Com que roupa eu sou?

Na minha época de garota, mamãe e outras mulheres da família repreendiam meu jeito nem aí de me vestir. Tudo que eu queria eram roupas que não tolhessem meus movimentos e sapatos que me permitissem deslizar. Na verdade tinha inveja dos garotos. Eles vestiam qualquer coisa e saiam para a rua. Voltavam sujos. Coisa de meninos, os adultos diziam. Já quando eu aprecia com roupa ou cara sujas, tinha que ouvir: Nem parece uma menina!

Com a chegada da adolescência as cobranças recrudesceram. Afinal eu me tornara uma mocinha. Mocinhas precisam se enfeitar. Mas eu odiava presilhas, pulseiras, brincos, sutiãs e saltos altos. Tudo que eu queria eram trajes que me deixassem confortável para subir e descer dos lotações, saltar poças d’água, entrar e sair do mar.

Mamãe sempre foi arrumadíssima. Até hoje – aos 82 anos e com problemas de memória – combina a cor do brinco com a sandália da hora. Então ela desesperava com o patinho desarrumado que veio na sua cesta. Muitas vezes me perguntou: Você não tem vaidade? Eu ficava quieta. Se ela perguntasse agora, responderia: É claro que sou vaidosa, mãe. Mas é que existem várias modalidades de vaidade. Entre elas, a vaidade de não se importar com roupas.

Na juventude, no final dos anos 1970, meu figurino deslanchou. Amigas e amigos da faculdade não cobravam modelos de vestir. Meus cabelos eram longos e despenteados. Usava uma eterna bolsa de couro bem riponga. Foram anos felizes, nos quais conjecturei sonhos, perspectivas, entusiasmos. Logo depois conheci as feministas. Foi o sinal verde para me vestir e desvestir como me desse na telha. Compreendi que a moda, como todo o resto, é política.

Agora cheguei aos sessenta. Curiosamente ando mais mulherzinha.Acho que me inspiro na irreverência libertária do cartunista Laerte. O fato é que tenho cuidado do corte do cabelo, pensado seriamente em combinar a cor da blusa com a cor da calça. Quem sabe no 2016 usarei batom. São bonitos os lábios vermelhos. Talvez mais arrumadinha eu possa por amor arrancar um bom sorriso de mamãe.

imagem: Régine Ferrandis







Fernanda Pompeu é escritora especializada na produção de textos para a internet. Seu gênero preferencial é a crônica. Ela também ministra aulas, palestras e workshops de escrita criativa e aplicada. Está muito entusiasmada em participar do CONTI outra, artes e afins.