O choro é o limite!

Por Gustl Rosenkranz

Ontem observei uma cena que mexeu comigo, não por ter sido nova, pois é algo que vejo muito. A cena mexeu comigo porque ela ocorreu em um momento de reflexão sobre o sofrimento que observo em pessoas adultas, que carregam consigo as pedras de sua infância. E foi isso o que vi: uma mãe colocando uma pedra enorme na mochila de seu filho, um menino travesso e robusto com idade entre dois e três anos. O menino queria continuar ali no chão, brincando, mas a mãe queria ir embora. A mãe chamava, o menino corria. E quando a mãe conseguiu segurar o menino, ele se deixou cair, escorregando nos braços da mãe como se fosse sabão. A mãe, já sem paciência, o puxou severamente mais uma vez para cima, sem que isso adiantasse, pois o menino voltou a escorregar para o chão. E a coisa foi se repetindo até a mãe perder totalmente a postura, dando um berro na criança, uma bronca enorme que fez o menino estremecer. Ele parou de repente com a malcriação, assustado, olhou sério para a mãe e começou a chorar. Até aí tudo bem, e até compreendi a reação da mãe, pois menino teimoso pode realmente torrar a paciência de qualquer um, mas o que veio depois foi algo que, em minha opinião, não poderia ter acontecido: o menino chorava, praticamente se rendendo, dizendo à mãe que a bronca doeu (levar bronca da mãe sempre dói!) e pedia na verdade para ser pego no colo e consolado. Mas, ao invés disso, a mãe prosseguiu dando bronca, cada uma mais severa que a outra. Parecia-me que quanto mais a criança chorava, mas perversa a mãe ficava. Ela chegou até a dizer que a criança merecia mesmo chorar e sofrer, já que havia sido desobediente. E lá continuou essa mãe, tascando mais e mais pancadas verbais no menino…

Confesso que me assustei, por mais compreensível que tenha sido o comportamento da mãe, já que ela é humana e limitada como todos nós. É mais que compreensível que ela tenha perdido a paciência e partido para a bronca, tentando educar seu filho num momento de desespero pedagógico, já que o menino não obedecia de forma alguma, mas percebi que o que ocorreu depois do choro deixou de ser natural. O instinto de mãe (isso vale igualmente para o instinto de pai!) deveria tê-la feito parar com a agressão, pegando a criança no colo e consolando no instante em que ela chorou. É claro que existem crianças “tiranas”, que choram para azucrinar e chantagear os pais, mas esse é outro caso. Normalmente uma criança chora porque está com dor, com medo, assustada ou simplesmente pedindo consolo. No caso acima, tive a impressão de que a criança chorou por ter se assustado e porque a bronca da mãe havia doído.

Recordei-me então de outra cena, que observei entre cachorros e que mostra que um comportamento natural é bem diferente do comportamento da mãe na história acima: vi um cachorro adulto interagindo com dois filhotes seus. Os filhotes eram dois “traquinas”, que pulavam em cima do cachorro adulto e aprontavam o tempo todo, sem que ele (o adulto) perdesse a paciência. Mas, certa hora, um dos cachorros foi longe demais, mordendo a orelha do cão adulto, que não gostou da história, rosnando e alertando o filhote sobre o limite ultrapassado. O filhote se assustou e correu, mas, ao invés de parar, voltou e tentou morder novamente, ignorando ainda algumas “rosnadas”, até que o cachorro adulto resolveu encerrar aquilo, levantando-se, pulando em cima do filhote e segurando-os com as patas dianteiras. Nesse momento, o filhote, assustado e provavelmente com dor, deu um grito, chorando. Isso fez com que o cachorro adulto parasse de imediato com a “bronca” e voltasse para seu lugar, deitando-se novamente.

Não dá para comparar animais com gente completamente e não acho que mãe ou pai deva se comportar como se comportam os cachorros, mas esse exemplo mostra o que quero dizer com comportamento não natural: o cachorro não quis maltratar o filhote. Ele só quis educá-lo e mostrar-lhe o limite. No momento em que o filhote chorou, se rendendo, mostrando que entendeu a bronca, o cão adulto parou imediatamente com a agressão, por saber que o filhote não chora à toa, por saber que ali estaria seu limite de “educador”. Se observamos outros animais na natureza, percebemos: animais às vezes também são duros com seus filhotes, mas nunca mais do que o necessário, buscando educar e não maltratar. E o choro é o limite. Quando o filhote chora, a punição acaba. Já os humanos, pelo menos muitos de nós, agem diferente, prosseguindo com o castigo, com a bronca, com a repreensão, mesmo depois da criança ter chorado, mesmo durante o choro da criança. E tem gente que ainda vai mais longe: apesar de vivermos em pleno século XXI e já sabermos que nada jamais justifica o uso de violência física contra crianças, há quem vá além da bronca verbal e bata nos filhos, continuando a bater mesmo com as lágrimas correndo no rosto da criança.

 

Para mim, tal atitude de uma mãe ou de um pai nada tem a ver com educação. Mesmo que não seja essa sua intenção, esse adulto age com perversidade, projetando na criança seu cansaço, sua frustração e suas limitações. Isso não é justo e só serve para quebrar a alma dessa criança, principalmente quando vira rotina, se repetindo diariamente e marcando a relação entre pais e filhos.

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Não, não se castiga uma criança que chora. Repito: o choro é o limite. Uma criança chorando não precisa de bronca e castigo, mas sim de amparo e de colo. É assim que o pai ou a mãe sinaliza à criança que quer seu bem, que deu a bronca por amor e por querer educar e não para maltratá-la. Mas se a bronca/o castigo continua mesmo depois do choro, isso tem outro significado para a criança: de que não pode confiar no adulto, pois esse não hesitará em pisoteá-la assim que ela mostrar fraqueza, quebrando a confiança entre pais e filho, colocando em sua mochila um peso que essa criança terá que carregar consigo talvez por uma vida inteira. Essa quebra de confiança pode fazer com que a criança se torne um adulto infeliz.

Repito mais uma vez: o choro é o limite! Portanto, tanto faz o que seu filho ou filha aprontou ou deixou de aprontar, na hora em que ele ou ela chorar, pare com a bronca, pare com repreensão e pegue sua criança nos braços, dando amor, carinho econforto. E você verá que isso educa mais que qualquer bronca, por mais bem dada que seja.







Apaixonado por palavras, viciado em escrever, sem luvas, tocando no assunto, porque gosta e porque precisa, sobre a vida e tudo que a toca.