Crianças obedientes não ficam quietas

Por Gabriel M Salomão para o Lar Montessori

Há duas formas de ensinar obediência. Na forma antiga e equivocada, pede-se às crianças que façam isso é aquilo, e acabou. Se não fazem, são punidas pela desobediência. E há a outra forma… Peça à criança somente o que ela pode te dar. Quer dizer, peça por obediência de uma maneira que a criança dê com alegria…

Essas são palavras de Maria Montessori dirigidas a famílias de crianças. Palavras como essas me lembram sempre do rei do Pequeno Príncipe:

“Se eu ordenasse que um general voasse de flor em flor como uma borboleta, ou que escrevesse uma peça de teatro, ou que se tornasse uma gaivota, e se o general não executasse a ordem que recebeu, qual de nós estaria errado? – O rei perguntou – O general ou eu? // – Você – respondeu o pequeno príncipe, com firmeza. // – Exatamente. Só se deve exigir o que as pessoas podem cumprir – O rei continuou – A autoridade que é aceita apóia-se, antes de tudo, na razão. Se você ordenasse a seu povo que se jogasse no mar, eles se levantariam em revolução. Eu tenho o direito de exigir obediência porque minhas ordens são razoáveis.”

Montessori nos explica, de novo e de novo, que movimento é vida. Quando eu peço a imobilidade a uma criança que tem como imperativo da vida que se mova incessantemente, o que peço é equivalente ao rei louco, pedindo ao seu povo que se atire ao mar. Eu peço a morte. E a criança não pode me obedecer, porque acima de minha autoridade está a autoridade da vida. Mas há caminhos. Há formas de saber as ordens da vida, e pedir à criança coisas menores, que não se oponham à vida, mas que acompanhem seu curso de forma especial e adequada à situação. Por um momento, vamos voltar a Montessori.

É claro que há momentos em que é necessário que a criança não se mova demais. Você acabou de vestir sua criança para sair, por exemplo, e não dá para ela correr para o jardim e fazer tortinhas de barro. Mas bom, há uma alternativa que não é sentá-la e dizer simplesmente que fique parada até você estar proto(a). // Você tem a observado bem? Qual é, então, seu interesse mais recente em atividades mais quietas? Talvez meia hora atrás ela tenha colocado a chave na porta e girado a tranca. Se você tiver uma caixinha com uma fechadura e uma chave, dê a ela…

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O que Montessori via na criança, de novo e de novo, era a natureza se manifestando. Não podemos ordenar a uma árvore que não cresça. A única forma de fazer isso é cortar suas raízes. Fazer dela um bonsai. Retorcer seu desenvolvimento. Desviá-la de seu caminho. Impedir sua verdadeira vida. Obstruir o curso que levaria ao cumprimento de seu papel no universo. A obediência não pode ser tal que impeça a vida.

Mas há outro caminho.

Quando vemos a criança, ela obedece com alegria. Porque a um só tempo aprende a adaptar-se às condições de seu ambiente – aspecto fundamental do desenvolvimento – e pode seguir a Lei Máxima da Vida. Pedir a um filho que saia já do banho pode ser demais, se ele acabou de descobrir que as bolhas na parede do box se movem, muito lentamente, quando a gente sopra de leve, mas estouram se sopramos forte demais. E que é necessário ter paciência. Mesmo nu. Mesmo tarde. É necessário ter paciência, ou as bolhas estouram. As do box. As da vida. E então nós talvez possamos escovar os nossos dentes, e dizer que daqui a pouquinho, acabando de escovar os nossos dentes, viremos chamar a criança, e aí vamos mesmo dormir. Amanhã poderemos brincar de novo. Sim? Provavelmente sim.

Será, pergunto-me às vezes, que parece inseguro para a criança trocar a história que ela já escutou várias vezes por uma história nova? Será que parece arriscado? E será que é por isso que a fascinante nova história, imposta, leva ao choro? Será que por duas, ou três, noites, duas histórias são possíveis? Talvez sejam. Talvez.

A obediência que não se opõe à vida é bem vinda pela criança. E devia ser bem vinda por nós. A vida, afinal, deve ser superior aos nossos desejos. Mas entender a vida é, necessariamente, prestar atenção. É necessário olhar a vida para compreender suas leis. Elas não vêm num livro. Nem mesmo os da Montessori darão conta de tudo. Será necessário olhar a criança que existe. A criança que está lá. É ela, e só ela, que pode nos mostrar para onde aponta a trilha da vida.

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A atividade que ela acabou de fazer com algum interesse, aquela a que ela tem retornado de vez em quando ao longo dos últimos dias, a outra que a absorveu completamente antes de ontem. Todas essas são plaquinhas, à beira da estrada, indicando as regras da vida. Qualquer coisa que pedirmos, dissermos, exigirmos, terá de estar em consonância com as regras da vida, ou, por motivo de força maior, não seremos obedecidos (ainda bem!).

Quando Montessori falava da obediência, falava de uma criança que obedecia com alegria e rapidez, profundamente disciplinada e senhora de si. Essa criança só é assim porque está na trilha da vida. Porque não se perdeu dela. Porque não está desesperada para voltar, ou para permanecer, no curso correto de seu desenvolvimento. Aí, muito mais que a obediência, brota a autodisciplina. A capacidade de seguir, sobretudo, aquilo que sabemos ser correto.

Montessori anunciou a paz vindoura já em 1907, com sua primeira escola. E ainda hoje, podemos repetir, olhando a criança que conhece a vida, e o adulto que respeita esse conhecimento profundo: “uma nova humanidade para um novo mundo nasce já!”.

Os trechos de Montessori neste texto vieram do livro recém publicado Maria Montessori Speaks to Parents: A Selection of Articles.

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Imagem de capa: Photo by Ben White on Unsplash







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