A alma só sossega com a verdade

Baseado em fatos reais, o filme “A dama dourada” narra a luta de Maria Altmann (Helen Mirren) uma judia sobrevivente da Segunda Guerra Mundial que decide processar o governo austríaco para recuperar o quadro “Woman in Gold” de Gustav Klimt. O retrato foi encomendado ao pintor pelo tio de Maria e é uma imagem da esposa dele Adele Bloch-Bauer, a tia de Maria. A pintura foi roubada pelos nazistas durante a ocupação da Austria, juntamente com muitas outras obras de arte que pertenciam às famílias judias na época.

A obra é um dos mais belos e conhecidos trabalhos do pintor simbolista austríaco e hoje, vencida a batalha histórica, está exposta na Neue Gallery em Nova Iorque. Em sua luta, Maria ainda conta com a ajuda de um jovem advogado Randy Schoenberg (Ryan Reynolds).

Mas, o que chama atenção no filme não é apenas a história do famoso quadro e sim a busca de duas pessoas para fazer as pazes com seus passados. “A alma só sossega com a verdade” é um pensamento da Gestalt-terapia, uma linha da psicologia que foi criada por um também judeu, porém alemão chamado Friederich Perls, conhecido como Fritz Perls. Fritz, assim como a protagonista do filme, buscou refúgio nos Estados Unidos e maneiras de tentar fazer as pazes com seu passado. Além disso, ele e sua esposa Laura dedicaram uma vida toda estudando o comportamento e a mente do ser humano.

Com duras criticas à psicanálise de Freud, Fritz e Laura procuraram formas mais simples e práticas de acalmar as agruras e sofrimentos que acometem a alma humana. A Gestalt-terapia de Fritz traz influências do Zen Budismo e de outras linhas da filosofia e psicologia como o existencialismo e a fenomenologia.

O filme é repleto de momentos de sentimentalismo e nostalgia que dão suporte à teoria de Fritz, que nossa alma só sossega quando encontra a verdade. Um ser humano que não fecha Gestalts, ou seja, que deixa processos importantes interrompidos e portanto não consegue fazer as pazes com sua história e seu passado é fadado a vagar pela vida repetindo padrões (destrutivos) de comportamento, sentindo-se vazio, incompleto e tentando em vão preencher esse vazio com as meias verdades e mentiras que nos contamos todos os dias na tentativa de evitar olhar e sentir a profundidade da dor e de nossas próprias feridas.

“Gestalt” é uma palavra alemã que não tem tradução exata no português, mas pode ser traduzida como “forma” ou “configuração”, no conceito de Fritz é fundamental o processo de fechar ciclos, de dar resoluções aos conflitos e traumas que vivemos e segundo ele, cada vez que deixamos “aberta” uma Gestalt, introduzimos mais caos em nossa vida, dando assim um passo contrário ao nosso desenvolvimento espiritual, contrário à possibilidade de nos tornarmos uma melhor versão de nós mesmos. No final do filme, ganhada a causa, Maria dá-se conta de que ganhar a causa não anula o fato de que ela teve que fugir de sua terra natal e deixar para trás seus pais, da falta que sente de todos que ama e se foram, da ferida que foi aberta nela quando os nazistas invadiram e saquearam a Áustria e mataram milhares de judeus, das feridas que nunca cicatrizaram, de suas dores do passado.

Quando ela se da conta de tudo isso o que resta são lágrimas e muita tristeza. O fechamento de uma Gestalt, o encontro com a verdade, na maioria das vezes não é um encontro feliz, por isso que fazemos de tudo para evitá-lo. Para Fritz, o momento do fechamento de uma Gestalt, do “dar-se conta”, que no inglês é chamado de “awareness”, é a chave da transformação do ser humano.

É nesse momento que entendemos que, por mais dolorosa que seja uma ferida, muitas vezes não podemos fechá-la, tampouco podemos evitar o desconforto e a frustração trazidos quando encaramos a verdade dos fatos como eles são. Portanto, o fechamento de uma Gestalt pode ser acompanhado de muita dor, raiva e sentimento de impotência, é quando entendemos que não é possível reparar os traumas do passado, resta então aprender a conviver com a inconveniência da verdade.

A boa notícia é que quando aceitamos o fato de que nossas histórias nem sempre possuem fechamentos felizes ou desejados, quando encontramos a verdade e com ela gritamos nossa raiva e choramos nossa dor, podemos enfim ficar em paz. E assim entendemos também que apesar de não ser possível mudar o nosso passado, é possível sim nos tornarmos seres humanos (um pouco) melhores para construir futuros melhores.







Libriana com ascendente em Touro. Católica com ascendente em Buda. Amo a natureza e as viagens. Eterna curiosa. Educadora e contadora de histórias. Divagadora de todas as horas. Escrevo nas horas vagas para aliviar cargas, compartilhar experiências e dormir bem. "Quem elegeu a busca não pode recusar a travessia." Guimarães Rosa