4 exemplos de racismo estrutural que dizem muito sobre a sociedade em que vivemos

Alguns comportamentos que realizamos rotineiramente são uma mera reprodução social de coisas que aprendemos com nossos pais, que aprenderam com seus avós e assim por diante. Existem conhecimentos que são transgeracionais.

Assim, é fácil que ingenuamente subentendamos que, se observamos e fazemos algo durante toda a nossa vida, esse ato é correto. Entretanto, o que fazemos nessas situações é reproduzir ações sem o crivo da reflexão e da crítica. É uma normalização daquela velha história do “sempre foi assim” que nos guia por frases e ações quase que totalmente automáticas.

O fato de algo ser repetido e “aceito” em nosso meio, entretanto, não significa que aquilo é certo e, muito menos, que algo que fazemos ou fizemos não afetará a vida de terceiros.

Lembro também que, muitas vezes, é o tempo que permite que vejamos que antes o que era “correto” (com fortes aspas nessa menção), hoje possa ser visto com seu real poder de destruição.

Existem poucas pessoas que, por exemplo, não ficaram chocadas ao assistir o racismo velado presente no filme Corra. A coisa é assim: quando realmente percebemos algo errado e nos colocamos no lugar do outro, nada jamais justificará que continuemos errando. Ah, fica uma observação para quem se admirou com o “Corra”, recentemente a HBO lançou a série “I May Destroy You”, que também tem Jordan Peele na produção e mais uma vez revoluciona a maneira como a temática é abordada.

Mas, continuando, para que repensemos certos atos e frases, a lista abaixo visa esclarecer o racismo presente em algumas de nossas atitudes e expressões populares.

Abaixo, mesmo sendo uma mulher branca e tendo a total noção de que nunca saberei o que é ser uma pessoa negra (eu não tenho esse lugar de fala), peço licença para falar de exemplos, mencionar artigos e falar de séries que permitem que vejamos essa forma de reprodução do racismo de uma maneira mais clara. 

1- Há algum tempo, o site CONTI outra postou um texto em que a professora e historiadora Luana Tolentino contava que, enquanto andava pelas ruas de Belo Horizonte, foi parada por uma senhora que a abordou perguntando se ela fazia faxina. O que chama atenção nessa história não é o fato da senhora perguntar se ela fiazia faxina e sim o fato de que Luana não tinha nenhum indicativo que justificasse essa pergunta naquele momento. Nada, claro, além do fato de ser negra. Luana, na ocasião, respondeu que era professora. A mulher ficou em silêncio.

2- Em outra matéria, publicada pela Revista Pazes, uma mulher (branca) relata como sua vida mudou após se casar com um homem negro. Segundo ela, ela passou a observar diversas nuances em sua rotina que mostravam como, só pelo fato de seu marido ser negro, havia diferenças significativas de tratamento. Entre os exemplos ela contou o fato de, no parquinho onde leva a filha, o marido sempre se preocupar em estar realmente próximo a criança, pois, se ele a observa de longe, ele percebe que pessoas o analisam julgando como se ele fosse um molestador de criança procurando por uma presa. (Pesado, né!). Outra coisa que ela faz é assumir o volante quando eles
viajam para outras cidades, pois sabe que, assim, a chance de serem parados pela polícia é menor.

3- Nesse tópico, chamamos a atenção para expressões que costumamos reproduzir sem a menor reflexão da origem. Entre elas, podemos citar “Mulata tipo exportação” e “Da cor do pecado”, ambas numa conotação que indica sensualização da mulher negra e objetivação de seu corpo. Outros exemplos de expressões inadequadas, pois indicam que a palavra “negro” deprecia o que está sendo discutido são “Mercado negro”, “Humor Negro”, “Denegrir, “Magia negra”, “Serviço de preto”, “lista negra”, “ovelha negra”, “a coisa tá preta”, “inveja branca” (nesse caso a inveja branca seria uma inveja branda) entre tantas e tantas outras. Os exemplos indicam um claro uso pejorativo do “ser negro” como premissa para inferioridade.

4- Um quarto exemplo de racismo estrutural (e institucional) pode ser observado na série “Cara gente branca”, da Netflix. Nela, em um dos episódios, houve uma briga em uma festa em que a maioria dos frequentadores era negro. Entretanto, a única pessoa da festa que era branca, chamou a polícia. Duas coisas aconteceram na sequência, a primeira foi que os policiais chegaram de forma extremamente bruta e já apontando armas e humilhando o rapaz que era vítima, mas que foi tratado como bandido. A segunda, foi a protagonista da série, em conversa posterior com o rapaz que chamou a polícia, tentar fazer com que ele entendesse, que, para os negros naquele contexto, chamar a polícia não significava proteção e sim perigo.

Os exemplos acima mostram que, ora por reprodução sem crítica, ora por não observação a nuances e sutilizas de tratamentos que as pessoas acham normais, mas que são extremamente racistas, há uma reprodução continua do racismo na sociedade.

O convite desse texto é apenas lançar uma semente para que tenhamos mais criticidade com relação ao que é dito e que observemos os detalhes (inclusive na parte que nos cabe pessoalmente). Isso já pode fazer muita diferença.

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Imagem de capa: cena da série “I May Destroy You”.







JOSIE CONTI é psicóloga com enfoque em psicoterapia online, idealizadora, administradora e responsável editorial do site CONTI outra e de suas redes sociais. Sua empresa ainda faz a gestão de sites como A Soma de Todos os Afetos e Psicologias do Brasil. Contato para Atendimento Psicoterápico Online com Josie Conti pelo WhatsApp: (55) 19 9 9950 6332