O Dia em que o Whatsapp me fez sofrer

Eu estou dirigindo por uma das tantas avenidas lotadas e congestionadas da capital. Agora deram para limitar a velocidade máxima para cinquenta por hora – como se fosse possível andar a mais de quarenta nessa avenida estreita e cheia de semáforos. Todos os dias os aviões passam sobre a minha cabeça e então eu me lembro de uma foto ilustrativa que vi uma vez sobre como é o tráfego aéreo diário no céu do nosso planeta. Aquele era apenas um avião entre os milhares que passam próximos e barulhentos nas regiões dos aeroportos. Talvez a confusão lá em cima seja bem parecida com a provocada pelos carros nas avenidas das grandes capitais.

Enquanto eu devaneio sobre a quantidade de aviões voando em todo o mundo naquele exato segundo, ouço o conhecido toque que alerta para o recebimento de mensagem no Whatsapp. Então os aviões tornam-se poucos quando eu imagino a quantidade de mensagens que, naquele exato segundo, chega e sai dos aparelhos smarthphones de todo o mundo. Imagino milhões de papelzinhos dobrados voando de origens para destinos, contendo “bom dias” das mães para os seus filhos e “ois” que podem fazer corações dispararem.

Naquele exato segundos as mães mandam mensagens e se enraivecem porque ninguém as respondeu imediatamente. Os “ois” chegam para marcar encontros, desencontros ou reencontros. Os grupos de amigas movimentam-se, o assunto do dia é sobre os filhos que estudam na mesma classe, as fofocas correm nos subgrupos e sempre uma mulher é pega para “cristo”. Vídeos eróticos empesteiam os grupos masculinos e alguns políticos se esquecem da vida assistindo-os enquanto o país desaba. Piadas em foto e vídeo carregam as memórias (e delas eu confesso que gosto bastante). Demissões são feitas e relacionamentos afetivos são terminados. Casais trocam informações sobre o dia a dia e programam os horários. Viajantes dividem através das fotos os locais que visitam; recém-nascidos são apresentados enquanto muitas roupas, sapatos e acessórios femininos são vendidos.

Temos ainda as correntes do livro, salmos da bíblia, campanhas pró ou contra qualquer coisa. Acusações políticas, informações “úteis”, muitas mentiras e vírus também são comuns. Fotos expõem mulheres em momentos íntimos por vingança ou por puro machismo. Um verdadeiro buraco negro, um poço sem fundo recebendo milhões de pedacinhos de papéis virtuais em um único segundo.

E nessa constatação do quanto é insignificante aquela mensagem que eu recebi e ainda nem vi eu percebo que as relações humanas estão acontecendo ali e junto delas estão as dores, as alegrias e toda a emoção que em outros tempos seria falada ou trazida em um pedaço de papel.

Viajo no tempo e percebo que, tal qual já vivemos sem os aviões, já vivemos também sem mensagem alguma a apitar e a nos levar para um universo paralelo no qual nos tornamos surdos para vozes reais e cegos para o que está fora daquela pequena tela. Diferente do que acontecia quando Dr. Freud atendia seus pacientes, hoje as pessoas trazem aos nossos consultórios resquícios do que muitas vezes aconteceu através daquele canal tão restrito e tão propenso a má interpretação. O Whatsapp, bem como todas as ferramentas de comunicação via internet, parece ser hipócrita na medida em que nos afasta e nos aproxima ao mesmo tempo.

Eu desejo então viver em outros tempos. Quero sentir o coração disparar ao abrir um bilhetinho escrito à mão em um papel real. Quero nunca ter visto nada que não sejam pássaros voando no céu azul. Quero receber uma serenata e não uma música enviada em um arquivo midi. Quero que os acordos políticos sejam fechados com a chegada do mensageiro que viajou semanas com um pergaminho em punho. Quero nunca ter chegado nem perto da internet. Quero conhecer apenas as pessoas do vilarejo, visto que, quem nós temos que encontrar está sempre nas redondezas.

Assim, a resposta para as perguntas que me faço sobre as razões pelas quais nos transformamos numa sociedade rasa de relações volúveis e sem raízes está ali na minha cara. Não somos mais a mesma espécie que éramos e talvez tenhamos passado do limite. Estamos bloqueando, deletando e excluindo tudo com muita facilidade, imaginando que reiniciar a vida é como reiniciar o aparelho “quando dá pau”. Tudo se tornou descartável. Não construímos mais relações, apenas as consumimos e depois partimos em busca de outras.

Sofremos ou nos alegramos com aquelas pequenas mensagens jogadas aos milhões todos os dias, em todas as línguas, das mais variadas origens aos mais variados destinos. Quantas emoções em um único dia? Quantos desvios da atenção e da concentração? Quantas conversas cara a cara interrompidas?

 

A angústia e a total consciência de que não há mais saída me traz as palavras de um grande mestre:

“O ser humano vivência a si mesmo, seus pensamentos como algo separado do resto do universo – numa espécie de ilusão de ótica de sua consciência. E essa ilusão é uma espécie de prisão que nos restringe a nossos desejos pessoais, conceitos e ao afeto por pessoas mais próximas. Nossa principal tarefa é a de nos livrarmos dessa prisão, ampliando o nosso círculo de compaixão, para que ele abranja todos os seres vivos e toda a natureza em sua beleza. Ninguém conseguirá alcançar completamente esse objetivo, mas lutar pela sua realização já é por si só parte de nossa liberação e o alicerce de nossa segurança interior.” (Albert Einstein).

 







Psicóloga, psicoterapeuta, especialista em comportamento humano. Escritora. Apaixonada por gente. Amante da música e da literatura...