A loucura em Cisne Negro

Obras de arte podem ser interpretadas de várias maneiras, dependendo do conhecimento e experiência de cada espectador. Existem maneiras diversas de interpretar de fato o enredo do filme.

Através do uso de símbolos e significados, no entanto, o filme alude claramente ao lado escuro e oculto da fama, a dualidade, o controle mental baseado em trauma, a criação forçada de um alter persona e muito mais. O personagem principal, Nina, passa por uma mudança metafísica – por entrar em contato com o seu “lado negro” – a fim de ter um melhor desempenho.

Essa mudança é imposta a Nina pelo seu manipulador, neste caso, seu diretor de balé. Cisne Negro tem neste artigo uma interpretação junguiana devido à riqueza do arquétipo da sombra sobre a jovem que se identifica com sua sombra, por pressão materna e inveja de outra bailarina.

Os chamados arquétipos,são originários da espécie humana e se encontram em toda psique. O inconsciente coletivo é o grande reservatório da libido, ou seja,a energia psíquica e está muito ligado à nossa fonte biológica.

Deste estado germinal infantil é que se desenvolve o ser adulto completo; por isso, o estado germinal é não menos exclusivamente sexual do que a psique do adulto. Nesse estado, estão escondidos não só os inícios da vida adulta, como também toda a herança que nos vem da série ancestrais, e é de extensão ilimitada.

Nina, uma mulher jovem tímida e frágil é escolhida para desempenhar o papel de a Rainha dos Cisnes e deve, portanto, incorporar tanto o Cisne Branco puro e o Cisne Negro. Sua busca pela perfeição como uma bailarina leva à experiência, em seu cotidiano, a transformação experimentada pelo Cisne Branco na história do balé.

Os acontecimentos da vida diária de Nina, portanto, espelham a história do personagem que ela assume como uma bailarina, levando à confusão e, enquanto borra a linha entre realidade e ficção à insanidade.

O filme de Darnen Aronofsky (2011), considerado um thriller psicológico, é um tanto conturbado, e tenso; até mesmo enlouquecedor já que os dois cisnes representam dois personagens diferentes, mas ao mesmo tempo, os dois lados de uma mesma pessoa; mostrando que nem todos são bons ou maus por inteiro.

Todos têm os dois lados. Mas no caso da protagonista, ela não sabe lidar com esse outro lado, e por isso acaba enlouquecendo. Ao ver em sua rival, tudo que ela gostaria de ser, ela acaba conhecendo um lado que não conhecia: competitivo, agressivo, e até mesmo cruel em alguns momentos. Assim ela vai se transformando e incorporando o personagem mais difícil que ela já teve que interpretar; afinal podemos ver isso, como um reflexo dela

O uso de espelhos e reflexos em inúmeras cenas são um lembrete constante da percepção alterada da realidade de Nina. Espelhos no filme são muitas vezes enganosos e os reflexos de Nina parecem ter uma “vida própria”.

Enquanto Nina fica assombrada pelo Cisne Negro, essa persona suplente toma uma vida própria e age fora do controle consciente de Nina. A infância, por conseguinte, é importante, não somente porque várias atrofias dos instintos dela se originaram, como também porque ela é o tempo em que surgem, terrificantes ou encorajadores, diante da alma da criança, aqueles sonhos e imagens da ampla visão, a condicionar-lhe a procura no inconsciente envolve o confronto com a sombra, a natureza escondida do ser. A anima/animus, um gênero oposto escondido em cada indivíduo é o arquétipo do significado. Esses arquétipos são suscetíveis de personificação.

Os arquétipos de transformação que expressam o processo de individuação são manifestos. Como os arquétipos penetram a consciência, eles influenciam a experiência percebida de pessoas normais e neuróticas.

Um arquétipo é sempre muito poderoso e pode totalmente possuir o indivíduo e causar psicose. No caso de Nina há uma quebra e ela desenvolve a psicose não aceitando ser o Cisne Branco nem se reconciliando mais com sua sombra.

É observável que, desde que o ser humano moderno tem uma habilidade altamente desenvolvida para dissociar e para diminuir dissociação, procura se reconciliar com os aspectos da personalidade que foram negligenciados. Mas Nina não consegue unir-se com seus opostos.

Nina, para conseguir o papel principal no Ballet, começa a fazer de tudo, desesperadamente, para consegui-lo, e com isso começa a enlouquecer e confundir a vida real, com o personagem. Ao mesmo tempo em que ela quer se manter correta, certa, pura, perfeita como o Cisne Branco; ela acaba aprendendo a se soltar, ser livre, e conhecer um lado dela que nem sabia que existia, um lado que quebra regras, vive, e não se importa, faz o que quer e o que bem entende, e o que é bom somente para ela, sem se importar com os outros, como o Cisne Negro.

Aqui tem-se uma ruptura em sua psique que se identifica com a personagem, revelando sua sombra – a parte da personalidade que foi reprimida em benefício do ego ideal. Como tudo inconsciente é projetado, encontramos a sombra na projeção, i.e., na visão de outra pessoa. A sombra representa o que consideramos indesejável em nós e/ou o que ainda não temos consciência dentro de nós.

Através da identificação com a sombra podemos verificar sua bipolaridade, passando a reintegrá-la para o desenvolvimento como também procurando confrontá-la pois ela também pode guardar nossas melhores qualidades. Mas a ruptura de Nina é psicótica e ela começa acreditar que Lilly, sua rival, esteja perseguindo-a em todos os lugares, ficando completamente desorientada.

Além disso, existe toda aquela pressão por parte do Thomas Leroy (o diretor da companhia de ballet), que cobra mais dela espontaneidade, agressividade e sensualidade para a interpretação do cisne negro. Nina só queria ser perfeita, percebemos que toda a fantasia que Nina monta e cria na sua cabeça, é por que na verdade Lilly é tudo aquilo que ela não é, pois ela tem tudo aquilo que o cisne negro precisa, ela é uma perfeita personificação(representação) do cisne negro.

Pode-se perceber uma forma de esquizofrenia pós-moderna, condutora a uma forma de integração criativa. Este caminho é induzido nitidamente pelo professor ao beijá-la e ser mordido por ela, mas como a integração autoerótica não estava pronta, ele lhe sugere que ela se masturbe.

Outra lembrança importante é a dificuldade de integrar a sensualidade devido à ação repressiva da mãe quanto à sexualidade. É interessante registrar que a condição básica para ser a escolhida foi sua agressividade ao papel do cisne negro. Neste momento, a criatividade intuitiva do diretor do filme faz essa integração passar para nível homossexual.

Estamos, portanto, diante de outra situação que dificulta muito o entendimento geral devido à trama complexa do preconceito basicamente moral. Entretanto, se deixarmos de lado as tramas morais preconceituosas, essa passagem fica bem clara, com a poderosa cena da relação homossexual da bailarina com a rival, o que a leva a um orgasmo integrador como descrito acima.

Neste caso específico podemos entender melhor essa poderosa vivência como uma experiência de integração com o duplo anímico erógeno que nela existia apenas como potencialidade.

Mas no caso da protagonista, ela não sabe lidar com esse outro lado, e por isso acaba enlouquecendo. Ao ver em sua rival, tudo que ela gostaria de ser, ela acaba conhecendo um lado que não conhecia: competitivo, agressivo, e até mesmo cruel em alguns momentos. Assim ela vai se transformando e incorporando o personagem mais difícil que ela já teve que interpretar; afinal podemos ver isso, como um reflexo dela mesma, que para ela era inexistente.







Fernanda Luiza Kruse Villas Bôas nasceu em Recife, Pernambuco, no Brasil. Aos cinco anos veio morar no Rio de Janeiro com sua família, partindo para Washington D.C com a família por quatro anos durante sua adolescência. Lá terminou o ensino médio e cursou um ano na Georgetown University. Fernanda tem uma rica vida acadêmica. Professora de Inglês, Português e Literaturas, pela UFRJ, Mestre em Literatura King´s College, University of London. É Mestre em Comunicação pela UFRJ e Psicóloga pela Faculdade de Psicologia na Universidade Santa Úrsula, com especialidade. Em Carl Gustav Jung em 1998. É escritora e psicóloga junguiana e com esta escolha tornou-se uma amante profunda da arte literária e da alma, psique humana. Fernanda Villas Bôas tem vários livros publicados, tais como: No Limiar da Liberdade; Luz Própria; Análise Poética do Discurso de Orfeu; Agora eu era o Herói – Estudo dos Arquétipos junguianos no discurso simbólico de Chico Buarque e A Fração Inatingivel; é um fantasma de sua própria pessoa, buscando sempre suprir o desejo de ser presente diante do sofrimento humano e às almas que a procuram. A literatura e a psicologia analítica, caminham juntas. Preenchendo os espaços abertos da ficção, Fernanda faz o caminho da mente universal e daí reconstrói o caminho de volta, servindo e desenvolvendo à sociedade o reflexo de suas próprias projeções.