Insônia: quando uma noite de sono vira artigo de luxo!

Certa vez, em um ambiente de trabalho, ouvi de uma pessoa a quem havia sido entregue um cargo de autoridade, a seguinte pérola: “Você precisa aprender a se blindar! Não pode se importar tanto com o que acontece à sua volta”! Ouvir semelhante asneira, sendo proferida pela boca de alguém por quem eu já nutria tão pouca simpatia, ou respeito, só me fez entender que ali, bem na minha frente estava um “ser humano blindado”. E se ficar remotamente semelhante a ela fosse a minha saída para pensar menos, sentir menos e dormir mais… Bem, eu decidi naquela hora que preferia um milhão de vezes ter cara de zumbi, mas conservar a minha alma humana, a ter aquela cara anestesiada e “serena” num corpo cuja alma já havia virado pó há muito, muito tempo.

A insônia é uma espécie de efeito colateral. É a consequência de ter escolhido viver uma vida inteira sem capa ou escudo. Os insones têm em comum carregar sobre os ombros alguns pesos que não são seus. A insônia é o preço que se paga por insistir em tentar compreender o que não se explica, em brigar internamente com a parcela sombria de si mesmo, é não permitir a si mesmo o direito a sentimentos de natureza humana de segunda linha, como raiva, inveja, intolerância, desprezo e aversão.

Só os insones são capazes de entender o quanto o escuro da noite pode ser assustador e agressivo. É naquele momento em que se constata que todos ao seu redor estão “desligados”, todos parecem tão à vontade com suas camas e travesseiros, todos… menos os que não conseguem aprender a mágica de tirar-se da tomada para poder esvaziar a mente e dissolver o corpo cansado, durante algumas benditas horas de descanso reparador.

Ninguém fica rolando na cama porque quer. Ninguém fica analisando o teto do quarto por horas à fio por opção. Ninguém escolhe ser a sentinela eterna de seus próprios medos, pensamentos em conflito e atividade mental, enquanto todo o resto do mundo parece ter recebido de presente um botão de “liga e desliga”, que funciona!

E pior do que não conseguir dormir, apesar de já ter feito e refeito todo tipo de investigação sobre as causas dessa maldição, é ter de aturar os conselhos infalíveis daqueles que são capazes de dormir até em pé, encostado na parede. “Você já experimentou meditar?”; “Evite tomar café, refrigerante ou bebidas alcoólicas à noite!”; “Tem que fazer atividade física, viu?!”; “Olha… Tem um chá que é tiro e queda!”; “Nada de televisão, computador, tablet ou celular na cama, hein?!”; “Minha tia foi numa mulher que entra na sua energia e faz uns florais que são maravilhosos!!!”.

Aí, você – que já anda meio de saco cheio com as noites viradas em claro, faz um último esforço sobre-humano, veste sua melhor cara de paisagem e responde, assim meio sem jeito um: “Puxa, muito obrigada pela dica! Como é que eu nunca pensei nisso antes?!”. O que a pessoa não sabe, nem sequer desconfia, é que por trás da sua cara de paisagem tem um monstro prestes a ganhar vida, um monstro exausto e inconformado com a sua sina de viver tal e qual um vampiro da Transilvânia.

A sofrida verdade é que não há receita – a não ser aquelas controladas e aviadas por Psiquiatras Especialistas em Distúrbios do Sono – que possam nos salvar. E, não, este texto não faz nenhuma apologia ao uso de tarjas pretas, vermelhas ou, seja lá de cor sejam. Este texto é uma declaração aberta e empática àqueles que como eu, sofrem com a penúria de noites passadas no zero a zero, no que diz respeito ao direito de sair desse mundo espontaneamente por algumas horas.

Esses companheiros de olhos arregalados na calada da noite hão de me compreender! Eu adoraria não ter que admitir que já tentei de tudo, desde banhos no escuro ouvindo mantras, até comer incontáveis pés de alface no jantar (porque alface é tiro e queda!).

Tem gente que tem enxaqueca, tem gente que sofre de gastrite, tem gente que distribui desaforos aos familiares, tem gente que rói as unhas, tem gente que acredita em duendes e gnomos… Eu tenho insônia! E se é esse o meu castigo para pagar todos os meus pecados – conhecidos e desconhecidos, posso afirmar com todas as letras – e incontáveis carneirinhos: EU QUERO TROCAR DE CASTIGO!

Imagem de capa meramente ilustrativa: cena do seriado Friends







"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"