Mesmo doendo, chega uma hora em que é preciso passar um trinco na porta

Nos ensinaram a perdoar.
Nos ensinaram a tolerar.
Nos ensinaram a relevar.
Nos ensinaram a ceder.
Tudo isso é importante sim, mas faltou nos ensinarem a deixar ir.
A abandonar o que nos faz mal.
A partir de lugares que deixaram de existir.
A nos amar em primeiro lugar.
A entender que, assim como nos doamos, merecemos alguém que se doe também.

Faltou nos ensinarem a escolher.
Escolher estar com alguém que nos faça bem.
Escolher estar com alguém pelos motivos certos, e não por excesso de carência.

Talvez seja hora de aprender.
Aprender a reavaliar a rota.
Aprender a decidir o que desejamos que permaneça em nossa vida.
Aprender a fazer escolhas que nos deixem em paz.
Aprender a recusar migalhas, medo da solidão e palpiteiros de plantão.
Aprender, acima de tudo, a distinguir o que merece ou não ser mantido em nossa vida.

De vez em quando a gente acha que precisa de alguém _ alguém que pela presença ou ausência nos machuca_ mas se for olhar novamente, olhar de fora, olhar pra valer, vai perceber que não precisa.

Você não precisa desejar alguém que não te deseja.
Você não precisa aceitar um amor ruim só porque algum canto dentro de você decidiu que você era merecedora de pouca coisa, de afetos rasos e relações unilaterais.

Você não precisa ficar refém de um lance que te deixa inseguro, que te domina e o obriga a perder os melhores momentos da vida olhando fixamente para a tela do celular, esperando por um “plim” redentor que trará alegria momentânea por apenas alguns segundos, mas depois roubará seu brilho, deixando-o numa solidão ainda maior.

Você não precisa de promessas vazias, de um “te ligo” ou “a gente se vê” sem consistência, vontade ou verdade.

Você não precisa de aparições relâmpago, de um “Oi sumida” com a nítida intenção de te balançar sem a intenção de ficar; uma artimanha daqueles que perceberam que podem te desestabilizar com desaparecimentos confusos e frases batidas.

Você não precisa construir enredos e sonhos em cima de terrenos frágeis e pessoas vagas.

Você não precisa acreditar que não há nada melhor lá fora, que não é merecedor de um amor inteiro, sólido e recíproco.

Você não precisa insistir em alguém que não liga a mínima para você, alguém que não faz questão de tê-lo por perto, alguém que simplesmente tanto faz.

Você não precisa se esforçar para ter alguém por perto. As pessoas ficam porque querer ficar, não pela sua insistência. Tão mais simples fechar a porta em silêncio, se afastar sem muita explicação, fazer da indiferença sua maior contribuição.

Faltou nos ensinarem a dar a volta por cima.

A colocarmos “Clube da Esquina número 2” para tocar no Spotify enquanto fazemos uma lasanha bebericando uma taça de vinho tinto na cozinha;

A tomarmos um café numa livraria folheando um livro novo ou uma revista diferente, esquecendo por algum tempo a tela do celular;

A entrarmos numa igreja e entregarmos nossa vida nas mãos de Deus, nem que seja em silêncio;

A sentirmos o sol no rosto enquanto caminhamos, pedalamos ou simplesmente atravessamos a rua;

A encontrarmos recursos ou atividades que evidenciem o quanto somos especiais, o quanto temos talentos, o quanto podemos servir a outras pessoas;

A descobrirmos que, mesmo doendo, chega uma hora em que é preciso passar um trinco na porta. Não permitir visitinhas surpresas de quem não tem a intenção de ficar; não autorizar que abalem nossa paz; não desperdiçar nosso tempo com alegrias momentâneas que nos tornarão mais frágeis depois; não cair em armadilhas feitas de má intenção e manipulação; não nos deixar abalar por quem só quer brincar.

E depois de recuperada a sanidade, sorriremos orgulhosos em frente ao espelho ao reconhecer que mudamos. Que crescemos e adquirimos autocontrole e amor próprio. Que finalmente descobrimos o quanto realmente somos leves, sem os pesos desnecessários que achávamos que tínhamos que carregar…







Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.