Cuida dela pra mim

Cuida dela pra mim

A vida comumente é estranha. Às vezes ela nos apresenta o amor da vida em um momento no qual estamos convictos de que ele é algum tipo de lenda, alguma espécie de Saci-Pererê mitológico e nos pega desprevenidos. E era assim que eu estava quando te toquei com os olhos pela primeira vez. Naquela festa, em meio às bebidas, canapés e chatices teu olhar encontrou o meu e eu descobri que o amor é uma verdade. Descobri que o mundo guarda em si tesouros valiosos que bem poucos sabem apreciar.

Eu soube do seu valor assim que te vi. Eu soube quem você era assim que te contemplei. Você não sorria. Guardava em si uma tristeza mansa. Tinha os olhos mais profundos que eu já conheci e neles parecia haver algum tipo de súplica pela verdade.

Eu também não gosto de atuar, não gosto dessa peça na qual nos jogam em um evento social, na qual mãos se dão sem se sentirem, na qual abraços acontecem sem o ardor da verdade. Também não curto beijos no ar. Gosto de beijos nas bocas certas e a sua me pareceu a mais certa de todas.

Ei moça, quem nos tempos de hoje ainda dança? Outras danças sim, mas a nossa foi única e especial e foi assim que eu me senti ao te puxar para aquela pista tão cafona. Você me deslumbrou e eu quis saber tudo sobre você. Me interessei por todas suas alegrias mas, sobretudo, por todas suas tristezas. Quis que me contasse suas milhares de histórias em meio a um rodopio e outro. Quis te ouvir eternamente e não me surpreendi ao notar, depois de algum tempo, que já não havia mais música, que já não havia mais festa, que já não havia mais nada além de nós dois.

O mundo congelou. O mundo parou e a ânsia das horas morreu em nossos braços. Tínhamos o tempo preciso para nos amarmos em palavras, toques, versos e beijos.

Mãos nas mãos, olhos nos olhos, sorriso com sorriso. Mão nas coxas, corpos em desejo e a vontade de ficar para sempre. Um gozo, um gemido e o tempo voltou a sua monotonia. A banda retornou e cantou um último “We are the world”. Você partiu.

Nos perdemos no mundo como se o tempo fosse uma correnteza a nos arrastar para longe um do outro. Você se foi. O amor não. Teus olhos. O prazer da tua companhia. O delírio de me descobrir em você. Isso não morre.

Nunca mais te vi, nunca mais ouvi tua voz. Nenhum dos amigos a quem perguntei soube dizer de você. A vida continuou depois disso, a vida assoprou as folhas das árvores que se vestiram e despiram incontáveis vezes e você virou em mim um sonho bom.

Te lembrei todas as noites depois daquele dia. Te quis tocar em incontáveis momentos. Te pensei com ternura nas datas em que o mundo para e olha com alegria os seus.

Outras vieram, uma ficou. Amei-a de uma forma diferente. Assumi quilos de responsabilidades, mas o mundo não te apagou em mim.

Hoje te guardo carinhoso e te penso com o meu melhor. Desejo, moça bonita, que tenha encontrado no mundo alguém que seja para ti o abrigo certo para os dias de tormenta, o porto seguro em momentos de incertezas, a segurança nas horas de aflição. Que esse outro amor seja teus olhos quando não puder ver, teu consolo quando precisar de um ombro. Que ele saiba te amar na sua medida mais certa. Que ele esteja sempre ao seu lado, te nutrindo e te cuidando. Que ele te dite aos ouvidos as mais lindas palavras. Que ele saiba com um olhar, assim como eu soube, a maravilha que você é e te ame exatamente por isso.

Para você todos os dias eu entrego meus melhores pensamentos e para ele, moça bonita, para esse outro que tem a sorte da sua companhia eu peço baixinho: Cuida dela pra mim.

Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.

Texto de ficção – Imagem de capa meramente ilustrativa

 

 

A encantada geração das rosas roubadas

A encantada geração das rosas roubadas

Parece que faz tanto tempo, mas foi logo ali, naqueles últimos anos antes de virar o século, naquelas casas que quase não tinham computadores, às vezes um único, bojudo, que fazia aquele barulhinho inesquecível de processamento quando a gente ficava por uns quinze minutos tentando acessar a internet para poder conversar no ICQ ou nas salas de bate papo da uol. E cada conexão bem sucedida, e cada barulhinho de nova mensagem recebida, ah que emoção!

Não faz tanto tempo assim que a gente ia ao cinema, escolhia qualquer filme, às vezes assistia três ou quatro vezes o mesmo porque não havia muitas opções e um filme ficava em cartaz por cerca de dois meses. E não importava muito essa repetição desenfreada porque o filme não era mesmo o principal motivo da gente ir ao cinema, o cinema era apenas o lugar mais seguro e camuflado para duas horas seguidas (e quase sem intervalo) de beijos intermináveis.

Não faz tantos anos assim e eu ainda sinto tão fresca a memória daquelas noites, daqueles bailes, do salão de festa, das madrugadas que a gente, antes de ir pra casa, ficava rodando a cidade, procurando a casinha ideal, o lar de alguma senhorinha que tinha um jardim bem cuidado e portões de grades largas (de preferência sem cachorro), o lugar perfeito pra gente encontrar a rosa mais linda, a perfeita rosa roubada.

E então a gente consultava as amigas, pedia ajuda para escrever aquela frase manjada, aquela coisa brega que vinha no papel de carta ou na agenda, e com mãos quase tremulas a gente escrevia o bilhete secreto para aquele cara que, no meu caso, geralmente era um amor platônico.

E munidas de bilhetinho assinado apenas com as inicias (quem era mais sofisticada ainda borrifava uns pingos de perfume – geralmente era Thaty do Boticário) e a brilhante rosa roubada, a gente ia com as pontas dos pés (ou com o motor do carro desligado) até a casa do amado para consumar o ato: jogar a rosa no quintal.

Ah, e que delícia era quando nosso quintal amanhecia com uma dessas rosas! Como era bom quando o admirador realmente era secreto e a gente passava semanas investigando as possibilidades daquelas iniciais. E como era mais mágico ainda quando o admirador era justamente aquele cara, o amor platônico, aquela pessoa que nunca tinha trocado mais do que meia dúzia de palavras com a gente e horas de olhares noite adentro.

Como era bom quando esses acontecimentos singelos eram motivo para meses de um coração serelepe e descompassado, sorrisos bobos, borboletas no estômago, notas baixas nas provas de matemática, passarinhos verdes na janela, enredos para sonhos das longas manhãs de sábado, leituras profundas dos conselhos rasos da revista Capricho e do signo do amado. Até coelho na lua era motivo de longas conversa por telefone com a amiga.

Como era bom quando havia menos falas e mais troca de olhares, quando o brilho dos sentimentos se estendia por meses, quando se precisava de tão pouco para construir vastos significados.

Não faz tanto tempo assim que o nosso coração era mais amplo e sereno, que as nossas vontades eram mais simples e intensas, que as pequenas coisas tinham um peso tão grande a ponto de nos fazer flutuar.

20 detalhes incríveis que ninguém conta sobre morar junto

20 detalhes incríveis que ninguém conta sobre morar junto

Mudar-se com a pessoa que a gente ama dá sempre um frio na barriga. Todo mundo manda um monte de conselhos, falam que é o melhor dos mundos ou falam que foi a pior coisa que já fizeram. A verdade é que não existe um padrão e não tem como saber se vocês vão se unir mais ou se vão odiar cada mania rotineira do outro. Mas morar com alguém é sempre abrir mão de alguma coisa, nem que seja da sua preguiça. Seja com um amigo, um namorado ou um desconhecido, é preciso respeitar o espaço do outro, saber quais são o seus próprios limites e tentar deixar o ambiente agradável para todo mundo. Infelizmente, isso nem sempre dá certo. As pessoas são diferentes e muito complicadas dentro dos seus universos mentais, onde uma coisa pode sempre parecer outra coisa. Alguém tem que ceder e, nesse caso, os dois.

Depois de dois anos morando com meu namorado, percebi vários detalhes incríveis, ao longo do tempo, que ninguém nunca tinha me contado. Já ouvi muito que os primeiros meses são maravilhosos, mas, depois, tudo desmorona por causa da rotina. A verdade é que tudo é muito subjetivo, tudo é uma construção de vocês, e o mais legal de morar junto é  poder criar o jeito como vocês querem viver. Se estiver chato, mude a rotina! Não existe uma regra para seguir, porque cada casal vai criar as suas. A nossa estratégia é sempre surpreender o outro nas pequenas coisas do dia, aí a rotina, em vez de se transformar num bicho de sete cabeças, vira um lugar de repouso.

Eu tenho acreditado também que cada um tem que ter seu objetivo pessoal. Tipo desenvolver uma habilidade nova, ganhar uma promoção no trabalho, abrir uma empresa, escrever um livro, apresentar uma peça, plantar uma árvore. Enquanto os dois estiverem se ajudando para alcançar o objetivo um do outro, fica TÃO mais fácil e divertido. E, se não tiver objetivo, dá para inventar alguma coisa nova para aprender. Não tem como ter uma vida legal a dois, se não existir troca de conhecimento diário. A sua empolgação puxa a do outro.

Fiz uma lista de coisas legais que acontecem quando você mora junto. Claro que é uma visão muito pessoal, mas eu gostaria que tivessem me falado mais coisas empolgantes antes de me mudar, então agora estou fazendo isso.

  1. Vocês podem fazer atividades diferentes no mesmo cômodo, sem precisar conversar, só se olhando de vez em quando, para se certificar da companhia física e momentânea. E aí vão sentir que estão caminhando juntos para algum lugar. No final da experiência, vocês podem contar um ao outro para onde a mente de cada um foi. Um pode ficar no computador, enquanto o outro pinta a unha, ou um pode tocar violão enquanto o outro lê…
  2. Você pode querer ficar sozinho e, às vezes, não poder por falta de espaço. Mas dá sempre para deixar isso claro e sair para ouvir uma música ou ver um filme no seu canto. Eu tenho muita necessidade de ficar sozinha, pensando com o pé na parede, ouvindo música. Sempre precisei do meu tempo para conversar comigo. Acho importante, para ponderar algumas ações e tentar entender alguns sentimentos que eu desconheço. É legal saber se dar esse tempo e não roubar o tempo do outro. Isso não quer dizer que você queira ficar com a pessoa. Só quer dizer que você precisar ficar com você. No começo, foi meio difícil, porque a gente queria ficar sempre no mesmo cômodo, mas, depois, fui sentindo muita necessidade de ficar sozinha de novo, no meu mundinho.
  3. Vocês podem cozinhar juntos, experimentar receitas novas. A gente já colocou Nescau no molho de tomate, porque não tinha açúcar.
  4. Vocês podem ficar conversando até tarde da noite, como naquela época em que você ia à casa do seu melhor amigo no dia de semana e conseguiam tirar assunto de onde nem tinha mais assunto.
  5. Vocês começam a ter várias piadas internas e referências engraçadas que ninguém vai entender
  6. Vocês podem brigar, mas não dá para não resolver o problema no mesmo dia. Pode sair, dar uma espairecida e voltar para resolver antes de dormir. O acordo de não dormir brigado foi o que salvou o casamento dos meus avós. Esse foi o conselho deles para mim, antes de eu me mudar e, cá entre nós, foi o único que realmente valeu a pena. Sua casa é um espaço para você ficar em paz e é insuportável ficar desconfortável na sua própria cama com alguém que você ama.
  7. Vocês vão sair separados, cada um para um canto, e amarão a ideia de que vão se encontrar de qualquer forma no final da noite, em casa, meio bêbados, comendo pão com requeijão na cozinha. Vocês vão sair juntos e vão fazer a mesma coisa (tenha sempre comidas para a madrugada).
  8. Esquece. Usar o mesmo par de meias é superficial. De repente, vocês vão estar usando a meia um do outro e vão se acusar sempre que tirarem os sapatos: “Ei, essa meia é minha”. As blusas básicas não têm mais dono.
  9. Vão disputar todas as noites quem vai apagar a luz ou pegar água na cozinha. Vão disputar a melhor posição no sofá.
  10. A casa fica sempre cheia de amigos dos dois.
  11. Você vai ficar puto quando o último pedaço de bolo que você guardou misteriosamente desaparecer, mas vai se surpreender quando descobrir que o outro guardou o último iogurte para você.
  12. Sair da cama vai ser mais difícil do que nos dias frios.
  13. Nada vai acelerar mais o seu coração do que o barulho da chave fechando a porta, quando a outra pessoa estiver chegando.
  14. Vocês vão gastar muito dinheiro com supermercado e jurarão que vão parar de pedir delivery e comer fora, porque está muito caro, mas vão continuar pedindo.
  15. Você não vai entender como consegue sentir tanta saudade da pessoa durante o dia no trabalho.
  16. Vocês vão viajar e voltar para a mesma casa e vai parecer que a viagem se prolongou um pouquinho
  17. Vocês vão criar muita intimidade (isso é quase inevitável) e, para não deixar o sexo ficar sem graça por causa disso, o legal é usar essa intimidade para fazer coisas completamente novas e malucas. Fantasias, brinquedinhos e assistir a filmes pornôs juntos são pouco para o que vocês podem fazer. Sejam criativos.
  18. Programas caseiros de repente começam a ser muito divertidos
  19. A paixão só acaba se vocês deixarem
  20. Você deve continuar investindo nos seus projetos pessoais. Morar junto não quer dizer deixar sua vida particular de lado ou deixar de sair com seus amigos. Enquanto você tiver interesse em você e na sua própria vida, o outro sempre vai ter também.

Cuidado com o que pensa e com o que diz; as palavras podem te engordar.

Cuidado com o que pensa e com o que diz; as palavras podem te engordar.

Tudo é comportamento. Pensar é se comportar. Falar é se comportar.

Seu comportamento pode te ajudar a emagrecer.

Antes de começar de fato a lhes mostrar como podemos nos boicotar, vou lhes contar três pequenas histórias que vão mostrar como o nosso pensamento e as nossas crenças são responsáveis pelo nosso “aprisionamento” aos padrões inadequados de comportamento alimentar.

De manhã, eu estava comendo uma fatia de melão e meu filho de quatro anos estava comigo. Segue nosso diálogo:

-Quer um pedaço de melão, filho?

-Eu gosto de melão mamãe?

-Gosta!

-Eu já experimentei?

-Sim, e você gostou.

Meu filho come melão e outras frutas diariamente, desde os seis meses de vida, mesmo assim ele fez essa pergunta, mostrando que ainda não criou uma escala de valores para o que gosta e o que não gosta de comer. Percebam como a mente de um indivíduo aos quatro anos de idade está completamente aberta para adquirir os conceitos que levará para a vida adulta.

Em outro momento, eu conversava com minha mãe e lhe dizia que ela precisava comer mais verduras de tom verde escuro, quando ela me respondeu:

-Eu não gosto filha. Eu não fui acostumada a comer isso.

Aqui percebemos que na terceira idade somos presos às crenças de todos os tipos e bastante resistentes a abandona-las.

O terceiro momento aconteceu no consultório quando eu ainda fazia avaliação psicológica de pacientes que queriam se submeter à cirurgia bariátrica. Uma paciente me contou que não conseguia comer verduras porque parecia que elas cresciam dentro da boca dela e lhe causavam náuseas. Ele mandava o tempo todo, aquele tipo de ordem ao seu cérebro que acabava por obedecer e provocar o desconforto ao mastigar a verdura. Perguntei então se as náuseas aconteciam quando ele comia Big Mac e então ele riu e disse que não. Minha dúvida foi: “Mas como não? No Big Mac tem alface!” É com a realidade que enfrentamos e quebramos as mentiras que nossos pacientes inventam para si mesmos.

Estes três casos nos mostram como a nossa alimentação sofre severas influencias do ambiente, da cultura, dos valores que nos são ensinados. Os seus hábitos alimentares, assim como todos os outros, são consequência das suas crenças e não causa delas. Eu poderia ter arruinado a relação do meu filho com o melão e com as demais frutas se tivesse dado uma resposta negativa assim como fizeram com a relação da minha mãe com a couve, os brócolis e o espinafre.

Você talvez acredite não gostar de certos alimentos simplesmente porque não os come com frequência e por isso não sente a falta deles. É assim com a ingestão de água também. Indivíduos que ingerem a quantidade correta de água sentem mais sede, o padrão de comportamento está estabelecido e não é preciso mais que se faça a força inicial de mudar o paradigma. É provável que você também acredite gostar e “não viver sem” certas guloseimas sem observar que pode viver muito bem sem elas. É preciso questionar sempre as nossas crenças, ou vocês acreditam que mastigar alface dá náuseas? O segredo está na observação.

Estudos mostram que a modificação e/ou a aquisição de um hábito, de um padrão de comportamento implica em se dedicar a ele por trinta dias, cinco vezes por dia. Se eu quero adquirir o hábito de passar batom diariamente, devo fazer isso cinco vezes por dia durante trinta dias e assim meus lábios se acostumarão com a hidratação e eu passarei a, automaticamente, fazê-lo, sem precisar me esforçar para isso.

As escolhas saudáveis, o abandono de velhos hábitos prejudiciais à saúde e que levam ao aumento do peso devem ser seguidas à risca e com dedicação no início, até que os nossos paradigmas se modifiquem e se torne então natural o tão desejado comportamento de se alimentar bem sem sofrer.

O foco deve ser a dedicação e não o sofrimento. A privação nunca produz bons resultados e é a responsável por quase todo o fracasso das chamadas dietas. Você é o que acredita ser e gosta do que acredita gostar.

De pássaro para pássaro

De pássaro para pássaro

No meu pensamento você pode voar, asas zunindo como os ruídos de sua mente, levam-no longe pouso breve decidido. Encantado pela amplitude do céu eterno, incansável no tempo, infinito no espaço, pássaro amplo de voo azul. Sem os limites das grades você pode ir a todos os lugares, mas vai apenas aonde quer. É meio como se parece, mas não é.

Com o mundo à disposição sem medo faz escolhas certas, e se erra nem por isso abranda o voo, voa mais para tornar-se mais certeiro. Pede desculpas com flores do campo em ramos emaranhados de modéstia. Não precisa do orgulho que engoma suas camisas, é nu de maldade e vestido de penas para o vento.

Voa antes só do que meio acompanhado, liberto do passado e dos prejuízos que este projeta no futuro. Bebe da lucidez desembaraçada do amor para manter-se prumo em movimento, assim não canta injúrias nem lamentos, sopra sonoridades curvas que ecoam na caixa acústica do universo. Se no ritmo parceiro surpreende o encontro, não hesita, e livre do medo confia que mesmo diferente o canto, diferentes as penas, diferentes as formas, é o ritmo que dita a harmonia do permanecer.

Nos meus sonhos você pode ser. E poder ser é como poder voar. Você fala com honestidade desinibida de agressividade ou defesas supérfluas. Tem leveza nos toques e economia nas análises limitadas do que não pode ver. É tão fluído e envolvente que invoca sinceridade irrepreensível, sabido de que sem máscaras conquistou o poder de dissolver todas as outras.

Trocou os papéis sociais pelos papéis de carta e escreve apaixonadamente como quem desconhece o ridículo, ri da própria timidez e despede-se dela com beijos de cócegas. Descobriu que a gargalhada inocente e o sorriso isento de sarcasmo são antídotos para a vergonha. Que a vida é curta demais para ter vergonha de existir.

Aprecia o ouro apenas de longe, sabe que o peso da fortuna o faria cair e a vida é cheia de abismos. Prefere adornar-se de tempo e de espaço, faz suas próprias regras e não acredita quando dizem que sem tais bens você não é ninguém. Sou pássaro. Sabe em silêncio. Toca instrumentos de sopro com o bico. Sou mágico. Canta. Sou rico. Ri.

Na minha vida há um espaço imenso. Você na gaiola estático simula bateres de asas, cansado grita rouco: “sou livre”. Cada vez que te vejo do alto da montanha, sinto-me eu mesma cercada de ilusão. Tiro de luto uns dias – perco o gosto de voar. Às vezes, quando te vejo penso que a minha gaiola é o mundo.

Para ser feliz é preciso escolher o que nos faz bem

Para ser feliz é preciso escolher o que nos faz bem

Quanto vale um domingo? Quanto vale uma semana, um mês ou um ano de nossa vida?

Eu diria que o tempo vale ouro, mas como nascemos com ele em abundância parece corriqueiro vendê-lo barato.  Parece normal gastá-lo para fazermos coisas que não nos completam, coisas alheias à nossa vontade.

Quanto tempo falta para terminar a aula chata da matéria não apreciada? Quanto tempo falta para chegar o fim de semana, as férias… o próximo ano? É comum que passemos parte de nossa vida a contar quanto falta para acabar alguma coisa e não nos deleitando com o deslumbre do instante que vale por ele mesmo, com o deslumbre do instante no qual encontramos nossa aptidão, aquilo que parece perfeito para nós, aquilo que faríamos pelo resto da vida sem nos cansarmos.

E sabem, não é difícil distinguirmos esse instante mágico dos demais. Nele a vontade é sempre maior que o medo e a ânsia pelo passar do tempo desaparece. Nele nos refastelamos com a vontade de permanecer. Tocamos carinhosos a felicidade e a puxamos, decididos, para nós.

Quando nos acostumamos a fazer as coisas de forma automática, preenchendo requisitos, desanimados, estamos vivendo como aquele aluno que se esforça para passar na média. Que deseja apenas passar de ano. Um aluno que terá sempre o mesmo anseio até que todos os anos passem e a vida diga que já não existem mais anos para serem passados e vividos.

E é muito fácil se graduar na escola da tristeza. É só seguir planos traçados por outros, tendo o peso das escolhas retirado das costas. Mas escolher é uma característica inerentemente humana que nos define, que diz de nossos valores. São nossas escolhas que contam quem somos aos que conhecemos na vida. Se não escolhêssemos seríamos gatos, pássaros ou peixes e faríamos o que nossa espécie e instinto nos dita, sem pestanejar.

A natureza humana que nos habita permite que cada um de nós tenha características únicas e apaixonantes. Às vezes nasce um artista em uma família de advogados, às vezes nasce um músico em uma família de médicos, às vezes nasce uma dançarina em uma família de engenheiros. Isso é simplesmente maravilhoso. A diversidade é enriquecedora. Contudo quando o artista resolve que ser advogado é o mais apropriado, o músico resolve colocar a viola na sacola e se dedicar à medicina forçadamente e a dançarina abandona os rodopios pelas pranchetas e cálculos matemáticos, contra sua vontade, é desastroso.

Nos deixarmos nivelar pelo que o mundo acha mais rentável, mais pé no chão, mais apropriado, é sufocar em nós a natureza humana que nos habita, é deixar para trás a tão almejada felicidade.

Que nós levemos o tempo que for preciso para descobrirmos onde mora a nossa felicidade, mas que ao encontrá-la, possamos ter força suficiente para não a abandonarmos por nada. É na descoberta daquilo que nos faz bem que mora o deslumbre de uma vida vivida e não sobrevivida.

Nossa vida, por vezes, pode até parecer um ensaio, mas ela é pra valer. Ela não volta. Escolhas nem sempre são fáceis, contudo são extremamente necessárias. Escolher o que nos traz felicidade depende apenas de nós.

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Amor aos animais; que loucura é essa?

Amor aos animais; que loucura é essa?

Eu já participei ativamente na luta pela proteção animal, e na época eu ouvi algumas perguntas e afirmações como estas: “Tanta criança na rua e você alimentando cachorro!” “Por que as pessoas que cuidam de animais de rua são todas meio loucas?” “Eu acho falta do que fazer, você precisa arrumar um filho”! “Cuidar de bichos é coisa de gente carente”. Estas são as frases menos agressivas e acredito que somente quem vive ligado a uma ONG como eu já fui, ou quem é protetor independente saiba do que eu estou falando.

Já me questionei muitas vezes porque os ativistas sofrem tantas críticas. O que observei é que elas costumam vir sempre de pessoas incomodadas, mas de pouca preocupação com o que não seja si próprio, nunca são militantes de causa alguma e, apesar de criticarem a nossa atividade, nunca eram pessoas que ajudavam nem crianças, nem idosos, nem ninguém. Pareciam apenas incomodadas.

Nos dias de hoje, as ONGs de proteção animal têm uma representatividade cada vez maior na sociedade. As novas gerações já se conscientizaram que podem viver sem ingerir carne, e algumas não utilizam de nada que seja de origem animal. Eu acredito que seja o ser humano evoluindo, se compararmos os hábitos da nossa espécie na idade média, por exemplo.

Mas de onde vem esse amor? Sim, amor, e talvez por isso seja loucura. Amor e loucura caminham juntos (leiam o mito de Eros e Psiquê). Acredito que eu não tenha que me estender descrevendo a imensidão do meu amor pelos animais – quem já se permitiu amar e ser amado por um deles sabe do que eu falo, quem não se permitiu, ainda é tempo. A verdade é que esse amor pode nos trazer cura, paz, felicidade e não há nada mais gratuito do que a relação afetiva com um animal.

Além de já terem nos provado serem ótimos companheiros, os animais auxiliam na cura dentro dos hospitais, na reabilitação nos centros de equoterapia, e nos mostram que pode se amar livremente, sem cobrar quase nada em troca, a não ser o próprio amor. Mesmo seres humanos que ainda não aprenderam a amar, acabam se rendendo quando a relação é com um animal de estimação – que como o próprio nome diz, feito para se estimar. É como se disséssemos ao nosso cérebro: “dele eu posso gostar”. Não há dor na relação com o animal, a não ser a dor da perda, por isso muitos humanos a preferem, principalmente o que sofreram alguma decepção com a raça humana.

Para nós, psicólogos, a relação e o afeto aos animais só traz benefícios. De uma forma geral, as crianças que crescem com animais de estimação desenvolvem com mais competências as relações e a comunicação, tendo isso efeitos diretos na sua autoestima. Os animais tornam-se companheiros fiéis e confidentes, parceiros de jogo e brincadeiras e gostam quase “sem limites” dos seus donos. Com os seus animais de estimação, as crianças partilham alegrias e tristezas, medos, raivas e desgostos, bem como os seus próprios pensamentos. Além disso, só a própria textura dos animais (o pelo fofo que lhe faz lembrar aquele urso de pelúcia que tanto gostava) é muito calorosa.

Penso que tanto as pessoas como os animais podem ganhar muito a partir de uma convivência harmoniosa. Os estudos mais recentes têm demonstrado que existem vários benefícios dos animais de companhia no bem-estar geral, no desenvolvimento psicológico, social e na qualidade de vida das pessoas. Tudo indica que interação com animais de companhia provoca nas pessoas resultados fisiológicos, psicológicos e sociais. Por exemplo, as pessoas com animais de companhia apresentam menor número de visitas a médicos e gastos mais baixos com medicação. Apresentam, também, níveis de solidão, depressão e ansiedade mais baixos. Verifica-se, ainda, que os animais de companhia funcionam como facilitadores sociais e de integração para crianças, idosos e pessoas portadoras de deficiência. Estes são apenas alguns resultados encontrados nas centenas de estudos que já foram realizados por psicólogos, psiquiatras e médicos.

“Chegará um dia no qual os homens conhecerão o íntimo dos animais; e nesse dia, um crime contra um animal será considerado crime contra a humanidade.”

(Leonardo da Vinci)

“Não levante a sua voz, melhore os seus argumentos”.

“Não levante a sua voz, melhore os seus argumentos”.
New York artist Tatayana Fazlalizadeh, 27, says she couldn't take the daily cat calls from men on the street.

Nas reuniões de trabalho, nas mesas de bar, nos encontros de família, na fila do banco, onde estivermos, encontraremos alguém que confunde decibéis com verdade, como se seus pontos de vista se tornassem mais contundentes quanto mais alto e agressivo for seu tom de voz. São os donos da verdade, alheios ao que não lhes convém, ao que possa desautorizar aquilo em que eles tanto acreditam. De tanto viverem aos berros, acabam se tornando surdos frente a opiniões divergentes às suas.

Algumas pessoas possuem a personalidade mais forte do que as outras, são mais incisivas e se expõem com mais segurança. Entre estes, há aqueles que não se furtam a fazer discursos inflamados e resistentes a interrupções ou discordâncias. Isso não significa, de forma alguma, que estarão cobertos de razão, sempre que se pronunciarem. Como quase ninguém está disposto a entrar em contendas com quem é muito cheio de si, pois poucos se sujeitam a perder energia com o que não vale a pena, os donos da verdade absoluta – e muito provavelmente somente eles – realmente acabam crendo piamente na veracidade de seus argumentos, por mais frágeis que possam ser.

No outro lado da roda, existem aqueles que têm muito a dizer, mas não o dizem, pois a insegurança tem mais poder do que suas certezas. São os alunos que não respondem o que pensaram e assistem arrependidos ao sucesso do outro aluno dizendo em voz alta exatamente o que tinham pensado. São os amigos que vêm os colegas saindo com a garota com a qual eles próprios não tiveram coragem de conversar. Antecipar-se ao suposto erro, por insegurança e timidez excessiva, não traz ganho algum, pois não se aprende nada com isso, nada se ganha a não ser mais bagagem para se juntar aos arrependimentos já acumulados dentro de nós. Como se vê, falar baixo demais, ou emudecer o tempo todo, é da mesma forma nocivo ao aprimoramento pessoal.

Nossos caminhos cruzam-se com os de outras pessoas o tempo todo e, em vários momentos, haverá choque de idéias e conflitos a serem resolvidos; assim é a vida. Passividade e subserviência em demasia acabarão nos tornando passíveis de engolir imposições alheias, acumulando dissabores, angústias e frustrações aqui dentro da gente. E isso tudo terá que sair, pois nossos sentidos não digerem tanta contrariedade e sente necessidade de se livrar do incômodo, da forma que encontrar, sem medir as consequências físicas e psicológicas decorrentes. Daí as somatizações, as úlceras, gastrites, enxaquecas, entre outros sintomas que não são mais do que gritos de uma alma sufocada pelo peso do que não se disse, pelo arrependimento do que não se fez, pela recorrência da lamentação do “ah, se eu tivesse…”.

Colocar-se de maneira clara, coerente e elegante é fundamental para que cresçamos como pessoas e ocupemos os lugares a que temos direito em casa, na escola, no trabalho, na vida. Não estaremos sempre com a razão, mas pelo menos seremos ouvidos e levados em consideração, bem como será mais fácil nos aproximarmos das pessoas que farão toda a diferença em nossas vidas. Vale a pena tentar. Por sua vez, os supostos donos da verdade, que impõem suas opiniões por meio da coerção e da violência na voz e no comportamento, afastam cada vez mais de si as oportunidades de perceberem os próprios erros e assim aprender e evoluir seus pensamentos e ações em direção ao verdadeiro encontro consigo mesmo e com o próximo. Continuarão perdidos entre os próprios gritos, desacreditados pela maioria e relegados à solidão a que continuamente se condenam enquanto bradam aos ventos.

Grama de plástico

Grama de plástico

E eu me deixando contaminar pelo verdinho brilhante e viçoso.

E eu querendo morar no lugar que não era meu só por parecer mais bonito e feliz.

E eu pensando no que de errado poderia estar fazendo por não ser capaz de apresentar um cenário irretocável.

E eu achando que só seria feliz no dia em que conquistasse a mesma perfeição… ou mais.

E eu consumindo todas as forças para ser da mesma maneira, para obter as mesmas conquistas, para tomar a ferro e fogo o jardim alheio.

E quando cheguei bem pertinho, já à beira da exaustão e frustração, reparei que era tudo de plástico. Que desânimo, que desilusão!

Mas como tudo na vida traz consigo a chance do aprendizado, olhei para trás, recuperando o fôlego e me preparando para a volta.

E ao olhar, de fora do meu lugar, percebi a lindeza do meu mundo, o que floresceu sem que eu desse a devida importância, o progresso do meu jardim, a sombra gostosa de uma vida inteira, de momentos e memórias.

Percebi meus afetos, minha companhias. Quem jamais me abandonou, ainda quando eu só tinha olhos para flores de plástico.

Percebi que algumas conquistas que plantei não vingaram, e assim foi melhor, pois engoliriam as menores e mais delicadas mudas da minha independência.

Só então notei a luz que nutre o meu terreno, a importância  das folhas mortas e secas, a vida que cresce e se alimenta de todas as imperfeições de um jardim natural, de uma risada sincera, de olho no olho, mãos entrelaçadas, vidas que escolhem ficar próximas para enfrentar a ventania e os temporais.

E eu que achava que nada poderia estar fora de lugar, se eu quisesse uma vida perfeita.

E persegui uma ilusão.

O jardim que eu cobiçava, era frio e de plástico.

No meu quintal bagunçado, é onde sou feliz.

 

Envelhecer é um prêmio que cabe só para quem ousou viver demais.

Envelhecer é um prêmio que cabe só para quem ousou viver demais.

Crianças bem pequenas costumam sentir-se atraídas por pessoas idosas; parece haver uma conexão entre os extremos da vida. Curioso paradoxo: quando atingimos idades bem avançadas ficamos muito parecidos com a nossa primeira versão; voltamos a ser criaturas frágeis, inseguras; e, muitas vezes, voltamos a necessitar de tantos cuidados quanto necessitávamos quando éramos bebês.

Apesar de não nos darmos conta disso, assim que nascemos começamos a envelhecer. Isso nem chega a ser um fenômeno, faz parte do script de nossa rápida participação na história do planeta Terra. É assim com todo mundo: tanto faz a cor da sua pele; seu poder aquisitivo; sua capacidade intelectual; sua aparência… O tempo vai exercer seu poder sobre o seu corpo que é tão perecível e suscetível às intempéries da vida, quanto uma flor que brota maravilhosa numa explosão de vida, mas não escapa de ver suas pétalas murcharem e caírem. É a lei da vida!

Outra questão extremamente curiosa é o fato de sermos os filhotes mais dependentes entre as inúmeras espécies de seres vivos que vivem por aqui. Absolutamente indefesos, ficamos submetidos aos cuidados daqueles que se dispuseram a nos trazer ao mundo. Precisamos do outro para sermos alimentados, protegidos e limpos.

E, por mais que esse nosso planeta tenha evoluído e conquistado os mais sofisticados avanços tecnológicos, os bebês humanos apresentam um rudimentar sistema de comunicação. O choro é nossa única forma mais eficiente de mostrar aos adultos que estamos aborrecidos ou com fome; sentindo-nos solitários ou sujos; passando calor ou frio; padecendo de sede física ou afetiva. Somos extremamente incompreendidos por muito tempo, até que possamos nos expressar com clareza sobre o que queremos, pensamos e sentimos.

E, pensando bem, continuamos a padecer de “ruídos na comunicação” ao longo de toda nossa vida. Mesmo quando já somos capazes de juntar letras, palavras e ideias (das mais simples às mais complexas), o que expressamos pode ser interpretado de infinitas formas pelo outro. Nem sempre o que dizemos é exatamente o que o outro dá conta de entender. Mesmo assim, o fato de aprendermos a dominar o código de comunicação facilita um bocado a nossa vida, se comparado à aflitiva situação de um recém-nascido.

Além disso, não inventaram ainda método mais eficiente de aprendizagem do que a experiência. Uma coisa é você observar os avanços motores de uma criança desde que faz movimentos aleatórios de tronco, pescoço e membros, até que consegue rolar, arrastar-se, engatinhar, permanecer em pé sobre as inseguras perninhas e, finalmente arriscar-se nos primeiros passos. Outra coisa é passar por tudo isso. O que vemos “de fora” é uma ínfima parte do que essas aparentemente simples conquistas representam para um bebê humano. Todo esse processo requer um conjunto complexo de desenvolvimento motor, ósseo, muscular, intelectual, neurológico e emocional; aprender a andar é uma das nossas inúmeras odisseias nesse mundo; é assim no começo e será assim no final, quando nossas pernas voltarem a ter dificuldades para nos sustentar.

Cada um de nós não passa de mero expectador das batalhas uns dos outros; quer sejam elas assumidas ao longo de toda uma existência de forma intencional; quer sejam infringidas de forma inevitável. Por mais que tentemos compreender, aceitar ou acolher as experiências bem ou malsucedidas de nossos semelhantes, a nossa interpretação será sempre inadequada e rasa. A dor do outro não pode ser sentida por nós, pode apenas ser imaginada. As conquistas do outro não podem causar em nossas rudimentares maneiras de sentir, a ebulição emocional vivida por nossos irmãos. Somos tão impermeáveis quanto infantis nessa capacidade de tocar as graças e desgraças alheias. Criaturinhas encapsuladas, desesperadas por nos proteger do perigo de falhar ou de compreender as falhas alheias.

Vivemos atropelando os dias; desperdiçando nosso tempo com preocupações tolas e vazias. Deitamos nossas cabeças em travesseiros mais ou menos macios; repousamos nosso corpo físico onde nos for possível, às vezes é uma cama luxuosa que nos recebe; outras vezes é o chão da rua. Em qualquer dos casos, a maioria de nós não é capaz de refletir sobre o que fez, pensou ou disse ao longo de cada precioso dia. E, pela manhã, repetiremos o mesmo estranho ritual de viver como se não pudéssemos responder por nossas próprias escolhas.

Assim é que, sem que nos demos conta, o organismo que chegou a esse mundo tão frágil e dependente, vai sofrendo incontáveis metamorfoses. Cada célula do nosso corpo sofre alterações irreversíveis, que tanto nos conduzem a conquistas de evolução, quanto nos fazem adoecer e fragilizar nossa capacidade de pensar e agir.

A menos que nos aconteça de morrermos jovens, é com a nossa versão mais frágil que teremos um encontro marcado e intransferível para o fim da jornada. Tomara que sejamos capazes de aproveitar a viagem. Tomara que ao nos despedirmos a vida na Terra possamos nos orgulhar das escolhas feitas. Tomara que antes de fecharmos os olhos pela última vez, possamos ter ao alcance de nossas mãos alguém a quem amemos e que nos ame para um último abraço. Porque a nossa despedida é inevitável, mas a maneira de deixarmos essa vida será constituída por todas as grandes e pequenas escolhas que fizemos ou que nos abstivemos de fazer.

13 filmes sobre o impacto de uma condição de dependência na pessoa e na família

13 filmes sobre o impacto de uma condição de dependência na pessoa e na família
NEW YORK, NY - MARCH 20: Julianne Moore filming "Still Alice" on March 20, 2014 in Long Island, New York. (Steve Sands/GC Images)

Qualquer doença é enfrentada como uma situação de crise pessoal e familiar. Tornam-se necessários ajustes nos âmbitos emocionais, sociais, econômicos, estruturais e físicos. Mas quando ela gera dependência e algum nível de incapacidade, seja ela temporária ou permanente, seu impacto acaba por atingir dimensões de maior complexidade no que diz respeito às mudanças na vida do paciente e de seus familiares.

A variabilidade das vivências trazidas por situações de dependência diversas são retratadas de maneira comovente e realista nos filmes escolhidos para esta matéria.

Que eles possam servir de ilustração para profissionais que lidam com esse tipo de situação em seu cotidiano e para pacientes e famílias que enfrentam ou enfrentaram alguma situação de dependência em sua jornada.

  1. Iris

 

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O filme descreve os primeiros e os últimos momentos da relação de John Bailey com a mulher, a filósofa e romancista Iris Murdoch. Mostra a vida do casal enquanto jovem até os últimos dias de vida de Íris. A história decorre no princípio dos anos 90, quando Íris, vista como uma das principais romancistas da sua época, começa a sentir as primeiras manifestações da doença de Alzheimer, que a levaria a perder as suas faculdades. No princípio ela começa a esquecer-se das palavras, o que se revela uma experiência frustrante. Em seguida, perde mais do que as palavras, deixa de conseguir escrever e falar coerentemente. O marido John é, então, impelido para o papel de cuidador. Há alturas em que ele sente que não é capaz de suportar esta situação, mas o amor pela mulher é tal que não a abandona.

  1. O filho da Noiva

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Aos 42 anos Rafael Belvedere (Ricardo Darín) está em crise, pois assumiu muitas responsabilidades e não tem mais tempo para qualquer tipo de diversão. Boa parte de seu tempo é gasto no gerenciamento do restaurante fundado por seu pai, no qual até tem um relativo sucesso, mas sem nunca conseguir escapar da sombra de seu pai. Rafael raramente visita sua mãe, Norma (Norma Aleandro), que está perdendo a memória, pois ela sempre implica com suas acompanhantes. Sua ex esposa o acusa de não dar a devida atenção ao filho e ainda há Naty (Natalia Verbeke), atual namorada de Rafael, que sempre lhe exige atenção e comprometimento. Em meio a todas estas responsabilidades Rafael sofre um ataque cardíaco, que faz com que se encontre novamente com Juan Carlos (Eduardo Blanco), um amigo de infância, que o ajuda a reconstruir seu passado e ver o presente com outros olhos.

 

  1. Diário de uma paixão

 

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Numa clínica geriátrica, Duke, um dos internos que relativamente está bem, lê para uma interna (com um quadro mais grave) a história de Allie Hamilton (Rachel McAdams) e Noah Calhoun (Ryan Gosling), dois jovens enamorados que em 1940 se conheceram num parque de diversões. Eles foram separados pelos pais dela, que nunca aprovaram o namoro, pois Noah era um trabalhador braçal e oriundo de uma família sem recursos financeiros. Para evitar qualquer aproximação, os pais de Alie a mandam para longe. Por um ano Noah escreveu para Allie todos os dias mas não obteve resposta, pois a mãe (Joan Allen) dela interceptava as cartas de Noah para a filha. Crendo que Allie não estava mais interessada nele, Noah escreveu uma carta de despedida e tentou se conformar. Alie esperava notícias de Noah, mas após 7 anos desistiu de esperar ao conhecer um charmoso oficial, Lon Hammond Jr. (James Marsden), que serviu na 2ª Grande Guerra (assim como Noah) e pertencia a uma família muito rica. Ele pede a mão de Allie, que aceita, mas o destino a faria se reencontrar com Noah. Como seu amor por ele ainda existia e era recíproco, ela precisa escolher entre o noivo e seu primeiro amor.

  1. Para sempre Alice

 

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A Dra. Alice Howland (Julianne Moore) é uma renomada professora de linguistica. Aos poucos, ela começa a esquecer certas palavras e se perder pelas ruas de Manhattan. Ela é diagnosticada com Alzheimer. A doença coloca em prova a a força de sua família. Enquanto a relação de Alice com o marido, John (Alec Baldwinse), fragiliza, ela e a filha caçula, Lydia (Kristen Stewart), se aproximam.

  1. As filhas de Marvin

 

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Quando Marvin (Hume Cronyn) sofre um derrame e fica incapacitado, sua filha Bessie (Diane Keaton) assume a tarefa de cuidar dele. Ela é também a responsável pela tia Ruth (Gwen Verdon), que sofre de uma doença na coluna desde criança e é viciada em novelas. Lee (Meryl Streep), a irmã mais nova de Bessie, não dá atenção para a família e vive em outro estado há anos. Ao descobrir que sofre de leucemia e necessita de um transplante de medula óssea, Bessie entra em contato com a irmã em busca de ajuda. Lee vai então visitá-la, levando consigo seus filhos Hank (Leonardo DiCaprio) e Charlie (Hal Scardino).

  1. Amour

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Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva) são um casal de aposentados apaixonados por música. Eles têm uma filha musicista que vive em outro país. Certo dia Anne sofre um derrame e fica com um lado do corpo paralisado. O casal de idosos passa por graves obstáculos que colocarão o seu amor em teste.

  1. Intocáveis

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Philippe (François Cluzet) é um aristocrata rico que, após sofrer um grave acidente, fica tetraplégico. Precisando de um assistente, ele decide contratar Driss (Omar Sy), um jovem problemático que não tem a menor experiência em cuidar de pessoas no seu estado. Aos poucos ele aprende a função, apesar das diversas gafes que comete. Philippe, por sua vez, se afeiçoa cada vez mais a Driss por ele não o tratar como um pobre coitado. Aos poucos a amizade entre eles se estabelece, com cada um conhecendo melhor o mundo do outro.

  1. Meu pai uma lição de vida

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O sempre ocupado executivo John Tremont (Ted Danson) odeia ter que recorrer a outras pessoas para conseguir o que deseja. Durante um encontro, ele descobre que sua mãe Bette Tremont (Olympia Dukakis) desmaiou e teve que ir para o hospital. John assume então a responsabilidade de cuidar de seu pai, Jake Tremont (Jack Lemmon) e ensiná-lo a reconquistar sua independência.

  1. Longe dela

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Grant (Gordon Pinsent) e Fiona (Julie Christie) formam um casal feliz, que tem sua vida abalada quando ela apresenta alguns graves sintomas, como perda de memória. Logo vem a confirmação: Fiona está com o mal de Alzheimer. Relutante a princípio, ela passa a aceitar a doença e se interna numa clínica. Uma das regras do local é que os pacientes não recebam visitas durante seus primeiros 30 dias. Quando Grant finalmente consegue vê-la, ela já não o reconhece mais. Fiona está agora afeiçoada por Aubrey (Michael Murphy), outro paciente da clínica, o que faz com que Grant tenha que se contentar com sua nova condição de amigo ao mesmo tempo em que tenta ajudá-la a se lembrar do passado.

  1. Família Savage

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Wendy (Laura Linney) e Jon Savage (Philip Seymour Hoffman) sempre buscaram escapar do jeito dominador de seu pai (Philip Bosco), sendo que agora lidam apenas com suas próprias vidas. Wendy trabalha como dramaturga no East Village e passa seus dias buscando doações, namorando o vizinho casado e roubando material de escritório. Já Jon trabalha como professor universitário em Buffalo, tendo escrito alguns livros sobre assuntos obscuros. Um dia eles recebem um telefonema que os informa que seu pai, Lenny, está aos poucos sendo consumido pela demência e que apenas eles podem ajudá-lo. Isto faz com que Jon e Wendy voltem a morar juntos, o que não ocorria desde a infância, com ambos tendo que lidar com as excentricidades do outro.

 

  1. Mar adentro

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Ramón Sampedro (Javier Bardem) é um homem que luta para ter o direito de pôr fim à sua própria vida. Na juventude ele sofreu um acidente, que o deixou tetraplégico e preso a uma cama por 28 anos. Lúcido e extremamente inteligente, Ramón decide lutar na justiça pelo direito de decidir sobre sua própria vida, o que lhe gera problemas com a igreja, a sociedade e até mesmo seus familiares.

  1. A teoria de tudo

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Baseado na biografia de Stephen Hawking, o filme mostra como o jovem astrofísico (Eddie Redmayne) fez descobertas importantes sobre o tempo, além de retratar o seu romance com a aluna de Cambridge Jane Wide (Felicity Jones) e a descoberta de uma doença motora degenerativa quando tinha apenas 21 anos.

  1. O escafandro e a borboleta

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Jean-Dominique Bauby (Mathieu Amalric) tem 43 anos, é editor da revista Elle e um apaixonado pela vida. Mas, subitamente, tem um derrame cerebral. Vinte dias depois, ele acorda. Ainda está lúcido, mas sofre de uma rara paralisia: o único movimento que lhe resta no corpo é o do olho esquerdo. Bauby se recusa a aceitar seu destino. Aprende a se comunicar piscando letras do alfabeto, e forma palavras, frases e até parágrafos. Cria um mundo próprio, contando com aquilo que não se paralisou: sua imaginação e sua memória.

*Sinopses: www.adorocimena.com.br e www.wikipedia.com.br

Nem sua família te apoia? Descubra como mudar isso

Nem sua família te apoia? Descubra como mudar isso

Por Roberto Shinyashiki

Não é novidade que nem sempre nossos familiares vão apoiar nossas decisões. Isso é até um pouco comum de acontecer e faz com que você se sinta um pouco triste e desmotivado, o que até é compreensível. Mas de forma alguma isso deve ser fator decisivo para sua vida ser feliz ou não. É importante mudar essa situação ao seu favor e transformar em apoio ou mesmo em indiferença. Tudo vai depender do seu caso. Quer entender isso um pouco melhor? Vou explicar nesse texto.

Falta de apoio da família

Já ouvi muitas pessoas reclamando da falta de apoio dos familiares para o andamento dos projetos. E isso acontece com certa frequência. Lidar com isso de forma clara é o grande segredo para evitar problemas. Entenda como fazer isso.

Converse e explique seus planos

Comece com a tentativa que pode fazer com que tudo fique acertado sem maiores problemas e todos te entendam. Converse com seus familiares, explique seus planos e objetivos, porque você está fazendo isso e aonde quer chegar com sua ideia.
Se vai abrir uma empresa, por exemplo, fale da sua paixão pelo empreendedorismo, das possibilidades que essa carreira proporciona e do quanto é possível ter sucesso e realização profissional. Muitas vezes os familiares são contra não porque não confiam no seu potencial e em suas capacidades, mas por medo que algo possa dar errado e que você fique frustrado e se sinta prejudicado na sua vida.
Portanto, uma boa conversa, que seja esclarecedora, pode ser a solução para os seus problemas nesse caso e deixar sua vida bem mais tranquila nesse sentido.

Se não for compreendido, siga em frente

Caso a conversa não tenha efeito, é necessário seguir essa dica para não se prejudicar. Ninguém pode definir por você o que deve ser feito com seus sonhos e objetivos. Então siga seus sonhos independente da opinião dos seus familiares e trabalhe o seu emocional para ignorar as opiniões negativas que você estará recebendo. Só assim a situação pode melhorar e só vai depender de você.
Em alguns casos ignorar a opinião das pessoas, nem que seja por um tempo, pode ser a solução. Assim, quando os resultados começarem a aparecer, será bem mais fácil das pessoas te entenderem e apoiarem. Portanto, essa acaba sendo também uma boa dica.

Sem dúvidas ter o apoio das pessoas que gostamos faz uma diferença enorme para o nosso emocional e nossa autoestima. Nos sentimos mais felizes e dispostos a realizar o que é necessário e o que queremos quando sabemos que alguém está apoiando nossa ideia.
Mas caso não tenha esse apoio, também não pode ser motivo para ficar parado e desistir dos seus sonhos. Por isso é tão importante seguir em frente e ter sempre em mente seu objetivo.

O importante é seguir seu coração e o que você quer fazer. Se seus familiares te apoiam, ótimo. Isso vai ser importante. Mas caso eles não apoiem, não adianta obrigar ninguém a nada que a situação só vai piorar. Nesse caso seguir em frente e saber o que precisa ser feito é a melhor opção. Então agora que já sabe o que pode ser feito caso não tenha o apoio da família, é hora de seguir em frente e buscar seus objetivos. Sua felicidade é o mais importante.

O que é bom demais também pode ser verdade.

O que é bom demais também pode ser verdade.

Por que temos tanta dificuldade em aceitar os bons momentos imaginando que eles são prenúncio de uma grande tragédia?

Acho que em quase todos os filmes que assisti vi aquela cena na qual tudo está indo muito bem e todos estão felizes. Então, de repente, percebe-se a atmosfera de que algo ruim vai acontecer. A música de fundo sinaliza que está chegando uma grande tragédia e os olhares dos personagens nos revelam que o pior ainda está por vir. A felicidade como prenúncio da morte, do terremoto, do tsunami, do meteoro, do marido traído chegando, do ataque do tubarão ou da trombada no iceberg é facilmente encontrada nos filmes, nos livros, nas novelas.

A arte quando imita a vida, imita com destreza. Parece ser bem comum na nossa cultura aceitarmos com mais facilidade as más notícias, as tragédias, as perdas, as críticas. Estamos muito acostumados a aceitar o que é ruim. Talvez isso tenha vindo com o cristianismo que promete a salvação a quem sofrer bastante aqui na terra; ou talvez seja simplesmente a passagem dos conceitos de geração para geração sem questionamento algum.

O que era doce se acabou.

Estava bom demais para ser verdade.

Quando a esmola é demais o santo desconfia.

As frases acima nos dizem que tudo que é bom precede o ruim. Engolimo-nas como se fossem verdades absolutas. Até Tom Jobim cantou que “tristeza não tem fim, felicidade sim”. Ah Tom, quem será que lhe fez escrever isso?

Assim como minha avó me dizia que eu morreria se comesse manga verde e tomasse leite em seguida, ela deve ter me ensinado que “quando está tudo muito bem, pode esperar que logo atrás virá a desgraça”. E é assim que, sem perceber, vamos aceitando as coisas ruins da vida como naturais, criando muros para que a felicidade não se aproxime. Parece que nos ensinaram a ter medo do que é bom.

Recebo muitas mensagens durante a semana e uma me chamou muito a atenção. Um rapaz me escreveu para contar que deixou ir embora a mulher da vida dele e que havia descoberto que fez isso simplesmente porque não acreditava que algo tão bom pudesse estar acontecendo. Escreveu apenas para me contar. Respondi apenas “obrigada pela mensagem, por ter me contado”. O que mais poderia eu dizer a ele? Se é difícil aceitar um elogio, o que dizer sobre a chegada de um grande amor? Muitas vezes não aceitamos e nem acreditamos nos elogios, desconfiamos deles e de quem os faz. Quando nos dizem que estamos usando uma blusa bonita, por exemplo, a resposta que vem é sempre um:

-“Ah imagina, nossa, é tão velha essa blusa!”.

Percebam que a frase bloqueia o elogio, é uma defesa a ele. Nas entrelinhas fica claro que não o aceitamos. Legal seria dizer um “muito obrigado” e saborear a escolha de uma roupa bonita e da admiração vinda por isso. Ah, mas é mais fácil pensar que é inveja, que é falsidade, ou que estão de brincadeira conosco não é mesmo? Percebem como a nossa mente funciona?

Estamos habituados a criar barreiras ao que é bom e aceitarmos de braços abertos as críticas. Se a cena acima mostrasse alguém nos dizendo algo do tipo: “ah, não gostei dessa sua blusa, não ficou bem em você” teríamos não só a aceitação incondicional da crítica, mas também daríamos àquela frase o poder de acabar com nosso dia e certamente a blusa iria para o lixo junto com a amizade.

É provável que estejamos estragando diariamente nossa felicidade bancando os diretores de filmes nos quais ela só serve para ser prenúncio da desgraça. E assim vamos afastando os grandes amores, as blusas bonitas e as amigas sinceras. Vamos extinguindo o comportamento de elogiar e de acreditar nos elogios. Passamos a aceitar apenas o que a vida oferece de ruim como se viver fosse essa resignação de “cristão crucificado” que um dia receberá o reino dos céus. Ah, o Cristo não concordaria com isso. Ele, que só pediu que amássemos uns aos outros não deve ter achado bonito o rapaz que deixou ir embora a futura mãe dos filhos dele porque achava que ela era “areia demais para o seu caminhãozinho”.

“É bom demais e é verdade”. Este deveria ser o título do meu artigo. É assim que pensam e vivem as pessoas felizes. Elas simplesmente aceitam os elogios, o afeto e os momentos prazerosos. Elas não têm medo da profecia malévola na qual tudo vai dar errado no fim, inventada sei lá quando e sei lá por quem. Elas passam pela vida e superam os momentos ruins, não se ofendem com as críticas, e nem dão valor algum a elas. Já sobre elogios, felicidade e grande amor de suas vidas, ah elas correm atrás deles o tempo todo e por isso os alcançam.

 

Às vezes é preciso escorregar do telhado

Às vezes é preciso escorregar do telhado

Quando eu era adolescente vivia em minha cidade um senhor austríaco e sua esposa. Ela era uma mulher muito simpática, já ele não. Era monossilábico e parecia alheio a tudo que se passava ao seu redor. Durante as festas que dava em sua casa ele comumente não se mostrava interessado em nada e nem em ninguém.

Até que, em um almoço de fim de semana, ele nos chegou à mesa simpático e conversador. Falou pelos cotovelos, sempre emendando uma frase na outra, uma história na outra, um causo no outro. Nesse dia a esposa veio até nós e se desculpou. Disse que o marido tinha escorregado do telhado e que desde o episódio ele se comportava de tal forma, sendo extremamente expansivo e simpático.

Lembro de na época ter ficado boquiaberta com o que uma escorregada do telhado podia fazer com uma pessoa. E hoje entendo que essa escorregada pode ser uma metáfora para todos nós. Ela pode acontecer mais cedo ou mais tarde em nossas vidas sem aviso prévio. De repente, algo pode nos fazer ver tudo de um jeito diferente. Pode nos trazer contentamento ou consternação. Uma viagem, uma nova cidade, um novo país, um novo relacionamento, um novo trabalho, novas amizades, acontecimentos específicos, novas crenças, tudo isso pode nos mudar.

Contudo, como bons humanos que somos, costumamos evitar mudanças, mas incrivelmente são essas mudanças que nos dão a chance que precisamos para enxergarmos a vida com outros olhos. Para nos posicionarmos de forma diversa diante dos acontecimentos. A mudança pode ser enriquecedora.

Mudar não é fácil e nem sempre o fazemos porque queremos, muitas vezes a vida se encarrega de dar uma sacudida na gente. A vida se encarrega de propiciar nossa escorregada. E como toda queda ou tombo, provavelmente essa mudança de paradigma virá seguida de alguma dor.

Trazer o novo para junto de nós e deixar para trás velhos pensamentos, velhos hábitos e pessoas nocivas não é fácil, mas necessário. Liberar dos ombros pesos supérfluos é um alívio. Enterrar gente viva que já morreu em nós, dói sim, mas é preciso. Abrir as janelas de nossa morada para que um novo sol entre, para arejar os cômodos, certamente melhorará a saúde da nossa alma.

Enxergar a vida sem filtros, de forma clara. Olhando as pessoas nos olhos. Dizendo o que nos parece justo e sincero é um ótimo jeito de começarmos a vida depois de um tombo ou melhor depois que somos brindados com a oportunidade de provarmos o diferente. Contudo, é preciso que nos lembremos que em grande parte das vezes apenas nós teremos passado por esse processo, muitos que estão em nosso cotidiano continuarão exatamente iguais, pelo menos por um tempo.

Dessa forma é possível que o mundo se agarre, em uma segunda-feira nebulosa, a um mau humor costumeiro, mesmo que em nós o sol esteja raiando com força. É provável que tudo esteja exatamente igual enquanto andamos por aí iluminando tudo com o nosso sorriso mais sincero.

O segredo da mudança está em vivermos o bem que os nossos novos passos nos propiciaram e não em desmerecermos as escolhas alheias. Está em respeitarmos o tempo de cada um. Em respeitarmos a maturidade que diz se alguém está pronto ou não para cair do telhado de forma proveitosa.

Se a vida nos chacoalhou quer dizer que estamos no ponto certo para tocarmos o solo sendo alimento e semente para tudo que nos cerca. Trazendo conforto, força e contentamento. Nutrindo o mundo de beleza e de vida não robotizada.

Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.

 

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