A construção

O primeiro dia de trabalho em um novo emprego se parece, com as devidas proporções, como o primeiro dia de escola. Nós chegamos todos animados, cheios de energia e disposição para começarmos logo, para nos enturmarmos, torcemos para que seja um ambiente agradável e que o tempo passe o mais rápido possível, se assim der. Não é verdade?

Buscamos ter uma boa convivência com os outros, ser o mais tolerante possível e respeitar as diferenças. Será que é tão pacífico assim? Bom, em tempos de crise, tudo isso mudou. No atual momento, onde vemos pessoas serem mandadas embora, serem dispensadas, descartadas depois de anos de trabalho na empresa, às vezes, prestes a se aposentar, o primeiro dia de trabalho muito se assemelha com a Katniss Everdeen lutando pela sua sobrevivência contra os doze distritos nos Jogos Vorazes.

E não, eu não estou exagerando. Vivi sim, como muitos de nós, ambientes de trabalho mais competitivos e também, mais amenos. Afinal, sempre existirão pessoas que vão ver o outro como uma possível ameaça, alguém que pode tomar seu emprego e não apenas um colega de trabalho, um colaborador. Mas na época anterior a crise, era um ou outro gato pintado que aparecia querendo aparecer mais do que todo mundo e que fosse mais competitivo mesmo.

Mas, agora a coisa mudou completamente de figura. As entrevistas de emprego, não são mais entrevistas onde o candidato conversava com o recrutador sobre seu currículo e suas experiências na vaga pleiteada com calma e tranquilidade.

A mão de obra hoje é tão grande, são tantas pessoas desempregadas e precisando de um trabalho que não podemos deixar de notar o desequilíbrio dessa balança. Onde a oferta diminuiu muito, havendo uma raridade de vagas, por outro lado, a procura por novas oportunidades de trabalho, aumentaram de forma surreal.

Na atual conjuntura, o que observamos é uma triagem, um bate-papo rápido, não mais que cinco minutos onde o recrutador apenas checa os dados do seu currículo. Sim, só isso. Você fez unha, sobrancelha, o cabelo, acordou cedo pra pegar umas três conduções, esperar metade do dia para ter apenas poucos minutos para convencer o entrevistador que você é à pessoa ideal para o cargo? E não pode perder tempo, porque do lado de fora há um processo seletivo para a mesma vaga com muitas das vezes centenas de candidatos de todas as idades e diferentes áreas de atuação.

As coisas estão cada vez mais acirradas, mais extremadas dentro do mercado de trabalho. Mesmo que você consiga o emprego que deseja, vive em total tensão com medo de ser descartado ou desagradar alguém a qualquer momento. Afinal, ninguém é insubstituível e sempre existe a real possibilidade de aparecer alguém mais no perfil da empresa do que você para a vaga. Isso é uma realidade na qual não podemos discutir, é a roda que move o capitalismo.

Mas não é por isso que começaremos a viver em completo estado de pânico e com medo de uma possível demissão. Não é possível que iremos digladiar uns aos outros, competindo o tempo todo, querendo ser melhor ou pegando o emprego do outro. As pessoas só porque precisam, se veem no direito de manipular, fazer joguinhos, ser leviano às vezes, se isso garantir a vaga do outro, um emprego melhor ou uma nova posição dentro da empresa.

As pessoas se enganam e falam pra si mesmas que os fins justificam os meios. Que a gente pode jogar sujo, manipular e até ser desleal para alcançar o que galgamos, o que sonhamos pra nós. Não justificam não, de forma alguma.

Não podemos torcer os nossos valores até aonde é conveniente pra nós, quando aperta o sapato. Quer uma posição melhor, um novo cargo, uma promoção? Trabalhe por isso honestamente. Dependa unicamente de você, se dedique, se empenhe, dê o seu máximo para poder melhorar, poder crescer, poder evoluir dentro do mercado profissional.

Mas não seja mesquinho, não deseje, não inveje aquilo que não é seu. Não faça fofocas, não dê rasteiras ou queira mostrar serviço em cima do outro. Não atropele quem tiver na frente só pra você poder seguir, poder continuar avançando em cima da derrota, em cima do fracasso do outro.

Tem pessoas que seguem a vida em piloto-automático, com a marcha engrenada, com um checklist em mãos, com metas, com objetivos, com sonhos a serem realizados e para isso eles se veem no direito de mover mundos e fundos, fazerem o que for e o que tiver que ser feito para eles chegarem aonde desejam.

Não importando quem esteja no caminho, eles passam por cima como um trator, um rolo compressor, derrubando, humilhando, diminuindo as pessoas por onde quer que eles passem. Não há limite, não há linha imaginária, não há nada que os impeçam de seguir, nem mesmo você, nem mesmo a gente.

A nossa queda aparentemente, é apenas um efeito colateral, nada de valor, nada muito mais do que isso. E o que podemos fazer para sobrevivermos a esse tufão, para não sermos atropelados nesse processo? Sinceramente, nada. Devemos dar passagem, devemos dar licença a esses alpinistas sociais e oportunistas.

Saímos da rota de colisão e mandamos boas energias, mandamos tudo de melhor no caminho deles. Apesar de tudo, que eles sigam seu próprio caminho e que não interdite, nem engarrafe o nosso.







Vivo entre a ponta da caneta e o papel, entre o clique no teclado e a história que desabrocha na tela. Sempre em busca da palavra perfeita, do texto perfeito e do livro perfeito. Acredito no poder curativo da música e de um bom livro. Cinéfila, apaixonada por séries, Los Hermanos e filmes do Woody Allen.