Juramento às bandeiras

Por Ana Flávia Velloso

Não é possível pretender-se apolítico. Não existe neutralidade. Há ideologia em tudo o que se faz, que se pensa, que se espera. Não me comprometo com nenhum partido, facção ou personagem político. Mas tenho lá minhas crenças e bandeiras.

Acredito na democracia, no princípio da igualdade, na liberdade, na solidariedade humana, na justiça, no direito.

Não sei se acredito no casamento. Mas no amor eterno,sim, e também na família.

Acredito na amizade.

Acredito em Deus. Não acredito em religiões, embora isso não me impeça de acender uma velinha para Santa Rita, admirar a biografia de São Francisco de Assis, comungar na missa, aprender técnicas budistas de meditação, circular pela mandala do templo da boa vontade nos dias de desordem mental ou deixar-me inundar de gratidão pelo criador nos dias de plenitude interior.

Como Rita Lee, duvido muito da fé. Mas acredito no pecado e na redenção. Acredito na privação da quaresma, na Páscoa e em sua mensagem de renascimento. Acredito que a vida é uma só e acredito na vida eterna. Acredito que tudo, tudo passa – vipássana -, acredito em Cristo, e acredito em Buda. Acredito em Bahá’u’llah. Em Maomé ainda não consegui acreditar.

Acredito no inconsciente e acredito em Freud, mas àqueles que pregam a psicanálise como mãe da verdade lembro que não acredito em igrejas e esclareço que detesto confrarias.

Acredito na força curativa do riso, do silêncio, do tempo, do chocolate, dos animais domésticos. Acredito no bom humor como filosofia de vida. Acredito na arte, na poesia e no esporte. Não acredito em grifes, acredito na moda como forma de expressão do indivíduo e da sociedade. Acredito no bom gosto.

Acredito no rivotril, no lexapro e no prozac, e acredito nos florais de Bach, no chazinho de camomila, na comida orgânica, no poder dos grãos, e ainda na suprema delícia da picanha argentina na brasa, bem mal passada.

Acredito que a água é um recurso finito, que o fim do mundo é uma realidade em andamento, no Protocolo de Kyoto, nas cortes internacionais, na união gay e na mudança de sexo.

Acredito no sonho, na importância da rotina, no valor da improvisação, na humanidade e em suas incoerências, e louvo a contradição.

Acredito no sonho, na estrela que nos move lá do alto – stela duce! – e no pó que nos aguarda, bem aqui, sob nossos pés.

Acredito na dúvida, que faz o ser humano mais interessante e menos cacete, e acredito, enfim, na profunda chatice inerente às pessoas dotadas de inflexível razão e suturadas certezas, que nos pedem voto ou tentam doutrinar.

Amém.

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Formada em Direito pela Universidade de Brasília, e mestre pela Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne). Advogada, é professora de Direito Internacional Público. É muito feliz na escolha profissional que fez, mas flerta desde sempre com as letras.