O consumismo nunca foi tão cafona

Um microorganismo colocou por terra em algumas semanas, uma sequência genética capitalista, forjada em anos de lavagem cerebral. Você precisa disso! Não dá pra viver sem aquilo! Compre! Compre mais! O livro se conhece pela capa! A veste faz o monge!
Eu mesma – devo reconhecer e confessar -, sou bastante consumista. Já fui mais, é verdade. Houve uma época que comprar era mesmo uma compulsão.

Certa vez, saí de casa para trabalhar, num mês de março qualquer; fazia um baita calor logo cedo, então vesti uma calça leve, calcei sandálias e uma blusinha de seda. Na hora do almoço o tempo virou bruscamente. Então pensei: “Já que vou sair pra almoçar, passo no shopping e compro um casaquinho!”. A ideia em si não era ruim nem absurda, posto que realmente estava frio e, naquele dia, eu tinha curso à noite e só voltaria pra casa depois das 22h. Acontece que, em vez de comprar um inocente casaquinho, voltei do almoço com 3 botas novas, dois pares de meia e 4 casacos. Detalhe: em vez de almoçar, engoli dois pães de queijo com um café duplo.

Eu precisava de tudo que comprei? Claro que não! Comprei porque estava na liquidação? Também não!!! As vitrines estavam começando a ser abastecidas com a nova coleção de outono/inverno. Usei tudo que comprei? Pior que não!!! Uma das botas que comprei, machucava o dedinho. Um dos casacos pinicava e o outro tinha uma gola irritante que apertava o pescoço. Eu tinha dinheiro sobrando, então? Nããããão! Paguei tudo no cartão de crédito, cuja fatura já beirava a estratosfera.

Por que comprei tanta coisa então? Porque era economicamente burra! Minha mente funcionava no seguinte modo: Eu me ferro tanto nesse trabalho, sofro tanto pra ganhar esse salário que mereço ter tudo que eu quiser! Eu mereço! Eu mereço! Eu mereço!

Mereço o quê? Gastar meu dinheirinho suado com pilhas e mais pilhas de coisas inúteis? Encher o mundo de lixo? Abarrotar meus armários e gavetas com roupas, sapatos, bolsas e acessórios e não usar nem a metade? Servir de escrava da engrenagem do mundo neoliberal que repete sem parar o mantra: compre, compre, compre?

Bem, o fato verdadeiro é que o tal trabalho que me garantia dinheiro pra essa esbórnia consumista, acabou por me adoecer. Pedi demissão e minha renda caiu pela metade.
Um dia, fazendo faxina nos armários eu contei 117 pares de sapato! Não, Eu não me orgulho disso! Na verdade eu morro de vergonha. Fiquei com 15 pares, o que ainda é bastante, e doei o restante pra ser vendido num bazar assistencial.

A partir daí comecei a me curar. Adotei A prática de que pra entrar algo novo, tem de sair algo velho. Então, quando vejo que não há nada em minhas posses que eu queira descartar, não compro. Simples assim! Comecei a ser capaz de me perguntar: “Eu preciso mesmo disso?”. E, mais importante: aprendi a responder honestamente a esta pergunta. E, finalmente, depois de muita terapia – esse sim é um dinheiro bem gasto, porque não é gasto, é investimento -, aprendi a reconhecer quando o impulso da compra é apenas uma estratégia estúpida para tampar um buraco emocional.

Mas… voltando ao microorganismo que pôs capitalismo e neoliberalismo de joelhos e de mãos dadas, ambos usando máscaras e luvas, evidentemente! Nunca foi tão cafona ser consumista! Porque pensa bem: se pegar o vírus, de que vai adiantar esse seu armário abarrotado de roupas e sapatos de grife? Vai servir pra quê essa coleção de bases, primers, corretivos, sombras, iluminadores, blushes, batons e gloss (ou será glosses?)? E esse, ou esses, dependendo do caso, carrões parados aí na garagem, que consomem combustível fóssil e levam do seu bolso uma fortuna de IPVA e seguro? Vai, ou vão servir pra quê?
Supondo que você não pegue o vírus. Que ótimo! Parabéns pra você! Vai ficar de salto alto Louboutin na quarentena?

Ahhhhh tenha a santa paciência, né???

Da próxima vez que estiver sendo abduzida pelo site de compra da grife, da make ou do diabo em caixinha… vê se cria vergonha na cara e usa esse dinheiro pra ajudar quem não tem nada, quem passa fome, quem mora em zonas vulneráveis onde falta água, luz, esgoto… falta tudo. Compra aí uma carga de papel higiênico, álcool gel, máscara e doa, né? Não vai muquiar tudo aí na sua casa, certo? Compra uns respiradores e manda entregar em hospitais carentes de tudo.

Deixa de ser cafona! A moda agora é ser minimalista, não produzir lixo, não jogar comida fora, respeitar a natureza, deixar a pele, as unhas e os cabelos respirarem.
Até porque, caso você adoeça, não vai ser esse monte de tralha chique acumulada aí na sua casa que vai te salvar! Pense nisso! Porque pensar também voltou a ser chique!

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Photo by Andrea Piacquadio from Pexels







"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"