Não foi nada!

Atire o primeiro esparadrapo, algodão com água boricada ou Band-Aid quem nunca ficou revoltado ao levar um belo tombo e, depois do vexame, talvez alguns hematomas, uns ralados por toda a perna e o susto, ainda ter que ouvir de algum adulto desaforado a insensível frase: NÃO FOI NADA!

Ahhhh… não foi nada porque não foi você que pagou mico! Não foi nada porque não é você que ficou com o bumbum roxo! Não foi nada porque não é o SEU joelho que vai arder que nem o inferno na hora de tomar banho! Não foi nada… Não foi nada… Uma ova!
Há poucas coisas piores nesta vida do que ter a dor diminuída. E nem importa se é mesmo uma dorzinha de nada; tá doendo naquela hora. E na hora que tá doendo a gente espera do outro que testemunhou o desencadear da dor um mínimo de compaixão.

Mas, o ser humano é realmente curioso. Porque dor todo mundo sente – dor física, ao menos, todo mundo sente -; a menos que sofra de algum tipo de anomalia neurológica que impeça o ser de ter sensações dolorosas pelo corpo de carne e osso. E, pensando bem, essa estranha condição por si só já é uma tremenda situação de dor psíquica, posto que privado do alerta do incômodo físico a pessoa fique ainda mais vulnerável aos danos materiais que a sua “carenagem” possa vir a sofrer.

Porque será então que é tão comum entre nós, os humanos, ser incapaz de compreender que o ardor, a queimação, a pontada e até mesmo a coceira (que é o nível mais brando de dor… sabia?), quando se instala lá no outro, merece respeito?

Por que será que temos essa mania de perguntar àquele que sofre: “De um a dez, qual o grau da sua dor agora?”. Como assim? Que tipo de graduação é essa? Que régua seria suficientemente fidedigna para mensurar o quanto se sofre durante uma cólica renal, ou um corte no dedo feito com papel sulfite…? Ou quem sabe uma ferroada de formiga no dedão… Uma topada do dedinho do pé no pé da cama… Hein? Hein? Como é que se mede isso?

Até porque, tem louco para tudo nessa vida, não é mesmo? Eu tenho uma amiga que fez tratamento de canal – sim, aquela tortura com um palitinho de aço indo e vindo para dentro e para fora da gengiva -, SEM ANESTESIA!!!! Diz ela que considera a picada da “injeção” muito pior do que o entra e sai da liminha diabólica no canal do dente. Tá vendo??? Não faz nenhum sentido!

Também conheço gente que ignora todos os esforços, anos de pesquisas, vidas inteiras passadas dentro de laboratórios ou à beira de um canteiro de ervas, só para descobrir um jeito de curar ou, pelo menos, aliviar as mazelas humanas; porque insiste em enfrentar a dor sem tomar remédio. Nem um chazinho de camomila a criatura aceita! Fica lá curtindo a dor de barriga, a picada inflamada, a cabeça latejando só de birra. Eu, hein?!

Mas… mesmo esses supostos super-heróis ou super-heroínas merecem a nossa compaixão; e por que não dizer o nosso mais profundo respeito e – vamos confessar -, um cadinho de inveja branca.

Dor é igual verdade secreta: cada um que sabe da sua!

Sendo assim, da próxima vez que alguém se estabacar na sua frente, ou der uma topada com móveis tenebrosos que cismam de ficar bem no nosso caminho, ou simplesmente um “ai!” ou “ui!” alheio, trate de engolir o automático e malcriado “NÃO FOI NADA!”. E arranje coisa melhor para fazer, nem que seja apenas calar-se. Agora, caso você almeje de fato alçar uns degrauzinhos na escala evolutiva… estenda a mão, ofereça aquele amor que você espera receber quando é você que está no chão. O mundo há de se transformar num lugar melhor!







"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"