Carta aberta a quem sofre de esperança.

Ah… pessoa amiga! Bom ver você aqui. Andei longe, enfiado em caminhos por onde se encontra tudo menos gente como você, correta, valente, cheia de vida. Andei por baixo, mirando os desenhos e as ranhuras do chão, varrendo as calçadas com os olhos. Parti ladeira abaixo buscando sei lá o quê, fugindo já não sei de quem.

Arrastei a alma vazia no asfalto, feito saco plástico levado pelo vento, e caí em tantos buracos quanto os passos que dei, passos maiores que as pernas tomadas de câimbras e ansiedade. Você decerto não sabe o que é isso, e eu espero honestamente que jamais descubra, mas eu reconhecia as pessoas pelos pés, sabia quantas lajotas formavam uma tal calçada e desprezava uma multidão de moedas perdidas que encontrava em cantos tristes da rua. O sol queimava minha nuca e fazia da sombra do meu corpo um interlocutor persistente e dedicado, o único, caminhando comigo, perdido como eu.

Porque eu me perdi, sim, me perdi de tanto seguir. Fui andando, apertei o passo, caminhei para longe e me afastei demais. De lá, da lonjura a que fui chegar, o que eu gritava ninguém podia ouvir. Você também não podia ter ouvido. Minha voz não existia senão para mim mesmo. Já não passava de um murmúrio teimoso, exibindo a resistência inútil das árvores que despencam de tão velhas, os troncos apodrecidos, os galhos estalando secos, esbravejando na queda.

Fomos longe demais, me dizia a sombra aqui embaixo. Ela estava certa. Não fosse meu periscópio de segunda mão que achei no baú onde guardo os sonhos frustrados, os bilhetes de loteria perdidos, os números de telefone que não existem mais e os ossos que ainda não dei aos cachorros, meu contato com o mundo, que já era tão pouco, teria sido nenhum. Eu me afastei. Para longe, para o fundo.

E você? Andando por quais caminhos? Me conta! Eu parti e cheguei até onde não se sabe mais o rumo de volta. Mas voltei. Mais velho, mais cheio de novos medos, voltei. E na volta encontrei você como um bom presságio. Uma música linda, um sentimento de paz de domingo à tarde, depois do almoço, invade meu mundo por todos os poros. É uma canção quatro por quatro, batendo mansa, ventando tranquila, enchendo a casa, untando as formas de bolo do próximo aniversário. Um pensamento de tamanha limpeza percorre os corredores longos e os quartos largos das minhas lembranças, e uma ternura tão humana e tão sutil abre a janela e fica ali, apanhando vento na cara, os cabelos voando, a vida suando na pele, sob o calor generoso do sol. Você está aqui e é testemunha de que hoje um homem voltou a olhar para a frente, para o alto.

Sigo caminhando, em busca. Mas caminho com uma nova esperança. A esperança viveu de novo. Ela é sempre a primeira que vive. Não parto mais ladeira abaixo. Faço as malas e avanço para o mundo. Agarrado ao presente incalculável de existir. Feliz um dia ou outro, tristonho de quando em vez. Mas vivo, agradecido, correndo para a vida em sua devastadora, infinita e espantosa beleza.







Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.