A insustentável leveza do sexo

Estar sozinho. Sentir-se sozinho. Ter apenas o próprio reflexo. A solidão é algo de que todos, de uma maneira ou de outra, buscam afastar-se. Seja pela dificuldade que temos de olhar a nós mesmos (como dizia Pascal), seja pela dificuldade de encarar a existência, com toda sua complexidade, sem nada para nos apoiarmos. A solidão nos aflige, porque há um vazio dentro de nós, o qual só pode ser preenchido por outra pessoa. Sendo assim, busca-se, no amor, a solução para o vazio existencial.

No mundo líquido, esse vazio existencial é preenchido pelo sexo. As pessoas possuem incontáveis “parceiros”, contudo, são incapazes de relacionar-se, de tal modo que o sexo casual, totalmente desconectado com um relacionamento e, consequentemente, com o amor, não pode preencher esse vazio, mas, antes, afastá-lo dos outros. Erich Fromm, sabiamente, diz:

“O sexo só pode ser um instrumento de fusão genuína – em vez de uma efêmera, dúbia e, em última instância, autodestrutiva impressão de fusão – graças a sua conjunção com o amor. Qualquer que seja capacidade de fusão que o sexo possa ter, ela vem de sua camaradagem com o amor.”

Não quero fazer um culto de negação ao corpo, mas parece-me que o sexo desvencilhado do amor ou de qualquer outra coisa, isto é, o sexo livre de ligações no dia seguinte, não conseguiu o que prometia. Em um primeiro momento, pode ser empolgante caminhar no mundo do “sexo puro”, mas e quando a correnteza não puder ser controlada? Afinal, deve-se ser livre, pois ter algo que o prenda é proibido nesse jogo. Então, estar à deriva é tão bom assim? Preenche o vazio? Segundo Bauman, não, pois,

“Voar suavemente traz contentamento, voar sem direção provoca estresse. A mudança é jubilosa; a volatilidade incômoda. A insustentável leveza do sexo?”

Essa insustentável leveza do sexo pode ser percebida nos muitos casos que chegam aos consultórios, de pessoas frustradas, já que o remédio que prometia curar causou mais moléstias. Dessa forma, o sofrimento torna-se ainda maior, pois, na medida em que se tentou afastar-se da solidão com o “sexo puro”, percebeu-se que se estava mais só do que antes. Essa frustração ocorre porque o sexo esvaziou-se de sentimentos e, portanto, não permite, em si, a capacidade de realização que se pretende. Em outras palavras,

“Quando o sexo se apresenta como um evento fisiológico do corpo e a palavra sensualidade pouca evoca senão uma prazerosa sensação física, ele não está liberado de fardos supérfluos, avulsos, inúteis, incômodos e restritivos. Está, ao contrário, sobrecarregado, inundado de expectativas que superam sua capacidade de realização.”

Assim sendo, o “sexo puro” é caracterizado pela rotatividade e não pela qualidade ou capacidade de realização. Essa rotatividade é uma das principais características do “homo consumens”, uma vez que, na modernidade líquida, o sucesso não é caracterizado pela capacidade de ter bens, pois, para que você possua algo, é preciso guardá-lo, e o homem pós-moderno, ou “consumens”, não quer ter esse trabalho. O sucesso, assim, é medido pela capacidade de usar, desfazer-se e usar algo novo.

“É a rotatividade, não o volume de compras, que mede o sucesso na vida do homo consumens.”

O “sexo puro” encontra-se em perfeita consonância com essa ideia, em que os encontros não devem passar de um episódio e todos devem estar preparados para ser descartados. O grande paradoxo nisso é que esse “sexo puro” prometia resolver o problema da solidão. Mas parece-me improvável que assim o seja, quando o outro vale menos que uma camisa, visto que esta é usada mais de uma vez.

Quando se determina que os encontros não devam passar de um episódio, cria-se uma ditadura, em que toda forma de relacionamento deve ser assim. Há, dessa maneira, o banimento dos sentimentos do sexo. Entretanto, esquecem que, quando se tenta retirar o acaso, o inesperado da vida, retira-se, imprescindivelmente, o que há de mais sublime na vida: o amor.

O “sexo puro” é a tentativa de uma sociedade insegura de sair da solidão, mas sem sair da zona de conforto. Obviamente, quando não se criam expectativas no outro, dificilmente haverá decepção. Mas, se não se espera nada no outro, talvez isso não seja amor. Para muitos estudiosos, na raiz do verbo amor está impressa a ideia de plantar, semear. Portanto, necessariamente, se há amor, há expectativas, pois ninguém semeia sem acreditar na colheita.

A insustentável leveza do sexo consiste em acreditar que pode se relacionar com outra pessoa e portá-la para dentro de si sem que haja envolvimento. Todavia, para que algo se desenvolva, é preciso envolvimento, muito embora essa não seja uma característica do homem líquido. Criar laços fortes pode deixar-nos mais vulneráveis, mas ao amor são inerentes a vulnerabilidade e a incerteza – e já disse que as melhoras coisas só acontecem no terreno do inexplicável.







"Um menestrel caminhando pelas ruas solitárias da vida." Contato: [email protected]