“Deixa partir o que não te pertence mais”

Imagem: Janpen Boonbao/shutterstock

Há uma semana, chegando ao fim do ano, uma amiga querida conversava comigo. Superando o fim de um casamento, disse que seu maior pedido para o ano novo era não pensar mais na pessoa que se foi.

Em silêncio orava a Deus pedindo para esquecer e seguir seus dias sem a presença do ex marido em seus pensamentos. Concordei com minha amiga e, à distância, tenho orado por ela também. Para que consiga esquecer. Para que a lembrança dos dias felizes seja só uma recordação, não um aviso luminoso reafirmando sua dor. Para que enfim ela deixe partir o que não lhe pertence mais.

Assim como minha amiga, muita gente precisa sepultar os castelos que já foram derrubados, as sementes que não germinaram, as despedidas que se concretizaram.

Com ou sem o nosso consentimento, muita coisa morre em nossa vida. E é preciso força e lucidez para se despedir. Para aceitar o fim de uma estação e o começo de outra. Para desligar-se do que não existe mais e ter olhos atentos e coração aberto para o que quer nascer e florescer em nossa vida.

É preciso aprender a se despedir. Aprender a libertar certas pessoas ou situações de nossos laços, mesmo doendo, mesmo partindo. É preciso se transformar por dentro. Fazer de todos os dias a oportunidade de seguir em frente comungando do amor próprio e da alegria de saber-se inteiro, cheio de bênçãos, cheio de novas possibilidades.

Neste ano que se inicia, peça a Deus um coração tranquilo. Um coração que aceita o que lhe foi reservado e comemora com ternura o que já conquistou.

Porque nem todos os caminhos sonhados se concretizam, e é preciso suportar as ausências, falhas e faltas que fazem parte da vida de qualquer um. Ter sabedoria para lidar com o que se despediu sem que a gente quisesse é a chave para amar a vida que se tem.

Já vi muito coração partido doer mais que joelho esfolado, e isso me dá a certeza de que deixar morrer um amor de dentro de nós leva tempo e alguma insistência; requer força de vontade e muita paciência.

Não é de uma hora pra outra que para de doer. Não é instantaneamente que a gente deixa de pensar. Mas é preciso deixar o tempo fazer seu papel e a vida lapidar as desistências.

Algumas coisas morrem sem o nosso consentimento, mas ainda assim a gente sobrevive. Ainda assim a gente continua e aprende a ser feliz de um jeito novo, de uma maneira que nos surpreende pela claridade e possibilidade.

Permita-se ser feliz e autorize que sua dor seja curada. Porque a gente se apega às dores também, e se acostuma silenciosamente ao sofrimento pela falta de alguém.

Espero que minha amiga consiga realizar seu desejo. Que afugente a dor e seque o pranto. Que deixe partir o silêncio, o desalento e toda mágoa. Que se desapegue das intenções não correspondidas, das reticências indecisas, dos sonhos que desistiram de cumprir seu destino. E que, principalmente, deixe morrer o medo de descobrir o que há por trás das novas janelas que começam a se abrir. Feliz tempo novo!







Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.