A Cidade dos Ratos

Por Lúcia Costa

Contam que aquele Rato morava em uma enorme toca com sua esposa Rata e seis Ratinhos de olhos recém-abertos.

A gruta daquele casal tomava um espaço que poderia abrigar umas centenas de ratos. O queijo encontrado lá dentro dava para alimentar outros mil. Dona Rata reinava com sua dúzia de criados que cuidavam da casa, dos filhos e dos espaços não preenchidos.

A comunidade de ratos que sobreviviam próximo àquela vasta gruta particular crescia aos pulos. Apinhavam-se em minúsculas tocas e se alimentavam do lixo encontrado em uma enorme mansão que surgia em meio a um jardim com labirinto e lago.

À noite, a multidão de ratos esfomeados invadia a cozinha da mansão e comia tudo que achava pela frente. Ao amanhecer, constatava-se a devastação retratada pelos restos de comida e a sujeira espalhada pelos enormes cômodos da casa.

Os donos da mansão criavam um gato a muito leite e grandes mimos. Todo aquele banquete noturno dos ratos em seu território, e ele nem se mexia. Abria levemente um olho, certificava-se de que sua comida permanecia intacta e sua cama seca e limpa, fechava o olho e dormia, dormia, dormia…

A dona da casa, cansada daquela sujeira matinal, ordenou aos empregados que comprassem muitos quilos de queijo e colocassem veneno. Alguém teria que dar um fim àquela baderna. Alguém teria que acabar com a farra dos ratos. E assim o fizeram: envenenaram o apinhado de queijo e espalharam pelos caminhos onde a ratarada marchava em procissão durante a madrugada, à procura de comida.

A noite esfriou e os ratos não se demoraram em fazer a festa na mansão; o veneno não tardou em seu efeito. Foi uma carnificina geral: tombavam ratos velhos e ainda bem moços, no útero e recém-nascidos. Era uma podridão que infectava outros tantos e os mortos se multiplicavam. A cidade dos ratos estava perdendo sua população periférica.

Só a propriedade do Rato permanecia intacta. Ele não deixava os doentes entrarem em seus limites. Mandou cercar com fios elétricos tudo o que lhe conferia. Mas um dos ratos, enquanto fechava os olhos para as cores do mundo, lançou uma dúvida à comunidade pouca e restante: como aquele rato que colecionava grilhões de queijo em seus domínios não fora, ele e família, atingido pelo veneno? Afinal, todo o queijo daquela sociedade vinha da mansão.

A explicação fugia aos ouvidos da plebe que o veneno sufocava e matava. Acontece que, às escondidas, o gato da casa levava talhos de queijo ao rico Rato. Não só aquele gato; outros vários bichanos de mansões vizinhas também lhe presenteavam com quilos e quilos da mesma iguaria, subtraída dos seus ricos patrões. Em troca, exibiam-se pelos jardins correndo atrás do rico Rato e de sua esposa, dona Rata. Tudo previamente combinado entre ratos e gatos para impressionar seus donos.

Aos domingos, o espetáculo era ensaiado aos olhos dos milionários das mansões que se reuniam em seus admiráveis jardins para apreciar seus bichanos enquanto perseguiam ratos. Apreciação e orgulho. Felinos sendo felinos e ratos sendo ratos.

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É professora de Língua Portuguesa, mora em Patos, PB e escreve poemas, contos, crônicas…