Nem tudo é merecido: a gente também se lasca por causa dos outros

Muitas coisas que nos acontecem são provocadas pelas nossas atitudes, pelas nossas omissões, pelo que dissemos ou deixamos de dizer. Mesmo assim, nem tudo a gente merece, não. Tem um monte de lixo que vem na nossa direção por conta de pessoas intrometidas e maldosas. Às vezes, a gente se ferra sem ter feito nada.

Existe uma tendência, entre as pessoas, de ficar tentando se colocar como o estopim de qualquer acontecimento, como o causador de tudo, o que pode ser perigoso. É por esse caminho, por exemplo, que as vítimas muitas vezes acabam sendo questionadas e vistas como alguém que abriu a guarda e facilitou aos outros a atitude que lhe fizeram. E isso provoca julgamentos: quem foi traído não dava atenção ao companheiro, quem foi assediado se comportava indecorosamente, e por aí vai.

É cruel demais atribuir a quem sofreu um baque o papel de culpado. Vítima é vítima. Ou quem é assaltado tem culpa por andar em lugares ermos, por não prestar atenção à sua volta, por colocar a carteira no bolso de trás? Ou quem foi agredido contribuiu por não saber lutar? Ou quem é enganado se comportou como um bobo? Logicamente, existe quem se vitimiza, quem dissimula, para conseguir o que quer, mas aí se trata de desvios de caráter, o que não está sendo discutido aqui.

É preciso ficar claro que podemos levar uma porrada da vida sem ter contribuído para isso. Podemos ter que enfrentar tempestades que não foram por nós semeadas. Tem gente que usa máscaras e vive através de encenações teatrais. Tem gente que adora puxar tapete. Tem gente que abusa da bondade alheia. Tem gente que abusa da ajuda, da solidariedade do outro. Tem gente que abusa sexualmente. Outros abusam emocionalmente. E, em nenhum desses casos, as vítimas têm culpa.

Como se vê, muito daquilo que nos acontece é causado por nós mesmos, mas nem tudo. Algumas tempestades vêm de quem está ao nosso lado. Ter esse discernimento será providencial para que possamos viver melhor. Selecione bem as sementes que plantará e as companhias que terá. É isso.

***

Texto originalmente publicado em Prof Marcel Camargo







"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.