação do que antes era indiferenciado, cindido e inconsciente. E quando um arquétipo emerge do inconsciente para a consciência isso se faz para homens e mulheres.  Ela é também é símbolo da criança divina, representante de todo o potencial a ser integrado na consciência e que segundo, C. G. Jung “trata-se de uma representação do “sopro divino”, de uma integração com a natureza, de um saber direto, intuitivo”.

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O amor verdadeiro entre Malévola e Aurora permite a reintegração do feminino. Recuperam-se as asas da liberdade, da autonomia, da leveza e da alegria. Malévola agora transformada e amadurecida pode, juntamente com Aurora unir os dois reinos.

O mundo dos Moors volta à vida e a guardiã elege Aurora para reinar sobre ele, simbolizando o início de um novo padrão de consciência relacionado a integração das forças do feminino e a alteridade como novo modelo de relação.
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Toda essa estória nos faz pensar que nossa cultura e sociedade também está precisando dessa transformação! E como aponta Leda Seixas: “cada um tem que cuidar do seu próprio desenvolvimento. O único jeito de transformarmos o mundo é transformando a nós mesmos! “

Por Marcela Alice Bianco

Comissão Organizadora Cine Sedes Jung e Corpo

Este texto foi produzido pela Comissão Organizadora do Cine Sedes Jung e Corpo com base nas reflexões realizadas durante o evento realizado em Junho de 2015, com os comentários da Professora Leda P. Seixas e das PsicólogasBruna Arakaki e Mariana Farinas.

O Cine Sedes Jung e Corpo é uma atividade extracurricular do curso Jung e Corpo: Especialização em Psicoterapia Analítica e Abordagem Corporal do Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo.

É um evento gratuito e aberto ao público geral organizado pelos professores do curso em conjunto com ex-alunos e ocorre todas as últimas sextas-feiras dos meses letivos do curso.

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Material reproduzido no CONTI outra com autorização dos responsáveis.

De sorrisos marotos e piscadelas maliciosas são formados nossos afetos

De sorrisos marotos e piscadelas maliciosas são formados nossos afetos

Eu sempre me questionei sobre como a intensidade afetiva que um dia direcionamos a momentos do nosso passado pode simplesmente se perder. Cidades, gostos, paixões e os trabalhos que já tivemos são voláteis e, após o polimento acarretado pelos anos que contam a nossa história, parecem cada vez mais distantes de nossas lembranças e sentimentos. Meses de choro por um amor perdido, algumas primaveras depois, podem não representar mais do que uma piscadela maliciosa em nossa atenção. O que pareceu, em outras épocas, um caso de vida ou morte pode ser representado, hoje, apenas em um sorriso maroto, cúmplice da aparente insignificância que o tempo dá a determinadas experiências.

Outros fatos, com importância real como a morte de alguém querido e familiar, alteram-se também após a troca das lentes com que os vemos. O tempo consola nossas dores enquanto nos mostra que a luz pode ser direcionada para momentos e lembranças boas ao invés de iluminar apenas o fim e a separação.

Se mudanças já acontecem no dia a dia, como em uma cena de ciúmes ou vaidade de ontem que, após uma noite de sono, mostra-se tola, desnecessária e fora de propósito, para onde vão as histórias e sentimentos de meses e anos que já vivemos?

Há na biologia de alguns animais um período chamado “muda”. Nele, quando o corpo torna-se grande demais para sua estrutura, acontece o processo de libertação da antiga morada. Isso acontece com alguns crustáceos, em alguns répteis que trocam de pele, com a cigarra… Você se lembra daquela história que a cigarra canta até explodir? Pois é, nós também passamos por “mudas”, temos nossos limites, crescemos além do que algumas fases podem suportar e transformamo-nos, trocamos de pele, iniciamos novos ciclos de existência. Abandonamos carcaças que já não nos pertencem mais.

Percebemos também, aos poucos, que memória afetiva é coisa seletiva e que guarda só o que nos é mais importante. Ela não é necessariamente dependente da intensidade emocional com que vivemos o que nos aconteceu no passado ou do tempo que demoramos para perceber algumas verdades.

Passamos por ciclos de vida, temos contatos próximos e até íntimos com diversas pessoas e, alguns anos depois, aquilo parece tão distante, é imagem presa em fotografia, lembrança desafiando as imperfeições da memória.

A neuropsicologia afirma que lembranças do passado, mesmo quando evocadas em épocas diferentes, são capazes de ativar regiões afetivas de nossa mente e nos fazer sentir coisas com intensidade similar à epoca do acontecido. Isso vale tanto para os sentimentos profundos de afeto e vínculos reais como para eventos traumáticos. Mas, e se elas não forem mais tão importantes? Quantos de nós estamos prontos para admitir que determinadas coisas não nos encantam como antes? Que o amor e admiração acabaram no casamento ou que aquele emprego um dia tão sonhado hoje só trás sofrimento? Quantas juras de amor antigas já não dizem mais nada? Quantas vezes nós somos realmente capazes de admitir e reconhecer a força das trancas que fecham ciclos anteriores, daqueles momentos que se foram e estão onde não mais se pode voltar?

É preciso reconhecer que a beleza alaranjada do outono só surge após a morte das folhas. É necessário entender que virão novas folhas, mas, embora parecidas, elas serão protagonistas e cúmplices de outras histórias, nunca mais das histórias anteriores.

Nossos ciclos de vida permitem a visão de um mesmo cenário sob diferentes ângulos. Permitem o foco em variáveis diferentes.  E, se ontem as rosas eram amarelas e  hoje são vermelhas, quem saberá de suas cores no futuro?

É fato que nunca mais teremos os olhos de uma criança, mas podemos buscar a  pureza de um olhar infantil que ficou dentro de nós. Nunca mais viveremos um primeiro amor, mas podemos revisitar os sentimentos da construção e do encantamento em novas relações.

Nossas vidas são feitas de desenhos na areia que, apesar de seu valor momentâneo, podem ser apagados pela passagem do mar. Outros, com formas mais sólidas, quando levados, mergulham em profundezas e são tesouro escondido que pode um dia, no acaso ou em expedições planejadas, ser redescoberto.

A maturidade consiste em aceitar os fins e as mudanças do processo sem perder o encanto pela jornada. É estarmos dispostos a fechar cada ciclo e, com novas roupas, vislumbrarmos as possibilidades vindouras. É guardar na memória a essência do que foi mais importante enquanto se percebe que o sentido da vida é seguir, mas sem nunca poupar os sorrisos marotos e as piscadelas maliciosas que formam a pessoa que hoje somos e que, amanhã, será diferente.

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