Verdades que parecem mentira

Verdades que parecem mentira

A vida nos reservas inúmeras surpresas, muitas delas agradáveis, outras nem tanto. E ainda haverá aqueles momentos em que não seremos capazes de compreender o porquê daquilo que acontecerá conosco, quando encararemos certas constatações inevitáveis que teimamos em negar ou em deixar esquecidas. Não adianta, acabaremos, cedo ou tarde, carregando conosco o peso das decepções e a dor da incompreensão, no entanto, sobreviver a tudo isso com vida nos trará esperanças renovadas.

Parece mentira, mas muitas pessoas irão usar contra nós tudo o que dissermos, descontextualizando nossas frases e jogando-as de volta em situações que nos fragilizarão, pois distorcerão nossas verdades injustamente. Isso provavelmente virá de quem nos é alguém próximo, íntimo, especial, o que aumentará o peso de nossa dor. Será o preço que pagaremos por nem sempre confiarmos nas pessoas certas.

Parece mentira, mas quem diz nos amar para sempre poderá destruir nossos corações sem aviso prévio, deixando-nos sozinhos, traindo nosso corpo, nossa confiança, jogando fora tudo o que construímos em troca de uma vida mais cômoda, de uma outra pessoa qualquer, de apelos ilusórios do mundo lá fora do relacionamento. Será uma possível e dolorosa experiência a que estaremos sujeitos, por sermos fiéis e adeptos do amor para a vida toda.

Parece mentira, mas nos depararemos com a ingratidão de pessoas a quem ajudamos, em quem confiamos, a quem demos as mãos durante as ventanias, sendo cobrados por não termos dado ainda mais de nós, como se não tivéssemos nos doado o quanto poderíamos e deveríamos. Nossa doação voluntária será então confundida com um dever para uma vida toda, algo a que estaremos obrigados de forma vitalícia; e tudo se anulará quando não respondermos às expectativas alheias. Será uma reação indigesta que colheremos por não sermos egoístas.

Parece mentira, mas seremos julgados por nossa posição social, por nossa etnia, por nossos estilos de vida, pelas escolhas que fizermos, mesmo que não machuquemos ninguém, mesmo que se trate apenas de nossa própria vida. Cobrarão de nós que ajamos de acordo com o que as convenções sociais preconizam, mesmo que aquilo fira as nossas convicções, mesmo que aquilo tudo nada tenha a ver com os nossos sonhos, com a direção de nossos desejos, com as verdades que nos dignificam e nos constituem. Será uma indignação alheia incompreensível que nos acompanhará, por nossa coragem de viver o que temos dentro de nós.

Ninguém disse que a vida iria ser fácil, mas haverá decepções que nem cogitaríamos poder existir, com quem deveria tão somente nos apoiar ou então nos deixar em paz e seguir seu rumo. Teremos pela frente muitos dissabores, encontraremos pessoas infelizes, maldosas e que tentarão nos desestruturar, sem mais nem porquê. Cabe-nos manter firme nosso propósito em ser feliz e em encontrar quem nos tornará a vida mais especial e fácil de viver. Porque ninguém será capaz de nos desviar de nossas buscas, quando estivermos certos do que e de quem realmente queremos para nós.

Quando é a mãe que chora – uma breve reflexão sobre o primeiro dia de aula

Quando é a mãe que chora – uma breve reflexão sobre o primeiro dia de aula

Lancheira na mão, cabelinho penteado para o lado e uma bela cara de sono. É assim que começa nossa jornada pelo aprendizado, e é assim que saímos na calorosa foto do primeiro dia de aula, que toda mãe tira e guarda com orgulho do seu pequeno prodígio.

Tudo muito bonito, até a fatídica hora em que a “tia da escolinha” chega e o momento do adeus é anunciado pela primeira vez. Digo fatídica pensando principalmente na dor da mãe, essa que chora ao deixar seu bebê pela primeira vez na escolinha, e que ao mesmo tempo conta para as amigas com orgulho que o filhote a deixou a foi para os braços da professora com alegria. Dor essa que se tornou naturalizada, vindo muitas vezes acompanhada de uma aceitação do sofrimento, como se sofrer na ausência do filho já fosse algo intrínseco ao fato de ser mãe.

Essa cena bastante comum, que com certeza acontece aos montes por aí, deve ser alvo de, no mínimo, uma breve discussão. Como sabemos (nós todos, no senso comum nosso de cada dia), é fundamental que a criança se separe da mãe e crie laços com outras crianças e aprenda a lidar com a separação da mesma. Até mesmo as mães que choram no adeus sabem disso, mas justificam suas lágrimas pelo “amor incondicional”, e acham que o correto é ser assim; creio que não é bem por aí. Se pensarmos um pouco, o que representa esse choro?

As lágrimas de uma mãe ao deixar o filho na escola podem vir do medo de perde-lo, do medo que ele se machuque ou qualquer coisa ruim aconteça, ou até mesmo pode vir do orgulho de ver que o pequeno está crescendo.

Em alguns casos, pode vir de um sentimento egoísta, de perder algo que lhe pertence. Sim, é bastante comum pensar assim, não é? Toda mãe sente que o filho é “seu”, e que nada pode acontecer com aquele que saiu de seu próprio ventre.

Mas será que o filho pertence mesmo aos seus pais? Afinal, um ser humano pertence a outro ser humano? Encerro com as palavras do poeta libanês Khalil Gibran “Vossos filhos não são vossos filhos.São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma…”

Quando vai ser amor de verdade?

Quando vai ser amor de verdade?

Vai ser amor de verdade se for como o céu. Um dia vai estar nublado, cinza, vai passar por tempestades, pela escuridão, vai parecer desabar. Em outro dia vai estar limpo, azul, com um lindo e brilhante sol que aquece e ilumina. MAS ESTARÁ SEMPRE ALI.

Vai ser amor de verdade se você conseguir estar feliz, mesmo longe de seu amor, porque ele está feliz. E se alguém lhe fizer algo de ruim, vai lhe doer como dói nas mães e você talvez sinta vontade de agredir, de matar o autor das maldades.

Vai ser amor de verdade quando o tempo apagar todas as coisas ruins que seu amor tiver lhe feito, assim como as mães esquecem todas as malcriações de seus filhos e os perdoam infinitamente.

Vai ser amor de verdade quando você compreender que viemos a este mundo para aprender a amar. Amor é verbo intransitivo, já disse Mario de Andrade. Amor é livre, livre de regras, livre de dogmas, livre de ser correspondido.

Amar incondicionalmente é privilégio de poucos, é refúgio dos artistas, é para os grandes de alma, é para as mães de verdade, é para os que superam a cegueira da paixão, é para os que são felizes simplesmente porque o outro existe.

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Os que disseram “hello” para Adele

Os que disseram “hello” para Adele

“Olá, sou eu. Eu estava imaginando se após todos esses anos/ Você gostaria que nos encontrássemos/ Para superarmos tudo/ Dizem que o tempo supostamente lhe cura/ Mas eu ainda não fui completamente curada/ (…) (Tradução de um trecho da música Hello – Adele)

O clipe “Hello”, da cantora britânica Adele, ultrapassou a marca de 1 bilhão de visualizações no Youtube. Não é espantoso o sucesso da artista, afinal, sobra talento em suas composições e apresentações. Entretanto, o que inquieta foi a rapidez com que este número foi alcançado: 88 dias. De um lado da linha a cantora diz “olá” e na outra ponta, milhões respondem da mesma forma. Qual o motivo de termos dito “Hello”?

A resposta começa na própria vida da cantora, criada pela mãe e sem um relacionamento afetivo com o pai. As rupturas amorosas têm uma implicância evidente em suas composições, marcadamente em “Hello”. O sucesso desta música é a conjugação da projeção artística de uma talentosa cantora, com o luto e decepções dos ouvintes que romperam uma relação.

A canção se funda na separação de um casal, e o luto que surge com esta perda do objeto amado é entoado de forma melancólica. Em “Luto e Melancolia”, Sigmund Freud irá se debruçar sobre as perdas que vivemos, o tempo do luto e suas conseqüências. O vazio temporário que surge é um terreno de poetas, compositores e ciladas.

Esta última nos coloca de frente com algo que se refere á idealização de um sonho; aquilo que esperávamos, fruto de nossa profunda imaginação e não aconteceu. (“Hello/ Você pode me ouvir?/ Estou na Califórnia sonhando com quem costumávamos ser/Quando éramos mais jovens/ E livres/ Eu esqueci como era antes do mundo cair aos nossos pés.)

Precisamos assumir a responsabilidade do que imaginamos e criamos e perceber que muito mais do que o outro, somos co-autores de muitas de nossas decepções. Entretanto, mais do que as elaborações de quase um sonho a ser vivido e não realizado, a música em questão aponta uma revisitação da cantora aos locais deixados. Uma suave tentativa de reencontro e superação, que pode ser identificada logo no início. Sente-se culpada, pede desculpas por partir o coração do amado.

Uma das ciladas do espaço vazio do luto da ruptura é a criação da culpa “superegóica’, uma autopunição, e é exatamente aí que milhões de pessoas estão dizendo “Hello” junto com Adele. A cantora coloca de forma especular a culpa elaborada, inconsistente de quem ouve a melodia.

Habitualmente temos a tendência de nos responsabilizarmos pelo fracasso de um relacionamento, pegamos um chicote, nos martirizamos de forma impiedosa. Lutamos por uma chance, surge o desejo de pegar o telefone e dizer “Hello”, me desculpe, será que podemos nos encontrar? A tentativa de retorno estruturada no medo do vazio da ruptura, não é eficaz, apenas iguala-se aos mecanismos da fuga.

A música não ignora o momento de luto, e a produção em preto e branco do clipe reforça esta condição: “Dizem que o tempo supostamente lhe cura/ Mas eu ainda não fui completamente curada”. Eventualmente este tempo surge e percebemos que o nível de culpabilidade do fim da relação diminui, admitimos apenas o que é real, nos reposicionamos e retomamos o espaço vazio, ainda com a marca da aliança.

O luto da separação tem sua importância quando nos permite uma revisão sincera que possa nos levar a uma compreensão mais profunda do que somos. É o momento em que a lágrima pode escorrer sem vergonha, mas ela cessa abrindo as portas para um sorriso sereno que brota da compreensão dos fatos; sem culpas ou responsáveis. Com este mesmo sorriso não precisaremos mais dizer “Hello” para o objeto que um dia foi amado, e assim, o sol surge pondo fim às cores enlutadas de uma relação que se foi.

Não há um só dia que não seja da mulher

Não há um só dia que não seja da mulher

Eu sou um sujeito do interior. Fui criança numa cidade em que, assim como no resto do mundo, havia muito mais mulheres do que homens. Só na minha casa eram cinco: minha bisavó, minha avó, duas tias e minha mãe. Cinco meninas para três meninos — meu pai, meu irmão mais moço e eu.

Mas levando em conta que meu pai ficava o dia inteiro fora, no trabalho, e que meu irmão caçula chegou ao mundo quatro anos depois de mim, é justo dizer que passei um bom tempo da infância ocupando o posto de único homem da casa. Um só bicho confuso, surpreso, entre cinco criaturas perfeitas.

Minha bisavó tinha poderes mágicos. Seus pés de hortelã, erva-doce e arruda, boldo e guiné curavam todo o mal que havia no mundo. Minha avó ouvia jogo de futebol no rádio gritando palavrões, bebia pinga, sabia histórias de assombração, usava saiote sob o vestido e era uma festa inteira. Minhas tias e minha mãe voltavam do serviço à mesma hora com um pacote para mim, e era sempre um pedaço de bolo, uma fatia de pão com manteiga, duas balas Juquinha, uma maria-mole e essas coisas que àquele tempo faziam a alegria de uma criança.

Em minha casa, o lugar mais importante era a cozinha. Porque era ali que as cinco mulheres existiam juntas. De lá, sentado debaixo da mesa onde minhas avós escolhiam o arroz, eu sonhava com o mundo que havia para além do nosso quintal.

Lá pelas tantas eu adoeci. Virei dessas crianças que passam mais tempo em hospital do que em casa, e as cinco se desdobravam na tentativa de encontrar unguentos, simpatias, benzedeiras e outras formas de ajudar os médicos. Eu sobrevivi. E não tenho dúvida de que foram elas, reais beneficiárias da Graça Divina, com a boa ajuda da Medicina, que me mantiveram aqui.

Foi o amor absurdo e desmedido das cinco mulheres que me deu esperança em tempos de agonia. Seus olhos de afeto iluminaram minhas noites escuras, suas mãos operosas me empurraram para a frente. Sua presença distante me manteve no caminho. Mesmo longe, sigo pertinho delas, andando afoito neste mundo que fica para além do nosso quintal. Aprendendo a passar adiante o amor que elas me deram desde sempre.

Tudo isso porque careço dizer a você que o fato de existir o Dia Internacional da Mulher não me incomoda, não. Nem um pouco. Mas penso na data como um jeito de nos lembrar que todos os outros dias do ano pertencem a elas.

Para mim, o mundo é a casa de todas as mulheres, um lugar onde os homens são, uns mais e outros menos, apenas visitantes mal habituados. E a mulher, ahh… a mulher é o resultado do sonho mais lindo de Deus.

Por um mundo sem mulheres de verdade!

Por um mundo sem mulheres de verdade!

Por Marcela Alice Bianco

Vivemos num mundo que está sempre querendo encaixar as pessoas em rótulos, como se fossemos produtos à venda numa vitrine. E isso não é diferente quando o assunto é o feminino. Cada tempo e cultura ditou às mulheres um padrão a ser seguido,  tentando apontar quais seriam as formas corretas de se comportar, de se vestir, de exercer a maternidade, de ser esposa, amante, amiga, filha ou funcionária. Mas, o que próprio tempo provou é que, “ser mulher” é algo que vai muito além de uma moda ou de uma ditadura.

Verdades são unilaterais e dependem do padrão de consciência de quem as coloca. Muitas verdades caem por terra e são substituídas todos os dias por outras que, aliás, também podem ser transformadas conforme nosso mundo interno e externo vai evoluindo.

Já houve época que “mulher de verdade” era a do tipo Afrodite, era a que usava o espartilho, era a Amélia, era àquela que vivia a maternidade, era a que dava conta de tudo…

E cada uma dessas mulheres de verdade foi deixando o podium, fazendo-nos intuir que ser mulher é muito mais complexo do que qualquer padrão possa definir.

Por isso mulher, não tenha como pretensão de vida ser uma mulher de verdade…ela não existe!

Não busque ser a “mulher da vida e dos sonhos” de alguém, mas busque apenas ser você. E se, isso lhe conceder a oportunidade de desfrutar de uma boa companhia para viver momentos de amor e cumplicidade aproveite. Mas, não espere que a outra pessoa seja o homem ou a mulher da sua vida, mas apenas que  seja quem se é!

Não persiga um padrão de beleza, eles são inatingíveis já que nenhuma mulher consegue ser igual a outra. Muitas das exigências estéticas só nos afastam da nossa personalidade, do nosso próprio corpo e de quem somos de verdade. Não torture seu corpo com modismos passageiros e nem com a rigidez de uma verdadeira ditadora. Ao contrário, aprenda a reconhecer em si mesma aquilo que é belo e somente seu. Lembre-se que seu corpo é a sua casa e seu templo sagrado e, portanto, merece todo seu respeito e cuidado.

Não busque ser igual aos homens ou à outras mulheres que você admira, mas apenas reconheça suas habilidades e àquilo que você faz de melhor. O mundo precisa de boas engenheiras, contadoras, professoras, enfermeiras, atrizes, mães, cuidadoras, lutadoras, etc. Se você se dedicar àquilo que você faz bem, que te preenche existencialmente e que dá sentido à sua vida, então você merecerá a sua própria admiração.

Aliás, não busque ser “a melhor” em nenhum papel que você assumir, pois isso só gerará desgaste e frustração. O mundo não precisa das melhores mães, das melhores esposas, das melhores amantes, das melhores mulheres ou das melhores profissionais. O mundo precisa de pessoas capazes de nutrir, de acolher, de escutar, de agir com empatia e fazer o melhor que podem conforme suas aptidões e limites. O mundo precisa apenas de mulheres conscientes de sua feminilidade e de sua inteireza enquanto ser.

O mundo precisa de mulheres criativas, estabanadas, organizadas, carinhosas, ativistas, competentes, melindrosas, inseguras, amorosas, românticas…

O mundo precisa de Malalas, Cocos Channel, Michelles Obama, Nises da Silveira, Irmãs Dulce,  Ladys Gaga. O mundo precisa de mulheres de todos os tipos. O mundo precisa de você!

O amor que você recebe não é igual ao amor que você dá!

O amor que você recebe não é igual ao amor que você dá!

Por Rosana Braga

Que você e todo mundo quer ser feliz no amor, isso é óbvio! E até deveria ser óbvio também se sentir merecedor dessa felicidade na área afetiva. Mas, pelas mais diferentes e inimagináveis razões, muita gente, bem lá no fundo, não se sente merecedora!

E o maior problema, na verdade, talvez nem seja não se sentir. Porque para isso existe solução. O maior problema é a pessoa achar que merece, mas viver como se não merecesse. Ou seja, nem saber que está agindo como alguém que aceita migalhas, que implora amor, que não coloca limites para o outro, que não sabe dizer ‘não’, que desconsidera seus desejos, engole sapos atrás de sapos e está sempre se sentindo inferior, menos do que os outros.

É a típica pessoa insegura, com baixa autoestima, mas que veste uma máscara de forte, segura e confiante e vai vivendo aos trancos e barrancos. Só que sua aparência não é suficiente para que ela pare de se sentir sempre com uma dor no peito, com uma tristeza que faz doer a garganta, com uma sensação de que o melhor da vida está a uma distância impossível de alcançar.

Pois é, se você se sente assim, a questão é uma só: enquanto você não enxergar a si mesmo, incluindo suas qualidades e suas limitações, acolhendo, respeitando e amando quem você é, ninguém mais vai saber fazer isso. Simplesmente porque as pessoas nos tratam exatamente como a gente mesma se trata. É inconsciente e infalível!

Se você vive criticando, julgando e rotulando a si mesmo, com medo de falar o que pensa, de incomodar ou de se colocar e ser humilhado, é assim, exatamente assim, que a pessoa com quem você se relacionar tende a te tratar. Essa é a mensagem que ela recebe sem nem perceber. É isso que ela acaba vendo em você, apesar de sua aparência talvez forte e segura.

E, no final das contas, é para isso que servem os relacionamentos: para nos mostrar de que forma temos nos tratado. Porque a qualidade do amor que recebemos é exatamente a mesma qualidade do amor que damos a nós mesmos. Mas a maioria das pessoas ainda acredita que recebe o mesmo amor que dá aos outros. Não! A gente recebe o mesmo amor que dá a si mesma. Essa é a matemática. Essa é a fórmula.

Você pode tratar o outro super bem, ser uma pessoa carinhosa, atenciosa e fiel. Mas se você não se tratar bem, não é carinhosa, atenciosa e fiel a si mesma, aos seus sentimentos e desejos, ao que pensa e ao que quer, então o outro não saberá te tratar diferente disso.

E quer saber? Bem lá no fundo, você já sabia disso! Você sabe que quando se valoriza e se respeita, o outro fica a fim, admira quem você é e, se não rolar namoro, rola ao menos uma gratificante e prazerosa amizade! Daquelas que fazem o encontro valer a pena pelo simples fato de te mostrar que se não foi dessa vez, você está ainda mais e mais perto de viver o amor que deseja com quem tem absolutamente tudo a ver com você!

* Rosana Braga é consultora de relacionamento do ParPerfeito, psicóloga, palestrante, jornalista e escritora.

Petralhas x Coxinhas : o estado de ódio no Brasil pelos olhos de George Orwell

Petralhas x Coxinhas : o estado de ódio no Brasil pelos olhos de  George Orwell

Milton Santos costumava dizer que “a força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos, quando apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une”. Sendo assim, para aqueles que detêm o monopólio da força, na manutenção do poder, é indispensável que busquem alimentar a fragilidade levantada por Milton, de modo que torne o povo alienado e subserviente aos seus interesses.

Essa alienação é construída no livro 1984 de Orwell, pelo “estado de ódio”, em que a sociedade é erigida sob pilares contrários à paz, fazendo com que os indivíduos sejam influenciados a viverem em constantes ódio e medo. Há uma série de atividades ligadas ao ódio, como os dois minutos de ódio, executados diariamente, e a semana do ódio.

Nessas ocasiões, de forma automatizada e repetitiva, os indivíduos são impelidos, pelo Partido, a exprimirem seu ódio pelos inimigos deste. O próprio protagonista da história, Winston Smith, que é contrário às ideias do Partido, em dada situação dos dois minutos do ódio, vê-se gritando de forma inflamada contra os opositores do Partido, comportando-se de acordo com a massa ou, como ele diz, “[…] fazer o que todo mundo fazia, era uma reação instintiva”.

Desse modo, através da ingerência da vida das pessoas e da repetição das suas artimanhas políticas, o Partido, em 1984, tornava os indivíduos facilmente alienados do seu discurso. Esse recurso é o mesmo utilizado no Admirável Mundo Novo de Huxley, em que, por meio da repetição, as pessoas internalizam as ideias que lhes são passadas como verdades, afinal, “sessenta e duas mil repetições formam uma verdade”.

Ao submeterem os indivíduos ao estado de ódio (ou estes se deixarem submeter), o Partido consegue fazer com que eles esgotem suas energias com o discurso alienante, de maneira que não consigam ter energia e tempo para perceber as correntes que os prendem. Assim, o Partido se mantém no poder com uma oposição muito débil, que pouco pode fazer para mudar a situação estabelecida.

O cenário político brasileiro atual comporta-se do mesmo modo que o Partido, em 1984. Alimenta-se o ódio por qualquer posição contrária a suas “ideologias”, fazendo com que haja uma ruptura dualista entre “petralhas” e “coxinhas”. Basta qualquer manifestação de pensamento, para que as brigas comecem e tomem horas a fio, sobretudo no Facebook. Até mesmo declarações sem cunho político-partidário geram comentários que apenas confirmam que vivemos no estado de ódio da distopia de Orwell.

Sem nos darmos conta (ou sem querer nos darmos) estabelecemos um maniqueísmo, fragmentando o povo entre bem e mal, sendo que o discurso que alimenta esse ódio é produzido tão somente por demônios, de tal forma que escolher um lado e defendê-lo como o lado do “bem” é, no mínimo, ingenuidade, para não dizer mau-caratismo mesmo. Enquanto o povo se divide, nessa guerra de ódio, os partidos revezam-se no poder, com pouquíssima mudança de ideologia e sem qualquer pensamento que privilegie a probidade e o bem comum.

Essa fragilidade nos laços que mantêm coesos o tecido social é essencial para que a classe política imunda que o Brasil possui continue no poder, uma vez que, como diz O’Brien, membro do Partido interno, a Winston, “o poder está em se despedaçar os cérebros humanos e tornar a juntá-los da forma que se entender”. Assim, ao darmos vazão para o discurso da classe política como um todo, estamos nos fragilizando enquanto povo e permitindo que a classe política despedace o nosso poder de crítica.

Para o Partido, no livro, ou para a classe política brasileira, seja situação ou oposição, de direita ou de esquerda (se isso quer dizer ainda alguma coisa), o poder se dá pela construção de “um mundo de medo, traição e tormento, um mundo de pisar ou ser pisado, um mundo que se tornará cada vez mais impiedoso, à medida que se refina”.

Dessa forma, devemos reconsiderar o modo como facilmente nos ludibriamos e, como disse Milton, tornamo-nos cegos que apenas identificam as diferenças que nos formam e esquecem que a soberania é popular, mas, se o povo está se digladiando em uma guerra de ódio, o poder passa a ser daqueles que conseguem fazer desse ódio a fonte da sua vitória.

Era só carência, por Rafael Magalhães

Era só carência, por Rafael Magalhães

Por Rafael Magalhães

O problema é quando você confunde carência com saudade. Quando acha que aquele aperto no peito tem destinatário certo. Quando tenta se convencer de que aquela página virada seria a solução para as suas angústias. Pode ser que não seja nada disso, sabe?

Talvez você só tenha tido um dia difícil. Talvez seu chefe estivesse especialmente chato naquela manhã, seu ciclo menstrual não esteja colaborando, sua vizinha tenha comprado o carro dos seus sonhos ou sei lá… Dias complicados acontecem com todos nós.

O perigo é quando junto com a tristeza vem a carência. Sim, ela mesma. A responsável por 96% das cagadas do mundo, especialmente quando se apresenta disfarçada de saudade.

É quando você lembra daquela pessoa que mora em outra cidade, do rapaz que te deu uns beijinhos e depois desapareceu ou do outrora falecido e por hora ressuscitado ex.

É bem nessa hora que a banana come o macaco. É que a malvada da carência tem aquele velho poder de apagar tudo de errado que determinada pessoa fez e ficar martelando os míseros momentos agradáveis.

Mas quer saber de uma coisa? Talvez você não precise daquele abraço específico, mas somente de um abraço. Um gesto de carinho, uma conversa amigável, uma dose de afeto, um sexo caprichado. Percebe? Você não precisa dele, você só precisa de alguém.

Tudo bem se você é uma moça criada na catequese e que só deu o primeiro beijo brincando de “verdade ou consequência” com 14 anos. Também não precisa sair catando o primeiro que passar na frente da sua casa, muito menos ligar ou mandar aquela mensagem desastrosa para o falecido. Foi justamente pensando na sua situação que alguns gênios inventaram a Nutella, o brigadeiro e o sorvete de flocos.

Foi pensando também em mulheres no seu estado que o cinema de Hollywood já gravou centenas de comédias românticas. É por isso que o Nicholas Sparks e o John Green estão ricos e o tal do Rafael Magalhães não para de ganhar leitoras.

Existe um mundo preparado para te abraçar, para te entender e para te acolher sem que faça uma grande merda antes dessa fase passar. A carência é como uma tempestade de verão. Chega sem avisar, faz o maior estrago e quando menos se espera vai embora.

Para tamanho dilúvio não existe guarda chuva que dê jeito. O que resta agora é se aconchegar no sofá da sala e esperar as trovoadas passarem. Amanhã é outro dia e logo cedo o Sol há de bater na sua janela. Lave o rosto, prenda os cabelos e saia lá fora para ver o céu. O azul é sempre mais intenso depois de um longo dia de chuva.

Para mais textos do autor acompanhe seu blog Precisava Escrever.

Mulher-maravilha

Mulher-maravilha

Quando fiquei gravida da Nara, fui avisar ao diretor da escola em que trabalhava na época a minha situação.
– … então, daí aconteceu que engravidei sem querer mas, claro, vou ter o bebê.
– Olha… – disse ele – Uma excelente maneira de acabar com uma excelente carreira é casando e tendo filhos… impressionante como vocês, mulheres, sabem estragar a vida de vocês.

Eu era quase vinte anos mais nova do que hoje. Era meu primeiro emprego e aquelas palavras me derrubaram. Os hormônios certamente ajudaram. Chorei como criança. Não porque achasse que minha vida seria estragada com filhos. Já tinha exemplos e espelhos a seguir. Sabia que daria conta do recado.

Fiquei arrasada por entender como esse mundo funciona. Por sentir na pele o que é ser mulher na sociedade em que vivemos. Estava apenas começando… entendi que não só teria que matar mais de um leão por dia como também teria que ter forças para carregar sempre um elefante nas costas.

E com o tempo eu entendi mais ainda o que é ser portadora dos cromossomos XX. Entrei para o mestrado. Engravidei do Yuki. Fiz o concurso para o cefet e passei. Escrevi a minha dissertação inúmeras vezes com ele mamando no meu peito e balançando o carrinho com o pé.

Com três filhos, trabalhando, fiz o doutorado, curso de italiano para ler minhas pesquisas acadêmicas, comecei as corridas de rua, não deixei de estar presente em todos os
momentos importantes dos meus filhos…

Hoje, separada, faço a gestão da casa sozinha. Meus três filhos não só moram comigo como contam com a minha presença para tudo. Assumi a coordenação de física no cefet, estou escrevendo meu décimo livro, estudando como nunca e me preparando para fazer um outro mestrado em antropologia e ao invés de cinco, correndo oito quilômetros três vezes na semana…

Enfim, uma excelente maneira de iniciar uma excelente carreira é apenas ter paixão e amor em tudo que faz. Meus filhos não atrapalharam em nada. Pelo contrário, fizeram essa caminhada muito mais divertida.

Faço questão de contar isso para que vocês, mulheres, entendam que para ser super homem precisa-se de capa e colocar cueca vermelha em cima da calça. Mas para ser mulher-maravilha… meninas, acreditem, para ser Mulher-maravilha, basta nascer mulher.

Quando a alma não é pequena

Quando a alma não é pequena

Por Alexandre Bonilha

“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, imortal jargão de Fernando Pessoa, popularizado.

Nosso autor, acredito, não se chatearia se eu me utilizasse do trecho para enquadrar a alma em algum tipo de métrica, pretendendo-se descobrir, por acidente, o seu tamanho.

Povos indígenas, antigas civilizações, não por isso, acreditavam que a alma se imortalizava, ressurecta, mesmo após o fim da vida terrena. Como se a alma fosse digna ou estivesse autorizada a alugar outro corpo depois da morte, por exemplo.

Contemporâneos, talvez incrédulos de medida certa, exteriorizam a curiosidade e a convicção de que a dúvida acerca da alma não seria uma rodovia para percorrer.

Sequer provamos que existe ou contrampomos sua existência. Afinal, alma existe? A resposta é o gesto de fé, restando apenas o símbolo e a metáfora que buscamos neste texto, de que a alma pode ser medida. Mas isso não passa de uma intenção lúdica e de um ode à cultura.

Não pela regua dos deuses nem pela balança médica, não pela experiência do professor nem pela técnica do jogador, mas pelo nível de cultura que uma pessoa traz. Pela bagagem, pelo nível de reflexão. Por todos os pedaços, por todos os laços e fatias de vida que lhe compõem é que tornam a vida mais doce, leve e suave. Nós somos uma colcha de retalhos do conhecimento que trazemos.

Os olhos filtram o material imóvel e inanimado, enquanto o cérebro interpreta e remete às mais próximas lembranças. O olfato contextualiza o tempo e o espaço, sintonizando o ser às memórias passadas. A audição capta o dederredor e partilha da cognição. Nada diferente com o paladar, quando o churrasqueiro passou do ponto na carne salgada.

O mundo exterior, os lugares que você frequenta e os fatos que acontecem em sua vida são interpretados pela peneira dos teus sentidos, sabatinados por sua história e correspondidos por quem você é. Na memória de Sartre, “não importa o que a vida faz de você, mas sim o que você faz daquilo que a vida fez de você”

O dia de ontem frutificou o teu dia de hoje, assim como a tua sensibilidade norteia sua alma. E essa sensibilidade é produto de todo livro que foi lido, todo filme que foi assistido e todos os conselhos recebidos ou repassados.

Neste raciocínio, a cultura cumpre um papel significativo junto ao entendimento humano e figura como imperativo para satisfazer o indivíduo em seu devido lugar, grato por tudo e a todos. Afinal, não é ser feliz que faz grato, mas sim ser grato que te faz feliz.

Ainda que diante de eventos negativos, a cultura estabelece uma ponte entre as informações e estende um tapete vermelho entre números e letras, formas e contornos, propiciando um olhar diferente ao que ocorre.

Tudo, exatamente tudo, sempre vale a pena – ou até a galinha inteira. É, Fernando Pessoa. Tudo vale a pena quando a alma não é pequena. E a alma só não é pequena quando o indivíduo é grande.

Alexandre Bonilha é advogado, poeta às vezes e filósofo – quase – sempre, aprecia o “CONTI outra” desde quando começou.

Você realmente quer o que quer?

Você realmente quer o que quer?

Quem viveu na década de 80 em algum momento certamente passou os olhos pelo seriado “A Ilha Da Fantasia”. Resumidamente a série falava de uma ilha paradisíaca onde qualquer desejo podia ser realizado. Um sonho, não? O anfitrião dessa ilha, o senhor Roarke, (Ricardo Montalban), juntamente com seu auxiliar (Hervé Villachaize), o pequeno Tattoo, realizavam as fantasias mais delirantes de pessoas comuns que chegavam até a ilha bastante animadas.

Ao adentrarem o reduto do lugar, a bordo de um avião planador, os hóspedes tinham suas histórias de vida contadas pelo misterioso anfitrião Roarke ao pequeno Tattoo e Roarke, que estava ali como um gênio da lâmpada, tornava real o que parecia impossível.

Quando pensamos no termo “fantasia”, nossa mente nos remete aos redutos quase proibidos do desejo. No dicionário “fantasia” se define como imaginação, capricho ou vestimenta que se usa no carnaval. A própria significância da palavra nos remete a ideia de que a “fantasia” é um adereço, é algo que nos foge no cotidiano, mas que um dia alimentamos alcançar ou gozar.

A Ilha da Fantasia era isso, um paraíso no qual nada era reprimido ou repreendido, no entanto, quem pedia o que pedia, tinha que arcar com todas as conseqüências do desejo realizado. Em grande parte dos episódios as pessoas chegavam empolgadas até o local, acreditando que tendo as fantasias realizadas iriam viver de forma plena, no entanto, a maior parte delas acabava sofrendo com desconfortos e decepções no decorrer dos dias. A realização das fantasias quase sempre não trazia a tão almejada felicidade.

E eu na minha meninice, ao assistir a série na época, me perguntava como podiam os adultos desejarem aquilo que não lhes fazia bem e ficava perplexa ao ver, em todos os capítulos, pedidos se mostrarem bastante equivocados.

Com o passar do tempo e, observando com atenção o mundo que me cerca, percebi que a Ilha da Fantasia é na verdade um pequeno lote de um mundo de aspirações que quase sempre não dão em nada. De aspirações que uma vez supridas se esvaziam por não terem um real embasamento, por não expressarem o que vem do coração.

Então não é difícil encontrar por ai pessoas desejando o status das coisas, sem perceberem que existe no êxito muito esforço aplicado. Não é raro ver, no cotidiano, aptidões tecidas não pelo gostar, mas pelo montante pago por determinada área. Então existem os que querem cantar, escrever, e atuar pela fama. Os que querem exercer uma profissão pelo que podem receber. Os que querem um relacionamento para suprir necessidades e caprichos pessoais. Os que desejam mostrar ao mundo que são o que não são.

Nesse ponto tocamos no delicado ponto em que as coisas se subvertem. Então muitos comemoram exaustivamente a entrada na faculdade e não a conclusão dela. Comemoram com fogos de artifício a abertura de um negócio e não o sucesso dele na languidez dos anos. Almejam a fama, mas deixam pra lá a ideia de que existe um esforço enorme por trás do reconhecimento do mérito. Casam-se fazendo festas milionárias, mas não se dão conta de que o casamento exige cumplicidade e empenho mútuo. Muitos querem confetes e serpentinas sempre, mas carnaval mesmo acontece só uma vez ao ano.

O que Roarke fazia na ilha era conceder o desejo realizado, mas orientava sobre seus sabores e dissabores. Então os hóspedes se esbaldavam com o deleite proporcionado pela fantasia realizada, mas não demorava muito para implorarem a normalidade das coisas.

Sim, pois desejar ser Beyoncé é uma coisa, ser Beyoncé é outra. Ela certamente tem fama e dinheiro, mas não pode andar sossegada pelas ruas da cidade onde vive e esse é um aspecto que não pode ser ignorado.

Tudo tem seu preço e o que faz com que o paguemos felizes é ter nossos desejos nascidos da emoção e não da razão das coisas. Só realmente amando ser e fazer o que nos propomos, podemos vestir a felicidade e usá-la por longos dias, sem lançá-la para o alto na primeira dificuldade que nos surja. A fantasia cheia de delírios e lantejoulas, que puxamos do baú uma vez por ano, é muito bonita, mas ela não deve ser adotada como vestimenta para o dia a dia, pois machuca, entristece e incomoda, haja visto que não é tecida pelo que verdadeiramente nos traduz.

Nos deixar tocar pelas coisas simples da vida pode nos parecer usual, mas é de extremo valor. É no coração que mora a verdade de cada um e essa verdade não exige explicações. O que os outros vão pensar sobre nossas escolhas, não nos cabe. Cabe a nós saber bem o que escolher, amar ser e fazer o que nos propusemos e entender que a felicidade é tímida e quase sempre não gosta de alardes.

Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.

Daquilo que se quer

Daquilo que se quer

Desde ontem, quando assisti a um filme sobre a vida da poetisa americana Sylvia Plath, que uma frase não me sai da cabeça: “meu predador das trevas”… Mais pela força da imagem que pela sonoridade do texto. Não. Por ambas. Acho que, principalmente, pelo significado em si.

O carrasco em questão seria seu futuro marido, o também poeta Ted Hughes, a quem ela nesse mesmo texto atribuía “um dia a culpa por sua morte”. O que realmente aconteceu. O que me encabula nessa história é o pressentimento… O faro de águia (não sei como é o faro da águia??? – fica a beleza da figura de linguagem). Para além da sensibilidade de escritora, o instinto. É fato que ele nos acomete. Por vezes não lhe damos ouvido ou atenção. Enfim, sabemos sempre o que nos amofina. E fato também, é que outras tantas vezes optamos deliberadamente pelo mal. Pelo que nos faz mal. Situações, pessoas, lugares…

Foi-nos dado o arbítrio. A nós cabe a responsabilidade de como as coisas nos atingem – descontando, é claro, as vezes em que somos alvo certo da neurose ou ressentimento de alguém; e olha que mesmo assim podemos dosar o que vamos absorver ou refletir. Somos permeáveis na mesma proporção que refratários, é só adotar a postura que convém.

Porque, então, não tiramos tudo de letra? Porque deixamos que tanta coisa nos toque? Basta pensar em qualquer relacionamento, seja mulher, amante, marido… É só ficar um pouquinho estável para o outro começar a nos mandar – e vice-versa. Mas nós delimitamos o quanto queremos ser mandados. E se cansarmos da mandança, acabamos com o privilégio do outro em relação a nós, e ponto. Simples. O vice-versa é que é o caso, porque é lógico que, jogo de interesse, na maioria das vezes obedecemos na proporção do que queremos mandar, ou de algum outro benefício que nos venha. A situação dos ex é curiosa nesse caso, pois se a um instante tinham o domínio do outro, no seguinte, o nada. Lidar com isso é notoriamente complicado.

Mas o ponto desse texto é mais doído do que poder mandar ou não em alguém. É quando, por vezes, alçamos vôos Kamikaze. É incrível como permitimos, e de vez em quando até escolhemos o caminho da dor. Quem em momentos de vasta alegria não sentiu falta da sua dor? Mesmo que nessas horas ela apareça disfarçada de uma angústia leve, um nó no peito, ou só um frio ligeiro que sobe num dia tranqüilo da base da espinha. Mas isso ainda é pouco. Temos a humana necessidade de ir mais fundo. Precisamos do lado sombrio. Da sensualidade do vampiro. Do lobo mau. Da ópera e do fantasma. Da fera a nos dominar de forma doce… Mesmo que só no campo da fantasia. Mesmo que em qualquer instância de domínio…

De volta ao início, o reconhecimento do algoz desde o primeiro instante, contudo, é fato raro. É para poucos. Por sorte, delicadeza e sabedoria, a antecipação do que irá nos acometer, permite premeditar o fim. (Mesmo que seja o fim do relacionamento em prol da nossa integridade.) Nos permite, na mesma proporção saborear – e se desejo for, expurgar – as dores, os medos, os fins.

Que eu seja a sentinela dos meus medos… Com a devida benção de Rilke à paráfrase, eu acho que encerra bem.Que tenhamos o domínio e a guarda (e digo isso em tom de prece solitária num momento comum) sobre a nossa vontade, as nossas dores, os nossos medos, os nossos algozes e – utopia minha – o nosso fi

::: Escrevi este texto na ocasião em que assisti ao filme “Sylvia – Paixão além das palavras” (Nunca entendi essa mania de darem títulos – e o que é pior subtítulos! – ridículos aos filmes. Se a gente não for persistente, insistir em ver o que tem por trás e sublimar, nem vê). Impressionou-me a força dessa mulher, mesmo com a Gwyneth Paltrow fazendo o papel, muito! Ontem, nas minhas noites de insônia assisti novamente e senti tudo de novo. As mesmas frases continuam rodando na minha cabeça e eu levantei e fui correndo pegar Ariel na estante – coisa que eu não tinha na época. :::

Gabriel García Márquez relata ter aprendido a ler pelo método Montessori

Gabriel García Márquez relata ter aprendido a ler pelo método Montessori

Aprender a Ler

Tive muita dificuldade em aprender a ler. Não me parecia lógico que a letra «m» se chamasse «éme» e, no entanto, com a vogal seguinte não se dissesse «éme» e sim «ma». Era-me impossível ler assim. Por fim, quando cheguei ao Montessori, a professora não me ensinou os nomes mas sim os sons das consoantes. Assim pude ler o primeiro livro que encontrei numa arca poeirenta da arrecadação da casa. Estava descosido e incompleto, mas absorveu-me de uma forma tão intensa que o namorado da Sara, ao passar, deixou cair uma premonição aterradora: «Caramba!, este menino vai ser escritor».

Dito por ele, que vivia de escrever, causou-me uma grande impressão. Passaram vários anos antes de saber que o livro era «As Mil e Uma Noites». O conto de que mais gostei – um dos mais curtos e o mais simples que li — continuou a parecer-me o melhor para o resto da minha vida, embora agora não esteja seguro de que fosse lá que o li nem ninguém me tenha podido esclarecer. O conto é este: um pescador prometeu a uma vizinha oferecer-lhe o primeiro peixe que pescasse se ela lhe emprestasse um chumbo para a sua rede e, quando a mulher abriu o peixe para o frigir, tinha dentro um diamante do tamanho de uma amêndoa.

Gabriel García Márquez, in ‘Viver para Contá-la’

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