O peso das coisas

Imagem de capa: Svitlana Sokolova, Shutterstock

A gente tem o mau hábito ou insegurança de ouvir os outros o tempo todo. Pra tudo. Das bobagens até as coisas mais sérias. Sempre precisamos da opinião do outro, da validação do olhar externo sobre as nossas vidas. Queremos ser constantemente reassegurados se a nossa intuição, nossa opinião, nosso posicionamento está certo, se não há algo de errado que merece correção.

E mesmo quando não perguntamos, sempre tem gente se sentindo no direito divino de expressar sua opinião a qualquer custo. Em qualquer lugar, seja no ônibus, na fila do banco, no shopping, até no consultório médico. Temos dois grandes males: pessoas que precisam do olhar do outro para movimentar a própria vida e pessoas que tem a necessidade de se meter e dar pitaco na vida dos outros.

No primeiro caso, uma boa dose de confiança e nada que um up na autoestima não resolva pra ser dona do próprio nariz. A gente acha que precisa do passe livre, da autorização dos outros para sermos livres, para sermos emancipados. Nós não precisamos dessa validação para sermos donos da nossa história, sermos protagonistas das nossas vidas.

Não estou dizendo que chegar nesse lugar onde a liberdade predomina é tarefa fácil, mas apenas nós mesmos podemos dar o primeiro passo nessa direção de crescimento pessoal e amadurecimento. Acho que o que dificulta isso na maioria dos casos é que nos tornamos jovens e adultos muito infantilizados.

Talvez pela nossa cultura, onde demoramos muito para cortar o cordão umbilical dos nossos pais e apenas nos mudamos quando casamos e isso vai pra lá dos 25 anos. Vivemos quase trinta anos das nossas vidas morando na casa dos nossos pais e submetidos de certa forma a vontade e opinião deles sobre nossas próprias vidas.

Não adianta, por mais maduro e independente, nos olhos dos nossos pais somos apenas crianças que não sabem de nada, que erram mais do que acertam, que não fazem nada muito direito e precisam de conselhos e direção. Isso só muda o CEP, pois os pais têm sempre essa postura protetora em relação a nós e só querem ajudar com a experiência de vida que eles tiveram até aqui.

E isso é ótimo, mas de certa forma atrapalha nessa transição difícil de jovem para adulto. Mesmo estando com as melhores intenções em mente, acaba se tornando um desserviço. Com essa confusão, somos adultos não emancipados e tratados como jovens pelos nossos pais e acabamos nos sentindo assim, de certa forma, infantilizados.

Com isso, entramos cada vez mais tarde na vida adulta de fato e de certa maneira carregamos essa postura infantil para outros aspectos da nossa vida. Nos vemos, sem poder evitar, trazendo com a gente aquele monstro que ficava dentro do armário ou debaixo da cama, nosso baú de mágoas e neuras. Carregamos de forma inconsciente a sensação de que o mundo e as pessoas nos devem alguma coisa, que precisam ser compreensivas, pacientes, nos mostrarem o caminho e nos dar conselhos de vez em quando.

Procuramos no mundo pais substitutos, irmãos substitutos e buscamos sim validação, a certeza de alguém que tudo vai dar certo, que essa é a melhor decisão a ser tomada, que esse é o caminho certo a seguir. Todos nós de forma inconsciente ou não, buscamos uma aceitação do que somos no outro e um olhar amoroso nesse processo de busca, de auto descobrimento.

E isso é normal também. Mas essa necessidade deve ser dosada, controlada a doses homeopáticas, de conta-gotas. É como uma leve massagem no ego que nos tira da inércia que a dúvida traz para tomar decisões de forma mais assertiva e confiante. Porque quando finalmente nos damos conta que somos mais do que capazes de lidar com as situações que a vida oferece, que já temos conosco todas as ferramentas e todas as respostas, essa sensação de autossuficiência é transformadora.

Porque liberta a gente do lugar de pessoas que aguardam algo passivamente e não tomam as rédeas da situação quando ela se apresenta e fica apenas aguardando alguém resolver para elas, alguém para tentar solucionar o seu problema. O importante é nos darmos conta, sermos honestos com nós mesmos, perceber que agimos assim e tentar entender o porquê disso, o que motivou esse comportamento de achar que temos todos os direitos do mundo.

Agora, o que faremos para lidar, conviver com pessoas invasivas que se sentem no direito de dizer tudo o que passa na cabeça com a prerrogativa de estarem sendo apenas sinceros e francos?

Quanto à segunda hipótese, é mais difícil, porque não temos como controlar o outro e supor como ele irá agir. Mas podemos sim, controlar as nossas atitudes, o nosso modo de ser e não dar abertura para opiniões desavisadas de estranhos. Não se engane, mesmo que a gente não esteja receptivo, certas pessoas não têm bom senso e irão sim importunar com comentários maldosos ou perguntas invasivas.

Pessoas que são assim sentem prazer em ser desagradáveis, em se fazerem de desentendidas e que não falaram nada demais para ficarmos chateados ou ofendidos. Parece um problema, sem solução não é? A única coisa que podemos fazer e a mais sensata é aprender a lidar, a administrar de uma maneira melhor, mais saudável, as coisas que ouvimos por aí.

Talvez por insegurança ou baixa autoestima, temos a tendência de só nos lembrarmos das críticas que nos são feitas e nos esquecermos dos elogios. Ficamos magoados, nos sentimos ofendidos e atacados no nosso orgulho, nos sentimos pequenos diante de um ataque maldoso a nossa personalidade. Isso é mais do que natural, afinal somos humanos e às vezes não podemos evitar nos sentirmos assim.

Mas entende que a permissão é nossa? Só machuca a gente quem a gente deixa, de uma forma ou de outra. Costumo dizer que as pessoas têm boca pra falar e olha como elas falam! Mas podemos deixar que as palavras sejam apenas isso e não darmos mais força além. Uma piadinha, um comentário, uma alfinetada pode ficar só nisso, se não nos ofendermos são apenas palavras que não tem valor ou significado nenhum na nossa vida.

Nós nos ofendemos por duas razões: ou pela crítica em si ou pela pessoa que a fez. Quando a crítica nos machuca é porque em algum nível, seja consciente ou não, concordamos com ela, é de alguma forma, nosso ponto fraco, nosso calcanhar de Aquiles, aquele defeito que nós temos e por algum motivo não conseguimos mudar. Por isso incomoda, machuca tanto quando alguém esfrega na nossa cara os nossos erros.

E quando alguém que amamos, alguém que a gente gosta e admira nos critica, aí também dói, incomoda de verdade ser julgado. E quando juntam as duas coisas, é batata para nos sentirmos feridos, nada pior do que ter seu defeito usado como arma para te ferir por alguém que deveria nos amar e gostar da gente como nós somos.

Mas aprendi com o tempo também que quando a gente se conhece realmente, quando procuramos aceitar cada pedacinho da gente, mesmo aqueles que não gostamos tanto e buscamos mudar, fica mais fácil se sentir à vontade na própria pele. Quando a gente dá um passo em se conhecer melhor, se amar por inteiro, a gente se empodera, estamos no controle da situação.

E quando isso acontece, nós não saímos do eixo, não nos abalamos com tanta facilidade, não vai ser um comentário ou uma pessoa que irá nos perturbar porque a gente se conhece, se respeita e nos aceitamos do jeito que somos. E isso ninguém nos tira e não tem sensação melhor no mundo do que se sentir à vontade sendo quem somos.







Vivo entre a ponta da caneta e o papel, entre o clique no teclado e a história que desabrocha na tela. Sempre em busca da palavra perfeita, do texto perfeito e do livro perfeito. Acredito no poder curativo da música e de um bom livro. Cinéfila, apaixonada por séries, Los Hermanos e filmes do Woody Allen.