Matheus, seis anos, pergunta à mãe:
_ Mãe, por que se morre?
E a mãe:
_ Ora, meu filho, porque se vive.
_ Mas eu vou morrer também, mãe?
_Todos iremos, amor. Viraremos estrelinhas e brilharemos às noites sem lua.
_ Vovó é um estrelinha, mãe?
_ É sim, filho. Sua avó e seu irmãozinho também. É para o céu que caminhamos, Matheus. Quando morremos, nossos pés se esquecem do chão e nossas mãos viram asas. Nos transformamos em um passarinho que ninguém vê e partimos, sem as malas, para o céu. Lá, Deus nos espera, nos toca com uma varinha mágica e nos transforma em estrelas. É assim, meu pequeno, é bem assim.
Matheus, esperançoso, olha com alegria a mãe:
_ Mãe, por que não pede ao papai para comprar um avião? Queria brincar com meu irmãozinho e pedir a vovó pra me contar uma história.
Todo mundo vira estrela
Entre em tudo o que fizer de corpo inteiro e de mente entregue
Entre em tudo o que fizer de corpo inteiro e de mente entregue.
Os aprendizados do mundo se dão pelos sentidos, todos alertas. Leia um parágrafo de um livro e pare, respire, reflita. Leia um poema e mergulhe, que poemas são feitos de palavras que tem funduras e há de se perder um tempo para brincar com elas e desvendá-las e sentir suas multiplicidades.
Ao tocar o amor, entregue-se, não fique segurando num galho de razão, caia no precipício.
Dissolva as armaduras da outra pessoa para poder adentra-la.
Amar é um agora, amanhã pode ser dor, solidão, nada… Mas amar sem entrega é vestir um sobretudo cinza mesmo quando o sol brilha em nossos corações, é viver acostumado com invernos, é viver num medo para evitar a dor. E isso já não é amor.
Saia das margens, tudo ao redor é perceptível, tudo ao redor é movimento, o mundo não é uma fotografia em que você anda sozinho em seu repetitivo monólogo. Participe, interaja, traga pra dentro, a vida não é um cenário, tudo nela protagoniza. Tudo ao redor inspira.
Entre na alma das coisas, use-se como experiência, vasculhe-se, vasculhe o mundo. Coloque as mãos nas massas. Toque todas as texturas, toque a ferida, olhe-a, entenda a sua composição, limpe com cuidado para cicatrizar, deixe ter seu tempo. Não ignore a dor e nem a alegria.
Olhe o amor nos olhos, abra-se com sinceridade e recolha-se se não for reciproco.
Recolha-se se ver nos sentidos do outro medo e orgulho. Contemple a solidão, contemple só o que se abre, o que se estampa, o que se deixa, o que tem coragem.
Uma flor tem tanta coragem e está ali pronta para ser amada. Um bicho tem tanto amor incondicional. Um livro tem tantos diálogos tão mais interessantes que muitas pessoas.
Há tantos aprendizados no mundo. Eu só aprendo se mergulho. Eu só aprendo se presto atenção constante, eu só aprendo pela paixão.
O aprendizado por osmose é muito lento, não há tempo para esperarmos o mundo entrar e as coisas fazerem sentido. Se nos fazemos máquinas, passivas, só iremos absorver as mensagens subliminares e elas são perigosas: compre, beba, tenha, seja.
Fique alerta, questione, desestruture, dê voltas em tudo o que vem pronto. Saiba descortinar, não acredite em falas, acredite no olhar. Acredite no toque, acredite nas atitudes.
Falas têm muitas camadas de significados, muitas vezes há tantas intenções por trás.
Não acredite em palavras, acredite em gestos. Leia os corpos. Ouça músicas, leia livros, brinque com crianças, geralmente elas têm muito mais para ensinar, sem dissimulação.
Não perca tempo com o que te atrasa. Não entre na cansativa e rasa dança dos jogos. Ande nu, encontre o grupo dos que andam nu. E deixe de lado os sobretudo.
Não saia ileso dessa vida, não queira sair.
Evolua na sua própria pele.
Dica de livro- O Sr. Pip – Lloyd Jones
Resenha de Clóvis Marcelo
Sinopse: Ambientado na Papua Nova Guiné nos anos de 1990, em plena guerra civil, o romance, contado sob a perspectiva de Matilda, de 13 anos, mostra como um personagem de um dos grandes escritores do século XIX, Charles Dickens, é capaz de mudar a vida da jovem e de toda a sua comunidade, na ilha de Bougainville. Isolados por um bloqueio político, econômico e militar, os habitantes da ilha vivem com dificuldades e privações. A sorte de todos só mudaria quando o único homem branco que restara na aldeia decide reabrir a esquecida e também única escola do local, iniciando a leitura do clássico de Dickens: Grandes esperanças.
ENREDO
Estamos no início da década de 1990, numa ilha tropical chamada Bougainville a qual sofre as graves consequências de uma guerra civil. Com o conflito, o lugar torna-se um caos. É lá que mora a inocente Matilda, uma inocente garota de 13 anos e narradora da história.
Isolados por um bloqueio político, econômico e militar, os habitantes da ilha vivem com dificuldades e privações desde que os “brancos” fecharam a mina, única fonte de riqueza de toda a comunidade. Para Matilda, o bloqueio tem um significado ainda mais doloroso – a menina nunca mais vira seu pai desde então.
Um único branco permanece na aldeia: o Sr. Watts. Cabe a ele a missão de reabrir a escola e ensinar algo útil as crianças, de modo a passar o tempo. Sr. Watts, ou Olho Arregalado, como todos o chamam, é um homem misterioso e excêntrico. Branco, alto e sempre metido em seu terno de linho, mantinha o hábito de usar um nariz de palhaço ao levar sua mulher Grace, uma negra nativa da ilha, para passear como uma rainha em uma carroça. Ninguém saberia dizer por que Olho Arregalado permanecera em Bougainville depois do bloqueio. Sua história só começa a vir à tona quando as crianças são chamadas de volta à escola.
Ele começa a ler para a turma, em voz alta, o seu velho exemplar de “Grandes Esperanças“ , de Charlie Dickens. Pip, o personagem principal dessa história, torna-se imediatamente um cativo na vida daquelas crianças e os meninos logo perceberão que, sobretudo numa ilha em guerra, o poder da imaginação pode ser algo muito valioso.
COMENTÁRIOS
Um detalhe sobre essa história: Eles estão isolados do mundo e nem papel tem para escrever. Tudo que aprendem com a leitura do livro tem que ficar guardado na memória para evitar que a história se perca.
O livro não te prepara para o que está por vir, a medida que o autor te conduz por um caminho, crimes são cometidos e vidas são perdidas sem licença prévia. Nossa intenção, como leitor, é sempre imaginar o melhor cenário para tudo; os rostos mais belos; os melhores personagens… Mas aqui, há sempre o contraste com o que é real e diferente.
Se eu tivesse que indicar um livro para vocês, indicaria esse. Um tipo de livro que nos faz pensar que todos deveriam ter em mãos.
DIAGRAMAÇÃO
A diagramação do livro segue a mesma de “Jogos Vorazes”, com exceção das páginas brancas e da não numeração dos capítulos. Estes são curtos, o que facilitam o dinamismo da leitura.
Fiquei um bom tempo me perguntando em que gênero esse livro estaria e cheguei à conclusão que podemos classificá-lo tanto como uma distopia como uma Ficção real e crível (me fiz claro?). A leitura faz nos lembra muito “A menina que roubava livros” por inúmeros aspectos: narração de uma menina; segue todo o percurso de sua vida; se passa em tempos de guerra; há muita perda e claro, o amor pelos livros.
O QUE ESPERAR DESSE LIVRO?
Aqui você vai encontrar vários contrapontos. Ao passo que nos deparamos com guerra, temos a delicadeza do Sr. Watts para com as crianças; companheirismo da comunidade e o egoísmo de uns poucos que acabam com boa parte dela; calma mas também a revolta por tantas disparidades.
Se eu já vinha gostando do desenrolar da história, o final então foi ótimo. Descobrir como essa opressão acaba; o que acontece com os personagens principais e, acima de tudo, a verdade sobre a vida de cada um deles e os motivos que o levaram aquele longínquo lugar, foi libertador.
Primeiro título de Lloyd Jones a chegar ao mercado internacional, O sr. Pip acaba ganhou o prêmio oferecido pela Commonwealth.
A presença dos personagens de Grandes Esperanças é constante, tem tanta familiaridade ao se falar deles que é quase como se estivéssemos lendo dois livros ao mesmo tempo – um dentro do outro. Relendo um dos meus livros, encontrei mais citações dessa história escrita por Dickens, o que não me deixou com outra alternativa senão acrescentá-lo em minhas próximas leituras.
Primeiro título de Lloyd Jones a chegar ao mercado internacional, O sr. Pip acaba ganhou oprêmio oferecido pela Commonwealth.
Fonte indicada para mais resenhas de qualidade:
De frente com os livros
Encontre nas livrarias Cultura, Americanas, Amazon, Saraiva, Submarino, entre outras.
“Respeite a si mesmo e ganhe autoestima”, por Flávio Gikovate
Só existe autoestima quando uma pessoa vive de acordo com suas ideias, sem ofender o código de valores que ela construiu ao longo da vida. Uma pessoa para quem a honestidade é fundamental poderá ficar rica se aceitar suborno, mas sua autoestima cairá, inevitavelmente. Não é possível alguém gostar de si mesmo, ter um bom juízo de si, se estiver agindo em desacordo com seus princípios.
Os valores de cada pessoa, assim como os de cada sociedade, variam muito e dependem fundamentalmente do ambiente em que ela cresceu. Nos primeiros anos de vida, incorporamos essas normas com o objetivo de agradar aos adultos que nos são importantes. Aprendemos seus valores e os adotamos, porque este é o caminho para sermos amados por eles. Os adultos usam essa necessidade das crianças de serem protegidas e acariciadas como instrumento para educá-las, ou seja, transmitir à nova geração as normas daquela comunidade. Mas isso é apenas o princípio do processo. A partir de um certo ponto do nosso desenvolvimento, passamos a contestar os valores que nos foram impostos pela educação. Isto pode ser feito de um modo bastante estabanado e grosseiro, negando, apenas por negar, tudo o que nos ensinaram (e são muitos os adolescentes que agem assim). Entretanto, também podemos reavaliar nossos princípios de um modo mais sofisticado, comparando-os com outros pontos de vista ou submetendo-os a uma experimentação na vida prática.
Se fomos educados, por exemplo, a não transigir, tornando-nos pessoas rígidas e prepotentes, isso pode nos trazer muitos inimigos e afastar as pessoas de quem gostamos. A prática da vida nesse caso poderá nos ensinar a ter mais “jogo de cintura”, ou seja, a afrouxar um pouco mais os nossos critérios quanto à liberdade e aos direitos de cada pessoa. Sempre que mudarmos nossos valores devemos conseguir mudar também nossa conduta. O objetivo disso é fazer com que possamos viver de acordo com nossas ideias, condição indispensável para uma autoestima positiva. Mas outra condição se impõe para uma boa autoestima: levar uma vida produtiva, em constante evolução.
Se uma pessoa gosta de cozinhar, ela tenderá a se dedicar a essa atividade. Será capaz de avaliar seus avanços por meio da reação das pessoas que provam sua comida e não adianta negarmos: somos dependentes das reações dos que nos cercam e nos são queridos. Os elogios reforçarão suas convicções de que está indo pelo caminho certo, enquanto as críticas indicarão a necessidade de correção de rota. Com o passar do tempo e o crescer da experiência, ela saberá avaliar a qualidade de sua comida por si mesma, tornando-se menos dependente do julgamento dos outros. Sua autoavaliação vai se tornando mais importante que a dos outros. Sua autoestima vai se cristalizando em um patamar alto, sólido e independente do ambiente.
Mas é importante ressaltar que esta imagem positiva de si mesmo não pode ser construída do nada. Não adianta a pessoa se olhar todos os dias no espelho e dizer: “Eu sou uma pessoa legal, mereço as coisas boas da vida, eu me amo”. Agir assim é acreditar que se pode enganar a si mesmo com discursos bonitos e falsos. Precisamos agir sempre de acordo com as nossas convicções, levar uma vida produtiva e nos aprimorar naquilo que fazemos.
Não importa qual seja a atividade, precisamos nos relacionar com o nosso meio e receber dele sinais positivos de que nossa ação é boa e que está em permanente evolução. Se uma pessoa não faz nada, não se dedica a nenhum tipo de atividade, não terá a menor chance de ter uma boa autoestima. Ela não se testa para saber qual é o seu valor e a dúvida puxa para baixo a autoavaliação. E de nada adianta colocar uma máscara e sair por aí com ares de quem “se ama e muito”. Isso não engana ninguém!
Texto de Flávio Gikovate
A roda dos dias atropela ou acompanha você?
Em janeiro, fiz promessas. Fiz planos com amigos enquanto suava e tentava aliviar o calor da estação.
– Há de ser um ano bom para todos nós, dizíamos e brindávamos.
Janeiro é um mês fantástico para as relações humanas, todos carregando o frescor do ano novo, um sol que não nos deixa duvidar que estamos bem vivos, e aquela esperança de dias perfeitos que adoramos cultivar… Janeiro é a atriz hippie com tiara no cabelo.
Em fevereiro, negociei algumas promessas. Ainda verão, ainda o sol escaldante e a vida chegando morna, ainda meio de férias, demorando um pouco para entrar no ritmo. – O ano está só começando! Fevereiro é o sorveteiro sonolento.
Em março, esqueci as promessas e trabalhei muito, tanto que não tive tempo para voltar aos exercícios, mas as promessas já estavam enterradas em algum lugar. Trabalhei mais do que queria, ganhei menos do que esperava, mas março é um mês apático. Março é o gerente do banco.
Em abril, descolei uma viagem. Foi um alívio bom, uma parada estratégica, uma explosão de novas paisagens e maravilhas. Como é bom voltar ao trabalho depois de uma boa viagem! Tudo flui, nada aborrece. Quanta inspiração! Deveríamos viajar pelo menos três vezes por ano, todos nós. A vida precisa de outros cenários e culturas para se nutrir. E entre lembranças de viagem e planos para uma próxima, abril passou, e Maio o acompanhou, silenciosamente. Abril é o maquiador e Maio, a bilheteira do cinema.
Junho chegou. Meu aniversário chegou com junho. Mês feliz! Mês de muitos abraços. Junho é um mês simpático para mim. Desfruto cada dia de junho como uma fatia de bolo de chocolate. Junho geralmente me traz presenças muito mais interessantes do que presentes, mas presentes também são bem-vindos. Junho é a avó doceira.
E julho acaba com a minha festa, o abre alas do segundo semestre vem com tudo avisando que já o ano acaba e quem não fez nada até agora, tampouco conseguirá fazê-lo até o final. Julho é o inspetor do colégio.
Agosto vem sisudo, tanto que nem o clima se mete muito com ele. Era para estar frio, mas agosto reclama, então, deixa um verãozinho mesmo. Agosto mete medo em qualquer um. Conto os dias de agosto. Medo dos lutos, medo das perdas, medo do medo de agosto. Agosto é o vilão do filme.
Já consigo ver setembro, vindo mais leve, colorido, porque assim o espero.
E, de mês em mês, de dia em dia, vivemos sem perceber o quanto nos repetimos, o tanto que somos simples e infantis, rodopiando pelo calendário, pela vida, ano após ano, como éramos quando pequenos, entendendo os braços e pedindo: – De novo!
E setembro, o vendedor de algodão doce, já está chegando. De novo!
Prós e Contras da Dieta Vegana
Praticar o veganismo não é apenas mudar os hábitos alimentares, é adotar uma nova filosofia de vida, que exclui todas as formas de exploração aos animais, incluindo alimentação, vestuário, adornos, cosméticos, medicamentos e outros fins. Visita a zoológicos, circos, rodeios e touradas também são abolidas. O termo ‘vegan’ (pronuncia-se ‘vígan’), de origem inglesa, foi criado na década de 40 por Donald Watson, junto com um pequeno grupo de pessoas que formavam a The Vegetarian Society, e tinham por objetivo redefinir seu estilo de vida.
Adotar uma dieta vegana é fazer uma restrição alimentar maior do que a própria dieta vegetariana. É preciso também ter o cuidado de escolher os alimentos que contenham os nutrientes e que supram a restrição dos produtos de origem animal. O vegano não come carne (seja ela vermelha, peixe ou frango), frutos do mar, leite, ovos, ovas, mel e tudo que possa conter derivados animais. Produtos industrializados como gelatina, que contém colágeno (retirado da pele do boi); misturas prontas para pudins, bolos, pães e tantos outros produtos que contêm leite, soro de leite, manteiga, ou qualquer vestígio animal, serão abolidos.
Alimentação Vegana
A alimentação vegana tem como base os cereais, frutas, legumes, hortaliças, raízes, algas, cogumelos e qualquer outro produto, industrializado ou não, que não contenham em sua formulação ingredientes de origem animal. Todas essas restrições não a tornam uma alimentação menos rica. Alimentos preparados com leite, por exemplo, podem ser substituídos por leite vegetal, manteiga vegetal e tofu, sem perder os nutrientes e o sabor.

Adeptos do Veganismo
A dieta, que a princípio era associada a ativistas, religiosos, defensores do direito dos animais, pessoas que buscavam uma vida saudável ou dietas para emagrecer, hoje é seguida por diferentes grupos, entre eles artistas, políticos, empresários, jogadores, etc, de diversas partes do mundo.
Algumas pessoas aderiram ao veganismo “meio-período”, termo usado para quem busca um tipo de desintoxicação alimentar ou redução de peso, praticando a alimentação por um tempo limitado. Entre estes estão a atriz e cantora Jennifer Lopez; a cantora Beyoncé e seu marido, o rapper Jay-Z, que aderiram à dieta por 22 dias.
Outras personalidades adotaram o veganismo para valer, abolindo de vez os alimentos de origem animal. Nomes como o do cineasta norte-americano James Cameron, o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, a atriz Natalie Portman, o fundador da Microsoft Bill Gates e o jogador de poker Daniel Negreanu, engrossam a lista dos conhecidos que levam a sério, têm ótima saúde, afirmam que desempenham melhor suas profissões e inspiram a nova filosofia de vida.
Especialistas defendem a alimentação vegana
Doenças contemporâneas como diabetes, hipertensão, colesterol, obesidade, infarto, câncer, podem ser prevenidas e controladas com a dieta vegana. Deixar de consumir alimentos de origem animal e seus derivados auxilia na redução de gorduras saturadas e colesterol ruim, defende Yuko Ono Silva, mestre em Ciências da Nutrição pela Loma Linda University, e professora de nutrição da UFPA.
A nutricionista Alessandra Almeida, da Clínica Andréa Santa Rosa, RJ, explica que parar de ingerir carne por conta própria reduz a oferta de ferro, vitamina B12 e proteínas no organismo, podendo gerar anemia e perda de massa muscular. Ela recomenda que a adoção do veganismo seja acompanhada por um profissional de nutrição que identifique prováveis deficiências de nutrientes, e indique alimentos ou suplementos necessários para a reposição.
‘Prós’ e ‘contras’ da dieta vegana
A dieta vegana diminui a ocorrência de muitas doenças e melhora muito as funções intestinais. Os nutrientes de origem vegetal promovem o desenvolvimento dos músculos. Então é uma alimentação que pode ser praticada por atletas e até fisiculturistas. Mulheres grávidas e crianças também podem perfeitamente praticá-la, desde que a alimentação seja bem balanceada. Mas atenção, os veganos são mais magros, mas se consumirem açúcar, farinha branca e frituras em excesso, também poderão engordar.

Sob o ponto de vista ético, a alimentação vegana também é mais correta, pois não se justifica a necessidade de matar e explorar animais com tantas alternativas de alimentos no mundo.
Por outro lado, é importante saber que ao excluir alimentos de origem animal, nosso organismo deixará de receber nutrientes como vitamina B12, cálcio, ferro e zinco. O cálcio é essencial na formação e manutenção de dentes e ossos; a vitamina B12 é utilizada na síntese de glóbulos vermelhos; o ferro é também um componente importantíssimo para os glóbulos vermelhos; e o zinco é fundamental para síntese de enzimas, formação de proteínas e divisão celular.
Para adotar o veganismo é necessário colher todas as informações possíveis, e não fazer uma mudança alimentar abrupta. Recomenda-se uma mudança gradativa, sob a orientação de um médico/nutricionista, substituindo e introduzindo os alimentos novos, aos poucos, de forma correta e bem equilibrada. Existem alternativas para suprir o consumo de todos os nutrientes, mas apenas profissionais podem indicar a maneira saudável de seguir essa alimentação.
Já fui quase milionário, sabes?- Pedro Chagas Freitas
Já fui quase milionário, sabes?,
tinha a tua avó,
a mulher mais bonita do mundo, ninguém tenha dúvidas disso, já te disse que tenho a certeza de que Deus só a levou por ciúmes?,
a nossa casa, uma vida inteira pela frente, tantos sonhos,
acreditava que um dia chegaria à Lua, vê lá tu, e não estive longe, se queres que te diga, mas amanhã conto-te essa história, hoje não,
trabalhava na repartição de finanças e as pessoas precisavam de mim, batiam-me à porta, pediam-me para trazer o impresso do IRS, o documento tal de tal, eu às vezes trazia, outras não, nunca pisei o risco,
a não ser ao volante, confesso, cheguei a dar 120 na recta da bomba da gasolina com o meu Mini, não digas ao teu pai, que eu dei-lhe cabo da cabeça para ele andar devagar, é o nosso segredo, está bem?, cruza aí os dedos comigo, vá,
depois nasceu o Afonso, um mocetão lindo, o meu menino, quando o pus no meio dos braços acreditei na vida eterna, vê lá tu, pensei que algo assim não podia acabar, e se calhar não acabou, o que está à volta é que mudou,
cinquenta anos a trabalhar, nunca falhei um horário, era o primeiro a chegar e o último a sair, se com estas coisas da informática conseguires investigar vais ver que faltei duas vezes em cinquenta anos, uma porque tive um acidente de carro, nada de especial, um toquezito, outra porque me esqueci de mudar para a hora de Verão e depois tive vergonha de chegar atrasado,
onde é que está a vergonha nos dias de hoje?, ganhámos tanto, telemóveis, internet, e perdemos a vergonha, quem é que ficou a ganhar?,
o meu pai morreu-me,
a morte entra-nos nos olhos como um pó invisível, podes perceber já isso, uma pessoa tem outra e depois não tem, o drama da vida é haver vidas instaladas na nossa, somos uma junção de vários pedaços e perder alguém é como uma amputação, já te imaginaste sem uma mão de repente?, dói mais do que ficares de repente sem o Chocapic, só para teres uma ideia,
e nem assim deixei de ir trabalhar, enterrei o meu pai e regressei às finanças, acreditava na riqueza de servir, na competência, fui um profissional exemplar, um chefe de família exemplar,
quando nasceu o teu pai senti-me um rei, e não é assim que todos os pais se devem sentir?,
e esta casa cheia de vida, os sons, os cheiros,
a tua avó era a melhor cozinheira do mundo, ninguém tenha dúvidas disso, já te disse que tenho a certeza de que Deus só a levou para comer bem?,
vês esta cómoda aí ao teu lado?, comprei-a de surpresa, tinha acabado de receber o subsídio de férias e quis ser feliz,
ainda quero, sabes?, o pior de tudo é que nunca deixamos de querer ser felizes e falta-nos cada vez mais, mas não vou dizer coisas tristes, para triste já basta a cara da tua professora, raios partam a mulher, que nunca se ri, não é?, vê lá se não contas isto ao teu pai, sim?, agora há aquela coisa da pedagogia e diz que não se pode dizer coisas destas, sabem lá eles o que é educar uma criança?,
o teu pai foi ensinado por mim e olha o homem que se fez, balelas mais a pedagogia, o importante é amar, e eu amo-te muito, Dioguinho, mete lá mais uma colherzinha à boca, que já conto mais coisas, sim?,
e então trouxe a cómoda e toda a casa estava cheia e ficou feliz comigo, o Afonso e o teu pai ajudaram-me a montar, foram três horas tão boas,
a vida no fundo pode não ser mais do que três horas tão boas, aproveita-as sempre que puderes, prometes?,
tudo isto para te dizer que já fui quase milionário, basta uma casa cheia para nada nos faltar, e um milionário é isso mesmo,
um milionário é alguém que tem tudo o que quer, não é?,
eu tinha, quando fecho os olhos ainda tenho, mas às vezes temos mesmo de os abrir, como agora,
o meu emprego, a minha mulher,
a melhor esposa do mundo, ninguém tenha dúvidas disso, já te disse que tenho a certeza de que Deus só a levou para ter com quem casar?,
chegou o teu pai, logo agora que te ia falar do que veio depois de ser quase milionário, já vais, há uma reunião qualquer e ele tem de ir, eu compreendo, mas custa muito, não lhe digas, tem uma reunião às sete e ainda te vai deixar na casa de um amigo qualquer pelo caminho,
nunca o deixei com ninguém, levei-o tantas vezes comigo para a repartição e ele adorava, mexia nos computadores, perguntava-me o que era o dinheiro e para que servia, isto só entre nós, mas gostava que ele agora tivesse essa mesma dúvida, talvez ficasse aqui mais tempo connosco, eu, tu e ele nesta mesa, a lareira acesa, era bom perguntar-lhe da vida, o que faz, o que sente, o que sonha,
não sei nada do que quer o teu pai, suspeito mesmo que não sei mesmo nada do que é o teu pai, passaram tantos anos desde que lhe disse pela última vez que o amo,
amo-te, meu filho, amas-me de volta?,
e já foi e tu já foste, a casa inteira, quieta, a cómoda com pó, até ela tem saudades de ti, minha princesa, minha rainha, onde foi que falhámos para terminarmos assim?, tu morta e eu sozinho, quem morreu primeiro afinal?,
cá vou andando, de vez em quando, tenho aqui o Dioguinho, viste-o sair agora?, está um homem, não está?, a Carlinha não vem há semanas, já está no terceiro ano, imagina só, mas não há tempo, dizem-me, e eu acredito, tenho de acreditar para continuar, tu sabes,
eras a melhor pessoa do mundo, ninguém tenha dúvidas disso, já te disse que tenho a certeza de que Deus só te levou para ser uma criatura melhor?,
já fui quase milionário e o tempo foi-me tirando tudo, primeiro tu,
amo-te, minha senhora, amas-me de volta?,
depois os filhos, o tempo deles, pelo menos, depois reformaram-me e mataram-me um pouco, e vê lá tu que agora me tiraram uns quantos euros no final do mês, não sei se vou conseguir pagar os medicamentos,
nunca chegaste a velha, que sorte, a vida não se mede em dias, sei agora, a vida mede-se em farmácias,
há um governo que quer baixar o défice,
nem queiras saber o que é isso, que eu também não, consiste basicamente em tirar dos pobres para dar aos ricos, isto digo eu, que não percebo nada e sou só um reaccionário, gente ruim não muda, não é?,
e então para baixar o tal do défice vão tirando o que me restava, não quero pedir dinheiro ao Afonso nem ao Carlos, Deus me livre, que eu tenho dignidade, cá me vou arranjando como puder, se não der para comer bife, como sopa, como ouvi uma senhora dizer no outro dia na televisão, eu até nem gosto muito de bife, só se fosse o teu, claro,
já fui quase milionário e agora sou quase morto, dói muito mas aguenta-se,
assustam-me sobretudo os segredos da escuridão, e por isso saio para o fim do silêncio,
na rua há barulho suficiente para chorar sem que ninguém note, vens comigo?,
és a melhor companheira do mundo, ninguém tenha dúvidas disso, já te disse que tenho a certeza de que Deus só te levou para ter com quem passear?
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in Prometo falhar, a mais recente obra de Pedro Chagas Freitas
Encontre na Livraria Saraiva
Notas do editor: O texto contínuo e sem maiúsculas é a formatação original usada pelo autor. Já a imagem de capa é uma homenagem ao filme “Elsa e Fred”, que retrata uma linda história de amor na terceira idade.
Coloque-se no meu lugar
Há bastante tempo tenho visto manifestações em textos e mensagens sobre se colocar no papel de outra pessoa para entendê-la e também para evitar julgá-la. A fórmula simples da chamada empatia parece estar cada vez mais difícil para nos humanos. Estamos tendo dificuldade em olhar para o outro, que dirá para se colocar no lugar dele, compadecer-se de sua dor, entender seus erros e a forma como se comporta.
De dentro e de fora dos nossos consultórios, assistimos a uma sociedade pedindo socorro enquanto caminha solitária pela vida apressada. Estamos nos tornando incapazes de olhar um para o outro. Você já se perguntou qual foi a última vez que conversou com alguém disposto apenas a ouvir? Já se perguntou quando foi que olhou dentro dos olhos de uma pessoa enquanto ela fala? Lendo um texto essa semana sobre um homem que cometeu um massacre em 2011, o autor fala do quanto pode ser nocivo passarmos pela vida sem sermos vistos, e eu acho que pode ser muito pior quando não somos ouvidos.
É muito comum ver pessoas que sem perceber começam a ouvir o outro e terminam falando de si mesmas. Já viram aqueles casos onde um começa a contar sobre o TRABALHO e o outro logo interrompe e começa a falar do seu? Existem duas questões complicadas nesse diálogo: a primeira é a constatação da necessidade que todos nós temos de falar e a segunda é a de que somos pouco dispostos a ouvir.
Precisamos dessa troca, do falar e do ouvir, do ver e do ser visto, e isso precisa acontecer no mundo real. O mundo virtual tem dado a todos nós a falsa impressão de que estamos sendo vistos e que estamos sendo lidos, mas a troca que se dá nessa circunstância é muito parcial e de fato, está gerando muita solidão e muita depressão em uma espécie que precisa de socialização, de convívio. Não nascemos para a solidão e ela pode nos adoecer. Estar sozinho pode ser prazeroso por um tempo, mas ser sozinho é uma péssima opção.
Sempre gostei muito de gente, e sempre tive o devaneio de andar nas ruas, em shoppings ou em qualquer transporte público e ficar observando pessoas e imaginando como é a vida de cada uma delas. Ás vezes, sentada em um bar ou restaurante, olho para alguém e imagino qual é a sua história, quais são as suas dores, seus amores, como foi o seu dia. Saio completamente do meu mundo e entro naquele outro mundo, daquele outro que não sou eu – e isso faz com que eu seja menos egocêntrica. Em cada oportunidade de socialização que acontece em nosso dia existe a possibilidade de fazermos esse exercício. Imagine como é a vida do frentista que abastece seu carro pela manhã antes de você ir ao TRABALHO. Pense como foi a noite do gari que você vê varrendo a rua. Olhe para o atendente de caixa do mercado e imagine onde ele mora, com quem convive, quais problemas ele pode ter.
Sem o olhar e sem sair do seu mundo você não vai conseguir se colocar no lugar do outro e vai acabar vivendo sem que ninguém faça isso por você quando precisar. Enxergamos o mundo da posição na qual nos encontramos e, se não nos movimentarmos em outra direção, vamos morrer com essa visão egoísta e parcial. Imagine-se sentado em uma poltrona vislumbrando uma sala. Você enxerga tudo o que está apenas no seu campo de visão, porém, ao se levantar e se sentar em outra poltrona na direção oposta, seus olhos vão conseguir enxergar o lado oposto da sala. Assim somos nós e o outro. Muitas vezes enxergamos os lados opostos e por isso fica difícil se entender. Para que haja entendimento é preciso que ambos estejam dispostos a mudar de posição e a ver o mundo de onde o outro enxerga.
Acomodados em nossas parciais certezas e nossas falsas razões, vamos abandonando a capacidade de observar e vamos nos distanciando de tudo que não seja nós mesmos. Sem empatia, sem nos colocarmos no lugar do outro, jamais vamos entender suas ações e seu discurso. As relações de amizade e de afeto se dão entre pessoas diferentes, não somos iguais em quase nada. Estamos sentados em lados diferentes da grande sala, cada um enxergando um lado da vida e contando o que vê. É do entendimento dessa parcialidade de todas as verdades do mundo que conseguimos o que nos faz feliz: estamos juntos, vendo e sendo vistos um pelo outro.
2 minutos com Van Gogh
O que fazer quando não é possível ajustar-se ao mundo? Penso que Van Gogh pintava…
Vincent Willem van Gogh nasceu em 30 de março de 1853 em Zundert, na Holanda. Sua vida é marcada por fracassos. Incapaz de constituir família, de custear a própria subsistência e de manter contatos sociais, van Gogh foi reconhecido como pintor pós-impressionista, pioneiro na ligação das tendências impressionistas com as aspirações modernistas, somente após sua morte. Suas obras foram valorizadas a partir de 1901, quando foram exibidas 71 de suas telas em Paris.
Vincent era uma criança séria, quieta e introspectiva. Desenvolveu através dos anos uma grande amizade e forte ligação com seu irmão mais novo, Theo. A vasta correspondência entre Theo e Vincent foi preservada e publicada em 1914 (Cartas a Theo), trazendo a público inúmeros detalhes da vida privada do pintor, bem como de sua personalidade. É através destas cartas que se sabe que foi Theo quem suportou financeiramente o irmão durante a maior parte da sua vida.
Vincent tinha sérios distúrbios de humor. Aos 35 anos, após uma tentativa de agressão com uma navalha a Paul Gauguin, de quem era amigo, cortou um pedaço de sua prórpia orelha direita, embrulhou em um lenço e levou, como presente, a uma prostituta amiga. Retornou à sua casa para dormir como se nada acontecera. A polícia foi avisada e encontrou-o sem sentidos e ensangüentado, levando-o ao hospital da cidade.
Após 14 dias no hospital, van Gogh pinta o Auto-Retrato com a Orelha Cortada. Quatro semanas depois, ele apresenta sintomas de paranóia e imagina que querem envenená-lo. Os cidadãos de Arles, onde morava, solicitam seu internamento definitivo e van Gogh passa a viver no hospital de Arles como paciente e preso.
Akira Kurosawa’s Dreams – Van Gogh
Aos 36 anos, pediu para ser internado no hospital psiquiátrico em Saint-Paul-de-Mausole, perto de Saint-Rémy-de-Provence, na Provença. Um ano depois, deixou a clínica e mudou-se para perto de Paris, onde podia estar mais perto do seu irmão e frequentar as consultas do doutor Paul Gachet, um especialista habituado a lidar com artistas. Gachet não conseguiu melhorias no estado de Vincent.
A depressão se agravava e em 27 de Julho de 1890, depois de semanas de intensa atividade criativa (nesta época Van Gogh pintava, em média, um quadro por dia), Van Gogh foi ao campo e disparou um tiro contra o peito. Arrastou-se de volta à pensão onde se instalara e morreu, dois dias depois, nos braços de Theo. As suas últimas palavras, dirigidas a Theo, teriam sido: “La tristesse durera toujours” (“A tristeza durará para sempre”).
Na ocasião, o diagnóstico de van Gogh mencionava perturbações epiléticas. As crises ocorriam de tempos em tempos, precedidas por sonolência e em seguida apatia. Tinham a média de duração de duas a quatro semanas, período no qual van Gogh não conseguia pintar. Nestas crises predonimavam a violência e as alucinações. No entanto, van Gogh tinha consciência de sua doença e lhe era repulsivo viver com os demais doentes mentais da instituição.
A doença de van Gogh foi analisada durante os anos posteriores e existem várias teses sobre o diagnóstico. Alguns, como o doutor Dietrich Blumer, em artigo publicado no American Journal of Psychiatry, mantém o diagnóstico de epilepsia do lobo temporal, agravada pelo uso do absinto, que o pintor bebia. O absinto possuía como principal ingrediente uma planta alucinógena de nome Artemisia absinthium e sua graduação alcóolica era de 68%. Conhecido como “fada verde”, devido aos efeitos alucinógenos, foi responsabilizado por alucinações, surtos psicóticos e mesmo mortes.
Existem outras hipóteses diagnósticas para van Gogh, dentre elas a esquizofrenia e o transtorno bipolar, sendo o último o diagnóstico mais consensual entre os estudiosos.
Na família de van Gogh existem outros casos de transtorno mental. Seu irmão Théo faleceu de “demência paralítica” causada pela sífilis, mas há relatos de que sofria de depressão e ansiedade ao longo da vida. Sua irmã, Wilhelmina, era esquizofrênica e viveu por 40 anos em um manicômio. O irmão Cornelius também cometeu suicídio, aos 33 anos.
Artigo via Esquizofrenia.com.br
Dica de livro: Prometo falhar
“Prometo Falhar” é um livro que fala de amor. O amor dos amantes, o amor dos amigos, o amor da mãe pelo filho, do filho pela mãe, pelo pai, o amor que abala, que toca, que arrebata, que emociona, que descobre e encobre, que fere e cura, que prende e liberta. Em crônicas desconcertantes, Pedro convida o leitor a revisitar suas próprias impressões sobre os relacionamentos humanos.
A linguagem fluida, livre, sem amarras, faz querer ler tudo de uma vez e depois ligar para o autor para terminar a conversa . Medo, frustração, inveja, ciúme e todos os sentimentos que nos ensinaram a sufocar são expostos sem pudores.
Mergulhe de cabeça numa obra que mostra que é possível sair ileso de tudo, menos do amor. Você escolhe a ordem em que vai ler as crônicas do jovem escritor que tem 21 obras publicadas e é sucesso de vendas em Portugal tendo sido o livro mais vendido em Portugal no ano de 2014.

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Dica de livro: O Castelo de Vidro
‘Filha, a gente não tem dinheiro para o presente, mas escolhe uma estrela no céu e fica com ela pra toda a vida’. Todo mundo pode dar uma segunda chance à vida. Em suas memórias, a jornalista e escritora Jeannette Walls nos mostra, sem pieguices e respostas fáceis, que tudo na vida é mesmo relativo, que as adversidades podem ser vividas com leveza, somando aprendizado e grandeza à nossa biografia.
Para além de uma infância de miséria, o best-seller trata da solidão, da incomunicabilidade e da perseguição de sonhos e projetos pessoais.
A bela jornalista ruiva, uma profissional de sucesso na capital dos negócios, Nova Iorque, contempla a cidade pelos vidros do táxi. Em breve chegará a seu luxuoso apartamento, repleto de antiguidades, mapas antigos, livros raros e tapetes persas. Subitamente, seu olhar é atraído por uma visão, infelizmente não tão incomum nas metrópoles: uma senhora idosa e desgrenhada vasculha uma lixeira em busca de algo para comer. Em pânico, a jornalista, que aterrorizava as celebridades com sua ácida coluna de fofocas, esconde-se no interior do veículo.

Havia reconhecido a mulher em estado de indigência. Tratava-se de sua mãe. Um conto fantástico, ou a imaginação delirante de um autor, em busca do efeito fácil sobre os leitores, diriam alguns. No entanto, a história é absolutamente verídica, e um desses casos em que a realidade parece emprestar as tintas da ficção.
Em O Castelo de Vidro, Jeanette Walls escreve as memórias de sua família boêmia, errante, atípica e inconformista. Talvez herdeiros do espírito libertário dos beats, ou da rebeldia dos anos sessenta, os pais de Walls enveredariam por um verdadeiro périplo por dezenas de cidades americanas, chegando mesmo a viver nas ruas, como sem-teto. Avessos aos trabalhos regulares, o pai vivendo de expedientes, a mãe, uma pintora amadora e amante das artes, muitas vezes as memórias de Walls revelam momentos em que a fome e o desespero parecem intoleráveis. No entanto, com seu estilo vigoroso e direto, ela nunca apela para as explicações de cunho psicanalítico ou social, e escapa do sentimentalismo banal.
Cumpre acertar as contas com seu passado, a compreensão de um choque de ideais e de gerações. O livro de Walls, para além do relato de uma infância de miséria, aponta, portanto, para questões da maior relevância. Trata-se da solidão e da incomunicabilidade entre as pessoas, e da perseguição de sonhos e projetos pessoais. A história da família de Walls, portanto, em seu caráter absolutamente único, fala um pouco de todas as famílias, de todos os sonhos, de toda a existência. Fala um pouco sobre todos nós.
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O sintoma na clínica psicanalítica com crianças
Houve inúmeras transformações a respeito da infância ao longo do tempo, bem como da família e da educação, em especial a partir do século XVIII, cujas produções discursivas construíram a imagem da infância atrelada à pureza, ingenuidade e sensibilidade. É Freud quem, em 1905, desconstrói o saber da época ao trazer à tona a questão da erótica infantil, defendendo a tese segundo a qual não há infância desprovida de sexualidade; questionando, assim, a imagem pura e insuspeita da criança inventada pela cultura dos últimos séculos.
Em 1909, Freud torna-se precursor do trabalho psicanalítico desenvolvido com crianças, ao publicar o caso do Pequeno Hans, que demonstrou na prática o que já havia apresentado em tese: a sexualidade infantil e seus avatares. Hans sofria de fobia de cavalos e Freud acompanhou indiretamente, mais aos moldes de uma supervisão, o desenvolvimento da análise a partir da escuta do pai, – que suportou com firmeza e atenção a livre-verbalização do filho a fim de ajudá-lo a superar seu sofrimento.
Hans demostrava um interesse acentuado pelo seu genital, o “pipi”. No entanto, tinha que lidar com a ameaça da mãe de que o médico o cortaria fora caso ele não abandonasse a masturbação. Num primeiro momento, a ameaça não foi valorizada pelo menino, porém, mais tarde, repercutiu de modo determinante nos caminhos da formação de seu sintoma fóbico.
Embora Freud não tenha atendido diretamente uma criança, foi ele quem inaugurou o campo para este trabalho a partir da exploração inexaurível das fantasias do Pequeno Hans, sem recorrer ao brinquedo como instrumento de expressão e sem reduzi-lo aos seus postulados teóricos preexistentes.
Freud não era um homem de superfície e estava aberto para o novo, não se contentando com as primeiras impressões a respeito do caso, nem mesmo com o que já havia descoberto sobre a sexualidade infantil.
A psicanálise é um dispositivo terapêutico ético, e não moralista, visto que o segundo parte da premissa de que há um saber professoral prévio que possa dar conta do sofrimento do outro. O psicanalista precisa escutar para aprender, mesmo quando se trata de uma criança, que, assim como o adulto, também é um sujeito do desejo, da particularidade. Tanto no trabalho com crianças como com adultos, a escuta deve ser endereçada para que as palavras brotem do inconsciente e possam representar o sofrimento daquele que se queixa.
É claro que o tratamento com crianças traz consigo algumas especificidades que delimitam seu território, pois o adulto possui recursos mais sofisticados em termos de linguagem e cognição, dos quais a criança carece. O aspecto lúdico introduzido no tratamento facilita a expressão da criança acerca de suas inibições, sintomas e angústias. Entretanto, o conteúdo inconsciente apresentado ao analista através do recurso dos brinquedos não se diferencia dos conteúdos relatados pelos pacientes adultos a respeito de seus sonhos, fantasias e descompassos do dia a dia.
O infantil inerente ao inconsciente é ineducável em razão da lei que o rege: a atemporalidade. A cronologia está para a infância assim como a atemporalidade para o infantil. A marca do infantil atemporal no inconsciente representa o selo que autentica as raízes do nosso sofrimento neurótico, levando a atenção do analista a recair sobre o infantil independentemente do fato dele advir do discurso de um octogenário ou de uma criança.
O trabalho psicanalítico com crianças deve se atentar para o fato de que há uma diferença fundamental em relação ao manejo clínico, dado que existe o sintoma da criança e o sintoma na criança.
Anos atrás, atendi um garotinho de seis anos de idade, cuja queixa dos pais girava em torno do mutismo episódico dele na escola. Ao escutar a mãe, descobri que o garotinho tinha sido impedido de se relacionar e conversar com a tia com quem mantinha fortes ligações afetivas. Por quê? Porque o pai havia brigado com ela e, na intenção de puni-la, impediu que o filho a encontrasse. Ou seja, a ordem do pai que inviabilizava a socialização primária do filho no interior da família estava produzindo efeitos sintomáticos no interior da socialização secundária na escola. Se o pai do Pequeno Hans atuava de modo a libertar o filho do sofrimento inerente às dificuldades encontradas no atravessamento do Édipo, o pai do garotinho produzia sofrimento no filho sem conseguir localizar em si as causas que o determinavam. A criança antes da proibição do pai relacionava-se naturalmente com os coleguinhas da escola, sempre de forma alegre, lúdica e comunicativa.
Nota-se com isso que o trabalho desenvolvido na clínica com crianças mostra-se ainda mais problemático na medida em que, às vezes, seu progresso depende também da participação efetiva dos pais. É comum, por exemplo, os pais interromperem o tratamento quando percebem que algo de si e/ou da dinâmica familiar deverá ser modificado para que haja transformação possível no sofrimento da criança. Em alguns casos, não há consciência acerca desta equação que os implica no tratamento. O analista é convocado a devolver o filho aos pais como se este tivesse passado por uma assistência técnica e fosse um objeto assexuado, consertável e sem desejo próprio.
No caso da fixação na masturbação do Pequeno Hans, efeito do descobrimento de sua sexualidade, marcada pela entrada no Édipo a partir da fase fálica; – quando a criança percebe pela via do estímulo que seu genital é fonte de prazer, – a ameaça da mãe de que o médico cortaria seu “pipi” repercutiu em Hans gerando angústia e sofrimento no “só depois”. Isto é, quando presencia à distância o nascimento da irmãzinha, em casa, às voltas com balde de água e sangue, gritos de dor e um médico assumindo a cena; Hans confere sentido àquela primeira ameaça da mãe ao fazer menção a um terceiro castrador.
A constituição do trauma implica a existência de dois tempos para que se entenda seu funcionamento. Freud destaca o primeiro tempo do trauma da castração a partir da masturbação infantil. O menino, sofrendo constantes ameaças, só sentirá a incidência da angústia num segundo tempo, no “só depois”. Frente à constatação da castração do outro, a primeira experiência de ameaça pode produzir sentido, fato que levou Hans a significar retroativamente as ameaças da mãe no passado ao testemunhar o nascimento da irmã executado por um médico.
A entrada de Hanna no ambiente familiar também gerou consequências dolorosas em Hans, ao retirá-lo da sua posição privilegiada de sua “majestade, o bebê”, tornando-o secundário em relação aos cuidados maternos, cujo sintoma fóbico a respeito dos cavalos o reaproximou da mãe já que não conseguia sair de casa.
A grande inovação de Freud foi entender o sintoma não como um defeito ou uma degeneração, e sim como um modo de expressão do ser. Sintomas são palavras congeladas e defesas diante da intolerabilidade de alguns sofrimentos. Dito de outro modo, o sintoma é resultante de um conflito entre o desejo e a lei que o censura.
Freud logrou êxito através do trabalho indireto com Hans, visto que este conseguiu superar, pela via da livre-expressão de seus medos e fantasias, seus sintomas e sofrimentos. Passou a frequentar a rua e a brincar nos parques sem mais temer os cavalos. O pai de Hans considerou a melhora do quadro fóbico do filho mas acreditava haver um traço de distúrbio remanescente: o de fazer perguntas reiteradamente. Não concordo com o pai. Fazer perguntas não pode ser pensado como um traço de insalubridade. Pobres de nós que “adoecemos” quando perdemos a capacidade da criança de ser curiosa e, com isso, fazer perguntas.
Nota da CONI outra: A imagem de capa é da animação Coraline, inspirada no livro de Neil Gaiman, e que traz em seu enredo uma metáfora dolorosa sobre a passagem para a vida adulta.














