Não esperava que este filme da Netflix fosse um dos melhores do ano: A única coisa que nos decepcionou foi não poder vê-lo no cinema

Acontece de vez em quando: você abre a Netflix sem muita cerimônia, dá play em algo que quase não apareceu na sua timeline e, meia hora depois, percebe que caiu num filme que te pega pela gola.

Foi exatamente assim com “Sonhos de Trem” — e o choque maior nem foi a história, foi notar como Joel Edgerton consegue dominar a tela de um jeito que eu simplesmente não tinha “enxergado” nele antes, mesmo com uma carreira longa.

Dirigido por Clint Bentley, o filme vem de um livro do Denis Johnson (finalista do Pulitzer de ficção, em 2012) e coloca a gente no começo do século XX, nos Estados Unidos, num país que ainda está sendo cortado por trilhos, madeira e trabalho bruto.

O protagonista é Robert Grainier, lenhador que passa meses na mata e volta pra uma vida simples com a esposa e a filha pequena. Só que, numa dessas idas e vindas, o retorno não encontra casa: um incêndio varre a cabana e a família some.

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A partir daí, Robert vira um homem que continua existindo, mas como se tivesse ficado preso num mesmo dia pelo resto da vida.

O que faz “Sonhos de Trem” funcionar tão bem é que ele não corre atrás de reviravolta nem tenta “explicar” o personagem com frases prontas. Ele observa.

E nessa observação o Edgerton entrega, fácil, a melhor atuação da carreira: um sujeito que não faz discurso, não pede ajuda, não vira herói — só vai acumulando tempo no corpo, no olhar, no jeito de andar, como quem carrega uma saudade que não aprende a caber em lugar nenhum.

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Tem também um detalhe que virou parte da experiência: esse filme chegou meio escondido, com pouca vitrine, e foi crescendo na base do boca a boca — gente recomendando em rede social, em conversa, quase como quem passa um segredo bom adiante.

E aí vem o contraste esquisito: um dos filmes mais caprichados do ano aparecendo como se fosse “só mais um título” no catálogo.

Visualmente, Bentley filma com uma precisão que dá vontade de pausar várias cenas, não porque o filme se apoie em “boniteza”, mas porque cada enquadramento parece escolhido para contar alguma coisa sobre o que o Robert perdeu e sobre o que ele não consegue reconstruir.

A natureza não vira cartão-postal; vira cenário de trabalho, silêncio, distância, e às vezes ameaça. Quando o filme encaixa imagem e fala do jeito certo, a emoção vem sem você perceber de onde entrou.

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Outra sacada é como a história trata o Robert quase como alguém que sempre esteve ali, vivendo à margem das histórias “principais” — aquele tipo de figura que, em outros filmes, apareceria por cinco minutos para contar uma tragédia e sumir.

Aqui, ele é o centro: um homem comum que, depois do choque, passa a assistir o mundo seguindo em frente sem ele. E isso dói porque é reconhecível: a vida acontecendo, as décadas mudando, e a pessoa ficando, de algum modo, parada.

Em certos momentos perto do final, o filme acerta uma sequência que parece simples no papel — uma frase, um encaixe de imagens, um corte no tempo — mas que bate com força justamente por ser contida. Não tem “apito” emocional. Só a constatação.

E aí entra minha única decepção: não ter visto isso no cinema. “Sonhos de Trem” tem textura de tela grande, de som envolvendo, de escuridão que te isola do resto e te obriga a ficar ali com o personagem.

A Netflix até colocou o filme em poucas salas, bem limitado, antes de chegar ao streaming (na plataforma, ele entrou em 21 de novembro), mas a sensação é que ficou pequeno para o tamanho do trabalho.

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O mais irônico é que talvez ele nem existisse desse jeito sem a Netflix: o próprio Bentley comentou que estúdios torceram o nariz para o projeto — elogiam, mas passam.

Só que, quando você entrega um filme com esse nível de direção, atuação e imagem, dá um pouco de raiva pensar que muita gente vai descobrir isso no meio de notificações, pausa pra pegar água e tela iluminada do celular do lado.

Tem um comentário famoso do Udo Kier (que trabalhou em mais de 200 filmes) defendendo que filme não deveria ser “consumido” em streaming, e sim numa sala escura, do jeito que o diretor planejou. Eu não compro essa regra pra tudo, mas pra “Sonhos de Trem”… dessa vez, eu compro.

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