“Não estar no mesmo lugar que seu coração é nunca estar em casa”

Às vezes demora. Demora muito. Custa, leva tempo, parece que não vai ter fim. Mas daí acontece. Assim, do nada. Feito mágica. Você acorda num dia e o coração está leve, a alma livre, a respiração solta e a mente em paz. Você desperta e se esquece que um dia pensou que não seria completa sem a sua dor. Você se olha no espelho e por trás do reflexo que denuncia ares de novidade, finalmente aceita com satisfação o novo estado do seu coração. Um coração tão acostumado com não-delicadezas para si mesmo, agora bate equilibrado e percebe o quanto relutou em seguir adiante de braço dado com a tranquilidade.

De repente tudo fica tão simples, tão bem resolvido, tão diferente e óbvio que até assusta. Você tenta entender porque não sente mais saudade, porque não sente mais falta, porque não dói mais e é difícil explicar. Mas acontece. Simplesmente acontece. Você olha aquela foto antiga, e aquela pessoa que foi tão importante há tanto tempo já não significa mais nada. Nadinha. E o medo que você tinha de se curar desse amor vai embora também, e só resta o alívio. É tão real que chega a ser assombroso. E você percebe que a vida é cheia disso: de coisas importantes que perdem a relevância.

Eu pensava que ficaria desamparada se me curasse. Pensava que todo aquele meu discurso de que a-vida-é-um-romance iria por água abaixo se me livrasse do desencanto. Achava que a saudade e a dor davam sentido aos meus dias, e me agarrava à falta e à imperfeição como quem acredita que uma alma incompleta é uma alma poética. Eu não sabia que poderia rimar poesia com teimosia. Teimosia em cultivar levezas; teimosia em me desvencilhar das mágoas do passado; teimosia em decidir não contar a história da dor como minha.

Às vezes leva tempo pra gente perceber que entendeu tudo errado. Que esteve procurando se sentir confortável na presença da dor, porque ela é mais certa e segura que a cura. Que desejou pouco da vida para evitar a frustração. Que não deu bandeira da felicidade pra não atrair negatividade. Que escolheu não se curar da falta para não se sentir vazio. Que preferiu gostar de alguém que não devolvia o amor na mesma medida para se defender de relações mais profundas. Que não quis entregar seu coração com sinceridade para não sentir vulnerabilidade.

“Não estar no mesmo lugar que seu coração é nunca estar em casa”. Li isso certa vez e acho que faz sentido. É o único jeito de não se enganar. É quando você decide que: ou faz as malas e se muda pra perto do seu coração ou faz ele desistir de permanecer em lugares que nunca mais poderá chegar. Pois cabe a você dizer ao coração que há lugares que deixaram de existir, lugares que só sobreviveram na memória, lugares que você está impossibilitado de voltar. Só assim você estará alinhado com sua paz. Só assim você se sentirá confortável. Só assim você finalmente descobrirá que de vez em quando é necessário ativar a chave do esquecimento para nos desligarmos de algumas coisas e nos conectamos verdadeiramente com aquilo que realmente importa…

Imagem de capa:  Chapurin Dmitry/Shutterstock

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Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.