A simbologia do trem em “Tomates Verdes Fritos”

Por Octavio Caruso

Revendo o filme após muitos anos, ainda fico surpreso com aqueles que não percebem a forte conotação sexual na cena da guerra de comida na cozinha. O livro original de Fannie Flagg não esconde o caso de amor entre a indomável Idgie e a doce Ruth, porém, temendo a polêmica, o diretor Jon Avnet preferiu deixar tudo subentendido e apostar apenas no forte laço de amizade. É uma decisão tola, já que a trama ganharia ainda mais relevância, no contexto da época em que ela se passa, em meados da década de trinta, uma sociedade intensamente racista, preconceituosa. A história é narrada pela personagem de Jessica Tandy, uma senhora que vive o crepúsculo de sua vida em um asilo. A sua vitalidade impressiona a personagem vivida por Kathy Bates, uma dona de casa sem autoestima, escrava de um relacionamento desgastado, com um homem grosseiro que só pensa em beber e assistir seus jogos de beisebol.

“Eu sou muito jovem para ser velha, e muito velha para ser jovem”.

Um tema central, no livro e no filme, é a questão do resgate da gentileza num mundo cada vez mais deselegante. A personagem de Bates, um pouco acima do peso, fica ofendida quando um moleque, sem motivo algum, debocha agressivamente de sua constituição física. Numa cena posterior, ela é vítima novamente de agressão verbal, quando duas jovens, sem cerimônia, estacionam o carro em sua vaga. O roteiro evidencia, de forma quase caricatural, o impacto do desrespeito. Ela só deixa a insegurança de lado, ousando o contra-ataque, quando começa a se inspirar com a coragem da heroína das histórias contadas pela senhora. É interessante enxergar o elemento visual do trem, que causa duas desgraças que transformam completamente a vida dos personagens, o símbolo do inescapável destino, os trilhos como o ciclo da vida, trazendo e levando pessoas embora, veículo da esperança e do sofrimento, o coração pulsante da pequena cidade.

A rebelde Idgie, vivida por Mary Stuart Masterson, ataca implacavelmente o marido de Ruth, vivida por Mary-Louise Parker, quando descobre que ele a espancava em casa. A poderosa cena transmite bem a revolta dela, sem medo de enfrentar alguém fisicamente mais forte, percebendo que a amiga já ultrapassou o estágio da resignação, mostrando-se apática. Essa força de caráter também se mostra, de forma bem mais discreta, no entendimento subliminar de que ela eventualmente teve uma relação com o irmão, ocasionando o nascimento de um bebê doente, que viveu apenas alguns anos. Uma mulher que, enquanto criança, não temia a figura do sacerdote na igreja, ela desafiava tudo e todos. No momento em que Ruth passou a conviver com ela, aprendeu a ser mais confiante, chegando até a sorrir quando soube da morte do marido. Um gesto simples, filmado de forma sutil, porém, simbólico de um importante despertar existencial.

A bonita revelação da identidade da senhora, ao final, como sendo a própria Idgie, é um exemplo de modificação eficiente na adaptação. Além de fazer mais sentido narrativamente, satisfaz plenamente o espectador após todo o investimento emocional. O tempo foi generoso com “Tomates Verdes Fritos” (Fried Green Tomatoes – 1991), um dos filmes mais comentados na década de noventa, que continua envolvente em sua estrutura episódica de flashbacks, entregando ainda uma crítica mensagem atual sobre o feminismo. Evelyn (Bates) inicialmente utiliza Idgie como muleta psicológica para conquistar a segurança necessária em sua vida, porém, percebe, após algumas cenas hilárias com o marido, que enxergar valor excessivo na rebeldia inconsequente de sua heroína, uma total irresponsável em vários sentidos, não passa de um patriarcalismo às avessas, cometendo os mesmos erros resultantes de qualquer radicalismo. A personagem acaba preferindo o meio-termo, representado pela senhora, uma versão amadurecida da rebeldia adolescente, afável e corajosa.

É impossível não se emocionar com o momento em que Evelyn, acreditando que sua amiga faleceu, parte para cima da enfermeira do asilo, que, de forma insensível, já estava rasgando as rosas coladas na parede, que a senhora tanto amava, preparando o quarto para o próximo número na estatística do estabelecimento. Uma linda cena que transmite uma forte mensagem, infelizmente, cada vez mais atual. O amor e a gratidão, que levam a mulher a se responsabilizar pelo futuro da senhora, tão frágil e desvalorizada na sociedade, responsável por sua decisiva mudança de atitude. O trem segue seu caminho, o passageiro mais calado, aquele que fica no canto, que ninguém dá valor, pode mudar totalmente o rumo de sua vida.

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OCTAVIO CARUSO

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Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.

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