Distraído, não. Estou atento ao que me interessa.

Distraído, não. Estou atento ao que me interessa.

Ahh… minha Mãe, segura nossa mão. Tem dias em que só assim. Aquela moça, sabe? Aquela moça amiga nossa, aquela que namora outra mulher, deixou a casa dos pais. A mãe a expulsou. A mãe. Não foi o pai, não foi o irmão mais velho. Foi a mãe. A mãe botou a própria filha na rua.

Aqui pertinho, um sujeito com o coração cheio de ódio passou a mão numa faca e machucou de morte um cachorro sem dono, um vira-latinha. Disse que o bicho tinha mordido o gato da filha dele e então resolveu fazer vingança. A Senhora veja se pode um negócio desse, minha Mãe! Cá entre nós, o que será que essa menina, uma criança aprendendo a dar amor a um animalzinho, vai compreender da vida assistindo à fúria vingativa do pai?

Nossa Senhora! Tem coisa que deixa a gente numa tristeza só. Um amigo me conta que na cidade dele, naquelas horas em que o povo sai do trabalho de cabeça quente, uma mulher de idade reclamou no ônibus com duas moças na casa dos vinte anos: elas estavam sentadas nos assentos reservados aos mais velhos. Pois não foi que as duas, cheias de saúde e de coragem, levantaram e estapearam a velhinha?

Eu fico aqui pensando essas coisas e vem alguém me chamar a atenção. Diz que eu sou um sujeito “distraído”. Não é má pessoa, não. Ela só não sabe que eu estou atento é em outras coisas. Minha atenção é incapaz de assumir duas tarefas ao mesmo tempo. Faz o que dá. Então esse meu jeito grave de olhar o nada até parece alheamento. E é exatamente isso. Eu vivo alheio ao que não me interessa.

Ligo não. Quase sempre não dou a mínima. Mas de vez em quando aparecem os donos da verdade e, Vixe Maria, essa gente me cansa. Ô mania de achar que os outros, todos os outros, são obrigados a ter os mesmos e exatos interesses que os deles, minha Mãe!

Para esse gente, destoar é proibido, estar alheio é ofensivo. E é tão engraçado como as pessoas carecidas de atenção sejam tão afeitas a julgar as “distraídas”!

É como se elas dissessem “fulana é distraída, nunca ouve quando eu falo”. Ai, quanto drama! É que ninguém é obrigado a estar atento o tempo todo a todo mundo, sabe? Uma coisa é se distrair no trânsito, ao volante, picando cebola, manejando um moedor de carne, regendo uma orquestra, digitando os números de um código de barras, operando um apêndice, andando na corda bamba sem uma rede lá embaixo. Aí precisa se concentrar, não pode se distrair. Nessas horas tem de prestar atenção. Outra coisa diferente é o direito de cada um se ensimesmar quando pode, ficar na sua, olhar para o nada e pensar somente no que lhe interesse. Será isso pedir demais, Virgem Santa?

Confesso: sou pessoa distraída. Mas essa é só a opinião de quem não tem a minha atenção. E a minha atenção agora anda focada em tanta, tanta coisa. Penso na moça amiga que a mãe expulsou de casa. E me alegra a notícia de que uma tia dela muito atenta a acolheu com amor. Penso no cidadão sem dó que esfaqueou um cachorro da rua. E me alivia o fato de que uma boa gente se reuniu e cuidou do bichinho machucado. Penso na velhinha que apanhou no ônibus, minha Mãe, ela que podia ser a minha própria mãezinha! E me acalma saber que o motorista, o cobrador e os passageiros de bem saíram em sua defesa e agora ela vai bem, recuperando-se do susto na companhia amorosa da família.

Penso nisso tudo com atenção. É tanta coisa para pensar! Então eu penso, penso e peço. Peço sem dó: rogai por nós, minha Mãe. Rogai por nós. Tem dias em que só assim. Tem dias em que só assim…

Fique atento aos sinais- Aline Andrade

Fique atento aos sinais- Aline Andrade

Por Aline Andrade

    Meus caros amigos, a vida é efêmera!

Vivemos em tempos que tudo ocorre a uma velocidade extremamente rápida, seja por avanços tecnológicos ou por nossos próprios anseios. Somos a geração dos impacientes, queremos que tudo aconteça rápido ou a sociedade nos cobra para buscarmos mais e mais a cada dia. Mal saímos do colegial já somos, em uma grande maioria, encaminhados para buscarmos um curso, uma faculdade e por aí vai, em uma fração tão rápida de tempo já nos formamos, buscamos um bom emprego depois seguimos anseios de casar ou não, ter filhos ou não.

Uma sociedade de relacionamentos líquidos a qual nos entregamos a esse ritmo frenético das coisas e mal temos tempo para um café, uma boa conversa, um encontro com aquele velho e bom amigo. Muitos de nós, às vezes nem observamos o que está ao nosso redor, no nosso dia a dia, quiçá as pessoas com quem cruzamos em uma caminhada, ou ida em algum lugar. Estamos voltados para o nosso ego e nossos afazeres.

Com isso deixamos para trás coisas simples e que fazem extrema diferença, como um bom dia, um obrigado, parar e olhar o pôr-do-sol, a lua, toda a simplicidade do mundo a nossa volta. Vivemos preocupados com o futuro e com recortes nostálgicos do passado, talvez isso explique a famosa “geração Prozac e Rivotril”, que necessita de doses anestésicas diárias para conseguir suportar o presente.

Já dizia Vinícius de Moraes em seu samba lindo, “a vida é pra valer, a vida é pra levar”, e a vida é agora e feita de momentos, a vida é evolução, amor, altruísmo, é dar e receber. Nos deparamos com sinais que nos mostram o quão simples e bom pode ser a vida…

Por isso, fique atento aos sinais!

Sobre a autoria:

 Aline Andrade, 23 anos, estudante de Direito,

 apaixonada pela simplicidade da vida, arte e poesia.

Alice no pais das maravilhas e os tiranos do dia a dia- Carla Acácio

Alice no pais das maravilhas e os tiranos do dia a dia- Carla Acácio

Por Carla Acácio

Baseado no diálogo da Alice com a Rainha de Copas. :

 

Alice: Eu estava tentando encontrar o meu caminho…

Rainha de copas: Seu caminho???? Todos os caminhos são meus caminhos 

(e se vc discorda então cortem lhe a cabeça!!!)

A Rainha vermelha representa o tirano na história da Alice. Enquanto Alice que está perdida por aí tenta encontrar o “seu caminho”, a rainha não permite que ninguém tenha um caminho próprio pra seguir pq todos os caminhos são dela. E cortem a cabeça de quem ousar discordar.

Todos temos um pouco de tirano em nós. Temos nossas convicções, vontade de estarmos certos e de que todas as pessoas do mundo concordem com nosso ponto de vista, até aí tudo bem o problema é se tornar um tirano na vida real que não aceita que as pessoas sejam livres pra terem suas próprias convicções e querer privá-las do direito de não concordar com vc. Querer puni-las por isso.

Temos hoje o caso do deputado da bancada evangélica Anderson Ferreira (PR-PE) que propõe 15 anos de cadeia pra qualquer mulher que abortar por microcefalia.

( estou impressionada por não ter pedido pra decapita-las )

Não é novidade que para a maioria dos evangélicos o aborto é pecado, essa ideia é baseada no conceito religioso de que o feto já tem uma alma a partir do momento da concepcão, de que ele já é um ser humano. Não é errado ter essa crença, porém ela é baseada na sua fé, existem diversos cientistas, médicos, etc, pessoas com propriedade científica que não compartilham da sua visão. Inclusive a ONU fez a recomendação de aborto em casos de microcefalia. A idéia de que o feto já é um ser humano não é uma verdade absoluta, uma criança já nascida sim, é um ser humano completo, não há quem discorde, o feto, há divergências meu caro. Isso te agrade ou não.

Nao se pode obrigar todas pessoas a andarem pelo seu caminho. Quem discorda tem seu embasamento pra isso. Não cortem-lhe as cabeças…
Criar leis com base na sua visão religiosa e moral sem considerar a pluralidade cultural do país e punir quem quer andar por caminhos diferentes dos seus dogmas, é tirania!

Em maior escala ainda temos os terroristas que chegam a fazer atentados, torturar e matar qualquer pessoas que não compartilhe das suas crenças.

Esses são casos extremos mas a verdade é que
Todos tem um pouco (ou muito) de tirano em si.

Devemos deixar cada um deve ser livre para percorrer o seu próprio caminho.
Sem passar por cima dos direitos dos outros.

Agora, deixando um pouco de lado os defeitos alheios e começando por onde podemos mudar mais facilmente:
Por nós mesmos
E ai vc já foi um tirano hoje?

Carla Acácio é formada em artes e trabalha como ilustradora

6 sinais alarmantes de que seu amor está morrendo

6 sinais alarmantes de que seu amor está morrendo

Por Stael F. Pedrosa Metzger

Quando um casal busca por uma terapia suas reclamações mais comuns apontam para desilusões, raiva e dor que devem ser cavadas para que se possa encontrar no fundo qualquer coisa de valor que possa ajudar o casal a encontrar a cura.

Os seis sinais mais alarmantes de uma relação que está morrendo podem estar relacionados abaixo:

1. Punição e escárnio

Quando a relação está realmente em apuros, os parceiros acusam um ao outro por qualquer erro que aconteça. Surge o jogo emocional da culpa e da exigência do “adequado arrependimento”. Quando não é atingido tal nível a punição e o escárnio se fazem presentes nas frases ditas um ao outro. Algumas podem soar como:

“É a terceira vez que você dorme no sofá, porque não diz logo que está me evitando?”

“Você fala como se fosse especialista em todos os assuntos… Quando foi mesmo que você leu um livro pela última vez?”

2. Dureza

Casais em crise não são delicados um com o outro. Seja qual tenha sido o nível de proximidade entre eles um dia, agora tudo se foi. Parecem vestir uma armadura de cinismo, amargura e pessimismo que os enrijece, prende e os deixa na defensiva o tempo todo. Alguns dos insultos mais comuns costumam surgir como:

“Claro que não me importo, de que adiantaria me importar?”

“Eu não vou me abrir para alguém que só faz me machucar…”

“Não estou mais ouvindo. Você é um idiota e sempre será!”

3. Rupturas não resolvidas

É normal que um casal tenha diferentes maneiras de ver a vida e de discordar sobre qualquer assunto. Os casais saudáveis usam essas diferenças como meio de se conhecerem mais, buscarem ver as coisas por outro ângulo e usar essas diferenças como complementos para uma relação mais rica e ampla. Os casais em crise costumam não resolver suas diferenças seja porque não sabem como fazê-lo ou estão mais interessados em “ganhar” uma discussão que ver o ponto de vista do outro. Eis as expressões mais comuns que as pessoas dizem quando estão presas a este tipo de comportamento:

“Eu não vou nem compartilhar tal assunto com você. Você não ouve mesmo…”

“Você só vê as coisas do seu ponto de vista.”

“Você é o dono da verdade. Está feliz por ganhar mais essa discussão?”

4. Domínio e controle

Quando os casais não vivem mais em parceria, as brigas tomam conta e eles parecem estar em contínua batalha pelo poder. Os comportamentos podem ser os mais absurdos como gritar, ser violento ou até sair de casa. São comuns as frases a seguir quando um casal está em plena luta para dar a última palavra:

“Quem lhe deixou tomar essa decisão? Deus?”

“Eu sei que estou certo e você não vai me convencer do contrário.”

“Ah, tá, você estragou tudo dessa vez, acha que vou lhe dar outra chance de pôr tudo a perder?”

“Eu estou assumindo o controle e não há nada que você possa fazer.”

5. Desconfiança

As desilusões, mágoas, desapontamentos podem quebrar a confiança, principalmente se são inesperadas, importantes e reincidentes. Vícios, traição, promessas não cumpridas destroem a segurança do parceiro e trazem a desconfiança para a relação. Exemplos de frases que mostram uma confiança minada:

“Eu queria contar, mas nunca consegui…”

“Eu sei que prometi que ficaria em casa esse fim de semana, mas eu não posso controlar meu chefe.”

“Será que eu tenho que dizer todos os dias que eu te amo? Isso cansa!”

“Vê se cresce, tá?”

6. Reclamações crônicas

Quando a crise está no ponto “morte iminente do amor” não há nada no parceiro que o outro goste ou apoie. Tudo é irritante, tudo cansa ou enoja. As reclamações têm sido constantes e em nada têm ajudado. Não há mudanças de comportamento em nenhum dos lados. As queixas constantes vão construindo um muro entre os parceiros. O amor que havia agora está enterrado embaixo de uma montanha de raiva, autoindulgência e vitimização.

Nesse cenário devastador, as frases cortantes e constantes são algo como:

“Quem quer faz, quem não quer encontra uma desculpa.”

“Eu falei para você não tentar consertar, agora estragou de vez…”

“Você devia aprender com seus erros e não ficar repetindo a mesma estupidez!”

Consertar uma relação nesse estado só é possível se ambos desejam reconciliar suas diferenças. Se estiverem dispostos a olharem de frente os problemas, reconhecerem o erro e voltarem ao rumo certo, então há esperança.

O primeiro passo é identificar qual comportamento tem feito maior estrago e começar por aí a desenrolar os fios da relação. Comece por um e irá encontrando os outros.

Fonte indicada: Família

                                                                Imagem de capa: Dean Drobot/shutterstock

Gosto das pessoas que oferecem luz mesmo que o dia esteja nublado

Gosto das pessoas que oferecem luz mesmo que o dia esteja nublado

Albert Einstein dizia que, na verdade, a escuridão não existe. Ele comentava que a escuridão nada mais é do que a ausência de luz, e isso é o que acontece às vezes em muitas das pessoas que nos rodeiam.

É difícil saber por que, mas todos nós temos amigos ou familiares que frente a qualquer situação complicada só trazem mais negativismo. São incapazes de apresentar estratégias, soluções e, muito menos, apoio.

Mas há pessoas tão íntegras que nem mesmo elas são conscientes da sua autenticidade. São a paz na tempestade, a companhia na sua solidão e força nas suas tristezas.

Todos também sabemos que estas pessoas não são muitas em nosso dia a dia. Amigos e familiares assim não preenchem os dedos de uma mão, e por isso é preciso se proteger de certa forma desses outros que só sabem pintar os nossos dias de cinza e as nossas esperanças de incertezas.

Convidamos você a refletir sobre isto, sugerindo, inclusive, que se você é uma dessas pessoas com luz própria, nunca deixe de brilhar.

As pessoas com luz própria, faróis para o nosso dia a dia

Qual o verdadeiro significado de uma pessoa com luz própria? Estaríamos caindo em uma vertente mais espiritual do que psicológica? Não é tão complicado defini-las e ainda menos reconhecê-las.

As pessoas com luz transmitem facilidade no trato e serenidade. Não são a luz no fim do túnel porque com elas não existem túneis, apenas caminhos de tranquilidade onde a vida parece mais fácil, onde tudo jaz em sutil equilíbrio.

Há muitos traços psicológicos facilmente identificáveis nesse tipo de perfil, e não estamos falando de magia. São pessoas comuns que vestem sorrisos cotidianos, que têm a palavra certa para o momento carente.

contioutra.com - Gosto das pessoas que oferecem luz mesmo que o dia esteja nublado

Não são pessoas que praticam esse positivismo arbitrário presenteando a todos um “não se preocupe, tudo dará certo”, de forma alguma.

Sabem estabelecer intimidade porque dispõem de uma grande empatia e equilíbrio interior. São positivas, mas é um positivismo prático baseado na estratégia e no equilíbrio.

Sabem quando são necessárias e também sabem abrir espaço. Não exigem, não pedem nada em troca. Quando estamos perto delas podemos ser nós mesmos. Sem pressões, sem ter que disfarçar e muito menos se justificar.

São pessoas que oferecem luz porque confortam, apesar de não darem solução a nossos problemas, que também não é o que lhes pedimos. Só precisamos que “estejam ali”, sem julgar, sem criticar, sem menosprezar.

Se é você quem oferece luz aos outros, nunca deixe de brilhar

É muito provável que você seja uma criatura de luz. Você ilumina os outros a cada dia desejando o melhor, e o faz de forma desinteressada porque é assim como você se sente bem. Porque é assim que você entende a vida e porque você não saberia fazê-lo de outra forma.

Se é você quem oferece apoio e esperança aos outros, você precisa agir com cautela. Há quem possa se aproximar de você de forma egoísta, para ganhar o seu calor e a sua integridade. Existem autênticos especialistas em apagar a luz dos outros com suas sombras…

Você precisa lembrar que se o seu jeito de ser e de sentir a vida é oferecendo apoio aos que lhe rodeiam, e vivendo a vida desde esse ponto de vista mais simples e humilde, você estará brilhando sempre com a sua luz própria.

Contudo, às vezes você também pode ficar esgotado.

– É fácil ver a luz na tempestade, mas às vezes quem está ao nosso lado pode rir disso. Podem chamá-lo de ingênuo, podem ironizar a sua nobreza rotulando você de frouxo, de ser a típica pessoa da qual os outros se aproveitam.

– Lembre-se mais uma vez do que dissemos no início, tomando como referência a frase de Einstein. A escuridão não existe, na verdade é falta de luz. Isto é, poderíamos dizer que não existe a maldade autêntica nas pessoas que cometem o erro de atacar a sua forma de ser.

– Em vez de maldade, ou escuridão, o que há é uma falta de inteligência emocional, de compreensão, de empatia e de estratégias pessoais.

– Se você brilha com a sua luz própria, não permita que outros a apaguem. Também não gaste toda a sua energia com quem não a merece.

Existem planetas frios e desertos que orbitam ao redor das estrelas esperando receber o seu calor. Ofereça-lhes a sua luz se você quiser, ou afaste-se se perceber que você perde a suas forças. Porque os seres de luz, apesar da sua grandiosidade, também podem ser muito frágeis…

Imagens cortesia de Sonia Koch, Pascal Campion.

Fonte indicada: A mente é maravilhosa

O que a Metamorfose de Kafka pode nos ensinar sobre direitos humanos

O que a Metamorfose de Kafka pode nos ensinar sobre direitos humanos

Por Monaliza Montinegro, via Justificando

“Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregório Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto.”
A metamorfose, Kafka [1]

A mensagem é dura. Mas, antes que interpretem mal, não é uma comparação. Eu sei que o parâmetro de Kafka para discutir um tema tão complexo incomoda.  Quem leu ” A metamorfose” sabe do que estou falando. Ele toca lá no fundo da nossa hipocrisia e abre uma carapuça de máscaras que usamos para nos proteger do que nos é diferente. Para quem não leu o livro, peço que continue o texto mesmo assim. Kafka tem muito a nos dizer.

O personagem principal dessa história é Gregório, que também poderia ser Maria (e por que não “Viviany Beleboni”? [2]). Na obra de Kafka, Gregório era um homem comum, um trabalhador, como muitos, em um labor que não satisfazia a sua felicidade, mas que muito servia para ajudar a sua família. Até que, em um dia como outro qualquer, o personagem falta ao trabalho. Sua ausência leva seu chefe até a sua casa. E lá acontece o encontro com a realidade aparentemente fria e assustadora, principalmente sob o ponto de vista de quem não consegue ver o invisível (a alma do ser, em sua dignidade). Quando ninguém da família teria aberto a porta do quarto de Gregório, o chefe provoca essa situação e, juntos, se deparam com um grande inseto, com descrições semelhantes a de uma barata.

Uma barata gigante? Não sei exatamente, porque o autor faz questão, em seu jogo de palavras, de deixar tal fato subentendido. Mas, com certeza, naquela narrativa, Gregório se sentia o mais assustador de todos os insetos. Então, a primeira reflexão: será essa também a dor de quem sente a rejeição em razão do que exterioriza? Não sei. Só sei que o fato do livro muito se assemelha à realidade de protagonistas do mundo real que por vezes agonizam na luta para tentar voltar à sua “condição natural”, em um conflito claro entre o ser e as imposições sociais.

A temática de “A metamorfose”, na interpretação através dos olhos de quem lê, muito mais fala de um indivíduo isolado do seu meio, despido de sua “humanidade”, heterodeterminado pelas condições sociais, visto por outros como um inseto, em meio em que só se aceita quem é igual, do que sobre uma mera transformação genética.

 A Dignidade da Pessoa Humana

No estilo “kafkiano” de escrever, o autor haure, através de metáforas, a denúncia sobre as graves violações ocorridas à Dignidade da Pessoa Humana. O livro “A Metamorfose” nos mostra um indivíduo excluído do sistema de relações humanas, subtraído da qualidade inerente à sua personalidade, sem autonomia e autodeterminação. Um indivíduo do qual furtaram a própria dignidade. Dentro dessa noção é possível captar a mensagem que diferencia os conceitos de isolamento e solidão bem delineados no pensamento de Hannah Arendt [3]:

 “O que chamamos de isolamento na esfera política é chamado de solidão na esfera dos contatos sociais. Isolamento e solidão não são a mesma coisa. Posso estar isolado – isto é, numa situação em que não posso agir porque não há ninguém para agir comigo – sem que esteja solitário – isto é, numa situação em que, como pessoa, me sinto completamente abandonado por toda companhia humana – sem estar isolado.”

A par da “forma (des)humana” apresentada pelo livro ao leitor, retira-se dessa noção o reflexo da intolerância à quebra de padrões. A figura vista como um inseto, quando associada à mudança no movimento e na fala e o incômodo que esta ocasiona, é apenas uma característica física que representa uma sobreposição do exterior em detrimento do interior. Na narrativa, a família, que antes vivia uma relação afetuosa com Gregório, sobretudo em razão da comodidade financeira que esse proporcionava, descobre em sua transfiguração exterior a razão para transformar todo aquele afeto em vergonha, pena e muitas vezes até de raiva.

Até mesmo a misericórdia ou compaixão externada no início do livro, através da criatura até então considerada mais dócil no ciclo do protagonista, a sua irmã caçula, não se apresenta de forma pura. Vem carregada do sentimento de não aceitação. Eis que, ao aproximar-se dele com o objetivo de alimentá-lo, o faz com  a ojeriza à sua exteriorização atual e com esperanças de que o irmão volte à condição humana, chegando ao extremo de provocar sua própria morte, através da dor psicológica e da debilidade física impregnada nele por aquela situação:

“– Ele tem que ir embora! – gritou a irmã. – É o único jeito, pai. O senhor precisa se desfazer da ideia de que aquilo é Gregor. Acreditar nisso, durante tanto tempo, tem sido a nossa desgraça. Como pode ser Gregor? Se fosse, há muito tempo teria percebido que seres humanos não podem viver com um bicho como aquele. E teria partido por conta própria” (KAFKA, 2001, p. 70-71).

Por óbvio, a abordagem do autor não se restringe a crítica ao padrão estético. Vai para além dos interesses que pautam a convivência humana. Incorre na dificuldade humana diante de uma situação de conflito com os padrões sociais e os retornos que esses padrões oferecem.

A Dignidade da Pessoa Humana X Direito à Autodeterminação do Indivíduo

Nesse ponto da estória, vem a calhar a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948, que, em seu artigo 1º, prevê: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade”.

Kafka, então, nos propõe a noção da disparidade entre o considerado humano e o considerado inumano.  Quanto mais próximo do “humano”, mais merecedor de direitos, em um tênue limite social entre o digno e o não-digno, o aceito e o não-aceito, o credor da tutela estatal, digno do respeito social ou não, o merecedor da cruz e aquele que não pode tocá-la. Somos forçados a concluir que a dignidade da pessoa humana caminha entre o amor divino, no respeito ao seu semelhante, e o escarnio da condenação social do seu dessemelhante ao fogo das amarguras eternas.

Nesse contexto, resta óbvio que a noção abstencionista de Estado, no sentido de que esse deve se abster na heterodeterminação dos indivíduos, embora necessária, nunca se fez suficiente para a promoção da autonomia individual. Assim como a noção de igualdade formal nunca foi suficiente para promover a paz social.

Não basta, portanto, que seja consignada a razão pela qual os seres humanos nasçam “livres e iguais”. Numa rápida alusão à “Teoria dos Quatro Status” de Georg Jellinek, a relação do indivíduo com o Estado só se fará completa se houverem status passivos, ativos, negativos e positivos. Faz-se imperativo que o Estado possa oferecer meios para que todos possam se sentir humanos em sua noção individual. Essa é a razão do Estado Democrático de Direito: construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I da CF), sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3, IV da CF).

Nesse sentido, o Estado aparece como promotor da autodeterminação dos indivíduos. De nada vale a sua abstenção se dela não resultar direitos concretizáveis. Assim, o direito à busca pela felicidade não se resume à ausência de intervenção estatal na intimidade individual, mas tem relação direta com oferta de meios para que o indivíduo possa buscar a sua felicidade plena.

A dignidade da pessoa humana, portanto, é a intrínseca necessidade do indivíduo  em autoafirmar-se em sua individualidade, diferenciando-se dos outros para ser reconhecido por ser quem é, o que, paradoxalmente, ocorre a medida em que todos se igualam entre si, algo que pode ser bem ilustrado naquilo que Boaventura definiu como “o direito a ser igual quando a diferença inferiorizar e o direito a ser diferente quando a igualdade descaracterizar”. [4]

Do Direito a Dispor do Próprio Corpo – Cirurgia de Redesignação de Sexo

O direito ao próprio corpo está disciplinado no art. 13 do Código Civil. Embora completamente ultrapassada a referência aos bons costumes prevista nesse dispositivo, que choca diretamente com a noção de alteridade em sua razão ontológica, a cirurgia de redesignação de sexo aparece como corolário do direito à disposição do próprio corpo nele prevista.

Somando-se esse fato ao direito à saúde, que compreende o bem-estar físico e psíquico (art. 3º, p. único da Lei nº 8.080/90), a 3ª Turma do TRF 4, no ano de 2008, deu provimento a Ação Civil Pública impetrada pelo Ministério Público Federal, determinando que a cirurgia de redesignação sexual (CFM art. 6º, 1.955/10) passasse a ser fornecida pelo S.U.S., o que levou edição da Portaria nº 1.707 do Ministério da Saúde, em 2008,  possibilitando a oferta do procedimento.

Atualmente, apesar das dificuldades fáticas encontradas da implementação da cirurgia e da ausência de disposição legal específica, paulatinamente estão sendo conquistados direitos sobre a oferta de meios para que realizada a cirurgia de transgenitalização em sua melhor forma, tanto que já fora editada uma outra portaria disciplinando o assunto com direitos mais abrangentes, como por exemplo, a implantação de próteses de silicone. (Portaria nº 2.803/13 do Ministério da Saúde) [5]

O Direito a Utilização de Banheiros

Lamentavelmente, a lei, quando produzida, não abarca todas as situações cotidianas. Por essa razão, a confusão entre a sua literalidade com o conceito de justiça faz deixar de fora, por pura indiferença, situações que dizem respeito as minorias. Essa lacuna paira, hoje, sobre o direito a utilização de um banheiro condizente com a realidade psicológica dos transexuais, que, por isso, acabam submetidos as piores formas de abusos, muitas vezes por parte do poder público. Caminham, então, entre o limbo da aceitação, sendo muitas vezes expulsos de forma violenta de banheiros ora iguais, ora opostos, à sua realidade morfológica.

Tenho convicção de que em algum momento da história olharemos para esse estágio da humanidade com a tristeza de quem vê que foi preciso um indivíduo recorrer até o Supremo Tribunal Federal para ter o direito de utilizar um banheiro público.  E, com mais assombro ainda, perceberemos o fato de que, embora esse direito já conte com dois votos favoráveis, existem ministros, “guardiões da Constituição”, que hesitam em reconhecer uma prerrogativa básica, mas essencial, para a dignidade do transexual.

Parece que o óbvio jurídico não tem espaço onde há preconceito. A legalidade, em sentido amplo, como corolário da própria noção de Estado Democrático de Direito, assegura o direito aos cidadãos de atuar livremente na ausência de previsão legal.  Entender o contrário, exclusivamente por razões no preconceito, além de consistir em violação à dignidade da pessoa humana fere de morte a igualdade em sua forma mais primitiva, a igualdade formal.

Direito a Mudança no Registro Civil

Outro aspecto que padece de regulamentação legal, sobretudo porque a ausência de norma específica tem causado desconforto igualmente de grande repercussão, é a questão da modificação do registro civil em seu nome e gênero.

Sob esse aspecto, cabe mencionar que o nome, enquanto a razão para a identificação, é direito fundamental do indivíduo tanto que o Código Civil Brasileiro elevou o nome à categoria de direito de personalidade, destinando-lhe especial proteção (art. 16 e 18 do CC), uma vez que traz em sua essência o direito de ser diferente e individualizado. Assim, adequá-lo à realidade íntima é, paradoxalmente, o direito de se tornar igual em um aspecto no qual a diferença descaracteriza.

A Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), também conferindo especial proteção ao nome, permite em seu artigo 58 que seja substituído por apelidos públicos e notórios. No entanto, as diferenças entre o registro e a realidade social vão muito além da problemática dos apelidos públicos e notórios, transportando para  o “papel” o conflito ocasionado entre o princípio da imutabilidade do nome e a dignidade da pessoa humana, eis que a mesma lei que permite a alteração do nome em razão de apelidos notórios apresenta uma enorme lacuna no que se refere a alteração do registro civil em razão da transexualidade.

Foi visando preencher esse espaço que a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, conferindo uma interpretação conjunta aos artigos 55 e 58 da Lei de Registros Públicos, passou a reconhecer que o indivíduo que já passou por cirurgia de redesignação de sexo tem direito à alteração de seu prenome, substituindo-o pelo apelido público e notório pelo qual é conhecido no meio em que vive, com ressalva, inclusive, de não constar a alteração na certidão emitida. Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, “se o indivíduo já realizou a cirurgia e se o registro está em desconformidade com o mundo fenomênico, não há motivos para constar da certidão.”

Do Direito a Mudança no Gênero e Nome mesmo sem a Realização de Cirurgia de Redesignação de Sexo

Essa situação conflituosa, entretanto, perpassa a adequação no mundo fenomênico e o mundo civil, atingindo a esfera da personalidade, que fica comprometida quando condiciona a alteração do nome à realização da cirurgia de transgenitalização. Apresenta carga axiológica calcada nos direitos individuais, fundamentais e sociais, pois, o nome, enquanto atributo da autodeterminação individual, é um importante condicionante de seu bem-estar psíquico.

Portanto, é necessário compreender que condicionar esse direito à realização de uma cirurgia é aprisionar a sua essência do ser humano num golpe fatal à sua identidade, aprisionando seu espírito no que há de pior: a alma solitária em plena socialização.

Assim, vem à tona novamente os efeitos desastrosos ocasionados à saúde em razão da violação desse direito, que nada mais é do que um desdobramento do direito à saúde (artigo 3º da Lei nº 8.080/90), razão pela qual Conselho Nacional de Justiça/CNJ, durante a I Jornada de Direito à Saúde, editou dois enunciados consignando o direito do transexual alterar seu nome e o gênero constante no registro, independentemente da realização de cirurgia de transgenitalização, nas seguintes redações:

Enunciado 42. Quando comprovado o desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto,  resultando numa incongruência entre a identidade determinada pela anatomia de nascimento e a identidade sentida, a cirurgia de transgenitalização é dispensável para  a retificação de nome no registro civil.

Enunciado 43. É possível a retificação do sexo jurídico SEM a realização da cirurgia de transgenitalização. (g.n) [6]

Do Direito ao Esquecimento

Com a mudança do nome e do gênero no assento civil, nasce, portanto, um novo ser social. Um ser com vida própria, independentemente das pechas ditadas por elementos morais de uma maioria dominante. Parafraseando Fernando Pessoa, a recordação, nesse caso, passa a ser uma traição à natureza, porque a natureza de ontem não é natureza. O que foi não é nada.

Sob esse aspecto, cabe deixar bem claro que qualquer mudança protagonizada nesse sentido não deve constar no assento civil. O direito ao esquecimento, contemplado no Enunciado 531 do Conselho de Justiça Federal, [7] permite que a pessoa que conseguiu, finalmente, adequar a sua realidade psíquica à realidade social possa ter as razões anteriores apagadas completamente da sua história. “Antes o voo da ave, que passa e não deixa rasto,  que a passagem do animal, que fica lembrada no chão. ” (Fernando Pessoa) [8]

A Metamorfose e a Realidade Social, Psíquica e Morfológica

Retornamos, então, à obra de Kafka, para compreender que nem sempre a realidade psicológica se adequa à realidade social e, consequentemente, à realidade registral. Nem sempre a realidade biológica se coaduna com a realidade morfológica e nem sempre a realidade morfológica coincide com a realidade de gênero. São realidades distintas e independentes, para as quais, caso houvesse uma escala hierárquica entre elas, haveria de prevalecer o direito à personalidade individual, sob a conclusão de que dignidade da pessoa humana, enquanto valor intrínseco, deve se sobrepor à genética humana e aos valores morais e religiosos, quebrando as amarras darwinistas e rompendo com as amarras sociais.

Despontar tão duras amarras não deveria ser algo tão difícil, já que exige apenas nobres sentimentos, como o amor ao próximo, a tolerância ao diferente e o respeito ao que é essencial, parafraseando Antoine de Saint-Exupéry, respeito ao invisível aos olhos. [9]

As danosas amarras sociais, que impedem o processo de evolução humana, foram a razão para a metáfora utilizada nesse texto. Talvez, tenha sido extrema e exagerada. No entanto, longe de uma associação simplista, quis retratar o sofrimento ocasionado ao indivíduo que sente na pele a rejeição pelo que é, ou pelo gostaria de ser. A mutação está nos olhos de quem vê, porque quem o é, apenas exterioriza o que sente. E, aqui, aproveito a oportunidade para registrar o meu aplauso aos pais da menininha de 9 anos do Mato Grosso, que nasceu no corpo de um menino, e foram até a justiça buscar o direito da filha ser quem ela é, passando, desde já, pela transformação pretendida e necessária. [10]

É preciso quebrar de uma vez por todas o egocentrismo moral coletivo para reconstruir uma realidade social mais saudável, livre da interferência externa na busca pela felicidade individual. A intolerância social viola mais do que um indivíduo isolado: fere o pacto social de inclusão coletiva, com risco de morte do Estado Democrático de Direito, que urge por efetividade jurídica.


REFERÊNCIAS
[1] FRANZ, Kafka. A metamorfose. 14º ed. Tradução de Modesto Carone, Companhia das Letras, São Paulo, 1997
[2] Viviany Beleboni ficou nacionalmente conhecida após ter encenado uma crucificação na Parada LGBT de São Paulo, como forma de protesto contra a transfobia. A atriz foi repudiada nacionalmente, julgada e até esfaqueada depois do acontecimento. O jornal Globo chegou a divulgar a notícia da agressão de forma desconfiada, com a manchete “Viviany Beleboni diz ter sido esfaqueada em São Paulo”. Sobre o assunto, recomendo a leitura do texto de Roberto Tardelli: “A dor dessa gente não sai no jornal”. Disponível em: http://justificando.com/2015/08/11/a-dor-dessa-gente-nao-sai-no-jornal/ Acesso dia 12.02.2016
[3] ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo: Antissemitismo, Imperialismo e Totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. 8ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
[4] SANTOS, Boaventura de Sousa. (1997) Uma concepção multicultural de Direitos Humanos. Lua Nova Revista de Cultura e Política. Governo e Direitos – CEDEC
[5] Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2803_19_11_2013.html. Acesso em 12.02.2016
[6] Enunciados dos disponíveis em http://www.cnj.jus.br/images/eventos/I_jornada_forum_saude/enunciados_aprovados_jornada_direito_saude.pdf(acesso em 12.02.2016).
[7] Enunciado 531, aprovado durante a VI Jornada de Direito Civil, realizada em março deste ano pelo Centro de Estudos do Judiciário do Conselho da Justiça Federal (CJE/CJF): “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”. Disponível em http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias-do-cjf/2013/abril/enunciado-trata-do-direito-ao-esquecimento-na-sociedade-da-informacao (acesso dia 12.02.2016).
[8] “Antes o vôo da ave, que passa e não deixa rasto,
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve,
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.
A recordação é uma traição à Natureza,
Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!
(Alberto Caeiro, in “O Guardador de Rebanhos – Poema XLIII”
Heterónimo de Fernando Pessoa )]
[9] SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O pequeno príncipe. Rio de Janeiro, Editora Agir, 2009. Aquarelas do autor. 48ª edição / 49ª reimpressão. Tradução por Dom Marcos Barbosa.  93 páginas.
[10] Juiz autoriza mudança de gênero e nome para brasileira de 9 anos. Disponível em http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2016/02/juiz-autoriza-mudanca-de-genero-e-nome-para-brasileira-de-9-anos.html (Acesso dia 13.02.16)

Essa matéria foi publicada originalmente em nossa página parceira:

contioutra.com - O que a Metamorfose de Kafka pode nos ensinar sobre direitos humanos

 

Sobre a autora

contioutra.com - O que a Metamorfose de Kafka pode nos ensinar sobre direitos humanos

Monaliza Maelly Fernandes Montinegro é Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte; Analista do Seguro Social com formação em Direito; Aprovada no concurso da Defensoria Publica do Estado da Paraíba

Email: [email protected]

Saiba escolher suas batalhas para não perder a paz

Saiba escolher suas batalhas para não perder a paz

Quando temos o hábito de “não levar desaforo pra casa”, qualquer coisa se torna uma batalha. Se pedir uma pizza com calabresa por baixo e queijo por cima e vier o contrário, é uma tragédia.

Quem não sabe escolher suas batalhas, não sabe relevar um deslize, tem um “senso de justiça” tão aguçado que transforma o cotiano numa sucessão de batalhas inúteis, consumidoras de tempo e de energia.

Quem age assim, não sabe que o descontrole no trânsito, a atenção excessiva ao fato que alguém não ligou quando disse que ligaria, a raiva do garçon displicente, não são “brigas de qualidade”. A luta contra um câncer, a perda de um filho, a quebra financeira, são.

O problema é que não importa o tamanho, ambos os tipos de batalhas sugarão sua energia. Assim,  a um certo ponto da vida é preciso aprender a buscar mais calma, mais lucidez, mais discernimento para entender:

– Que cada um de nossos dias vem com uma quantidade limitada de energia e que é preciso consumí-la de forma inteligente, caso contrário chega-se ao final do dia extenuado, sem ter realizado nada e sem fôlego para aquilo que realmente requer seu esforço e preocupação.

– Que a vida nos apresenta inúmeras batalhas diárias e que é preciso escolher quais a gente quer lutar e quais ignorar, mas que o segredo está em escolher a cada dia menos delas, até o dia em que nenhuma será importante o suficiente a ponto de valer a sua paz interior.

O Aborto é o Roubo Infinito*

O Aborto é o Roubo Infinito*

Sou contra o aborto e a sua legalização. Isso posto, vou argumentar. Antes de qualquer coisa, devo esclarecer que sou a favor das causas feministas e acho que ser contra a legalização do aborto não me coloca contra elas. Ofereço, a partir daqui, um novo ângulo para repensar tudo isso.

O tema é inesgotável e acho que aprofundarmos qualquer discussão é sempre válido. Tentarei verbalizar parte do que penso. Espero contribuir para o debate trazendo novos questionamentos e novas reflexões para o tema que não vi mencionados, ao menos, nos textos que li. Estou aberta a mudar tudo o que aqui será escrito; desdizer, diria Guimarães Rosa. Mas peço que fundamentem e ataquem os pontos que serão colocados ou que venham com informações diferentes dessas que mencionarei para que cresçamos todas no tema.

Primeiramente, a minha posição, óbvio, nada tem a ver com religião. Não acredito em Deus e muito menos no Diabo.

Quero começar pela palavra “escolha” que está diretamente ligada ao verbete “liberdade”. Li muito antes de vir aqui expor a minha opinião. Em todos os textos, os argumentos a favor da legalização do aborto, sem exceção, a palavra “escolha” foi usada de forma deliberada como se esse conceito fosse algo trivial. O discurso de uma forma geral afirma que “a mulher tem direito de fazer o que quiser com o próprio corpo, tem o direito fazer suas próprias escolhas e viver como desejar, pois viver sem poder escolher não é nada mais nada menos do que transformar a vida numa prisão das circunstâncias.”

Ledo engano. Ao meu ver, nem mulher nem homem são livres para escolha alguma. Sequer a palavra “escolha” faz algum sentido se a analisarmos profundamente.

Pensemos…

Há grandes possibilidades de que as “nossas escolhas” não sejam exatamente nossas, mesmo quando temos total certeza de que as tenhamos tomado de forma consciente. Para começar, se acreditamos na ciência, que o universo é previsível e segue um conjunto determinado de regras, ou seja, que cada coisa no universo que temos observado até agora segue algumas diretrizes específicas e nada está isento da influência de forças externas, então, por que nós – os produtos do universo – estaríamos isentos de influências do ambiente? Como fundamentar o livre arbítrio, a vontade que causa algo mas não é causada, numa mente inserida num mundo físico onde nada quebra a regra da causa e efeito?

Se a Teoria da Relatividade estiver certa, passado, presente e futuro não passam de uma ilusão de nossa mente, como afirmou Einstein. Consequentemente, causa e efeito não fazem sentido já que a causa sempre precede o efeito e, por tabela, a palavra “escolha” cai por terra.

Ok. A ciência também pode ser um tremendo discurso romântico e subjetivo, mas trazê-la para a discussão nos permite perguntar se e quais forças externas desempenham algum papel na nossa tomada de decisões. E só pelo fato de flertar com a ciência sem sequer aprofundarmos em seus fundamentos já surge a dúvida: será que a razão pela qual a intuição nos diz que temos um livre-arbítrio não seria porque a nossa mente altamente limitada não consegue identificar todos os fatores que afetam a nossa “escolha”?

Se acreditarmos nas ideias levantadas por Freud, veremos que não agimos de forma livre mas sim conforme nossos impulsos e desejos inconscientes, como se fossemos reféns dos mesmos.  Desta forma, acreditamos estar agindo a todo instante conforme queremos e escolhemos sem notar que na verdade, estamos satisfazendo desejos que se encontram em nosso inconsciente. E vejamos como isso faz sentido: o que nos leva a consumir certos produtos, a trabalhar em certas atividades e a nos relacionar com determinadas pessoas? O quanto condicionamos nossos atos aos resultados que estes trarão? O quanto estes resultados que almejamos são construídos pelo meio social em que vivemos? Dito de uma outra forma: se um objeto lançado por nós tivesse consciência do seu movimento não poderia ele se julgar livre para perseverar nesse movimento na medida em que ignorasse por completo o impulso que demos a ele? Em que medida aquele que crê ser livre não é tal e qual uma pedra lançada ao vento que ignora a força que a impeliu?

Afinal, “o que, então, determina a minha vontade?”, perguntaria você. Eu não sei ao certo, mas se você acha que é você mesmo, perceba o quanto isso é incoerente: se é você que determina a vontade, isso significa pressupor um “você” de certa natureza que determina necessariamente a vontade. Dizer que “você” determinou sua vontade só faz algum sentido na defesa do livre arbítrio se “você” não é determinado por nada (ou por Deus). Porém, o que seria algo que não é determinado por nada (ou por uma força superior)? Complicado quando pensamos seriamente a respeito, não?

Ainda na esteira da ciência, pergunto-lhe: uma célula individual tem o livre-arbítrio? E uma bactéria, teria? Ou uma flor? E uma girafa, um cachorro ou um leão, por exemplo – será que eles têm livre-arbítrio? Em que ponto da nossa história, essa tão contraditória e ilusória ideia de liberdade para escolher apareceu em nós? E por quê? Em todas as culturas do planeta o livre-arbítrio é considerado como real? Por que na nossa cultura acreditamos e usamos deliberadamente a palavra “liberdade” que sequer é ponto pacífico a sua definição no mundo? O fato de a ideia da escolha vir associada a outra de julgamento não é por acaso: a última precisa da existência da primeira. Isso é algo simples de compreender, afinal, quais seriam as consequências para a sociedade, então, se descobríssemos que não existe livre arbítrio? Como a doutrina da condenação e salvação se sustentaria?

Entrando agora diretamente no tema, o que estão querendo quando defendem a legalização do aborto é mostrar que abortar não deve ser condenável. Na defesa da legalização, alguns argumentos se repetem:

Todos nós, que não somos hipócritas, sabemos que as mulheres mais ricas procuram boas clínicas e abortam em segurança. E todos nós, que não somos hipócritas, sabemos que são as mulheres mais pobres que morrem em procedimentos clandestinos, porque não têm dinheiro para pagar as boas clínicas.” – Eliane Brum

Aborto é de fato um problema complexo de saúde pública e a sua legalização é uma necessidade.  O sofrimento das mulheres e das famílias que vivenciam o abandono e a ausência do Estado quando precisam ou desejam abortar deve ser dimensionado por todos os atores públicos, se é que ocupam esta posição para defender os interesses públicos.” – Por que legalizar o aborto?, na Revista Carta Capital por Ana Maria Costa — publicado 28/09/2013

Ou seja, defende-se a legalização com o argumento que as mulheres pobres são as que mais sofrem com isso. Com a criminalização do aborto, as mulheres ricas vão para clínicas privadas, onde são muito bem tratadas, e as pobres são obrigadas a ir a lugares sem as mínimas condições necessárias. Logo, as ricas são bem cuidadas e as pobres sofrem risco de vida. Legalizar o aborto, portanto, implicaria em também proteger as mulheres pobres já que, sendo crime ou não, querendo todas abortam.

Li textos citando que nos  Estados Unidos, onde o aborto é legalizado, cerca de 4 em cada 5 mulheres que o requerem são negras ou latinas. Seria diferente por aqui no Brasil? Estamos defendendo o que afinal: a legalização do aborto ou uma limpeza social? Qual raça, coloquemos assim, que seria mais impedida de nascer quando o aborto for legalizado? Estamos protegendo as mulheres negras ou impedindo que negros nasçam?

No mais, por que as pesquisas mostrando o quanto o aborto prejudica o corpo da mulher, além dela também correr risco de morrer como em qualquer outra operação, não são explicitadas? Quem as está escondendo e por quê? Existe um aumento da probabilidade real da mulher após o aborto sofrer de problemas de ordem psicológica, ter um aborto natural em futuras gestações e desenvolver outras doenças mesmo tudo sendo feito, digamos, nas condições ideais. Ainda que alguns mencionem essas colocações, fazem-no como nota de página.

“Uma mulher não deveria gerar uma gravidez que não desejou, se uma mulher tomou todos os cuidados e usou os métodos contraceptivos, ao se ver vítima do destino, tendo uma gravidez indesejada deveria poder interromper a gravidez. Se não há dolo, não deve haver consequência.”

Por que não concentrar toda essa energia em intensificar os métodos de prevenção, as opções de encaminhamento para adoção e sobre as causas das mulheres abortarem?

Percebam que não há mais liberdade alguma e sim mais prisão. Estudos mostraram que muitas recorrem ao aborto, sejam elas brancas ou negras, com medo dos danos às suas reputações e muitas confessaram que a gravidez foi fruto de uma relação socialmente reprovada. Mais uma vez pergunto: em que medida essa mulher está fazendo uma “escolha” quando só lhe resta essa opção? Em que medida ser livre é agir por medo? O que mais é um instrumento de opressão aos direitos das mulheres: criminalizá-lo ou descriminalizá-lo?

Os dados sociais oferecidos por aqueles que são a favor da legalização do aborto falam que as mulheres estão iniciando a vida sexual cada vez mais cedo e, quando engravidam jovens, são obrigadas a perder toda a sua juventude para criar de uma criança que muitas vezes nem pai presente terá. A gravidez na adolescência compromete os estudos e a carreira da jovem. Se o aborto foi legalizado, essa mazela seria sanada. Pergunto: em que medida esse tipo de raciocínio contribui para que melhoremos como sociedade e como seres humanos?

Existe uma diferença entre ser a favor do aborto e ser a favor da legalização do aborto. Ser a favor de sua legalização não é ser a favor do aborto. Entendo isso. Mas ouvir que “não criminalizar o aborto não é incentivar sua prática”  e que “em países onde o aborto foi legalizado o número de abortos não aumentou efetivamente” não são coisas simples. Ambas colocações que vêm no sentido de proteger a mulher pobre e, vejam que interessante e paradoxal: quanto mais imaginamos um livre-arbítrio para escolher, mais nos tornamos escravos porque precisamos de regras que limitem, justifiquem e expliquem a liberdade.

Se uma pessoa perde a consciência, ou mantém a consciência e perde a sensibilidade de todo o resto do corpo, ou seja, fica tetraplégica, temos o direito de praticar a eutanásia? Dizer que o feto ainda não sente dor, ainda não tem sistema nervoso formado e nem cérebro, não justifica. Em muitos casos, fetos sobrevivem às várias tentativas de aborto, uma vez que antes de nascer, já existe algo que os faz “brigar” por suas próprias vidas. Dizer que a mulher pode fazer o que quiser com a vida dela não significa dizer que ela possa fazer o que quiser com a vida que carrega dentro de seu corpo. O. Feto não faz parte do corpo da mulher, ele não é um prolongamento do corpo da mulher, ele é um ser próprio que está instalado no corpo da mulher. Ele é um ser tal e qual alguém que teve morte cerebral ou ficou tetraplégico. De alguma forma, ele não pode se defender e se tirarmos a sua vida é uma vida que estamos tirando e isso significa matar sim senhor.

Não acho que “se o aborto for legalizado ninguém mais vai usar camisinha pois vai poder abortar“. Não acho possível que alguém ache que abortar é igual tirar um cravo. Entendo que, em certa medida, a criminalização do aborto pune apenas e exclusivamente mulheres já em situação de risco. Sei que mulheres ricas abortam e que elas só não morrem ou ficam inférteis por isso (ao menos não na maioria das vezes) porque o fazem em condições melhores. Ainda assim, elas sofrem em silêncio, muitas vezes sem apoio psicológico e passam a vida se sentindo criminosas pois não podem desabafar com praticamente ninguém.

Então, descriminalizar o aborto seria dar uma certa condição de igualdade para que todas as mulheres façam essa “escolha” e não se sintam criminosas – ainda que esse ato seja algo deplorável e digno de pena de quem vai ser submetido a ele. Aborto e legalização do aborto são coisas diferentes, nessa esteira, porque o primeiro significa ser a favor de envenenar fetos indefesos ou interromper uma vida que, dizem, ainda não tem sentido. O segundo é ser a favor de legalizar a primeira em algumas ou em todas a situações mesmo que se concorde que é um ato, literalmente, execrável.

Voltando a minha opinião de que escolhas não existem, perguntaria você: “se eu não posso escolher como posso ser julgado?” Justamente. Eu acho que essa ideia de ‘escolha’ leva diretamente a outras como de julgamento e moral que eu não aceito como objetivas e universais. Mas, continuaria você, se não há certo nem errado, matar, por exemplo, seria lícito? O aborto seria lícito? Se estou criticando a escolha, estou dizendo exatamente que quem mata não teve outra alternativa; o que não quer dizer que um assassino não deva ser condenado porque entendo que o ‘mal’ pode ser considerado como aquilo que prejudica o outro.

No caso da mulher, eu não estou querendo julgar ninguém. Pelo contrário. Quero acabar com esse julgamento sendo ou não legalizado o aborto. Acho, friso, que legalizar é, por um ângulo, fazer com que nós mulheres nos tornemos mais ainda submissas a uma sociedade machista pelos motivos pelos quais as  mulheres recorrem ao aborto. O ponto é que penso na mulher em si, no que a movimenta, no que a engrandece e a diminui e dispenso um critério exterior e moral para julgar as coisas.

Legalizar o aborto, penso eu, nos enfraquecerá e nos tirará muitas essências. Há muita coisa por detrás dessa discussão que não vi sendo colocado em nenhum dos textos feministas. Ou essas mulheres estão sendo muito ingênuas ou eu, realmente, ando vendo cabelo em ovo.

Compreendo, vale observar, que a liberdade da vontade não poder ser coerentemente pensada através de conceitos (uma vez que, em última instância sempre caímos ou no determinismo ou no acaso) não significa que sua possibilidade esteja negada. Mas não consigo desistir da ideia de que a metáfora da bifurcação e de caminhos escolhidos é uma invenção que só nos serve para nos gerar culpa e medo. No caso do aborto ser legalizado, essa metáfora do caminho fará parte da decisão (como já faz parte de todos os discursos) e eu não posso aceitar que isso fará que a mulher (ou o ser humano) esteja, de fato, pensando corretamente. Acho, sinceramente, que não estão nem pensando.

Se entendo que agi mal em uma situação é pelo fato de ter feito uma coisa de uma determinada maneira e ter tido um resultado ruim.  Neste caso, tentarei mudar, digamos, a química de meu corpo ou o meu modo de pensar para que eu seja capaz de agir de uma forma diferente quando submetida a uma situação similar. Isso vale para o aborto. A mulher quando engravida se ela se sente mal ou desprotegida ou apavorada… seria exatamente por quê? Se estamos querendo ser, digamos, iguais aos homens ou não sermos tão condenáveis assim por que defender a atitude de poder abortar e não atacamos o comportamento de todos que levam a mulher a ter essa atitude quando outras seriam possíveis (ainda que também nada fáceis) como o encaminhamento da criança para adoção?

Como disse no início, sou contra o aborto e a sua legalização. Acho, sinceramente, que isso só vai contribuir para que retrocedamos como seres humanos e seres pensantes. Se quero que a mulher viva melhor, eu desejo que nenhuma tenha que passar por isso.

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*Como disse Mário Quintana, o aborto não é, como dizem, simplesmente um assassinato. É um roubo… Nem pode haver roubo maior. Porque, ao malogrado nascituro, rouba-se-lhe este mundo, o céu, as estrelas, o universo, tudo! Fernando Sabido corrobora: “matar não é tão grave como impedir que alguém nasça, tirar a sua única oportunidade de ser“.

Foucault: a pena como manutenção do Estado

Foucault: a pena como manutenção do Estado

O Estado manipula as pessoas e, por conseguinte, a sociedade, de acordo com suas necessidades. Tudo é minimamente articulado, para que a ordem seja mantida e não haja indivíduos capazes de questionar o status quo. Nessa perspectiva, a criminalidade também pode ser analisada como um elemento de manutenção do Estado, sobretudo se analisarmos o poder punitivo. Michel Foucault nos diz muito sobre isso.

Na Idade Média, as penas estavam ligadas à alma, dado que se vivia numa época em que a religião era o centro norteador da vida. Dessa forma, ao cometer um crime, o indivíduo estaria em pecado, e, consequentemente, perderia a sua alma. O medo, assim, instaurava-se entre as pessoas, as quais estavam sob o jugo do pensamento da Igreja.

Com a modernidade e os Estados Absolutistas, essa lógica ainda se manteve, pois os reis eram vistos como deuses, de modo que, ao quebrar o pacto social estabelecido, o indivíduo estava desrespeitando o próprio deus, personificado na figura do rei. Há de se considerar que, embora se viva no mundo racional moderno, os resquícios da sociedade feudal extinguiram-se apenas com a dupla revolução burguesa do século XVIII, a saber, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial.

Quando, de fato, há uma superação do pensamento medieval, o corpo passa a ser valorizado e, portanto, matar ou torturar as pessoas, como era típico no suplício, torna-se uma prática que não se coaduna com a sociedade capitalista industrial, na qual se faz necessária a mão de obra.

Dessa maneira, o Estado busca adaptar o sistema punitivo à nova realidade social, logicamente, para atender aos interesses da burguesia, a qual, além do poder econômico, possui agora o poder político, de modo que pode adequar a sociedade a seus interesses de forma mais fácil. Surgem as prisões como conhecemos hoje, nas quais o delinquente cumpre a pena. A prisão é vista, então, como uma segunda escola para aqueles que não aprenderam de forma correta as regras de convivência e de obediência.

Foucault atenta para o fato de que, para o delinquente se ressocializar, é preciso que ele seja instruído, a fim de que possa ter condições mínimas de sobrevivência, ou seja, uma profissão na qual possa ser uma mão de obra útil, como também qualidade para participar da cidadania, da vida em comunidade e, assim, cumprir as regras impostas pelo pacto social.

A mudança paradigmática que se estabeleceu na pena deveu-se as necessidades sócio-históricas da época, para atender aos interesses da classe dominante. Passado algum tempo, chegamos ao mundo contemporâneo, chamado por muitos de pós-moderno, e novas necessidades sócio-históricas se estabelecem, de tal maneira que a prática punitiva ganha uma nova faceta.

Na modernidade líquida – como diz Bauman – vivemos sob o império da insegurança, inclusive do ponto de vista da criminalidade. Assim, o Estado passa a ser cada vez mais necessário, uma vez que ele deve prover a segurança, assim como a iniciativa privada, através dos condomínios fechados, segurança privada, shopping centers.

Há, portanto, uma insegurança institucionalizada, em que apenas o Estado e os poderosos da iniciativa privada se beneficiam (os quais não raramente são os mesmos). Para a elite, a insegurança é resolvida com os condomínios fechados e a segurança privada. O pobre não tem a mesma possibilidade e, assim, padece com a insegurança e a criminalidade (basta lembra que, nos confrontos entre a polícia e as facções criminosas na favela, são as pessoas de bem que mais sofrem as consequências).

Quanto maior a insegurança, mais necessário é o Estado. O acúmulo de riquezas por essa classe aumenta ainda mais as desigualdades sociais e, consequentemente, a criminalidade, pois não são dadas condições de paridade entre os indivíduos (isso não justifica, de forma absoluta, a criminalidade, já que ser pobre não implica ser criminoso, pois, se assim fosse, estabelecer-se-ia um determinismo, em que todo pobre é delinquente). O Estado não cumpre a sua função educadora, preventiva, apresentando-se apenas com a função curativa, repressora, a qual é muito mais mercadológica.

O indivíduo sem poder econômico e cultural não possui condições de escapar da insegurança. Pela falta do primeiro, não pode fugir para o mundo dos condomínios fechados e da segurança privada e, pela falta do segundo, não possui o discernimento necessário para entender o sistema no qual está envolvido (e é o principal prejudicado). Assim, clama de forma desesperada pela ingerência do Estado, para que se sinta seguro.

Sendo assim, a pena privativa de liberdade atende a interesses próprios dos dominantes que lucram com isso, além de institucionalizarem a insegurançan para que possam ser vistos como indispensáveis à sociedade. A aplicação desse sistema punitivo serve, portanto, para manter o regime ditatorial de uma democracia oligárquica, garantindo a exploração de muitos por poucos. Como diz Shecaira:

“A pena privativa de liberdade é a forma mais extrema de controle penal. É sabido que o regime penitenciário regula de modo minucioso todos momentos da vida do condenado, podendo despersonalizá-lo e convertê-lo num autômato. Essa pena tem um vínculo umbilical com o próprio Estado que a criou. A pena é um instrumento assecuratório do Estado, a reafirmação de sua existência, uma necessidade para a sua subsistência.”

Assim, o sistema punitivo que se aplica hoje, cheio de falhas e que não ressocializa o delinquente, sendo uma verdadeira escola do crime, é interessante para o próprio Estado e aos seus parceiros poderosos. Essa afirmação pode até ser paradoxal, e o é, mas, se o Estado implementasse um sistema efetivo, pelo qual diminuísse a criminalidade (e sabemos que a melhor maneira disso ser feito é por meio da educação, de forma preventiva), a sua função social diminuiria sensivelmente, pois quanto menor a desordem, menos se faz necessário o Estado.

Não quero dizer, com tudo isso, que a criminalidade é culpa do Estado, já que existe uma série de fatores que levam o sujeito a delinquir. Mas quero abrir o horizonte para a possibilidade (não sou o dono da verdade) de o Estado e a iniciativa privada, ou seja, os dominantes serem os principais beneficiários de um sistema punitivo que não recupera, tampouco ressocializa ninguém. Pelo contrário, devolvem o delinquente ainda pior para a sociedade, retroalimentando o crime.

O sistema, a fim de se manter, cria indivíduos incapazes de questionar, repetindo como meras máquinas o que lhes é passado, ou dito de outra forma:

“A disciplina faz funcionar um poder relacional que se auto-sustenta por seus próprios mecanismos e substitui o brilho das manifestações pelo jogo ininterrupto dos olhares calculados.”

Não contamine seu futuro com os erros do seu passado.

Não contamine seu futuro com os erros do seu passado.

Quando possível, ex-marido, ex-esposa, ex-namorado ou namorada, ex-amigo, ex- emprego, ex-qualquer-coisa-que-seja, devem permanecer enterrados bem lá atrás, apenas nos lembrando, quando em vez, de tudo aquilo que não queremos mais para nossas vidas, nunca mais.

Nossa jornada é pontuada por coisas e pessoas que foram e não são mais, pois, à medida que avançamos, ressignificamos o mundo lá fora e nos reinventamos, transformando dor em saudade, esperança em esquecimento, amor em nada mais. É assim que sobrevivemos, é assim que nos tornamos mais fortes, mais sábios e melhor preparados para atravessar por entre os barrancos que surgirão pelo caminho, sendo necessário, para tanto, superarmos o que já foi, olhando sempre adiante.

Esqueça aquela história de que será possível tudo voltar a ser como era antes, não se prenda a esperanças vãs de que conseguirá alcançar o tempo perdido, pois a vida segue seu curso sem olhar para trás e é assim que devemos também caminhar. Os tempos bons, tudo o que passou, aquilo que era, nada permanece, a não ser em nossas lembranças e dentro de nossos corações.

Da mesma forma, o que foi bom, mas não durou; o que parecia perfeito, porém desmoronou, e o que transmitia segurança, até que se desestabilizou, devem se tornar foco de motivação para que prossigamos procurando por novas estradas que apaguem aquilo que não deu certo. Prender-se aos insucessos, sob lamúrias e lamentações demoradas, não terá serventia, apenas contribuirá ao aumento da carga negativa que emperra o prosseguimento necessário de nosso respirar.

Logicamente, haverá sempre algo por que valerá a pena ainda lutar, seja um amor, uma amizade, uma convicção própria, porque muito do que parece terminado pode renascer ainda mais forte e verdadeiro após as tormentas devastadoras da vida. E, se prestarmos atenção em nossos sentidos e em nossos reais sentimentos, perceberemos o que possui real possibilidade de voltar à vida, de forma a nos trazer de volta dignidades e sonhos aparentemente perdidos.

Ainda assim, na maior parte das vezes, ex-marido, ex-esposa, ex-namorado ou namorada, ex-amigo, ex-emprego, ex-qualquer-coisa-que-seja, devem permanecer enterrados bem lá atrás, apenas nos lembrando, quando em vez, de tudo aquilo que não queremos mais para nossas vidas, nunca mais. Afinal, novas chances sempre surgem, todos os dias, assim que o sol desponta lá no horizonte de nossas vidas.

Atenção, sua sogra pode ser uma Jocasta

Atenção, sua sogra pode ser uma Jocasta

O termo Complexo de Jocasta foi proposto por Raymond de Saussure há quase cem anos e designa a ligação afetiva deturpada que algumas mães tem com seus filhos. Essa forma de amor pode variar desde a superproteção até fixações sexuais da mãe para com o filho.

Na mitologia grega Jocasta era filha de Meneceu e mulher de Laio, rei de Tebas, e com este teve um filho, Édipo. Posteriormente foi esposa de Édipo, sem saber que esse era seu filho, e mãe de seus quatro filhos.

É bastante comum encontrarmos esse complexo em uma mãe que não quer que seu filho cresça, pois isso significa provavelmente que ele se afastará dela, se tornando independente.

Uma certa tristeza ao notar os filhos saírem de casa é compreensível e não denota complexo algum, contudo o complexo aparece quando a mãe não percebe que o filho deve ter outros papeis na vida que não o de filho. Que ele deve crescer, ter uma vida social, ter êxito em sua área profissional, que ele provavelmente irá namorar, casar e ter filhos, assumindo assim outras posições na vida, posições que estão longe do domínio dela.

A mãe com esse complexo não aceita nenhuma das namoradas do filho, pois acredita que ela sabe o que é melhor para a vida dele, ou seja, mulher nenhuma atenderá as exigências dessa mãe, pois nenhuma será melhor que ela para o filho. Esse é também um tipo de mãe que não deixa que o filho assuma responsabilidades pelos seus atos.

A mãe Jocasta superprotege sua cria fazendo todas as suas vontades.

O resultado desse tipo de comportamento por parte de uma mãe é que provavelmente ela vai estar criando um filho que terá no futuro dificuldades para se tornar maduro e responsável. Não podemos esquecer que uma Jocasta sempre cria seu filho para que ele seja dependente, pois isso lhe dá poderes e perpetua seu domínio sobre ele.

Não é incomum que esse filho quando adulto se ache tremendamente especial, carregando consigo traços de narcisismo, esperando comumente ser servido, como se o mundo lhe devesse algo.

Quase sempre o relacionamento com um filho de uma Jocasta é bastante complicado, pois ele vai se ligar, quase sempre, primeiramente à mãe, que provavelmente vai interferir na relação. A esposa de um homem assim precisa tomar cuidado para que, ao notar o distanciamento do marido, não se volte para os filhos repetindo de forma inconsciente o comportamento da sogra.

Muitos dos filhos de uma mãe Jocasta, no entanto, permanecem solteiros, pois estar ao lado da mãe é algo bastante atrativo. Uma Jocasta joga com todas as suas fichas para manter o filho ao seu lado, minando os relacionamentos reais dele de forma quase proposital.

Mães Jocastas acreditam que os filhos têm com elas dívidas e os seduzem diariamente com milhares de agrados. Elas farão isso também com netos, se por ventura os tiverem.

Se sua sogra for uma Jocasta, provavelmente ela já deve ter tentado minar o seu relacionamento milhares de vezes, geralmente agindo de forma desrespeitosa com você.

O que é preciso nesse tipo de relacionamento é que o seu namorado ou marido tenha consciência que a mãe dele é detentora desse complexo. Ele deve ter plena noção de que ficar sob as asas dela é algo nocivo e não benéfico para ele. Também é importante que ele não divida com a mãe particularidades do relacionamento que só dizem respeito a vocês dois.

Por mais desgastante que esse embate se mostre é imprescindível que ele se posicione de forma a resguardar a integridade do relacionamento de vocês, impedindo que a sogra interfira nele. É muito importante que ele diga abertamente à mãe que existem limites e que ela não pode ultrapassá-los.

O papel de uma mãe psicologicamente saudável é o de ser apoio para um filho, é o de dar amor e preparar para a vida e não de tomar seu rebento como propriedade, sufocando-o e asfixiando-o, tirando dele o poder de decidir sua própria vida.

Se sua sogra for uma Jocasta, é importante que você converse com seu namorado ou marido para que juntos vocês dois possam ter uma vida sentimental saudável, sem interferências externas nocivas, provindas particularmente de uma mãe que desconhece seus limites.

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Imagem de capa meramente ilustrativa.

7 informações importantes sobre o trabalho do Psicólogo Clínico

7 informações importantes sobre o trabalho do Psicólogo Clínico

Não é difícil ouvir algumas frases de leigos sobre o trabalho do psicólogo, tais como: “se for para contar meus problemas para alguém prefiro contar para meus amigos numa roda de bar.”; “fazer o quê no psicólogo?”, “terapia é tomar café com minhas amigas”, “Não sou louco, não preciso de terapia”, entre tantas outras frases que nada condiz com o trabalho do psicólogo, seja na clínica, instituição, escola, empresa e todas as outras áreas que a psicologia pode atuar.

Podemos perceber que o trabalho do psicólogo ainda é desconhecido, pois, trata-se de um trabalho abstrato e muitas pessoas que necessitam de tratamento psicológico ainda são resistentes ao tratamento por desconhecerem a importância e o alcance desse trabalho.

Cabe a nós, profissionais da área, explicar e divulgar nossa função para que todos conheçam o funcionamento e processo da psicoterapia, objetivando diminuir preconceitos e propiciar acesso ao tratamento psicológico para quem dele necessite.

Esse texto trata do trabalho do psicólogo clínico e pretende descrever de forma simples e resumida, informações sobre o trabalho realizado na clínica de psicologia.

1- Todo psicólogo trabalha da mesma forma?

Não, pois dentro da psicologia há enfoques diferentes. Há três principais linhas de trabalho: Psicologia Comportamental, Psicologia Humanista e a Psicanálise. Cada teoria tem uma forma diferente de entender a estrutura mental e o funcionamento do indivíduo e a partir dessa compreensão, o profissional trabalhará a queixa de cada paciente.
Cada profissional escolhe seguir uma abordagem da psicologia que mais se identifica e acredita ter maior alcance para tratar seus futuros pacientes.

2-  Quando procurar um psicólogo?

Infelizmente, a maioria das pessoas busca a psicoterapia quando já está em sofrimento há algum tempo, sendo assim, chegam aos consultórios com suas funções mentais quase que despedaçadas, ou seja, já perderam a qualidade de vida.
O ideal é que a pessoa busque ajuda profissional quando sente que seus sintomas estão impactando sua vida e, consequentemente, está acumulando perdas seja no contato afetivo, familiar, social ou profissional.
Os alunos do curso de psicologia também buscam a psicoterapia para trabalhar aspectos importantes de sua personalidade e se familiarizarem com o processo, já que para ser um bom psicólogo é necessário se submeter a psicoterapia, nesses casos, o mais indicado é que o estudante procure um profissional que trabalhe com a abordagem que mais se identifica.
Há ainda um número menor de pessoas que buscam atendimento psicológico para o autoconhecimento e melhorar a forma de agir diante das adversidades da vida.

3- Como funciona a psicoterapia?

O primeiro encontro entre paciente e psicólogo, é chamado de entrevista. Nesse momento, o profissional escutará as queixas apresentadas e o mais indicado é a entrevista aberta, ou seja, o profissional deverá fazer poucas perguntas e garantir que o paciente sinta-se a vontade para expor os motivos que o levaram a buscar tratamento.
O psicólogo poderá realizar algumas entrevistas antes de aceitar trabalhar com o paciente e se for da vontade de ambos, inicia-se o processo terapêutico.
Na maioria das vezes, a psicoterapia acontece semanalmente, sempre no mesmo dia e horário e tem duração de 50 minutos cada sessão. O paciente poderá trazer para o atendimento tanto as angustias atuais, quanto problemas do passado.
O sigilo deve ser assegurado ao paciente desde momento da primeira entrevista.

4- Qual o objetivo da psicoterapia?

É função do psicólogo, ouvir atentamente o conteúdo que o paciente traz aos atendimentos e de acordo com sua abordagem, orientá-lo à respeito do seu funcionamento mental e comportamental, buscando junto com o mesmo, expandir sua consciência à respeito de si mesmo e consequentemente diminuir ou cessar seus sintomas, trazendo alívio ao sofrimento psíquico e proporcionando novas formas de pensar e agir.

5- Como escolher um profissional?

É importante ter indicações de amigos/conhecidos ou outros profissionais da área da saúde que conheça o trabalho do psicólogo.
Caso tenha chegado até a entrevista e ainda tenha dúvidas, vale a pena perguntar sobre a formação, pós-graduações e experiência do profissional.

6- Como saber se o tratamento está funcionando?

Muitas vezes o paciente piora no início do tratamento psicológico, principalmente os que buscam o tratamento depois de algum tempo de sofrimento, pois está remoendo dores e abrindo “feridas”, que não puderam ser esquecidas. Essa confusão e o sofrimento iniciais tendem a diminuir assim que esse conteúdo traumático vai sendo trabalho nas sessões de psicoterapia.
E, ao longo dos atendimentos, o paciente sente-se mais fortalecido e apropria-se melhor das questões que necessitam das suas tomadas de decisões.
O paciente vai se modificando no decorrer do processo psicoterápico, na maioria das vezes, são as pessoas que convivem com ele é que vão percebendo as mudanças, pois pode demandar mais tempo para o paciente se dar conta do seu novo “Eu”.

7- Qual o tempo de duração da psicoterapia?

Normalmente, o processo psicoterapêutico tem duração de médio a longo prazo, mas a duração do tratamento é variável segundo a queixa do paciente e a forma de trabalho do psicólogo, ou seja, a psicoterapia é um trabalho em dupla, onde paciente e psicólogo devem trabalhar juntos. Algumas vezes, podem ser poucos encontros e outras, pode-se demorar anos.
O tempo também deve ser delimitado pelo paciente junto ao psicólogo, pois ele (paciente) deve ser livre para decidir quanto tempo deve, poderá ou conseguirá ficar e cabe ao psicólogo, deixa-lo ir e também, garantir que o acesso ao retorno á psicoterapia fique sempre aberto, caso queira ou necessite voltar.
O bom trabalho psicoterapêutico é aquele que o psicólogo acolhe, identifica a problemática do paciente, compreende o funcionamento do seu aparelho psíquico, e melhora seus recursos internos e feito tudo isso, certamente, o paciente terá um novo olhar sob si mesmo e sob o mundo que o cerca, e poderá seguir sua trajetória na vida e em paz.

Seu filho está usando drogas

Seu filho está usando drogas

Esta notícia já pode ter chegado aos ouvidos de muitos pais, e infelizmente ainda vai chegar aos de tantos outros.

A primeira reação dos pais ao receber uma notícia como esta é negar-se a acreditar. Temos um mecanismo natural que nos impede, em um primeiro momento, de acreditar em uma realidade ruim que a nós é exposta e este mecanismo chama-se negação. Diante de qualquer evento doloroso, mesmo que por uma fração de segundos, em princípio, todos nós negamos. Muitos podem passar dias, meses, anos ou até uma vida se negando a enxergar e aceitar certas realidades, isso varia de acordo com o repertório de enfrentamento de cada indivíduo e também com o tamanho da dor que a realidade lhe causa.

Alguns pais podem passar a vida sem acreditar na drogadição dos filhos, dando desculpas a si próprios e tomando o mais perigoso dos caminhos: o de achar que vai passar; que é “coisa de jovem”; que um dia, como que num passe de mágica, ele vai “amadurecer e deixar disso”. Muitos jovens estão não só usando, mas também traficando drogas aos catorze, quinze e dezesseis anos. Não falo só de “boca de fumo” em bairro pobre – falo de tráfico em escolas particulares, em clubes e festas sociais de classe média alta.

Não importa como a notícia chegue, talvez chegue através da escola, ou de outros amigos. Talvez chegue de forma não verbal, através de mudanças de comportamento. A verdade é que se ela chegar, ou mesmo se a desconfiança aparecer, a regra é: negue pelo menor tempo possível e faça algo pelo seu (sua) filho (a). Não fique inerte imaginando que tudo possa ou vá se resolver sem sua intervenção. A drogadição de um filho adolescente não é de responsabilidade da escola nem dos profissionais que você possa procurar. Eles podem e vão ajudar muito sim, mas a intervenção dos pais é crucial – sem ela, quase nada poderá ser feito.

A luta contra o vício é árdua e complexa. Muitas variáveis cercam o uso de substâncias psicoativas. O vício é químico, psicológico e social. Estima-se que entre cada dez jovens que experimentam algum tipo de droga, metade irá se tornar dependente e dois irão vir a óbito em decorrência disso. A drogadição é uma doença, precisa ser tratada. O número de jovens adictos aumenta a cada ano e eles começam cada vez mais cedo a experimentar algum tipo de droga. Jovens de ambos os sexos se drogam e estão recorrendo a mais letal das substâncias: o crack.

Negligenciar o uso de maconha, cocaína e/ou qualquer tipo de droga pode implicar em grande risco. Não há outra forma de ajudar seu filho a não ser enfrentar a situação, agir. Existem alguns dados importantes de pesquisa sobre o comportamento de jovens que podem ajudar e devem ser levados  em conta para a prevenção e tratamento. Jovens que não fazem atividades físicas, nem praticam algum tipo de esporte, nem atividades extracurriculares como aulas de outro idioma ou de algum tipo de arte (pintura, música, dança) têm mais propensão ao uso de drogas, embora nenhum desses fatores isolados signifique risco direto para a drogadição. A explicação para esse dado importante vem de uma célebre frase: “mente vazia é oficina do diabo”. Pré-adolescentes e adolescentes têm muita energia e muita movimentação hormonal. Isso tudo precisa ser bem direcionado e bem gasto. É importante que haja motivação, prazer na vida e proximidade da família nessa fase. Jovens que participam de qualquer dessas atividades desenvolvem tolerância à frustração, aprendem a perder, exercitam o convívio social, a aceitação das diferenças e aprendem a se superar. Têm objetivos, adquirem conhecimento chegam à vida adulta mais preparados para o que vão enfrentar. Outra alternativa que pode ajudar muito é trabalhar ou estagiar durante o ensino médio.

Quando somos jovens na pré-adolescência e/ou na adolescência precisamos muito de autoafirmação, travamos uma luta diária com a nossa autoimagem, com o nosso autoconceito. Enfrentaremos frustrações e precisaremos ter gente ao nosso lado para nos ajudar. Quando digo que crianças devem se acostumar o mais cedo possível com as frustrações, estou querendo alertar que, se na adolescência elas estiverem sozinhas, poderão sim apelar para um alucinógeno que vai em princípio aliviar a dor e o resto da história é o vício. É assim também com o álcool, é assim com o “rivotril”.

Um alicerce familiar e um convívio social saudável ajudam muito. A motivação e a paixão por algo como um esporte ou uma arte dão sentido à vida, prova disso é que, em clínicas de reabilitação, as atividades ocupacionais e oficinas de arte são parte fundamental no tratamento.

Se o seu filho está usando drogas, arregace as mangas e faça tudo que puder: procure ajuda psiquiátrica, psicológica e o mais importante, se aproxime dele e lá fique até que consigam vencer essa luta. Se o seu filho não está usando drogas, espero que esta reflexão te ajude a aprimorar ainda mais seu vínculo com ele e te ajude a afastá-lo ainda mais de uma das doenças mais tristes da nossa história.

 

Não existe amor certo na hora errada. Se existe amor, a hora é o que menos importa.

Não existe amor certo na hora errada. Se existe amor, a hora é o que menos importa.

“Papai, eu estou gostando da Bia…”.

Aos oito anos, na graça de sua precocidade, meu filho João me conta disposto, como quem revela uma decisão definitiva, que decidiu tomar parte na maior e mais democrática alegria da vida, esse tesouro imenso de querer bem a alguém.

Não, meu filho não vai fazer as malas, largar os estudos, deixar a família e viver com a amada numa casa de árvore. Ele só está sentindo amor em seu coraçãozinho sem culpa, sem medo, sem maldade. E eu não vou explicar a ele que é cedo ainda, que as crianças andam muito apressadinhas e que é bom ele fazer a lição de casa e deixar de coisa. Não carece.

João anunciou que está gostando da Bia e isso é um milagre. Neste mundo tão entrecortado por violências e desavenças e todo tipo de malquerenças, um menino se faz alheio a tudo isso e anuncia que gosta de sua coleguinha da escola. O mundo ainda tem jeito!

Por favor, senhores governantes, donos do mundo, monarcas do capital, comandantes dos rumos da economia: tenham a bondade de por esses dias não fazer nenhuma extravagância. Segurem os decretos, os pacotes e as medidas radicais para depois. Adiem os anúncios de guerra, esperem um bocadinho para ordenar a contenção de despesas. Não custa. Aguardem um minuto antes de alarmar as bolsas, retrair o mercado, promover a recessão, incentivar as demissões em massa! Esperem um pouco. Meu menino está sentindo amor! É favor não atrapalhar.

Por gentileza, cavalheiros foras da lei, bandidos, assaltantes, assassinos, estelionatários e desonestos de toda ordem. Quem sabe os senhores não abandonam essa vida triste de desvio e se dão conta de que, se um menino de oito anos pode sentir amor e anunciá-lo por aí, é certo que não é impossível um adulto tomar jeito de gente, arrumar outro afazer mais tranquilo, produtivo, aprender um ofício, qualquer um, firmar num trabalho, abrir um negocinho direito. É que eu acredito mesmo que o amor transforma tudo, sabe? O amor a tudo melhora. Quem sabe os senhores não se apaixonam também e esquecem essa vida torta?

Alguém decerto há de perguntar: “mas o que têm a ver com seu filho o mundo, a economia, a política, a violência urbana?”. Eu respondo: nada! Nenhum dos senhores e das senhoras tem obrigação de esperar meu menino sentir amor para tocar suas vidas. Não se trata disso. É que ninguém precisa pedir licença para sonhar alto, sonhar grande. E uma criança descobrindo que gosta de alguém escancara a porta dos sonhos. Não reparem, não. Mas esse negócio de ver meu garoto apaixonado me encheu de esperanças.

Outro alguém há de acusar: “quero ver o que pensa disso o pai da Bia…”, e eu não perco um só segundo para explicar-lhe que o amor de uma criança de nove anos – pelo menos o da criança que eu educo em minha casa – não tem maldade. Não tem hora certa. Não faz mal. Quanto antes, melhor. Logo, o pai da Bia não há de se preocupar. A quem duvida, que vá ver se estamos todos na esquina. João e eu, Bia e o pai dela e todo mundo.

Miro discreto o olhar perdido do meu filho, distraído sobre sua lição de casa. Decerto está pensando nela, lembrando como é divertido brincar de qualquer coisa na escola ao lado dela. Ele transpira tanta inocência que eu não consigo deixar de pensar: “pobrezinho do meu filho…”. Mal sabe ele que esse mundo tão cheio de desencontro vai fazê-lo chorar tanto e tantas vezes. Beijo sua testa, bagunço-lhe o cabelo e peço a Deus que me mantenha perto nas tantas horas em que ele haverá de sofrer. Não posso evitar a dor, mas comprar um sorvete e ver um desenho juntos na TV já ajuda.

Olhando meu pequeno, penso em toda essa gente grande pontificando sobre “amor certo na hora errada” e me dou conta do quanto eu não acredito nessa história. Se tem amor, a hora é o que menos importa.

Acontece que isso agora não tem a menor importância. Nenhuma dessas questões importa por enquanto. Deixemos isso pra lá. Agora, agorinha mesmo, meu pequeno herói, meu menino, meu filho João se deu conta de que é um ser que sente amor.

Ouço cheio de esperança e orgulho sua declaração indireta – “Papai, eu estou gostando da Bia…” – e respondo a ele sem medo:

“Eu também, meu filho. Eu também!”.

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