A hipocrisia: um muro que insiste em nos rodear

O artista Lulu Santos no início da letra de sua música, com o título Tempos modernos, canta: “Eu vejo isso por cima de um muro/De hipocrisia que insiste em nos rodear.” Essa é uma palavra que deriva do latim hypocrisis e do grego hupokrisis, ambas significam a encenação de um ator.

Os atores gregos usavam máscaras conforme o papel que interpretavam no teatro, pois o termo hipócrita designava alguém que ocultava à realidade atrás de uma máscara de aparência. Hoje, esse conceito refere-se às pessoas que simulam comportamentos.

Um exemplo emblemático de hipocrisia é reclamar de alguém por realizar algum ato deplorável enquanto faz o mesmo. Assim, os hipócritas constroem os “muros” da falsidade para simular atitudes corretas, contudo não têm valor moral nenhum para si e seu grupo.

A hipocrisia usa vários tipos de máscaras, e precisa de platéia para dar seu show. Mas temos que aprender a desmascarar seus personagens, porque os hipócritas são incoerentes, que condenam os outros pelos mesmos erros ou pecados que cometem, objetivando obter vantagem financeira, emocional e moral.

Nicolau Maquiavel descreveu os hipócritas: “Os homens em geral formam suas opiniões guiando-se mais pela vista do que pelo tato, pois a todos é dado ver, mas a poucos é dado sentir. Cada qual vê o que parecemos ser, mas poucos sentem o que realmente somos.”

O pensamento de Maquiavel segue atual, uma espécie de me engana que eu gosto: ganha as eleições quem mente mais e promete mais. O cenário religioso não foge disso, já que temos os que se dizem piedosos, mas no cotidiano são hipócritas. Essa era conduta dos judeus beatos, que foram advertidos por Jesus: “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Limpais por fora o copo e o prato e por dentro estais cheios de roubo e de intemperança.”

Além disso, Freud desnudou e rompeu com os ideais do homem civilizado, revelando seu lado repleto de absurdos e incertezas. Ele apontou as bases do mal-estar, como lastros da civilização, que marcam a origem do desejo de morte e os alicerces da hipocrisia.

É inegável que atual civilização favorece a produção da hipocrisia. É como disse Thomas Hobbes: “O homem é o lobo do homem”. Essa atitude de lobo se revela na máxima: “Os fins justificam os meios”, inclusive a hipocrisia, mesmo que os hipócritas sejam políticos, amigos e familiares do âmbito das nossas relações? Parece uma batalha perdida?

Isso não quer dizer que perdemos a esperança, com diz a bela canção de Lulu Santos: “(…) Eu vejo um novo começo de era/ De gente fina, elegante e sincera /Com habilidade/ Pra dizer mais sim do que não, não, não (…)”. Então, gente sincera enfrenta a hipocrisia, e com isso desativa a influência dela sobre nós.

Para tanto Buda afirmou: “Mantenha sempre um diálogo interno consigo mesmo para lembrar quem você é, quais são os seus valores e quais são as suas grandezas. O que o hipócrita diz, faz ou pensa não vale e nem conta nada para a sua vida. É apenas ar, apenas sopro de um fantoche covarde que transformou a falsidade em seu reino de cartas. Mais cedo ou mais tarde o castelo vai cair.”

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Jackson César Buonocore Sociólogo e Psicanalista