Minha mãe me odeia

– Minha mãe me odeia.

-Que isso? Que besteira! Que mãe não ama seus filhos?

É o que a gente fala, tentando botar panos quentes. Só que não. Há mães que agem como se de fato odiassem. Não se trata exatamente de um ódio.

Diria que uma inveja. Inveja pela juventude, pelas oportunidades, pela vida inteira pela frente. Um ciúme que entra, para agravar. Medo de perder o afeto da filha. De que outra pessoa tome seu papel de destaque. Medo de perder o controle. A rédea do outro.

Amor? Amor mesmo? Não há. Existe encenação. Ela joga para a plateia. E é boa atriz. O que faz com que as pessoas em volta acreditem nela. E duvidem de você. Te olhando com ar acusador. Te achando a pior das filhas. É bem triste. Mas é verdade.

Assim é a vida das filhas de mães narcisistas. Mães que não conseguem cuidar. Não se importam em ver crescer, em fazer feliz. Dividir o último pedaço de doce então? Nunca. Farinha pouca, meu pirão primeiro.

Ser filho de uma mãe narcisista é difícil. Sua história é esquisita. Diferente. Como se fosse novela mal escrita. Ninguém acredita. Te olham de forma estranha. Você se sente meio louco. É visto como se fosse também.

Você é o ingrato que não valoriza a mãe. Que despreza tudo o que recebeu. Injusto. Mau até. A sensação é difusa. Uma impressão de que você sente, mas deve estar enganada. É muita solidão.

Sua sensação é real. Você sente porque ela existe mesmo. Existe e é poderosa. Sedutora. Capaz de agradar e convencer todos em volta. Manter as aparências é sua meta. Uma pessoa maravilhosa assim, você vai escutar, como pode você ainda reclamar? Quem me dera uma mãe dessas.

A mãe narcisista é um enorme carrossel. Tudo gira em volta dela. Nada fora de seu controle. Sob pena de ameaças e punições. Você será só um cavalinho. Um boneco que ela manipula e faz girar ao seu bel prazer. Não mais que um escravo com um senhor inalcançável e sempre insatisfeito.

Os contos de fadas estão cheios de mães narcisistas. João e Maria, por exemplo. Uma história de terror para mim. Não pela bruxa. Nunca pela bruxa.

Bruxa é bruxa, gente. E eles ainda comeram pedaços da casa dela. Não faltava motivo para ela ficar furiosa. Da bruxa tudo se desculpa. Só uma bruxa sendo bruxa. A bruxa não é a pior malvada da história.

O que me assustava, eu ainda pequena e dependente, era os pais de João e Maria mandarem os filhos pequenos embora de casa porque a comida era pouca para quatro. Que mãe era essa? Mandar os filhos embora? Soltar as criaturas no meio da floresta? Que medo!

Comida pouca? Meus filhos primeiro. Nuca para a mãe narcisista. Escuto muitas histórias parecidas. Não são poucas as mães que soltam seus filhos na floresta do mundo. Crianças pequenas, no máximo adolescentes.

Vagando de lar em lar. De favor. Sem dono. Expostas a todo tipo de perigo. A abusos, maus-tratos. Crianças sem ninho. Crescendo aos sustos sem serem de ninguém.

Mesmo assim, tendo a chance de voltar, voltam para a mãe. Por que voltam? Se é tão ruim assim, por que ficam? Porque amor de mãe faz falta. Ficam na esperança de agradar. De serem amados. De terem um ninho onde pousar em paz.

Os filhos não percebem facilmente o que acontece. Acham que eles é que não são bons o suficiente. Então passam a vida tentando melhorar. Se esforçando para conquistar o amor materno.

Estão sempre prontos a tentar mais uma vez. Quem sabe na próxima vão conseguir? Assim vão ficando. Sofrendo. Tendo sua autoestima aniquilada. Esperam migalhas. Acabam acreditando que não merecem mais do que isso.

Para piorar a situação, mães narcisistas não amam e não permitem que os filhos sejam amados. Elas espalham mentiras. Contam horrores que nunca existiram. Pintam o pior quadro dos filhos.

Quem não sabe, se assusta e se afasta. Assim elas garantem o controle. Tudo continua igual. Afinal se a própria mãe está contando, imagina se não é verdade?

Mães narcisistas não suportam ver os filhos crescendo. O corpo tomando forma. A sexualidade aflorando. A beleza dos filhos dói como faca na carne. Como se a juventude deles chupasse a delas. É insuportável.

Ela não desfruta do prazer de ver o outro crescendo saudável. Ver o outro desabrochando só lhe lembra seu fim. Suas rugas, celulites, sua flacidez.

Nos dias de hoje, a madrasta da Cinderela seria amiga de Facebook da madrasta de Branca de Neve. Falariam do quanto as meninas eram desleixadas, injustas, ingratas.

Se quisessem namorar, seriam taxadas de piranha. Cheias de fogo no rabo. Promíscuas. Beijavam qualquer um. Perdia o sapatinho com o primeiro príncipe que aparecia pela frente.

A mãe de João e Maria seria do grupo de whatsapp da bruxa. Trocariam segredos. Receitas de caldeirão. É nesse nível que a coisa acontece. Então, se você ouvir essa queixa, escute. Acolha. Acredite. Ampare. Você pode ser a única esperança desa criança.

O maior problema dos filhos de mães narcisistas é a solidão. Eles não têm com quem contar. Nem o que contar, já que ninguém acredita. Os pais são coniventes com as mães. Os irmãos, manipulados também. A família, envenenada, não acredita no que escuta.

Por sorte, muitos conseguem sair fora. Começam a trabalhar, plantam boas amizades, relações sólidas, conquistam amores, constroem famílias. Aprendem com o que sofreram a fazer diferente.

O passado está vivido. A gente não muda. Mas relê. Digere. Entende que não foi culpado, nem responsável pelo amor que faltou, que não veio. Se faz de ninho para acolher quem souber lhe amar. E voa para longe da mãe, porque em casos de mães narcisistas, só a distância protege.

***

Artigo de Mônica Raouf El Bayeh- carioca, professora e psicóloga clínica. Especialista em atendimento a crianças, adolescentes, adultos, casais e famílias.







As publicações do CONTI outra são desenvolvidas e selecionadas tendo em vista o conteúdo, a delicadeza e a simplicidade na transmissão das informações. Objetivamos a promoção de verdadeiras reflexões e o despertar de sentimentos.