Faça o que você ama ou morra tentando

Por Camilo Bracarense

Veterinário. Essa era minha resposta quando me perguntavam o que eu queria ser quando crescesse. Mas quando assistia a filmes de luta, eu queria ser lutador. Já quis ser militar também. Na adolescência, advinha! Músico.

Quando cheguei na fase adulta, queria ser bem sucedido. Queria fazer faculdade, pós-graduação e trabalhar em uma grande empresa, talvez. Nem sei bem o que eu queria. Eu estudava, trabalhava e queria melhorar de vida. Mas não sabia bem pra que estudar, que emprego ou patamar almejar e o que seria exatamente melhorar de vida. Só sei que na infância, e talvez na adolescência, eu tinha mais certeza de tudo.

Na verdade, nunca tive uma resposta certeira. E isso já foi problema pra mim. Como assim, não saber o que eu quero ser na vida? O problema não era não saber, mas querer ser várias coisas ao mesmo tempo. E por que eu tinha que fazer uma escolha tão definitiva assim? Por que raios, em uma vida inteira, eu não poderia ser o que eu bem entendesse e mudar de ideia quantas vezes me desse na telha?

As crianças, sim, sabem o que querem, justamente por não colocarem dinheiro, expectativas alheias ou demandas de mercado na frente de suas decisões. Outro dia a Manu estava num dilema enorme, tentando conciliar seus horários pra conseguir ser bombeira e professora de balé. E a gente deu a maior corda pra ela. Dissemos que ela poderia dar aulas de balé quando estivesse de folga no corpo de bombeiros e prometemos ajudá-la com isso. Relembrar a infância tem lá seus benefícios. Quando você olha com olhar de aprendiz, percebe que as crianças traçam metas e objetivos livres de expectativas. Elas apenas querem, apenas fazem, apenas são.

É claro que nós, os adultos, temos outras questões a considerar. Escolher conscientemente um trabalho envolve muito mais do que sonhos de criança. Mas exageramos nessas questões e colocamos o nome de responsabilidade em nossos medos. Além de todas as questões pessoais, ainda cultuamos a necessidade de ter uma resposta satisfatória pra clássica pergunta “o que você faz da vida?”. Então trocamos uma vida por uma resposta pronta.

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Corta pra uma reunião regada a amizade, cerveja artesanal, boa música e crianças brincando em volta. Eu e Chicão, amigo de longa data, falávamos sobre um futuro projeto. E entre uma filosofada e outra, criamos uma diferenciação entre trabalho e emprego. Concluímos que trabalho é fazer algo por amor à causa. Você se coloca em movimento em prol de gerar um ou mais resultados, mas faz isso porque gosta, porque acredita que o mundo estará um pouco mais bem cuidado quando aquela tarefa estiver cumprida. Emprego é você fazer algo somente em troca dos recursos que o dinheiro pode te proporcionar. Você investe seu tempo, aceita regras quase nunca criadas com sua participação e recebe uma grana por isso.

Sinceramente, acho possível uma interseção entre trabalho e emprego. E quando você tem oportunidade de gerar propósito em seu emprego, aí sim ele se torna um trabalho. Mas nossas necessidades externas, aquelas que suprimos pra sermos iguais ou melhores que todo mundo, alimentam relações de servidão. Precisamos de pessoas pra educar nossos filhos, arrumar nossas camas e limpar o lixo que jogamos nas ruas quando saímos pra protestar por um mundo mais justo. Terceirizamos nossa vida enquanto ganhamos dinheiro e corremos em uma roda feito hamsters.

E deixar de correr feito hamster não é necessariamente relembrar sonhos da infância e fazer o que você queria fazer aos 5 ou 10 anos de idade. Há outros sinais que podem indicar o que somos capazes de fazer, unindo talento, amor à causa, grana e geração de valor. Chutar o balde entra na lista, mas o chute precisa ser bem colocado, porque se você chuta com consciência, fazer gol de primeira passa a ser apenas um detalhe. O gol deixa de ser questão de sorte e passa a ser questão de tempo.

Não existe receita pronta pra viver do que se ama. Mas alguns ingredientes precisam estar em todas as receitas, por mais particulares que sejam. É preciso se (re)conhecer, uma boa dose de desapego material e emocional e persistência a gosto. Passe longe do medo de errar. Erre! Erre rápido!

Na minha receita eu coloquei uma exigência: só trabalhar com gente legal. Não me aborreço mais com trabalho. Na minha horta, somos eu e duas das pessoas que mais amo na vida. No trabalho que envolve grana, eu venho colecionando parcerias e amizades. Reuniões, e-mails e mensagens intermináveis, que mesclam compromissos, planilhas e cronogramas com assuntos de família, conversas aleatórias e risadas. Muitas risadas.

Mas essa é a minha receita. E o legal de se reinventar todos os dias é descobrir que o trabalho dos sonhos também pode e deve ser inventado. Não que você precise inventar uma nova atividade. Mas será legal se o fizer! O importante é inventar o seu jeito. Só você é capaz de realizar um trabalho a partir do seu próprio olhar. E é aí que está o estado da arte. Seja lá o que você fizer, faça pensando em beneficiar alguém de alguma forma. Então você deixará de contar dinheiro pra contar agradecimentos. A grana? Ela virá, desde que você deixe de vê-la como objetivo final e coloque pessoas beneficiadas no final dessa linha. E não se esqueça: talento, amor à causa, grana e geração de valor. Este é o mantra diário de quem quer viver fazendo o que ama.

Camilo Bracarense é Designer de Interfaces, Desenvolvedor Front-End focado em WordPress, Blogueiro e Empreendedor Digital. Trocou a carteira de trabalho por um home-office e o trânsito caótico por uma horta orgânica. Só abraça um projeto se for pra transformar pessoas. Só recebe dinheiro se o valor gerado for maior que o preço.

Fonte indicada: Vida Larga







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