Às vezes, é preciso se perder para se encontrar

O modo automático de viver é muito perigoso e atrativo. Todos nós já estivemos nele em algum momento. Deixamos as coisas rolarem sem pensar bem nessas coisas e em suas consequências, até que aquela porta a qual abríamos todos os dias não abriu mais. Até que aquela pessoa trocou de endereço. Até que nos deixamos levar por caminhos ermos e distantes. Até que alguma coisa em nossa vida automática parou de funcionar. Então fatalmente acordamos.

Você já despertou em meio a uma estrada movimentada? Já despertou andando sobre uma corda bamba ou em uma jaula de leões? A gente se mete dormindo onde nunca se meteria de olhos bem abertos e quando acorda recebe uma descarga estrondosa de adrenalina. Então, pensamos, afoitos, em como sair daquilo, em como regressar para nós mesmos.

Esse dormir acordado é muito bom para os outros, pois nos faz aceitar, sorrindo, pesos que não são nossos. Esse modo automático permite que coloquemos nossa vida nas mãos de pessoas enganosas. É que é tentador abraçar o ideal de outro, mas seguindo rumo ao que esse outro quer quase sempre nos afastamos da nossa essência. Esquecemos da pessoa que éramos quando dávamos ouvidos às nossas expectativas. Quando tínhamos sonhos bonitos para nós mesmos.

Pensando bem, em muitos casos, apenas esse choque de realidade é capaz de nos despertar. É que, às vezes, é preciso se perder, para finalmente se encontrar. Às vezes, é preciso que tentem nos roubar o poder de escolha para que encontremos em nós uma vontade louca de lutar pelo que achamos justo e correto. Uma vontade louca de escolher entre isso e aquilo.

Quando abrimos os olhos, perdidos, recebemos um cutucão da vida e nos atentamos para a importância de buscar a nossa essência, o nosso propósito, a nossa própria concepção de mundo. Quando nos encontramos despertos e perdidos relembramos o que tínhamos de melhor em nós e corremos em busca disso.

Eu sei, você deve estar pensando no desespero que dá esse acordar, em como é perturbador enxergar claramente quando estamos acostumados à anestesia da rotina ou do comodismo do fazer pelo fazer. Você desperta tentando entender como parou ali. Pergunta-se onde estava com a cabeça para ter aceitado isso ou aquilo.

Acordar causa sobressalto e pede resolução. No entanto, apenas os que dormem acordados podem aceitar o inaceitável. Aos despertos cabe decidir e fazer diferente. Aos despertos cabe a honra de enxergar a verdade. Cabe a decisão de seguir em frente ciente das dificuldades, mas alegre por ter uma vida focada em boas expectativas e realizações pessoais que seriam impensadas antes.

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Acompanhe a autora Vanelli Doratioto em Alcova Moderna







Vanelli Doratioto é especialista em Neurociências e Comportamento. Escritora paulista, amante de museus, livros e pinturas que se deixa encantar facilmente pelo que há de mais genuíno nas pessoas. Ela acredita que palavras são mágicas, que através delas pode trazer pessoas, conceitos e lugares para bem pertinho do coração.