Nobel da Medicina diz que memória perdida por Alzheimer pode ser recuperada

Nobel da Medicina diz que memória perdida por Alzheimer pode ser recuperada

Pessoas que sofrem da Doença de Alzheimer podem não ter “perdido” a memória e têm apenas dificuldades em recuperá-la, concluem investigadores conduzidos pelo Nobel da Medicina Susumu Tonegawa, que na quarta-feira revelaram a possibilidade de um tratamento curar os estragos provocados pela demência.

O prêmio Nobel da Medicina Susumu Tonegawa (1987) defende que o estímulo de áreas específicas do cérebro com luz azul permite a ratos de laboratório recuperarem experiências e memórias que pareciam esquecidas.

Os resultados fornecem algumas das primeiras evidências de que a doença de Alzheimer não destrói por completo as memórias específicas, torna-as “apenas inacessíveis”.

“Como seres humanos e ratos camundongos tendem a ter princípios comuns em termos de memória, os nossos resultados sugerem que os pacientes com a doença de Alzheimer, pelo menos nos estádios iniciais, podem preservar a memória. Ou seja há hipóteses de cura”, comentou Susumu Tonegawa à agência de notícias France Presse.

A equipe de Tonegawa usou este tipo de animais geneticamente modificados para mostrar sintomas semelhantes aos dos seres humanos que sofrem de Alzheimer, uma doença degenerativa do cérebro que afeta milhões de adultos em todo o mundo. A Organização Mundial de Saúde estima que em 2050 a demência afete 131 milhões de pessoas.

Os animais foram colocados em caixas cuja superfície inferior estava eletrificada, causando uma descarga desagradável, mas não perigosa, sobre os seus membros sempre que os animais tocassem nessa estrutura.

Um rato que não tem Alzheimer desenvolve comportamentos medrosos, evitando a sensação desagradável.

Camundongos com Alzheimer não reagem da mesma forma, indicando que não guardam nenhuma memória da experiência dolorosa.

No entanto, quando os cientistas estimulam áreas específicas do cérebro dos animais – as chamadas “células de engramas” relacionadas com a memória – usando uma luz azul, os ratos acabam por se lembrar da sensação desagradável ou pelo menos desenvolvem comportamentos para evitar os choques elétricos.

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Imagem mostra uma célula de engrama, relacionada à memória, de modelo de camundongo para a doença de Alzheimer: uso de luz foi capaz de fazer animal recobrar memória (Foto: Riken/Divulgação)

O mesmo resultado foi observado também quando os animais eram colocados num recipiente diferente durante o estímulo, o que sugere que a memória se manteve.

Ao analisar a estrutura física do cérebro dos ratos, os investigadores mostraram que os animais afetados com a doença de Alzheimer tinham menos “espinhas dendríticas”, através das quais as conexões sinápticas são formadas.

Com a repetição dos estímulos lumínicos, os animais podem incrementar o número de espinhas dendríticas atingindo o níveis dos ratos saudáveis.

“A memória de ratos foi recuperada através de um sinal natural”, disse Tonegawa, referindo-se ao recipiente que causava o comportamento de medo.

“Isto significa que os sintomas da doença de Alzheimer em camundongos foram curados, pelo menos nos estádios iniciais”, disse.

A investigação, patrocinada pelo Centro RIKEN-MIT para Genética de Circuitos Neurais, é a primeira a mostrar que o problema não é a memória, mas as dificuldades na sua recuperação, explica o centro com sede no Japão.

“É uma boa notícia para os pacientes de Alzheimer”, acrescenta Tonegawa por telefone à AFP, a partir do escritório em Massachusetts. Tonegawa obteve em 1987 o prémio Nobel da Medicina.

Fontes indicadas:Nuno Noronha/Sapo/ Bem Estar

Nota da página: A pesquisa foi publicada na revista “Nature”.

Duas orações unidas por um parágrafo no centro do mundo

Duas orações unidas por um parágrafo no centro do mundo

“Ajuda-me que já não sei o que faço com o que te sinto”, dizes-me, a voz roçada pelas lágrimas. E eu sorrio, limpo-te as lágrimas. E amo-te.
É sempre com amor que se ajuda quem se ama.
“Queria viver sem precisar do teu abraço, sem depender dos teus lábios”, atiras, enquanto me abraças e me beijas. E a ironia deixa que eu fique em silêncio.
É sempre em silêncio que se ajuda quem se ama.
Preciso-te para depois do que se sente. Preciso-te para além do que é saudável. Mas quem disse que o amor é saudável?
É sempre com deficiências que se ama com perfeição.
“Abraça-me como se me fodesses” pedes-me. E todo o amor, numa simples frase, fica dito.
Amo-te cada abraço como se te fodesse. Como se por dentro dos braços estivesse todo o prazer do mundo, todo o encanto de existir. Como se não houvesse depois para um abraço que se vive agora.
É sempre em agora que está o tempo de quem se ama.
“Não quero que me ajudes se não te estiveres a ajudar”, explicas, a tua mão a ajudar-me o sexo a erguer-se. E depois chega o momento do corpo, o instante em que todos os suores servem para amar.
Se tiver de beber que seja de ti, se tiver de morrer que seja por ti. Se tiver de doer que seja a sério, sem remissões. Não admito dores pequenas para algo tão grande assim.
É sempre em tão grande assim quando se ama assim.
“Ouço Deus no teu orgasmo”, confessas, já ajoelhada diante do que gememos. E nem as paredes conseguem ouvir o que nos dizemos em gritos. E nem a gramática explica uma sintaxe assim: duas orações unidas por um parágrafo no centro do mundo.
Nem o ponto final nos consegue terminar. Nem a água escorre com tanta força, nem a pedra é tão forte como o que nos ensina. E nenhuma sala de aula tem o que nós temos: dois alunos unidos pela certeza de que só o que se desaprende é capaz de ensinar.
É sempre ignorância amar tanto assim.
 

Pedro Chagas Freitas 

 

A casa, fabulosa reflexão de Alice Munro

A casa, fabulosa reflexão de Alice Munro

Uma história não deve ser lida como uma estrada, um caminho a seguir é mais como uma casa. Você entra e fica lá por um tempo, andando para trás e para a frente, a decidir os cômodos que mais gosta e descobrindo como os quartos e o corredor se relacionam entre si ou como o mundo exterior fica alterado ao ser visualizado a partir de suas janelas. 

E você, o visitante, o leitor, vai também se alterando por permanecer neste espaço. Tudo vai depender se ele é amplo, iluminado, cheio de curvas tortuosas, pouco ouopulentamente mobiliado. Você pode retornar à casa quantas vezes quiser, e a casa, a história, sempre mostrará mais do que você viu pela última vez.  

A história, assim como as casas, são erguidas com regras particulares de construção, com um robusto senso de si mesmas. O encanto reside no que elas estabelecem em nós –desconforto, acolhimento ou sedução. “
Alice Munro

Texto encontrado em Ou isto ou aquilo

Homens na vitrine – A sociedade de consumo, por Bauman e Baudrillard

Homens na vitrine – A sociedade de consumo, por Bauman e Baudrillard

A sociedade contemporânea, a qual muitos definem como pós-moderna, é uma sociedade caracterizada por um discurso polissêmico, dito de outra forma, não há um sentido próprio ao ser, tampouco à vida. Desse modo, cabe ao indivíduo a busca por aquilo que lhe defina e, assim, sirva-lhe de norte, dada a sua extrema liberdade.

Apesar de toda essa liberdade, existe uma lei, a qual todos ainda devem seguir, a saber, a lei do mercado. O mercado se apresenta como uma forma de sentido à vida, moldando a “personalidade” dos indivíduos e construindo os seus valores. Entretanto, na sociedade de consumo, as mercadorias não possuem apenas o valor de uso e de troca (visão marxista), mas, sobretudo, o valor simbólico. Isto é, os objetos passam a determinar um referencial para as pessoas.

Essa ideia é proposta pelo francês Jean Baudrillard, o qual aduz que os objetos possuem signos, os quais são impostos pelo sistema hegemônico. Ou seja, a sociedade, por meio do sistema hegemônico, como a mídia, determina o valor que os produtos possuem, com slogans do tipo: “Se não é um Iphone, não é um Iphone”. Dessa forma, somos retribalizados segundo o que consumimos, já que não é a minha personalidade que me define, mas sim o que eu consumo.

É nesse ponto que o mercado age, associando o consumo de determinados produtos a vidas bem sucedidas e felizes, ao passo que aqueles que não consomem, ou consomem produtos “chinfrins”, são tristes, infelizes e perdidos na vida. O mercado utiliza-se, portanto, do consumismo, para definir aquilo que devemos ser (e ninguém projeta uma vida infeliz).

As mercadorias, nesse contexto, são analisadas pelo signo que comunicam – como uma vida bem sucedida –, deixando de considerar a sua utilidade. Sendo assim, pouco importa se preciso ou não de determinado produto, essa relação está obsoleta, devo considerar o seu valor sígnico, ou seja, qual a mensagem que possuo ao consumir tal produto.

Nesse contexto de extrema liberdade, ser livre é poder consumir o que se deseja. Todavia, aceitando o “consumo, logo existo”, como brinde ganhamos a lei do mercado e nela você não é apenas consumidor, é também mercadoria. Sendo mercadorias, como qualquer outra, somos analisados pelos signos que possuímos perante a sociedade. Assim, à luz de Zygmunt Bauman, buscamos, pelo consumo, aumentar o nosso valor sígnico, pois:

“Na sociedade de consumidores, todos nós somos consumidores de mercadorias, e estas são destinadas ao consumo; uma vez que somos mercadorias, nos vemos obrigados a criar uma demanda de nós mesmos.”

Essa demanda de nós mesmos, como dito, é construída pelo que consumismos, posto que, em uma sociedade onde os valores são determinados por aquilo que se consome, faz-se necessário consumir para possuir valor, inclusive enquanto indivíduos socialmente e sexualmente atrativos para o mercado. E não se esqueça de que há sempre outras oportunidades no mercado acenando com valores maiores.

Desse modo, quando não consumimos, sobretudo os produtos com valores sígnicos relevantes, ficamos fora do mercado. Em outras palavras, não somos socialmente aceitos. No entanto, não vejo sentido em adequar-se ou em ser “socialmente aceito” por um sistema que cria escravos de si mesmo.

A tentativa de dar sentido à vida por meio do consumo parece-me uma tentativa frustrante, dado que não se conseguiu estabelecer um sentido à vida das pessoas. Pelo contrário, fortaleceu a lei do mercado e aumentou ainda mais o vazio deixado pela morte de Deus e/ou da razão, na medida em que a lei do mercado transforma cada vez mais as pessoas em mercadorias e, sem pessoa humana de verdade, é impossível estabelecer um sentido para a vida.

É claro que há de se considerar a possibilidade de que a vida não possua sentido. Mas esse não é o cerne da questão e sim a tentativa de dá-la por meio do consumo, uma vez que apenas somos retribalizados, excluídos e tratados sem grandes diferenças em relação a uma barrinha de cereal (ser fitness está na moda).

Por trás do culto da liberdade pregada pela modernidade líquida, existem inúmeras ditaduras como essa, a qual altera de forma substancial o pensar e o agir das pessoas, distorcendo a realidade e construindo uma hiper-realidade, caracterizada pela perda do referencial de identidade, atendendo a uma imposição econômico-cultural.

Sendo assim, vivemos, produzimos e consumimos artificialidade. Mas, se você é um consumista assumido (é difícil), não se preocupe, estamos em tempos líquidos, ninguém dá muita bola para nada. Apenas, cuidado, pois, como a lei que o rege é a lei do mercado, talvez possa amanhecer em uma vitrine, em dia de liquidação.

Você já parou para pensar em você hoje?

Você já parou para pensar em você hoje?

Você já parou para pensar em você hoje? Você sabe de cor quais são seus anseios, receios e sonhos?

Há alguns anos um amigo me perguntou se eu sabia quem eu realmente era. E eu fiquei exaltada na época com a indagação. Retruquei-a com outra e depois respondi pronunciando meu nome.

Então esse amigo me disse que eu não podia ser apenas um nome, já que um nome era a chave para um mundo, mas não o mundo em si.

Mas eu não tinha a resposta para a pergunta dele, contudo, algo se acendeu em mim depois daquela conversa. Então, de noite, ao chegar em casa, me sentei no chão de pernas cruzadas e me perguntei: Quem é você?

A resposta que tive foi um silêncio longo e perturbador e naquele momento tive a certeza de que era minha a missão de descobrir quem eu realmente era.

Tocar em nossa essência é algo no mínimo desafiador, não vou mentir. Nosso caminho de autodescoberta é cheio de becos sem saídas, de íngremes subidas e ladeiras assustadoras. Alguns tropeços acontecem nesse processo, mas sabermos ao certo quem somos é deveras importante para que possamos trilhar nossos próprios caminhos e não aqueles que nos são tão prontamente sugeridos.

Na vida seremos inevitavelmente lançados em um mar de experiências compartilhadas. Seremos testados inúmeras vezes e teremos nossos valores e amor próprio colocados em xeque. Se não soubermos quem realmente somos podemos nos perder irremediavelmente.

Há algum tempo assisti ao filme “3096 dias” baseado na história real de Natascha Kampusch, uma garota austríaca raptada e mantida em cativeiro por quase dez anos. Sua própria mãe desistiu de procurar por ela em um tempo curto após seu desaparecimento e seu algoz tentou fazê-la esquecer de quem era repetidas vezes, contudo Natascha aproveitou todas suas poucas oportunidades de quase fuga para eloquente dizer seu nome, de onde vinha, e em qual situação vivia.

Por outro lado, houve nos EUA um caso similar no qual uma jovem, Jaycee Dugard, foi raptada e permaneceu no cativeiro por dezoito anos. No início ela era trancafiada, mas nos últimos anos ela morava no quintal do sequestrador. Quando a polícia descobriu Jaycee, por acaso, e a levou para a delegacia, ela afirmou repetidas vezes ser outra pessoa e deu aos agentes o nome falso que lhe fora ditado pelo sequestrador.

Esses dois últimos exemplos são bastante emblemáticos e apesar de semelhantes, distintos. Ambos delineiam de forma precisa a importância de nos lembrarmos e de lutarmos por nós. De sabermos precisamente quem somos. Jaycee teve muita sorte, pois é provável que permanecesse no cárcere por toda a vida se não tivesse sido encontrada por acaso. Já Natascha lutou com todas as forças para escapar e isso lhe trouxe a liberdade.

Essas duas jovens passaram por situações limites, contudo relações de controle podem permear a vida de todos nós, em maior ou menor grau e, permitir que continuem, nos deixando levar por elas, tem a ver com o que sabemos sobre nós.

Inevitavelmente seremos transformados na vida pela interação. Compartilharemos experiências, ensinaremos e aprenderemos muito. Contudo não sairemos secos após um banho de mar. Nem mesmo devemos ansiar por isso. A questão não é não se deixar molhar, mas sim não se deixar arrastar pela correnteza.

Muitas vezes agimos de forma temerosa acerca de nossas vontades, contudo o autoconhecimento nos é essencial para determinarmos quais lutas devemos travar.
Em diversos momentos pode nos parecer mais fácil e menos doloroso seguir um fluxo, mas quando esse impulso surgir é sempre bom corrermos para o espelho e nos olharmos com sinceridade.

Saber quem realmente somos, o que nos apetece ou não e quais nossas preferências é muito importante para nos tornarmos donos dos nossos próprios passos.

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Aposentadoria, o fim?

Aposentadoria, o fim?

Durante o decorrer de nossas vidas, geralmente a partir dos 18 anos, iniciamos uma
nova etapa: procurar um emprego!
E por que procuramos um emprego?
Porque sabemos que o trabalho nos trará uma identidade, nos trará a oportunidade de novas
amizades, nos distrairá – ninguém consegue “ver a banda passar” (salvo os impossibili-
tados por algum mal que os impeça de “seguir a banda”); e sobretudo, trabalhamos pa-
ra nos sustentar.
Bem, aí estudamos, procuramos em anúncios, fazemos concursos ou somos ajudados por um familiar, amigo, que nos proporciona um trabalho. E lá estamos: no nosso primeiro emprego!
Talvez, durante essa jornada, passemos por vários tipos de trabalho ou acabemos des –
cobrindo nossa real vocação. E partimos… em busca de nossa realização pessoal e pro –
fissional.
Mas, os anos passam – implacáveis!
E chega o momento da aposentadoria. Nova etapa, novo desafio!
Já estamos cansados, natural e humanamente, o cérebro e o corpo pedem pausa!
E agora?
Iremos atender ao apelo de nosso cérebro e corpo que clamam por sossego, descompro-
metimento com horários e regras, desejando curtir um bom tempo de vida que nos resta,
sem necessidade de “bater o ponto”, almoçar às pressas, acordar cedo (quando tudo que
queríamos era ficar mais 1 hora na cama)?
Conheço pessoas que dizem nunca se aposentar e conheço quem morreu meses depois de
deixar o emprego.
Eu sempre tive como lema que “nos empregamos para viver e não vivemos para ficarmos
eternamente empregados”.
Podemos administrar o tempo com sabedoria para que essa nova etapa, a da aposentadoria, nos traga mais benefícios e qualidade de vida, do que monotonia.
É chegado o momento de passear, viajar, criar círculos de amizades, conversar na praça,
aprender a tocar aquele instrumento que sempre sonhamos, mas não
tínhamos tempo, dançar, fazer academia – alongamento, natação…curtir mais a esposa, o marido, os filhos, os netos, e, se formos sozinhos, conhecer pessoas, cidades, abrir um leque de coisas por fazer…
A vida não acaba com a aposentadoria!
A aposentadoria chegou para nos mostrar que cumprimos uma etapa, teremos nosso neces-
sário salário garantido honradamente e que novas etapas surgirão – e com mais vantagem:
disponibilidade de tempo e com a possibilidade de novos caminhos que se abrirão, se não fi-
carmos apegados ao que já passou – como tudo na vida passa!
O que importa é sermos felizes, criativos e produtivos sempre!
Aposentadoria não é sinônimo de velhice.
Mas um dos sinônimos de velhice é: “caduquice”.
E “caducos” não estamos!
Portanto, “bola prá frente”!
Lu Prado

Não dê conselhos, apenas esteja lá- Cynthia de Almeida

Não dê conselhos, apenas esteja lá-  Cynthia de Almeida

Por Cynthia de Almeida

“A beleza da vida está igualmente em sua luz e sua escuridão.”
William Faulkner

Quando uma pessoa está devastada pela dor, a última coisa de que ela precisa são conselhos. O seu mundo foi destroçado e o ato de convidar alguém, quem quer que seja, para entrar nele é um grande risco. Tentar consertar, racionalizar ou eliminar a sua dor apenas aprofunda o terror. Em vez disso, a coisa mais poderosa que você pode fazer é reconhecer aquele sofrimento. Dizer, literalmente, as palavras: “Eu reconheço a sua dor. Eu estou aqui com você”.
(…) Note que eu disse com você, não por você. Por implica que você fará alguma coisa. E não é esperado que você faça nada a não ser ficar do lado de quem você ama, sofrer com ele, ouvi-lo.

Não existe uma ação maior do que o reconhecimento. E o reconhecimento não exige treino, nenhuma habilidade especial, nenhuma expertise. Somente a vontade de estar presente com uma alma ferida e permanecer presente pelo tempo que for necessário.

Esteja lá. Apenas esteja lá. Não vá embora quando se sentir desconfortável ou sentir que não está fazendo nada. Na verdade, é quando você se sente desconfortável e acha que não está fazendo nada que você deve ficar.

Porque é nesse lugares, nas sombras em que raramente nos permitimos entrar, que os princípios da cura são encontrados. A cura é fundada quando encontramos outros que desejam entrar naquele espaço conosco. Todas as pessoas enlutadas do mundo precisam de pessoas assim.

Estas palavras são poderosas porque miram diretamente as platitudes patéticas que nossa cultura construiu em torno das perdas: a perda de uma criança não pode ser resolvida, ser diagnosticado com uma doença debilitante não tem solução, encarar a traição de uma pessoa próxima não tem cura. Todas essas coisas podem apenas serem suportadas. E quem nos ajuda, os únicos que nos ajudam, são aqueles que ficam ao nosso lado. E não dizem nada. E nesse nada, fazem tudo.

Este texto foi extraído do blog de Tim Lawrence, músico erudito que sofre de paralisia cerebral, experimentou na pele muitas perdas e dificuldades e se dedica ao tema da adversidade e resiliência em seu blog The Adversity WithinLawrence usa sua experiência pessoal para ajudar as pessoas a sobreviverem ao luto e ao sofrimento. Ele acredita, como nós, que ninguém deveria enfrentar as adversidades sozinho.

Fonte indicada: Vamos falar sobre Luto

Aproxime-se com cuidado. Eu pego amor fácil.

Aproxime-se com cuidado. Eu pego amor fácil.

Sim, eu sou dessa gente que pega amor fácil. Pego mesmo. Aviso logo. Não é de propósito, não é por mal. Bobeou, estou gostando. Bem certo é que daqui a pouquinho eu posso gostar de você. Então, se tiver alguma ressalva, contraindicação, alergia e essas coisas, é melhor tomar distância.

Disfarce. Não olhe agora, mas tem um sentimento sapeca chegando ali. Vem cheio de coisas, carinhos, ternuras, cuidados. Pronto, eu peguei amor. Pego amor em gente, bicho, objeto, filme, série, lembrança, gesto. Qualquer coisa.

Agora mesmo, estou cheio de amores por um semáforo perto da minha casa que sempre acende o vermelho quando eu me aproximo. Sempre! Penso aqui comigo que ele tem um fraco por minha companhia. E eu aprendi a gostar dele. Se amanhã, quando eu passar, ele estiver verde, vou lhe dar um tchau e dizer: “até amanhã, meu amigo. Até amanhã…”.

Você pode achar que isso é carência, apego, essas coisas. Pode dizer! Eu não fico chateado, não. Vou até gostar da sua perspicácia, do seu empenho em entender e nomear o sentimento alheio. Mas eu prefiro achar que isso é só jeito de ser. E você sabe: jeito de ser, cada um tem o seu.

É que eu não vejo sentido em me aproximar de alguém por quem eu não posso sentir amor, sabe? Qual é a graça? Se entre nós não existe a possibilidade de haver apreço, eu deixo de lado e sigo em frente. Tudo bem, concordo que vez ou outra todo mundo é obrigado, por força das circunstâncias, a suportar quem não quer. Colegas de trabalho, cunhados, chefes, sogros. Tem sempre alguém que, apesar do seu esforço, não vai com a sua cara e você não pode simplesmente descartar. Sempre tem. Mas que seja a exceção. Onde couber amor, melhor! Porque com amor é mais gostoso.

Tantos gênios por aí tão cheios de teses! Já ouvi que quem pega amor fácil é gente grudenta, dependente. Para quem é afeito a confundir amor com grude e dependência, pode ser. Eu, não. Outra tese dá conta de que aqueles que se apegam com facilidade também desapegam sem mais. Pode ser. Mas e daí? Quem disse que o amor tem de durar para sempre? Qual é a duração ideal de uma relação amorosa? Ninguém sabe!

Além do mais, tem amor de todo jeito. Amor, amorzinho, amorzão. Amor de pai e mãe, amor de filho, amor de irmão, amor de amigo, amor de amante, amor de tudo quanto é jeito. Que história é essa de decretar que o amor só pode ser assim ou assado e se for diferente não é de verdade?

Pegar amor fácil não é coisa de gente volúvel e insegura, não. É coisa de gente. E gente precisa de amor. Eu preciso. Careço querer bem a mim mesmo, ao outro e ao que mais merecer um sentimento de apreço. Se não merece, eu não quero. Descarto. Afinal, pegar amor não é ter posse. Amar alguém não é trancafiá-lo para longe dos olhos alheios. É só um jeito de deixar a vida mais bonita.

Antes o mundo repleto de seres amorosos, ansiando por distribuir afeto a quem puder, do que entupido de almas aborrecidas, malquerendo e odiando quem passar perto. Se você discorda, respeito a sua opinião. Se concorda, vem já me dar um abraço. Mas cuidado: eu pego amor fácil.

Voce já se permitiu não pensar hoje?

Voce já se permitiu não pensar hoje?

De vez em quando precisamos parar, olhar pela janela e não pensar em absolutamente nada. É isso mesmo, é bom desligar por alguns momentos e só sentir. Sentir o cheiro da comida sendo feita no fogão, ou da marmita que você pediu no delivery online e acabou de chegar. Sentir a textura do pelo macio do seu cachorro, ou do seu gato, ou os dois, ou simplesmente um cobertor favorito. Ouvir uma música que te desperta uma boa lembrança, ou o silêncio da casa vazia, ou o barulho da casa cheia, ou carros passando na rua, não importa: ouvir.

Pensar é bom e todo mundo gosta, e acredito que o exercício do raciocínio é fundamental. Mas de vez em quando parar e não pensar, deixar-se levar pelo que seu corpo te traz de mensagens de fora, pode ser incrivelmente libertador. Sentir o prazer que os sentidos nos provocam, agradecer ao que nos cerca, viver pelo momento aqui e agora. Você já se permitiu hoje? Comer sentindo o gosto do alimento, ouvir sentindo o som reverberando, tocar sentindo a textura, olhar sentindo a luz entrar, cheirar sentindo o que cada nota do aroma tem a lhe dizer? Parece tão simples, mas parece que para algumas pessoas não é bem assim.

Dias atrás ouvi alguém me dizer que “não tinha tempo nem para sentir o gosto do suco que bebia”, e isso me deixou bastante perplexa. Não consegui me convencer da ideia de se beber um suco sem sentir seu gosto até conversar sobre isso com amigos e concluir que, de fato, muita gente não se preocupa com esses “meros detalhes” mesmo. Achei isso triste e preocupante ao mesmo tempo, e vez por outra ainda me lembro desse pensamento, que vem acompanhado de um Fernando Pessoa sussurrando ao meu ouvido, quase que querendo me acalmar:
“O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…”

Esse trecho tão breve do “Guardador de Rebanhos” guarda algo lindo nele, que merecemos parar para refletir. Não busco uma reflexão extremista, de que devemos parar de pensar e simplesmente sentir. Não, nada disso! Ele me diz mais, e somente, para aproveitar o que o mundo tem a nos oferecer, estarmos de acordo com o que nossos sentidos nos dão, olhar cada paisagem, sentir cada gota de suco que bebemos. Viver sem precisar se explicar por isso.

*”O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993) – 24.

“É difícil achar uma pessoa feliz entre os ricos”- Zygmunt Bauman

“É difícil achar uma pessoa feliz entre os ricos”-  Zygmunt Bauman

Por NÚRIA ESCUR

Se uma pessoa no alto dos seus 90 anos comparece a uma entrevista às 8h45, é porque está em forma. Longe do seu inseparável cachimbo, este extraordinário dissidente do capitalismo e hipercrítico com o comunismo, polonês com passaporte britânico, tem aspecto de homem que sabe mais pelo que não diz do que pelo que diz. E disse muito.

Nascido em Poznan em 1925, Zygmunt Bauman (foto) é um dos intelectuais europeus vivos mais importantes, Prêmio Príncipe das Astúrias de Comunicação e Humanidades 2010, junto com Alain Touraine. Acredita que a desigualdade se instalou entre nós para ficar e que a elite política há décadas não fala a mesma linguagem que as pessoas comuns. Essa chamada por ele “modernidade líquida” já é modernidade liquefeita e, se duvidar, evaporada…

De ascendência judaica, seus pais fugiram do país após a invasão alemã, em 1939, e se instalaram na União Soviética. Expulso em 1968 da Universidade de Varsóvia por razões políticas, Bauman retomou seu trabalho docente nas universidades de Tel Aviv e Haifa. Desde 1971 é professor emérito de Sociologia na Universidade de Leeds.

A lucidez, sua perspicácia e, talvez, acima de tudo, sua experiência de vida, fizeram-no ser uma referência mundial fundamental, um pensador a quem nada é alheio. Considera a nossa sociedade uma das mais desiguais desde que, um dia, os europeus, com o estado de bem-estar social, acreditaram ter resolvido tudo.

Gostaríamos de saber mais de você que de suas ideias, embora não sei se são indissociáveis. É muito ou pouco consumista?

Não se pode escapar do consumo: faz parte do seu metabolismo. O problema não é consumir; é o desejo insaciável de continuar consumindo… Desde o paleolítico os humanos perseguem a felicidade… mas os desejos são infinitos. As relações humanas são sequestradas por essa mania de apropriar-se do máximo possível de coisas.

Nas manhãs de domingo as famílias britânicas não vão à missa, mas ao shopping. É esse o nosso novo templo?

Sou muito cauto na hora de comparar consumismo e religião. A religião é uma transgressão, te leva para além da tua vida. Na América, antes, a tradição era que se reunisse a família ao redor da mesa para comer e conversar. Nos últimos anos, apenas 20% das famílias fazem isso.

Rompeu-se essa ideia nuclear de família?

Sim, era uma interação física. Agora, ao contrário, cada qual pega a sua comida, senta-se na frente do computador e come. O ser humano de hoje passa sete horas e meia diante de algum tipo de tela. Se a interação com alguém na rede não te interessa, aperta um botão e adeus.

Nas relações humanas não é tão fácil desconectar.

O corpo a corpo te obriga a te confrontar com a diferença. Administrá-la com os sentimentos, elaborá-la. Um efeito colateral dessa dissociação é que se perdeu a vontade do trabalho “bem feito” também nas relações. Perdemos a capacidade de nos relacionarmos com esmero.

Qualquer coisa que alguém escolhe modifica o contexto.

Porque resitua a liberdade de outros. O importante é ter a oportunidade de exercê-la. Neste momento, só há um grupo muito reduzido de homens livres e uma grande massa que fica fora do jogo.

As classes médias perdem terreno e parte delas estão se convertendo em proletariado, uma classe que você chamou de “precariado”.

Lamento não ter lido o último livro de Thomas Piketty antes de escrever o meu, porque cita coisas interessantes. Por exemplo, que os direitos humanos são algo que herdamos da Revolução Francesa. Nosso horizonte – que marca a distribuição da riqueza – deveria ser o bem comum. Os ricos agem com toda essa riqueza – a maioria a herdaram – com absoluta impunidade. Acreditam que eles nunca poderão falir.

As 85 pessoas mais ricas do mundo acumulam uma riqueza equivalente aos quatro bilhões de pessoas mais pobres. Qual é a pessoa pobre mais feliz que conheceu e a rica mais infeliz com que já se encontrou?

É muito difícil encontrar uma pessoa feliz entre os ricos.

Bom, então comecemos pelos que não têm nada.

Uma pessoa pobre que consegue tomar café da manhã, almoçar e, com sorte, jantar… é automaticamente feliz. Nesse dia conseguiu seu objetivo. O rico – cuja tendência obsessiva é enriquecer mais – costuma meter-se numa espiral de infelicidade enorme. A grande perversão do sistema dos ricos é que acabam sendo escravos. Nada os sacia, entram em colapso, uma catástrofe!

Você participou da Segunda Guerra Mundial, combateu com o Exército polonês, trabalhou para os serviços de informação militares… Qual foi o pior momento da sua vida e como conseguiu recuperar-se?

Ao final, a vida não é um campeonato de futebol, onde podes dizer “olha, aquele jogo foi o pior”. Mas lhe responderei com uma anedota que pode parecer evasiva, mas não é. Certa vez, o grande poeta Goethe – quando tinha quase a minha idade – foi entrevistado por Eckermann. “Diga-me, você teve uma vida feliz?”, perguntou-lhe. E Goethe respondeu: “Pois, olhe, sim, tive uma vida feliz. Mas não me pergunte se tive uma só semana feliz”.

Então, a felicidade não é a soma de momentos de felicidade, como dizem alguns?

Não, a felicidade é o gozo que dá ter superado os momentos de infelicidade. Ter conseguido transformar teus conflitos, porque sem conflitos as nossas vidas, a minha vida, teriam sido uma verdadeira chatice.

Terá visto tantas circunstâncias que se repetem ciclicamente – sociedades cheias de esperança, outras devastadas, as que ficam destruídas, as que logo se recuperam… Isso o tornou mais cético?

Eu prefiro identificar-me com o “homem esperançado”. Há uma dinâmica da história que te leva ao ceticismo como atitude, porque o otimista diz “estamos no melhor dos mundos” e o pessimista pensa “bom, tanto faz se o otimista tem razão”. Sobre isso, recomendo-lhes “Generativi di tutto il mondo, unitevi!”, de M. Magatti e Ch. Giaccardo, um manifesto publicado este ano e que nos apresenta um conceito novo: a sociedade generativa.

O que significa esse conceito que acaba de ser cunhado: sociedade generativa?

A sociedade de consumo é uma montagem que consiste em que colhas tudo o que há ao teu redor para te preencher. O manifesto gerador propõe o contrário: tudo o que tu podes dar à sociedade, é a única coisa que pode nos salvar.

Como explicaria sua “modernidade líquida” – definição perfeita da sociedade pós-moderna, consumista e banal – a uma criança?

Ensinaria isto (Bauman pega um biscoito em forma de estrela) e diria: “Se isto fosse uma pedra, mesmo que eu a girasse, a virasse… não seria afetada por nada. Depois lhe mostraria este copo cheio de água e lhe diria: “isto, simplesmente decantando, vês?, se modifica”. E se agora não estivéssemos no Hotel Majestic, além disso, derramaria a água sobre a mesa…

Adiante, adiante.

Bom, bastaria para explicar a essa criança que a sociedade onde vive é flexível e extraordinariamente móvel. Antes, se você dava um soco na realidade, a realidade não se movia. Tente fazê-lo agora! Antes se sonhava poder trabalhar durante décadas na mesma fábrica, agora a Meca dos jovens é trabalhar no Vale do Silício… E, quando muito, ficam oito meses.

Quando analisa dois totalitarismos – o nazismo e o comunismo – conclui que os nazistas eram criminosos, mas não hipócritas. Executavam o que proclamavam. “O comunismo, ao contrário – acrescenta –, foi uma fortaleza de hipocrisia”. Já não é comunista, segue sendo de esquerda?

Sou socialista. Efetivamente, os nazistas eram transparentes: queriam infligir o mal e o fizeram. Sem espaço para dúvidas. O comunismo foi uma grande farsa, nos enganou. Albert Camus já chamou a atenção para esse fato: o comunismo é o mal sob slogans de ‘buenismo’. Por isso, nas fileiras comunistas surgiu a real rebelião intelectual.

O desencanto, então, foi consequência dessa grande farsa comunista?

Absolutamente. Trouxe a decepção e a dissidência. Igualdade? Bem, foram alcançadas algumas cotas. Mas, e a liberdade? Nada. E a fraternidade? Ainda menos! Essa foi sua grande contradição.

Publicado originalmente no La Vanguardia, Via Sinal da Fenix.

Zuzu Angel e o regime militar

Zuzu Angel e o regime militar

Numa época em que várias pessoas defendem o retorno do regime militar, revisitar fatos cruéis da ditadura brasileira passa a ser uma necessidade.

Nada mais oportuno do que resgatar a história de Zuzu Angel. A mãe que travou uma guerra contra os militares para ter o corpo do seu filho, torturado e morto, embalado em seus braços. Que a lembrança desse episódio criminoso nos faça valorizar, cada dia mais, a democracia em nosso país.

A história da famosa estilista Zuleika Angel Jones e do seu filho Stuart Angel Jones é muito bem retratada no filme Zuzu Angel, dirigido por Sérgio Rezende, numa bela interpretação de Patrícia Pilar e de Daniel de Oliveira.

Personagem histórica do Brasil na época da ditadura, Zuzu foi uma empresária famosa do mundo da moda, reconhecida internacionalmente. Foi também mãe do militante de esquerda Stuart Angel Jones, preso, torturado e dado como desaparecido político no regime militar brasileiro.

Focada em sua vida profissional, a relação entre Zuzu e o filho era bastante conflituosa, pois Stuart rejeitava com ardor o fato de a mãe não se interessar por política, nem pela situação que vivia o país na época e, ainda, por ela costurar, até mesmo, para as mulheres dos generais.

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Em 1971, a vida de ambos dá uma guinada. Stuart desaparece e Zuzu se transmuta na voz da mãe desesperada que deseja encontrar seu filho e, consequentemente, em mais uma voz contra as atrocidades da ditadura militar.

Stuart foi preso em 28 de setembro, no Rio de Janeiro. As torturas sofridas por ele foram contadas, em carta a Zuzu, pelo preso político Alex Polari de Alverga, que esteve detido na mesma unidade da Aeronáutica, na Base Aérea do Galeão. A carta narrava o seguinte:

“Em um momento retiraram o capuz e pude vê-lo sendo espancado depois de descido do pau-de-arara. Antes, à tarde, ouvi durante muito tempo um alvoroço no pátio do CISA. Havia barulho de carros sendo ligados, acelerações, gritos, e uma tosse constante de engasgo e que pude notar que se sucedia sempre às acelerações. Consegui com muito esforço olhar pela janela que ficava a uns dois metros do chão e me deparei com algo difícil de esquecer: junto a um sem número de torturadores, oficiais e soldados, Stuart, já com a pele semi-esfolada, era arrastado de um lado para outro do pátio, amarrado a uma viatura e, de quando em quando, obrigado, com a boca quase colada a uma descarga aberta, a aspirar gases tóxicos que eram expelidos.”

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O filme mostra, de forma exemplar, a vida da personagem antes e depois do desaparecimento do filho. O desespero, mesclado com força e coragem, a fez enfrentar as autoridades da época com fúria, travando uma verdadeira batalha contra os militares em busca do paradeiro do filho. Batalha esta que cruzou as fronteiras e foi estampada em diversos jornais estrangeiros.

A luta de Zuzu terminou em 14 de abril de 1976, com sua morte em um “acidente” de carro. Uma semana antes, ela havia deixado com Chico Buarque um documento em que dizia: “se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho”.

Na cena final do filme, pode-se ouvir do carro de Zuzu a música de Chico Buarque, “Apesar de Você”, feita para criticar a ditadura. Neste momento, o militar que vai se certificar da sua morte, incomodado com o som, tenta desligar o toca-fitas, mas a música continua: “apesar de você, amanhã há de ser outro dia…”

Zuzu morreu sem velar o corpo do seu filho, que nunca foi encontrado. Chico Buarque, posteriormente, compôs “Angélica”, uma triste música em sua homenagem:
“Quem é essa mulher / que canta sempre esse estribilho / só queria embalar meu filho / que mora na escuridão do mar / Quem é essa mulher / que canta sempre esse lamento / só queria lembrar o tormento / que fez o meu filho suspirar / Quem é essa mulher / que canta sempre o mesmo arranjo / só queria agasalhar meu anjo / e deixar seu corpo descansar / Quem é essa mulher / que canta como dobra um sino / queria cantar por meu menino / que ele já não pode mais cantar”
A música “Angélica” descreve bem quem foi essa grande mulher. Uma mãe que só queria agasalhar seu anjo e deixar seu corpo descansar em paz.

Atualmente, existem comissões de familiares dos mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar do Brasil, cujo objetivo é divulgar as investigações sobre as mortes, a localização dos restos mortais das vítimas e identificar os responsáveis pelos crimes de tortura, homicídio e ocultação dos cadáveres de centenas de pessoas durante o regime que durou de 1964 a 1985.

São mães, pais, filhos e irmãos que ainda possuem a esperança de velar os restos mortais dos seus entes queridos, vítimas de um regime cruel e implacável que deve permanecer nas páginas cinzentas da história do Brasil para, assim, ensinar à juventude os valores preciosos da liberdade e da democracia.

Diante de toda a história que envolveu a ditadura, é espantoso e inacreditável ver, na televisão ou nas redes sociais, pessoas defendendo uma época que foi de trevas para povo brasileiro. É lamentável!

O filme de Rezende é de 2006, mas, diante da atual conjuntura, deveria ser revisto por todos aqueles que têm o despudor de levantar um cartaz pedindo a volta do regime militar.

Quando saímos da caverna e caímos no mundo

Quando saímos da caverna e caímos no mundo

Platão foi um grande filósofo e é dele o mito da caverna. De acordo com seu pensamento, nessa alegoria, nós seríamos como prisioneiros olhando para as paredes no fundo de uma caverna – cujo interior é iluminado por uma fogueira. E como tais, veríamos nas sombras projetadas nas paredes formas que para nós seriam tomadas como reais. Sobre elas nos debruçaríamos e por lá ficaríamos entretidos por, talvez, toda uma vida, acreditando serem as projeções a mais pura realidade.

Contudo se um dia um de nós se libertasse e caminhasse para fora da caverna, veria que as sombras projetadas eram de estátuas e que o mundo lá fora guardava a verdade e não a caverna, como pensávamos. A luz do sol, a natureza e todos os seres vivos nos encantariam e assim, dispostos, voltaríamos para a caverna para dividir a verdade com os nossos amigos prisioneiros, que certamente nos tomariam como loucos.

E essa caverna hipotética pode falar diretamente da nossa percepção acerca da vida e do mundo que nos cerca hoje. Dessa forma, pode existir em nosso viver um dia em que as engrenagens das coisas não rodem do jeito que sempre rodaram. Um dia em que o trabalho tão almejado já não realize mais, ou que a nossa casa pareça pequena e apertada para nós ou que o curso de graduação que escolhemos não nos toque como gostaríamos. Pode acontecer de acordarmos um dia e o nosso relacionamento não nos completar como no passado. Pode acontecer de vivermos um dia no qual a sombra das coisas deixe de nos apetecer.

Nesse momento, depois de um passeio além-mundo de projeções, ao decidirmos retornar à caverna e lá gastarmos nossa retórica, tentando conversar acerca da verdade e não da ideia de verdade que nos ensinaram, muitos pedirão que nos calemos, que fiquemos em nosso canto, falando apenas da superfície das coisas, como antes.

E eu na minha percepção de mundo arrisco dizer que, a quem passeou pelo exterior da caverna, se torna impossível aceitá-la novamente. Quem sai da caverna não consegue mais voltar a ela. Para quem sai da caverna, o “ficar lá dentro” passa a ser algo deveras doloroso. Quem vê a luz intensa do sol e depois volta para a escuridão, nota que a nova escuridão parece muito maior que a anterior.

Quem já não ouviu alguém dizer que ciclano ou fulano enlouqueceu e jogou tudo para cima?

Todos nós já ouvimos e vimos muitas pessoas deixarem um emprego rentável, pelo qual tanto lutaram, por uma carreira incerta. Muitos de nós vimos namoros serem desfeitos, namoros que antes pareciam perfeitos, porque um dia um dos enamorados acordou e viu que não era aquilo que realmente queria. Todos já conversamos com alguém que decidiu que determinado curso universitário não lhe era mais agradável.

Sair da caverna não é algo sossegado. Sair da caverna implica ver as coisas de outra forma, implica deixar as certezas por caminhos quase sempre incertos. Sair da caverna implica, muitas vezes, sentir dor, mas mesmo assim ser incapaz de ficar.

É inegável dizer que ficar na caverna é mais fácil e rotineiro, que ela, apesar de seus ideais monótonos, é mais segura, contudo a caverna passa a ser claustrofóbica para quem um dia tocou a luz da verdade.

No filme “Carol” há uma passagem em que a personagem Carol Aird conversa com a amiga Abby sobre tentar voltar para o casamento, assim como para suas convenções, mas de, no entanto, ser incapaz de suportar os compromissos como antes. Nesse ponto ela menciona o fato de não aguentar os mesmos almoços com geleias de tomate. Como se lhe fosse impossível engolir tais refeições. Nesse caso a personagem demonstra, de forma inconsciente, o fato de ser incapaz de degustar as situações incômodas como antes, no tempo em que não tinha saído da caverna.

Sair da caverna não quer dizer encontrar a felicidade, ser recebido com júbilo pelo mundo, ser compreendido. Comumente acontece o oposto, ao sair da caverna muitas vezes o que mais se encontra são pessoas a julgar e a buscar razões que se encaixem nas projeções da caverna.

Então aos nossos ouvidos chegam perguntas como: Mas por que se divorciou, se o cônjuge tudo lhe dava? Mas por que abandonou a casa confortável dos pais por um apartamento apertado e alugado em algum canto insalubre da cidade? Mas por que resolveu que a orientação sexual era outra se parecia animado com os namoros? Mas por que trocou a faculdade concorrida para viajar de mochila pelo mundo? Mas por que abandonou o emprego dos sonhos para abrir um negócio pequeno e incerto? Mas por que decidiu ser ou fazer isso ou aquilo se o status das coisas morava em outra parte?

A resposta para tudo isso tem a ver com a saída da caverna. Tem a ver com a busca pela felicidade. Tem a ver com a incapacidade de engolir a mentira quando da verdade um dia se alimentou.

O mundo não guarda certezas concretas e fórmulas irrefutáveis. O que há nele é um leque de escolhas a serem experimentadas. A vontade de experimentar a vida por si só é uma característica inerente daqueles que um dia se libertaram das pesadas amarras do sistema.

Existe sofrimento em ficar na caverna? Sim. Existe sofrimento em sair dela? Sim, também. Contudo é impossível diminuir de tamanho quando se ganha 5 cm em altura.

Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.

Os 14 preceitos do ser integrado

Os 14 preceitos do ser integrado

O mestre zen, vietnamita, Thich Nhat Hanh, trouxe para o ocidente o termo “budismo engajado”. O termo refere-se a uma prática socialmente comprometida somada à observância de preceitos básicos do budismo. Abaixo, a relação feita pelo mestre zen, para a ética, o ativismo e a ação social:
1. Não seja idólatra por nenhuma doutrina, teoria ou ideologia, mesmo as budistas. Os sistemas de pensamento são meios de orientação; eles não são a verdade absoluta.

2. Não pense que o conhecimento que possui no presente é imutável, ou que ele é a verdade absoluta. Evite ser fechado e estar preso a opiniões presentes. Aprenda a praticar o desligar de pontos de vista a fim de estar aberto a receber os pontos de vista de outros. A verdade é encontrada na vida e não simplesmente no conhecimento de conceitos.

3. Não force os outros – incluindo crianças, por nenhum meio, a adotar os seus pontos de vista. Seja por meio de autoridade, ameaça, dinheiro, propaganda ou mesmo educação. Entretanto, através do diálogo compassivo, ajude os outros a renunciarem o fanatismo e o estreitar das ideias.

4. Não evite o sofrimento, não feche os seus olhos ao sofrimento. Não perca a consciência da existência do sofrimento na vida do mundo. Encontre maneiras de estar com aqueles que estão sofrendo, incluindo contato pessoal, visitas, imagens e sons. Por tais meios, lembre a si mesmo e aos outros à realidade do sofrimento no mundo.

5. Não acumule riqueza enquanto milhões passam fome. Não faça o objetivo da sua vida adquirir fama, lucro ou prazer sexual. Viva simplesmente e compartilhe seu tempo, energia e recursos materiais com aqueles que estão passando necessidades.

6. Não mantenha a raiva ou o ódio. Aprenda a penetrá-los e transformá-los enquanto eles ainda só existem como sementes na sua consciência.

7. Não se perca nas distrações à sua volta, mas continue sempre em contato com tudo o que é maravilhoso, refrescante e curativo dentro de si e ao seu redor. Plante sementes de alegria, paz e entendimento em si mesmo, a fim de facilitar o trabalho de transformação nas profundezas da sua consciência.

8. Não pronuncie palavras que podem criar discórdia e causar a quebra da comunidade. Faça todos os esforços para reconciliar as pessoas e resolver todos os conflitos, nem que sejam pequenos.

9. Não diga coisas falsas nem por interesse pessoal, nem para impressionar as pessoas. Não diga palavras que causam divisão e ódio. Não espalhe notícias que não sabe se são verdadeiras. Não critique ou condene coisas das quais não tem certeza. Fale sempre a verdade, de maneira construtiva. Tenha a coragem de levantar sua voz quando vir uma situação injusta, mesmo quando ao fazer coloca sua segurança em perigo.

10. Não use a comunidade religiosa para ganho ou lucro pessoal, e não transforme-a em um partido político. Uma comunidade religiosa, no entanto, deve tomar uma atitude clara contra a opressão e injustiça, e deve tentar mudar a situação sem se envolver em política partidária.

11. Não viva com uma vocação que é nociva aos seres humanos e à natureza. Não invista em companhias que privam outras pessoas da sua chance de viver. Selecione uma vocação que o ajude a realizar seu ideal de compaixão.

12. Não mate. Não deixe que outras pessoas matem. Encontre todos os meios possíveis de proteger a vida e impedir a guerra.

13. Não possua nada que deveria pertencer a outras pessoas. Respeite a propriedade dos outros, mas impeça os outros de lucrarem do sofrimento humano ou do sofrimento de outras espécies na Terra.

14. Não maltrate seu corpo. Aprenda a cuidar dele com respeito. Para preservar a felicidade, respeite os direitos e os compromissos dos outros. Preserve suas energias vitais (sexual, espiritual, respiração) para a realização de seu Caminho.

Por: Thich Nhat Hanh

Xampu para lavar almas

Xampu para lavar almas

Definitivamente seria uma invenção fantástica! Alma lavada, quem não gosta?

De alma lavada tudo fica leve, colorido, suave!

Justiça feita, um reconhecimento merecido, uma boa notícia, um pedido de desculpas aceito, notícias de alguém bem longe, um presente inesperado…

Para quem não espera mas aceita de bom grado, já é uma enorme lavada de alma. As ditas e esforçadas almas que tentam se manter normais.

Já as mais exigentes, as que enxergam o mundo como um servo cumpridor de suas vontades e caprichos, nada passa de simples obrigação. Nada toca, contagia, entusiasma.

Almas oleosas, sebosas, grudentas, seborreicas. Vivem se esgueirando nas lamentações e reclamações. Nada nunca estará bom ou agradável ou até mesmo aceitável.

Almas secas, ásperas, sem vida. Já tiveram seus dias sedosos, mas de tão maltratadas, amarradas e puxadas, resolveram deixar para trás o brilho da vida.

Almas escamosas, com caspas e feridas. Não conseguem se manter mais em unidade, se desfazem a cada mudança de tempo, de humor, de clima, de intenção.

Basta tocá-las para ficar com um pouco do que lhes cai, por todos os lados.

Almas calvas, esvaziadas, com profundos sulcos e vazios. Que não sabem quando tudo começou, mas que foram perdendo e perdendo, até que já não importa mais.

Para todo tipo de almas, um xampu que as lavasse. Mas não, não existe isso.

Mas é preciso lavar de algum jeito, para mudar, para limpar, para não deixar estragar, para salvar.

É preciso dar um jeito de higienizar a alma, desinfetar as lembranças, devolver a elasticidade às sensações, às esperanças, à vida que não quer se entregar.

Todo mundo merece, em algum momento da vida, uma boa lavada na alma. Aquele grito preso, aquela risada guardada, o alívio que arrepia, o soco no ar!

E se esse xampu não existe e jamais irá existir, que tratemos de arranjar uma solução para isso.

Que saibamos, com honestidade e clareza, classificar que tipo de alma estamos e o que conseguimos fazer para limpar e embelezar.

Sem essa de olhar para a alma do vizinho. A nossa própria já é motivo de muito trabalho e muita persistência para mantê-la tão limpa quanto queremos e podemos.

Alma é um negócio muito particular, cada um cuida da sua.

Não tem como emprestar o xampu.

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