Então é Natal?

Estamos a meses do Natal, contudo já é possível passar os olhos pelas gôndolas dos supermercados e vitrines de lojas e encontrar neles artigos natalinos. Na internet há quem compartilhe fotos com placas contando os dias para a chegada do papai Noel. Faltam mais de sessenta dias para a data, no entanto parece que ela será em apenas dois. Por quê afinal estamos a tocar no tempo a ponto de antecipá-lo dessa forma?

Falar sobre o tempo é algo muito complexo, contudo procurarei dedilhar a questão aqui para que possamos juntos entender esse fenômeno de antecipação, tocando também em questões relativas à percepção do tempo de indivíduo para indivíduo.

Antes de qualquer ponderação filosófica sobre o tempo é inegável dizer que a antecipação de datas comemorativas existe, dentre outras coisas, para ampliar a margem de vendas e consequente lucro do mercado. Dessa forma durante mais de sessenta dias as pessoas se sentem tentadas e podem consumir sem restrições serviços e produtos destinados ao Natal.
Outra questão interessante é que essa antecipação também vem de encontro à necessidade urgente que grande maioria das pessoas têm de escapulir do presente. Ou seja, quando eu penso no Natal sou impulsionado ao futuro, vislumbrando o Natal que será, ao mesmo tempo em que sou remetido ao passado, ao relembrar os Natais já vividos.

E por que tantos tentam escapulir do presente? Essa é uma outra questão de larga abrangência filosófica (voltaremos a ela mais adiante), contudo agora ouso dizer que é por achá-lo enfadonho, desconcertante em vários aspectos e recheado de obrigações cotidianas que exigem uma atenção iminente.

Mas voltando ao tempo, vocês já perceberam a concepção que temos dele é variável de pessoa para pessoa? Também já notaram que a nossa percepção de tempo pode variar drasticamente de um momento para outro?

A ideia de tempo para nós humanos tem muito a ver com o conceito de “dispersão” e “concentração”. Dessa maneira, assim como a luz, que em meio líquido se desacelera, o tempo quando estamos concentrados no presente também parece passar mais devagar por nós.

Essa nossa concentração no presente não tem a ver com a ideia de executar atividades no presente, pois essas atividades podem remeter nossa percepção ao futuro e ao passado, tirando-nos do aqui e agora e fazendo com que as horas pareçam passar rápido. Dessa forma, diferente do que afirma Simon Grondin, psicólogo da Universidade Laval, no Canadá ao apontar que “o tempo voa quando você não está prestando atenção nele”, o mais universal, ao meu ver, seria dizer que “o tempo voa quando você não está concentrado no presente”.

Então no trabalho o tempo pode voar? Sim, quando fazemos tarefas que nos dispersem do presente, sejam elas quais forem. E na praia o tempo pode demorar a passar? Pode também, se nos focarmos no que acontece naquele instante.

Exemplificando de forma mais pontual: se duas pessoas estão caminhando na rua e uma delas encontra um “chato” e a outra um velho amigo e ambas iniciam um diálogo, por vontade ou não, a primeira pessoa terá a impressão de que o tempo passa mais devagar, enquanto que a segunda terá a sensação de que o tempo corre depressa demais. Isso acontece porque no primeiro caso a pessoa está presa ao presente, pensando no impasse o qual vivencia com plenitude naquele momento e no segundo caso a pessoa está a acessar mentalmente sua bagagem passada para tirar dela informações e experiências ao mesmo tempo em que acessa e compartilha boas possibilidades futuras. Ou seja, no segundo caso ela não está concentrada unicamente no presente.

É interessante mencionar que existem aqueles que afirmam que para crianças o tempo parece passar mais devagar enquanto que para pessoas idosas o tempo parece voar. Existe uma ideia difundida de que o tempo funciona dessa forma pela diferença no percentual que cada minuto representa para cada um deles, tendo como parâmetro o tempo de vida de uma criança e de um idoso. Contudo, eu acredito que a ideia de “concentração” e “dispersão” explica de uma forma mais ampla esse conceito.

Exemplificando. Para um idoso suas percepções estão em menor parte ligadas ao presente e em maior parte em suas memórias passadas. O futuro abre assim espaço para o passado. No caso de uma criança pequena é o inverso. Há nela pouco passado, um largo presente e uma pincelada de percepção de futuro. Idosos estão quase sempre imersos em boas lembranças do mundo e pessoas que o acolheram no passado, enquanto que crianças quase sempre estão integralmente atentas ao presente e em como tudo nele funciona. Dessa forma cinco minutos para uma criança realmente podem parecer uma eternidade, enquanto que para alguém que não está efetivamente no presente podem parecer um lapso.

Outra questão interessante com relação ao tempo é que nós adoramos dividir o tempo em marcos (anos, meses, dias, etc). Esses marcos, metaforicamente, fazem suportável uma experiência ruim. Então se meu presente não me agrada, busco nos marcos temporais expectativas para o futuro ou razões para rememorar o passado. Então quando olho e vejo placas anunciando o Natal, ao me manter fixo na ideia dessa data futura, tirarei a concentração de meu presente e logo mais o Natal estará a bater em minha porta.

Entender essa nossa ânsia pela antecipação das coisas torna clara a ideia de que o presente nos assusta. Afinal, é no presente que lastimavelmente nos tornamos conscientes de nossa natureza servil dentro de um sistema monetário e é nele também que ficamos cara a cara com a nossa mortalidade, contudo é importante não esquecer que é no presente que nossas experiências são tecidas, dessa forma é válido que fiquemos nele o tanto quanto pudermos.

O filósofo Blaise Pascal foi um dos que se aprofundou no estudo dessa nossa conturbada relação com o presente e é com as palavras dele, que finalizo esse texto.

“E quando, depois de haver encontrado a causa de todas as nossas infelicidades, quis descobrir-lhes a razão, achei que há uma muito efetiva, que consiste na infelicidade natural de nossa condição fraca e mortal, e tão miserável, que nada nos pode consolar, quando nela pensamos de perto (…) Daí amarem tanto os homens o ruído e a agitação”.

(Agradeço a Rodrigo Pavanello pela orientação filosófica)

(Imagem meramente ilustrativa)

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Vanelli Doratioto é especialista em Neurociências e Comportamento. Escritora paulista, amante de museus, livros e pinturas que se deixa encantar facilmente pelo que há de mais genuíno nas pessoas. Ela acredita que palavras são mágicas, que através delas pode trazer pessoas, conceitos e lugares para bem pertinho do coração.