‘Não acho que a gente errou’, diz diretora de colégio de filha de Samara Felippo sobre não expulsar alunas que praticaram racismo

Depois de ouvir o relato da filha de 14 anos sobre as ofensas racistas que haviam sido escritas em seu caderno na escola, a atriz Samara Felippo foi enfática: queria a expulsão das autoras das mensagens. No entanto, a escola Vera Cruz, tradicional instituição de ensino privada da Zona Oeste de São Paulo, resolveu apenas suspender as duas adolescentes, que assim como a filha de Samara, cursam no 9º ano do ensino fundamental.

Regina Scarpa, a diretora do colégio, defende que não houve erro na decisão:

“Eu não acho que a gente errou. A gente foi fiel àquilo que significa a essência do projeto (da escola), que é acreditar nas possibilidades de educação para as relações inter-raciais. Quando a gente tomou essa decisão, foi em função do contexto: o fato de elas (as autoras das ofensas) terem se apresentado imediatamente, a forma como as famílias se comportaram, reagiram… Hoje, quando eu vejo quem está ao nosso lado nessa trincheira, respiro aliviada porque são pessoas que a gente confia muito. Apesar de termos escolhido um caminho que sabíamos que seria difícil”, disse Scarpa ao Jornal O Globo.

Ao ser questionada se a expulsão seria a saída mais fácil, Regina defende que sim, mas isso impediria que crianças e adolescentes negras e brancas convivam no ambiente escolar e tiraria “a chance de ensinar” e aprender com o ocorrido.

Na segunda-feira, a família de uma das acusadas da agressão tomou a decisão de tirar a filha da escola, ainda que não tenha sido expulsa. Em um comunicado, eles afirmam ser “uma família progressista” e disseram que pediram desculpas à vítima e aos parentes dela.

Regina Scarpa afirmou que, desde 2019, a escola desenvolve um projeto antirracista que imclui bolsas de estudo para alunos negros de baixa renda, mudança no currículo para deixá-lo menos eurocentrado e mais contratação de professores e gestores negros, além de grupos de discussão sobre o tema. Scarpa reconhece que a iniciativa não é um selo de “aqui não tem racismo”, e admite que os casos acontecem. Ela afirma, no entanto, que “cada caso é um caso”, e que não há um protocolo definido estipulando que se deve expulsar ou suspender os alunos que praticam atos de racismo na escola.

“Basta expulsar? Cada caso de racismo expulsa e pronto, e a gente prova que a relação interracial é impossível? Então cada caso é um caso, e o que a gente tem visto é que não se trata de um posicionamento da escola, trata-se de processos educativos singulares que requerem princípios e valores para orientar as decisões e acompanhar processos. As conversas com os envolvidos, como a gente cuida da vítima, da pessoa que foi agredida, da sua família, porque é muita dor.”, analisa Regina.

A diretora acrescenta que o projeto — que conta com comitês de educadores, gestores, direção, familiares dos alunos, trabalhadores do setor administrativo e ativistas e especialistas em relações raciais — ajuda a escola a lidar melhor com o racismo, mas não impede que ele ocorra.

O programa de bolsas oferecidas pelo Vera Cruz contempla no mínimo dois alunos no quinto ano, que têm gratuidade na matrícula, mensalidade, alimentação, uniforme, material de papelaria, excursões, acampamentos e uma ajuda de custo mensal para transporte até o fim do ensino médio. Hoje, a escola conta com 110 alunos negros (sendo 60 bolsistas) de um total de 1.700 estudantes. Regina diz que “ainda é bem pouco”. No corpo docente, os negros representam 25% dos professores.

“Me surpreende muito que até hoje tenham pessoas que imaginam que uma escola que tem um projeto de educação antirracista é aquela que fica vacinada contra o racismo. Pelo contrário, é aquela que vai dessilenciar o racismo, que vai identificar e nomear, vai trabalhar com isso, com todos os envolvidos, num processo educativo, de conscientização e reparação e numa outra qualidade de relação, para que a gente pare de fazer da escola um lugar onde os alunos negros aprendam que são feios, fora do padrão e que são minoria, num país onde a maioria é negra. É na escola que as crianças têm aprendido isso, infelizmente”, diz.

Na última terça-feira (30), Samara Felippo prestou depoimento na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), no centro de São Paulo. Depois do depoimento, ela afirmou que o racismo contra sua filha era “recorrente” na escola.

“É reincidente, é recorrente desde o ano passado, desde um episódio em que um carregador some e a acusada é a minha filha. Isso tudo são pequenas camadas do racismo que crianças pretas passam todos os dias veladamente. Algumas denunciam e reconhecem, outras não. Mas era reincidente e, de um tempo pra cá, alguns ocorridos começaram a ficar muito claros para mim, e ela (a filha) não queria enxergar, ‘elas são assim mesmo, mamãe’. Agora se materializou numa escrita na cara dela”, disse Samara a jornalistas.







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