Carta de um idoso

Carta de um idoso

Oi, jovem. Como vai?

Espero que tenha garra suficiente para enfrentar os dissabores da vida.

Já fui jovem como você e por isso entendo muito bem dessas coisas que você

anda sentindo…

Já enfrentei muitas barras, já ralei muito, como você diz ,

mas… segui em frente.

Você ainda não é um velho como eu; então, fica um pouco difícil

você me compreender.

Hoje, sem o vigor da mocidade, caminho bem devagar

– e você tem pressa.

Já não ouço muito bem

– e você acha complicado conversar comigo.

Minha mente anda um pouco lenta

– e não consigo acompanhar a rapidez do seu raciocínio.

Já estou às voltas com algumas manias

– e às vezes você perde a paciência comigo.

Caso eu fique esclerosado ou demente,

trate-me com ternura,

porque talvez você precisará de igual ternura quando ficar velho.

Sei que pode parecer que já não sirvo mais para nada,

Mas, é engano. Sabia?

Tenho tantas coisas para contar…

O que aprendi da vida pode ser muito útil para você saber lidar com alguns problemas.

Minha história servirá para lhe mostrar como acertar mais e errar menos.

A vida me ensinou isso: como acertar mais e errar menos…

Mas, para que eu consiga passar minhas experiências para você,

preciso de pelo menos um pouquinho do seu precioso tempo.

Ah! E também de sua paciência  e atenção.

Se ficarmos amigos,

eu me sentirei um pouco mais jovem perto de você.

Em contrapartida, você com certeza se tornará mais sábio.

E tenha certeza:

Vou repetir:  Você acertará mais e errará menos…

Não vai ser legal?

Lu Prado

(ES)

A importância da curiosidade na prática clínica

A importância da curiosidade na prática clínica

Por Marcela Bianco

Parece natural que a curiosidade faça parte do cotidiano da prática clínica do psicólogo e pode parecer estranho precisarmos discorrer sobre isso através de um artigo. Mas, de certa maneira, todos nós sabemos o quanto nossa mente têm uma tendência redutivista no modo como enxergar o mundo à sua volta. Nós selecionamos, esquematizamos, interpretamos e ordenamos as informações que recebemos a partir de inúmeros fatores, como: experiência prévia, tipo psicológico predominante, qualidade e natureza do vínculo, aspectos transferencias e contratransferenciais, etc. Tudo isso inunda e permeia o setting terapêutico para além do nosso controle e faz parte da natureza de uma atuação onde o principal instrumento de trabalho é o próprio terapeuta, incluindo sua subjetividade.

Assim, falarmos da curiosidade na clínica psicológica é uma forma de compreendermos que este é um recurso que não devemos perder de vista quando estamos dedicados ao atendimento e cuidado de outras pessoas.

Sabemos que o ser humano é curioso por natureza, uma vez que, desde o nascimento precisa explorar o mundo à sua volta a fim de apreender o maior número de informações necessárias à sobrevivência. Porém, com o passar dos anos passamos a ficar presos aos condicionamentos e nosso olhar pode perder a destreza em ver as coisas como elas realmente possam ser.

Rubem Alves, em seu livro “A arte de ser feliz” fala um pouco sobre essa questão e compara os olhos das crianças como baldes vazios de saber e prontos para ver. Já os olhos dos adultos são vistos como baldes cheios e que muitas vezes olham sem nada ver, perdendo a riqueza dos significados que o mundo pode abarcar.

Portanto, o olhar do adulto tende a unilateralização. E, como aponta Carlos Byington,

“quando nossa Consciência opera unilateralmente, ela pode separar a energia da matéria, a psique da natureza, o consciente do inconsciente, o subjetivo do objetivo e a mente do corpo. Assim fazendo, ela funciona com maior facilidade, mas o preço é a alienação que limita a percepção de que ela sempre está ligada às polaridades dentro do Todo”.

Desta forma, perceber as polaridades de maneira integrada num todo de significado para a comprensão dos significados dos sintomas é tarefa sine qua nom para o bom psicólogo clínico e, neste aspecto, a prática da curiosidade é indispensável para que isso possa acontecer.

É a curiosidade que diminui as chances de que o terapeuta, ao se deparar com uma experiência trazida por um paciente, acredite que já conheça seu significado por meio do conhecimento de vivências semelhantes de outros pacientes, pessoas de seu convívio ou das suas próprias. Afinal, é ela que leva o terapeuta a querer conhecer a singularidade do significado daquele acontecimento, pensamento, ideia, sentimentos, etc. para aquele paciente em específico e naquele momento da sua existência.

Um olhar curioso também nos afina na compreensão dos símbolos que podem estar atrelados aos sintomas, queixas e relatos trazidos pelos pacientes. Ela nos instiga, como verdadeiros detetives a buscar relações, a perguntar, a não se conformar com uma explicação puramente lógica e concreta, a ir a fundo na história pessoal e coletiva… enfim, a tudo àquilo que é fundamental para que o processo psicoterápico se desenvolva farovalmente.

Aliás, numa postura curiosa, a prática de perguntar ao invés de puramente interpretar e relacionar por conta própria passa a ser natural na atuação do psicólogo.

Assim, a curiosidade faz com que o terapeuta não fique conformado com visões parciais a respeito de algo, não se represando em uma teoria ou forma de pensamento, mas buscando novos paradigmas, e conhecimentos, alargando o aprendizado em relação ao mundo que o cerca. Um terapeuta curioso está sempre pronto para aprender e não se sentirá tão inseguro em errar e assumir lacunas em seu conhecimento.

Além disso, por saber que o fenômeno transferencial faz parte de qualquer relacionamento, o terapeuta curioso também irá ao encontro do seu autoconhecimento, buscando o que a relação com o paciente e sua história desperta em si mesmo. Estará focado não só ao conteúdo verbal do paciente, mas também em seus gestos e expressões. Atentará para as reações que o conteúdo trazido pelo paciente produzirão em seu corpo, em seu estado emocional e em sua psique. Buscará sua própria terapia pessoal e supervisão para enriquecer sua visão sobre o que se passa na relação terapêutica e, assim, percorrerá seu próprio caminho de autoconhecimento e ampliação da consciência.

O terapeuta curioso também desperta em seu paciente o desejo de se aprofundar em sua própria história e psiquismo, mostrando que essa exploração e uma visão menos redutivista e polarizada sobre sua vida pode levar a uma ampliação do seu mundo consciente, auxiliando em escolhas, decisões e na melhoria da qualidade de vida.

Portanto, façamos da curiosidade uma grande parceira na nossa prática clínica. Usada de maneira adequada ela nada terá a ver com uma postura mexiriqueira, mórbida ou invasiva mas, nos auxiliará a estar mais próximos da totalidade e de uma visão simbólica sobre o outro, sobre o mundo e sobre nós mesmos.

Marcela Bianco-Psique em Equilíbrio

 

O erro não é de quem confia, e sim de quem mente

O erro não é de quem confia, e sim de quem mente

A confiança é como uma ponte de cristal frágil e transparente que eleva as nossas vidas. É provável que você tenha levado muito tempo e muito esforço para construí-la, e por isso é tão apreciada.

Contudo, apesar de merecer tanto trabalho e trazer tanta felicidade, costuma ser destruída em apenas poucos segundos pelo nosso descuido, nossos egoísmos e nossas atitudes interessadas.

Quando um sentimento tão importante como a confiança se quebra, algo em nosso interior desfalece. Isto ocorre porque a mentira coloca em dúvida mil verdades, fazendo com que nos questionemos inclusive sobre as experiências que achávamos totalmente sinceras.

A mentira tem pernas muito curtas e os braços muito compridos

Mesmo que a mentira possa alcançar limites inesperados, a verdade sempre acaba aparecendo. Como costumamos dizer, é mais rápido pegar um mentiroso que um coxo, pois as suas palavras e os seus atos não se sustentam.

De qualquer forma, o fato de que tudo caia pelo seu próprio peso não quer dizer que a pancada não vá ser impactante e dolorosa. De fato, o normal é que ocorra precisamente o contrário e que a mentira e a traição acabem sendo um antes e um depois nas nossas vidas.

“Um pássaro pousado em uma árvore nunca tem medo de que um galho se rompa, porque a sua confiança não está no galho… E sim nas suas próprias asas…”

A responsabilidade de quem mente

É comum ouvir isso de “se traírem você uma vez é culpa do outro, mas se traírem você duas vezes, é culpa sua”. O fato é que esta afirmação tem muito de verdade em si, mas também é preciso olhá-la com cautela.

Ou seja, a ideia é que aprendamos com os nossos erros e que não os repitamos, mas em última instância, nunca deveríamos nos sentir culpados por sermos enganados.Como você vai se responsabilizar pelo que os outros fizerem? Isso é uma loucura.

Não obstante, é provável que isto tenha atormentado você mais de uma vez, fazendo se sentir estúpido por ter caído nas redes de alguém que “já estava dando na cara”. Neste sentido, é muito fácil ligar os fatos quando a casa já caiu e está fragmentada.

Não somos nem adivinhos, nem infalíveis. Além disso, os outros também não são perfeitos e em alguns casos é preciso pensar que as pessoas boas também cometem erros, de modo que também é preciso estar aberto a perdoar.

“Depois de um tempo você aprenderá que o sol queima se você se expuser demais. Aceitará inclusive que as pessoas boas possam lhe ferir alguma vez e você precisará perdoá-las. Você aprenderá que falar pode aliviar as dores da alma… descobrirá que leva anos construir a confiança e apenas alguns segundos para destruí-la e que você também poderá fazer coisas das quais se arrependerá o resto da vida”.

–William Shakespeare–

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A ferida emocional da traição

A ingratidão e a traição doem especialmente quando envolvem as pessoas que amamos e temos ao nosso redor, como os nossos cônjuges, nossos amigos ou as nossas famílias. Quando isto ocorre, começam a entrar em cena a raiva, a impotência e a ira, fazendo-nos sair dos nossos papéis.

Também é muito doloroso (e infelizmente muito comum) que alguém faça algo por nós esperando somente receber algo mais da nossa parte. Este tipo de traição quebra a nossa estrutura e afunda o nosso mundo emocional em um autêntico caos.
Contudo, mesmo que a traição doa profundamente no coração, não faz muito sentido mudar o seu jeito de ser por ter sido ferido, e passar a descontar em outras pessoas por vingança ou despeito.
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Por incrível que pareça, esta reação é bastante comum quando a “ferida emocional” está aberta e infeccionada. Do mesmo jeito, só porque alguém fez isso com você não faz sentido se vestir com uma armadura frente a todas as pessoas que o rodeiam. Basta proteger-se do traidor.

Como superar a mentira e a traição

A segurança, a franqueza, a sinceridade e a lealdade nas nossas relações são um pilar básico para manter o nosso crescimento. Contudo, as dúvidas, a desconfiança e a falsidade só nos prejudicam, nos queimam e nos envenenam.

Portanto, embora a desconfiança crave profundos espinhos em nosso interior, todos somos capazes de superá-la. É normal que frente a estas situações a dúvida cresça e, com ela, a desconfiança, mas isto não deve representar uma oportunidade para desconfiar dos outros.

Ou seja, dado que é provável que nos encontremos nesta situação tão indesejável mais de uma vez, é preciso entender que é uma oportunidade para crescer como pessoa e escolher melhor as pessoas que nos rodeiam.
Fonte indicada: A Mente é Maravilhosa

A nossa falsa verdade- Goethe

A nossa falsa verdade- Goethe

Uma vez que em boa verdade os homens apenas se interessam pela sua opinião própria, qualquer indivíduo que queira apresentar uma dada opinião trata de olhar para um lado e para o outro à procura de meios que lhe permitam dar força à posição, sua ou alheia, que defende.

As pessoas servem-se da verdade quando ela lhes é útil, mas recorrem com retórica paixão à falsidade logo que se lhes depara o momento em que a podem usar para produzir a ilusão de um meio-argumento e dar assim, com uma manobra de diversão, a aparência de unificar aquilo que se apresenta como fragmentário.

A princípio, quando me apercebia de tais situações, ficava incomodado, depois passei a ficar perturbado, mas tudo isso suscita-me hoje um prazer malicioso. E prometi a mim mesmo que nunca mais volto a pôr a descoberto esse tipo de procedimentos.

Johann Wolfgang von Goethe, in “Máximas e Reflexões”

Fonte indicada: Citador

O que eu desconheço, por Mario Sergio Cortella

O que eu desconheço, por Mario Sergio Cortella

Clarice Lispector, ucraniana que viveu no Brasil, foi uma das pessoas mais inteligentes na produção da literatura, da educação e da arte dentro da nossa história. Em um de seus textos, disse: “aquilo que eu ignoro é minha melhor parte”.

Aquilo que ainda não sei, aquilo que eu desconheço, é o melhor de mim. Não porque a ignorância precise ser elevada a um patamar superior, mas quando Clarice Lispector nos lembra isso, mostra que aquilo que eu ainda não sei é o meu território de renovação, de reinvenção, de crescimento, aquilo que me tira do “mesmo”, que me impede de ficar repetitivo.

O que eu ainda não sei revigora as possibilidades dos degraus futuros do conhecimento, à medida que alarga as minhas fronteiras de saber e indica um horizonte que pode ser vislumbrado e desejado.

Saber que não sabe muita coisa, saber que desconhece muita coisa ajuda a querer buscar esse conhecimento. E esse é um caminho que não termina, segue adiante na sua história, na sua formação, na sua educação permanente.

É necessário valorizar o que se desconhece, como lembrou Clarice Lispector.

Mario Sergio Cortella
(CORTELLA, Mario Sergio. O que eu desconheço. In: _____. Pensar bem nos faz bem!: 1.filosofia, religião, ciência e educação. São Paulo: Vozes/Ferraz & Cortella, 4. ed., 2014, p. 58.)

Asilo é coisa do passado: conheça a vila holandesa projetada para idosos com Alzheimer

Asilo é coisa do passado: conheça a vila holandesa projetada para idosos com Alzheimer

Weesp é um município dos Países Baixos e abriga um asilo bastante incomum. Na verdade, o nome asilo não cabe para o lugar que mais se parece com uma vila.

Hogeweyk é o nome da vila projetada especialmente para o cuidado de idosos com demência — especialmente demências degenerativas como o Alzheimer.

O lugar é realmente fantástico e já foi comparado com o filme O Show de Truman, porque por lá estão médicos, efermeiros e especialistas trabalhando para cuidar dos 152 residentes.

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Os residentes do Hogeweyk precisam de menos medicamentos

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Essa foi a primeira grande vantagem do lugar que me chamou atenção. Segundo o site Psychology Today, os residentes da vila são mais ativos que os residentes de asilos convencionais e também demandam menos remédios para controlar suas condições médicas.

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A vila foi criada com 23 casas especialmente projetadas para pessoas da terceira idade que sofrem de demência. O que também é bastante interessante é que os trabalhadores dão o máximo de privacidade e autonomia para os moradores.

Por lá tem supermercado, restaurante, bar e cinema.

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Ruas, praças, parques e jardins foram todos desenvolvidos para que os idosos pudessem transitar livremente sem grandes problemas. E é isso que eles fazem.

Os médicos e enfermeiros são instruídos para fazer da experiência dos idosos o mais próximo da realidade possível. Embora as condições de demência possam exigir grandes cuidados, são os próprios moradores que fazem as compras no supermercado e ajudam no preparo da comida em casa.

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Apenas os aspectos financeiros são deixados de lado por sua natureza mais complexa — não existe moeda no local e tudo está incluso no pacote que se paga para morar lá.

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Os cuidadores vestem roupas normais em vez de roupas clínicas e se encaixam perfeitamente nos papéis de vizinhos e empregados do lar. Eles também não corrigem quando os residentes decidem falar sobre suas memórias, seu passado e história. Todos os funcionários do lugar estão lá apenas para dar apoio a situação delicada dos idosos.

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Segundo The Atlantic:

“Os residentes são cuidados por 250 enfermeiros e especialistas em tempo integral e parcial, que vagueiam pela cidade e possuem uma infinidade de profissões na vila, como caixas de supermercado e atendentes.”

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Todas as imagens via  twistedsifter.com

Por Willian Binder, via Awebic

A Lenda da Matrioska – A boneca russa

A Lenda da Matrioska – A boneca russa

Era uma vez em virtuoso carpinteiro russo chamado Serguei, que ganhava a vida talhando belos objetos de madeira: instrumentos musicais, brinquedos… Todas as semanas, ele enfrentava o frio do bosque para buscar madeira e assim construir novos objetos. Uma certa manhã ao sair para recolher a madeira, ele encontrou o campo todo coberto de uma grossa capa de neve. A noite havia sido difícil. Ele rezou. Toda a madeira que ele encontrava no caminho estava úmida e só lhe servia para fazer fogo.

Abatido pelo cansaço, ele decidiu retornar à sua casa e tentar a sorte no dia seguinte. Quando ele estava dando meia volta, lhe chamou a atenção um tronco de madeira esplêndido, o mais belo que ele havia visto em sua vida. Rápido como um raio ele retornou ao seu estúdio, porém vários dias se passaram até ele decidir o que talhar. Finalmente, decidiu fazer uma preciosa boneca.

Era tão bonita, que decidiu não vendê-la para lhe fazer companhia. “Você se chamara Matrioska” disse ele à inerte figura. Cada manhã, ao levantar-se ele falava com sua companheira. “Bom dia, Matrioska” . Um dia, ela lhe respondeu: “Bom dia Serguei”. O carpinteiro se surpreendeu, porém ao invés de sentir medo ele se sentiu feliz por ter alguém com quem conversar.

Com o tempo, o carpinteiro percebeu que Matrioska estava triste e lhe perguntou o que estava acontecendo. Ela lhe respondeu que via que todo mundo tinha um filho ou filha e ela desejava ter um. “Terei que te abrir e isso será doloroso” – respondeu Serguei.  E ela disse: “Na vida, as coisas importantes requerem um pequeno sacrifício”. E sem pensar  duas vezes ele talhou uma réplica, menor e lhe chamou de Trioska. Ela já não se sentia mais sozinha.

O instinto maternal se apoderou também de Trioska e Serguei concordou que está também teria um filho, se chamaria Oska. Mas Oska também queria um decendente. O carpinteiro contou que dessa vez a madeira poderia originar uma boneca má. Oska não desistiu. Após pensar, ele talhou um boneco, bem pequeno e com bigode e lhe batizou de Ka. E o colocou em frente ao espelho e disse: “Você é um homem, não pode ter filhos!”

Então colocou Ka dentro de Oska. A Oska dentro da Trioska e a Trioska dentro da Matrioska. Um dia, misteriosamente, Matrioska desapareceu com toda sua família dentro. Serguei ficou desolado.

Fonte indicada: Isadoracln

Olhar o céu é a oração mais bonita que existe!

Olhar o céu é a oração mais bonita que existe!

De manhã, à tardinha, de noite, faça chuva, faça sol, olhar para o alto simplesmente, olhar assim, por nada, é um dos jeitos mais bonitos de rezar.

Não é preciso decorar palavra, não carece nenhum ritual, vestimenta adequada, instrumento solene. Basta respirar fundo e mirar o céu lá em cima.

Olhando para o alto, a gente fica pequenininho, humilde como deve ser. Quem avista o céu esquece o que deve esquecer e lembra o que é bom lembrar. De quando em vez, pôr os olhos no céu nos devolve os pés no chão.

A moça abre os braços, fixa um espaço entre as nuvens e o vento lhe invade as narinas, renova-lhe os pulmões, levanta sua saia, passa voando baixo por sua pele num carinho imenso e lhe traz de volta o perfume da pessoa amada que anda longe.

Namorando o azul da tardinha, o menino imaginoso faz perguntas, cria teses, visita mundos, sonha com o infinito pra lá do sol, inventa o tratado geográfico das nuvens. Aprende a ser feliz mesmo quando está sozinho, esperançoso de que o pai volte logo do trabalho enquanto vai gerando em si mesmo, cá de fora, o caçula que vai dentro da barriga da mãe. Seu irmãozinho que, para todos os efeitos, também virá do céu, no bico seguro de uma cegonha.

E os velhos? Ahh… os velhos quando olham para o céu se transformam em poesia. São poemas de pernas e braços, de tempo e vento e luz e saudade.

No jeito manso dos velhos, olhando para o céu eu também sinto saudade. Lembro de quando éramos só nós. Você e eu e os nossos, refugiados de todo absurdo do mundo, voltando para casa depois de uma viagem de carnaval. Nós e nosso banzo de casa, nossos sentimentos domésticos, nossa pia de boca aberta para a louça suja, nossa vida limpa, nossas lâmpadas elétricas fazendo a festa dos bichinhos de asas que voam em círculos como loucos funcionários públicos da noite, nossa poeira sobre os móveis, nosso tapete enrugado sob o sofá, nossos planos de ter uma planta, nossos sonhos de amor eterno, nosso dia depois do outro.

Assim, quietinhos aqui embaixo, espiando a beleza que vai lá em cima, dá na gente a impressão de que Deus nos cuida de lá. Ele há de nos notar divertido e emocionado, apreciando seus filhos que O procuram daqui em usufruto da vista, da vida e do chão que nos sustenta e nos permite, com a humildade que nos cabe, de vez em quando parar os pés e erguer as mãos para o alto em franca, simples e honesta gratidão.

Ave Maria! Olhar o céu, esse lugar imenso onde mora o Pai Nosso e todos os anjos e os santos, é a oração mais bonita que existe!

O “misterioso” caso de quem é deixado porque faz tudo pra agradar

O “misterioso” caso de quem é deixado porque faz tudo pra agradar

Estava tudo bem entre a gente. De repente você me deixou.

Eu não sei o que houve, apenas senti que você foi se afastando, foi ficando distante, diferente, ou melhor, indiferente. Eu fui me desesperando e o meu desespero acabou piorando as coisas. Queria te segurar e quanto mais eu lhe segurava mais você foi me escapando. Do dia para a noite me vi lutando contra uma correnteza que me levava; que te levava para longe de mim. E hoje eu me sinto vencida.

Naquele dia você não me atendeu, as suas respostas às mensagens que eu enviara foram  monossilábicas e demoravam cada vez mais a chegar. Cada tentativa de me aproximar, de fazer com que tudo voltasse a ser como era antes contribuíam para este tão conhecido final: deixaram-me de novo. Você me deixou. Você também me deixou.

No começo foi tudo tão bom, parecia que eu estava sonhando, era perfeito, eu finalmente havia encontrado a pessoa da minha vida. Eu busco incessantemente a pessoa da minha vida e a vida sempre me engana. A pessoa nunca chega, ou ela chega e vai embora. Eu te amava tanto, eu fazia tudo para agradar. Pensava em você o dia todo, tudo me lembrava de você, queira estar ao seu lado o tempo todo, queria lhe encher de mimos.

Sou perseguida desde criança por um medo de que as pessoas me deixem e, quando começo a sentir esta conhecida sensação, logo acontece. Já fui deixada muitas vezes, meus relacionamentos parecem ser amaldiçoados por uma profecia malévola. As pessoas me deixam, parecem se desencantar, parecem se cansar ou se atraem por algo que lhes desvia a atenção de mim e do nosso relacionamento. Eu me dedico tanto, faço tudo para agradar. O que há de errado nisso?

Olho para as pessoas e me pergunto como elas conseguem se relacionar. Como e porque conseguem conquistar manter relacionamentos duradouros enquanto eu, que os procuro incessantemente, todos os dias e que, quando encontro, me dedico inteiramente a eles acabo sempre me deparando com o abandono e a solidão.

 Inúmeras foram as vezes nas quais ouvi relatos como este e muitas foram também as vezes nas quais eu observei de perto histórias como esta acontecerem. Dentro e fora do consultório é bem comum ver a dor das pessoas quando são abandonadas por quem estava se relacionando afetivamente com elas. Embora o mundo hoje seja de relações líquidas como incessantemente disse Bauman em sua obra, ainda há bastante gente sofrendo quando se desencontra do outro. Ainda há muita gente se relacionando afetivamente trazendo consigo resquícios de desamparo e abandono adquiridos ainda em idade tenra.

A psicanálise mostra com clareza as ligações entre as vivências da primeira infância e adultos que protagonizam relatos como o que lhes trouxe. É preciso sim superar o modelo das nossas primeiras relações para que não sigamos repetindo os mesmos erros, os mesmos padrões. Não quero aqui restringir-me a uma única abordagem teórica. Eu poderia diagnosticar e sugerir terapêutica psicanalítica ou comportamental para a queixa acima. O mais importante é: torna-se preciso, ou melhor, imprescindível que nos conheçamos antes de desbravarmos o desconhecido de uma relação afetiva.

É preciso que sejamos sustentáculo de nós mesmos para podermos depois nos aproximarmos do outro para acrescentar, para trocar e não para exigir que o outro seja coadjuvante na nossa história e que siga o modelo de comportamento que nossa expectativa criou. Vejo muita gente buscar incessantemente ao outro e que, quando o encontra, passa a agir como se este outro fosse uma espécie de fantoche desprovido de vontades, de história, de direito ao tempo e ao espaço.

Imagina-se amando tanto que, de tanto amar, ao outro sufoca.

É preciso medir o quanto há nisso de amor e o quanto há nisso de desamparo e da busca pelo que irá tapar os buracos que ficaram abertos lá atrás. Só o autoconhecimento pode ajudar a aceitar e a superar os obstáculos emocionais que a vida impõe a todos nós. Só quem torna-se capaz de caminhar sozinho consegue conduzir a caminhada em parceria com leveza e sanidade. Só quem sustenta-se sozinho, em pé sobre o solo, sem ter que se escorar, que se apoiar no outro, consegue o equilíbrio necessário para estar ao lado de alguém sem tornar-se aversivo.

Muitas são as vezes nas quais observamos pessoas interessantes, inteligentes e de bom caráter presas neste círculo vicioso; colecionando abandonos e imaginando-se seres de pouca sorte ou vítimas do karma, da inveja e da vontade de deus. Pessoas que acreditam cegamente que a felicidade está no relacionamento afetivo e que se tornam desesperadas como os que estão prestes a se afogar, agarrando-se desesperadamente aos que aparecem para lhes salvar. O desespero pode acabar afundando ambos ou levar o outro a lhes abandonar ali, sob o risco de se afogar junto. Relacionamento afetivo não é salva-vidas de ninguém.

A calmaria é sempre propícia nos relacionamentos. O encanto, o respeito e principalmente o bom senso de não jogar no outro todas as nossas expectativas, carências, traumas e necessidades pode escrever uma linda história.

Imagem de capa: Zivica Kerkez/shutterstock

Nem os grandes amores resistem a uma pequena paciência.

Nem os grandes amores resistem a uma pequena paciência.

Encontrar o amor não é tão difícil, se comparado à árdua tarefa que consiste em mantermos acesa a chama afetiva que nos mantém juntos de quem amamos. Após o encontro amoroso, afinal, existe um longo caminho a ser percorrido, para que os sentimentos se fortaleçam e tornem a jornada conjunta repleta de cumplicidade e admiração mútua.

As pessoas vêm de universos diferentes, passaram por vivências próprias, sobreviveram a tempestades únicas e, de repente, precisam confrontar tudo o que são com alguém de fora, tentando harmonizar perspectivas na maioria das vezes dissonantes e distantes, em favor da necessidade de amarem e serem amadas. A paixão chega, arrebata e nos lança ao encontro de um mundo outro, no qual mergulharemos às cegas, a fim de saciarmos a fome de amor que é tão nossa.

A convivência diária não é fácil, uma vez que o tempo nos mostra e nos desnuda em tudo o que somos, da mesma forma nos trazendo as verdades de quem está ali ao nosso lado, mesmo aquelas que nos incomodam. Infelizmente, poucos estão dispostos a enxergar, fora de si e em si mesmo, o que lhes retira da zona de conforto, o que lhes obriga a refletir sobre o que têm feito da vida. E o companheiro sempre será o espelho que reflete o que estamos ofertando, o tipo de amor que construímos ou desconstruímos diariamente.

E, se não nos permitirmos a entrega na totalidade que o amor requer, acabaremos fatalmente nos furtando de dedicar o mínimo de nós mesmos ao outro, relegando-o ao vazio solitário de nossa presença incompleta. Não abriremos mão de nada, não ouviremos os sussurros sofridos ali ao lado, não olharemos fundo nos olhos que nos buscam em vão, não sentiremos as acelerações do coração que pulsa pertinho, não responderemos aos desejos, não tocaremos a pele, não daremos, enfim, importância a quem sempre esteve conosco.

E ninguém há de suportar o desprezo, a indiferença, a agressividade silenciosa e a companhia vazia de quem lhe prometera amar pelo resto da vida. O amor não aceita desaforo, não sobrevive de passado, tampouco se alimenta de esperanças unilaterais e de correspondência nula. Só amor, somente amar, apenas as lembranças do que já foi mas não é mais, nada disso será capaz de manter duas pessoas juntas. Porque o amor é, sim paciente, mas tem o limite exato da dignidade que nos sobra ao fim do dia. Nada mais do que isso.

Você é presa fácil para um abusador?

Você é presa fácil para um abusador?

Qualquer pessoa que interesse ou que convenha, fica na mira de sociopatas. Eles são atraídos por pessoa que possam fornecer-lhes suprimento narcísico. Seu pó de pirlimpimpim, cheio charme e bombardeamente de amor é poderoso e atrai a maioria das pessoas. Mas se você estiver com seu “radar anti-narc” funcionando, sairá ileso rapidamente, assim que perceber com quem está lidando.


Existem pessoas, porém, que, por suas características pessoais, são mais suscetíveis a serem presa fácil para um perturbado.

Então observe: Você, seja homem ou mulher, é uma pessoa:

Cuidadora?

Doadora?

Empática?

Otimista?

Generosa?

Sonhadora?

Idealizadora?

Romântica?

Independente?

Solitária?

Bem sucedida?

Cheia de vida?

Sente-se facilmente culpada?

Tem dificuldade para dizer NÃO?

Tem dificuldade para impor limites?

Confiável e que confia facilmente?

Atraente, mas insegura?

Tem problemas de autoestima?

Está fora de uma relação estável?

Estável financeiramente?

Com boas aspirações para o futuro?

Mora só ou com filhos pequenos?

Acredita no bem da humanidade?

Querida pelos amigos e familiares?

Comprometida com sua palavra?

Teve a figura materna ou paterna emocionalmente ausente?

Se você respondeu sim para um número importante destas características, você pode ser uma presa fácil para sociopatas e abusadores em geral. Eles buscam em você aquilo eles não possuem e desejam para si, incluindo coisas materiais, mas não somente. Sua energia, seu sorriso, sua generosidade e empatia são coisas que eles desejam tomar de você. E com pouquíssimo tempo, conseguirão. Depois que você tiver dado o que tem e perdido seu brilho, você será LIXO DESCARTÁVEL.

Mas atenção! Esses perfis abusivos não largam de sua presa fácil e lançam mão de promessas e mímicas de bons comportamentos para que você não se distancie antes que eles “terminem o trabalho”.

Espere. Talvez você esteja dizendo para si mesmo “ah, mas sou eu que sempre vou atrás quando terminamos”. Bem, pense duas vezes. Sociopatas e abusadores em geral são experts em manipular de modo que VOCÊ se movimente para voltar. Se você não o faz, logo passam a stalkear e a fazer promessas de amor eterno, vitimizando-se, dizendo-se abandonados, arrependidos ou inculcando-lhe culpa.

Quando nada disso funciona, passam a desfilar seus novas alvos diante de seus olhos, propagando uma felicidade aparente que, se sua memória estiver boa, vai saber que não é real. Fazem isso na esperança de fazer você pensar “no que está perdendo” e que talvez o problema esteja em você.

Portanto, mantenha essa informação em mente e fique alerta. Eduque-se e ao primeiro sinal de abuso, saia por uma porta que não seja possível abrir atrás de você. Feche a porta de entrada desses tipos em sua vida, e se já estiver com um, feche o portal de comunicação entre vocês AGORA e PRESERVE-SE!

CONTATO ZERO é o nome desse jogo, se você quiser vencê-lo.

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A morte de Ivan Ilitch e a queda da máscara existencial

A morte de Ivan Ilitch e a queda da máscara existencial

Já dizia o poeta que a morte é o único mal que não pode ser remediado. Outros podem dizer que a morte é a última fronteira. E alguns dirão que a morte é apenas a libertação da alma. Fato é que ela, de um jeito ou de outro, amedronta. Para Ivan Ilitch, não foi diferente.

A novela de Tolstói é uma obra que fascina, por tratar de um dos temas mais importantes da história do pensamento humano, a saber, a morte. A vida de Ivan é definida, logo no início da obra, como uma das mais simples, mais comuns e, portanto, mais terríveis.

Essa definição é primordial, pois o medo da morte nos coloca num ponto de introspecção, em que refletimos sobre nossa vida e se esta valeu a pena. Sendo assim, inicialmente já se percebe que a vida do protagonista não foi bem vivida como o próprio acreditava.
Ivan Ilitch era um sujeito pragmático e racional. Desse modo, levava sua vida segundo um princípio básico: viver de maneira leve, agradável e decente. Qualquer coisa que atrapalhasse essa ordem lógica era um entrave ao que Ivan acreditava ser felicidade. Como racionalista, as suas alegrias vinham de pontos bem específicos:

“A alegria que Ivan Ilitch encontrava no trabalho era a alegria da ambição; as alegrias da vida social eram as da vaidade; mas as verdadeiras alegrias era proporcionadas pelo uíste.”

Fica claro que as alegrias começam e terminam em Ivan Ilitch, o que demonstra o seu egoísmo, mas, ao ver do protagonista, condizem com uma vida decente. Em verdade, não condizem, contudo, ao longo da vida, cada indivíduo cria uma definição de si mesmo, a qual se busca manter como uma espécie de auto-crença. Montaigne nos diz que: “A vida vivida ao longo da vida, é um teatro de simulações, onde somos, em grande medida, escravizados por aquilo que acreditamos que somos!”.

Essa máscara existencial, a qual Ivan Ilitch usava, só começa a ser percebida a partir da sua doença, pois é somente no instante da morte que podemos julgar toda uma vida. Assim, é a doença que permite, ao protagonista, olhar para dentro de si criticamente.
O medo da morte o faz perceber a finitude da vida, logo ele, que entendia fim com apenas um sentido, qual seja, finalidade. De modo que procurou viver de forma racional em tudo o que fazia. Nietzsche já advertia que é muito ingênuo acreditar que as coisas só podem resolver-se pela lógica. E, assim, a morte (tão ilógica) é o estopim da  mudança na cosmovisão de Ivan Ilitch.

Essa mudança acontece, pois o medo da morte o fez perceber o teatro que o cercava, que, por trás do requinte, escondiam-se mentiras, as quais eram mantidas pela “decência” que ele defendeu por toda uma vida. E eram essas mentiras que alimentavam a dor moral de Ilitch.

“O que mais fazia Ilitch sofrer era a mentira, aquela mentira aceita por todos.”

Ilitch se viu impotente em relação à morte, uma vez que a morte é toda relação que apequena, entristece, tira a potência (Espinosa). Assim sendo, à medida que as relações entristecem Ivan, este vai morrendo. Em outras palavras, o medo é uma queda de potência determinada pela consciência, isto é, se Ivan tem medo da morte, é porque ele não viveu como deveria e, portanto, entristece-se ao saber que não viveu da forma decente como sempre acreditara.

“E ele começou a repassar na imaginação os melhores momentos da sua vida. Mas – coisa estranha! – tais momentos não lhe pareciam agora tão agradáveis como cuidava que fossem, salvo as primeiras recordações da infância.”

A doença que acabara com a decência da vida de Ivan foi a mesma que o fez perceber que a sua vida foi tão fútil e mesquinha quanto a dos outros. Ora, a doença mostrou-lhe que, até ali, a sua vida não fora decente, que ele era incapaz de colocar-se no lugar dos outros, de viver para alguém além de si mesmo, de criar laços. E, assim, via a falsidade nos olhos dos outros, enxergava, ao mesmo tempo, a própria falsidade da sua vida.

Ivan Ilitch percebe que, à medida que sua vida escoa, os momentos que viveu e, sobretudo, não viveu são irrecuperáveis. Percebe que a doença encontrou terreno farto para se reproduzir, pois tudo o que vivera não passava de mentiras, mentiras que agora o entristeciam e irrigavam o terreno da dor moral que sentia, fazendo esta ser muito maior do que a dor física que sentia.

“Quando entrou a repassar o período que gerava o atual Ivan Ilitch, tudo o que lhe parecera ser alegria se desmoronava ante seus olhos, reduzindo-se a algo desprezível e vil.”

A morte foi, para Ivan, uma libertação do teatro que o cercava, mas, ainda assim, o deixava impotente. A morte nos amedronta, faz querer fugir; fugir da verdade da morte, que mostra a nossa finitude e todas as redes de mentiras que tecem a vida social. Mas, acima de tudo, entristece ao próprio ser, que, ao deparar-se com a morte, percebe o quão vazia foi sua vida.

Assim, a boa vida não é aquela que se preocupa tão somente com a finalidade das coisas, mas com o término, pois é por ter um fim que a vida possui valor e devemos atribuir-lhe valor. Não como Ivan e sua monótona vida burocrática, mas com aquilo que nos permite olhar nos olhos do outro e enxergar que a vida, de fato, foi decente, que o amor se fez presente e que, quando se for, seja importante; não para a alta sociedade, mas para quem possa portá-lo dentro de si, como um pedacinho seu que continua vivo.

Encha de ternura os silêncios da sua vida

Encha de ternura os silêncios da sua vida

Muitas vezes caminhamos na vida com a expectativa de recebermos algum tipo de resposta ou retorno de algo ou alguém. Projetamos nossas ansiedades no outro, projetamos um sonho em uma empresa, projetamos uma euforia desmedida em um projeto e ele morre, sem que saibamos qual a razão disso.

Aquela mensagem não chega, o telefone não toca, o encontro não acontece, a entrevista de emprego não dá em nada, o projeto não é aprovado e nós nos deixamos então envolver por um silêncio que nos soterra com razões fatalistas.

O que não podemos esquecer é que esse silêncio guarda um mundo de suposições e cabe apenas a nós escolher as melhores para tudo, as mais otimistas e as mais gentis. Devemos lembrar que é muito provável que as reais razões para nossas expectativas frustradas nunca nos cheguem realmente. Então por que escolher o pior para explicar o inexplicável?

Quando estamos afoitos por uma resposta e não a recebemos, sempre pensamos que não fomos bons o suficiente para vivermos uma nova relação, que não tivemos a qualificação necessária para o emprego dos sonhos, que não encontramos em nós a ousadia necessária para conquistarmos a promoção esperada. Quase sempre nos culpamos pelas razões do mundo. Mas as razões do mundo são do mundo, não nossas!

É comum que imaginemos que se tivéssemos feito de outra forma as coisas teriam tomado outra direção. Se tivéssemos falado ou agido de outro jeito tudo seria diferente. Mas não é assim que o mundo funciona. Muitas palavras se perdem, e-mails e mensagens não são respondidos e projetos são engavetados sem razão. Não nos cabe a culpa, não nos cabe apontar o dedo para nosso nariz como se fôssemos os responsáveis por todas as mazelas mundiais.

Cada cabeça é uma sentença e provavelmente aquela pessoa especial não estava interessada em algo mais sério. Aquela empresa não tinha interesse em contratar funcionários depois do fim do estágio. Um projeto muitas vezes não se encaixa no perfil de um concurso. Isso não nos desmerece em nada, nós devemos seguir tentando.

Então quando formos pincelar os motivos pelas não respostas. Os motivos pelo que não foi, que nós possamos nos acolher com imensa ternura. Que possamos nos amar e resguardar o melhor que nos habita. Que o silêncio vindo de onde esperávamos uma resposta possa dizer o melhor de nós.

Que nós possamos deixar de lado nossos complexos e não usá-los como razão para tudo. Muitas vezes eles incomodam apenas a nós mesmos e não tiveram nada a ver com a razão das coisas não terem saído como desejamos.

Devemos fazer o nosso melhor, emprestar aos nossos sonhos nossa parte mais otimista, ofertar ao mundo o nosso lado mais amistoso. Não nos cabe desistir na primeira tentativa. Não nos cabe qualquer tipo de flagelação pelo que não foi. Nos cabe amar o nosso esforço, nos cabe dar colo às nossas expectativas e nos cabe corajosamente tentar e tentar.

E quando o silêncio nos soprar, mais cedo ou mais tarde, que nós possamos ouvir nele, em sussurro, as palavras mais amigáveis, as frases mais construtivas e as razões mais compreensivas. Que nós possamos deixar esse silêncio nos abraçar e nos confortar. Que nós possamos encontrar nele a paz de ser quem somos, sem ressentimentos ou pesares por isso.

Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.

Eu escolhi viver num mundo onde tudo é possível

Eu escolhi viver num mundo onde tudo é possível

É possível que alguém acredite no bom senso num mundo como o de hoje?

E na palavra de outro alguém? E nas intenções? Na vontade de fazer o certo?

Geralmente se acredita no que convém, no que parece mais com a verdade e senso de justiça que se conhece.

O mundo encolhe ou se expande no ritmo de cada respiração, de cada arquear de ombros ou dobra de joelhos.

Eu escolhi viver num mundo onde tudo é possível. Um mundo que me convém, que me permite olhar para tudo e me fixar somente no que me interessa, um mundo que eu não conheço mais pelos jornais, mas também não faço uso de suas notícias para vomitar revolta nem desesperança.

Escolhi o mundo que se relaciona comigo, que me oferece ferramentas para crescer, instrumentos para trabalhar. Não olho mais para o mundo distante que não faz parte da minha existência. Não quero entender de tudo, não preciso saber de tudo, não me interessam competições, gincanas, corridas. Só encararia a corrida contra o tempo, de tanto gostar do meu mundo, mas em briga perdida não se entra.

Eu escolhi o mundo de pessoas que olha profundamente nos olhos de seus semelhantes, de gente que se esforça para ser mais do que um espantalho enfeitado no milharal, que não tem medo de abrir mão de coisas em favor de pessoas, que coloca o dinheiro no seu devido lugar e que acredita que poder mesmo só tem que é livre!

No meu mundo, ninguém maltrata gente nem bicho.  Nesse mundo a gente troca fácil uma festa pomposa por aquela reunião barulhenta de amigos, com direito a confissões e gargalhadas até a barriga doer.

E que vai me condenar por escolher e decorar o meu mundo da forma como quero vê-lo? Mais fácil batalhar essa utopia do que tentar se enquadrar no mundo como ele é. Mais lucro mudar um milímetro de mundo, do que comprimir uma vida inteira no milímetro que conseguiu vislumbrar, de muito longe.

E só para terminar, no mundo que eu escolhi viver, há dor, sofrimento e morte. Mas, sendo nele tudo possível, é possível também que eu entenda que tudo isso é perfeitamente normal, não coisa de outro mundo.

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