Você quer apenas namorar ou viver um grande amor?

Imagem: GlebStock/shutterstock

Vejo inúmeras pessoas dizendo que estão fartas de relacionamentos furtivos – ou de ficar sozinhas – e que tudo o que mais desejam é namorar.

Sempre que escuto isso, penso: será que essa pessoa quer namorar ou viver um grande amor? Porque pode existir diferença, sim, entre essas duas coisas.

Claro que existem namoros que surgem de grandes amores (ou os promovem), porém muitos deles são baseados na simples necessidade de ter alguém ao lado para amenizar a solidão, para o desfrute de uma boa companhia, para jantar, viajar, ir ao cinema, atender as convenções sociais, manter certa regularidade (ainda que morna) sexual.

Mas a vida, meus caros, como não me canso de dizer, é uma dama caprichosa: ela nos dá o que achamos que merecemos. Ou melhor, o que achamos que queremos.

Eu, particularmente, sempre quis viver grandes e arrebatadores amores e, felizmente, fui (sou) presenteada com muitos deles. No entanto, para se viver um grande amor é preciso um bocado de coragem (e sorte!). É preciso ter namorado muito, muito, muito – e por muito tempo – consigo mesmo.

Somente depois de ter se apaixonado pelos próprios erros e qualidades, ter se desiludido com as próprias falhas, ter rompido consigo mesmo em rompantes de raiva e depois ter se reconciliado; somente depois de ter achado charmosos os próprios defeitos, ter dado boas gargalhadas do disco da Shakira em meio aos da Billie Holiday e ter odiado a maneira como se comportou naquela situação X; somente depois de ter se colocado para fora de casa, de ter praguejado o dia em que nasceu, ter achado as próprias roupas cafonas e a imagem embaçada no espelho tenebrosa e ter se perdoado por tudo e por nada; somente depois de ter se dado trégua é que abrimos caminhos para um grande amor.

Ou seja, somente depois atravessar esse mar de fogo – viver um namoro complexo e pulsante consigo mesmo, com todas as etapas de um relacionamento – estamos aptos a viver, ou melhor, a experimentar e partilhar a alegria de um grande amor.

Quem nunca namorou consigo mesmo jamais viverá um grande amor. Pode até se deliciar com paixões instantâneas, mas um grande amor, duvido.

Quem não conhece a própria dor não pode (não sabe) como acolher a dor do outro. Quem nunca enfrentou a solidão, encarando-a nos olhos, é incapaz de ofertar conforto e amparo. Quem nunca se perdoou por suas falhas jamais perdoará as alheias. Quem nunca conseguiu se aceitar não é capaz de aceitar outrem – e sem aceitação não existe amor.

O amor, o amor de verdade, só acontece quando damos mais do que temos. Quando ultrapassamos nossos limites, quando sentimos medo, porém continuamos; quando entendemos que podemos viver sem o outro, mas escolhemos sua companhia; quando entendemos que ninguém pertence a ninguém e que ninguém está no mundo para atender a nossas necessidades e expectativas e que o ciúme não é sinal de amor ao outro, mas de autopreservação, ou seja, amor-próprio (leia: egocentrismo, egoísmo); quando deixamos de sentir a diferença como ameaça e passamos a desfrutar da possibilidade de crescimento que ela proporciona; quando aceitamos e acolhemos o outro em suas faltas do mesmo modo que desejamos ser aceitos e acolhidos; quando morremos juntos para o que fomos e para o que poderíamos ter sido e nos dissolvemos num só corpo, num só gozo, em pleno abandono.

Abandono. Essa palavrinha parece não combinar com o amor, não é? Todavia, o amor só é possível quando praticamos o abandono – inclusive e principalmente de velhas crenças acerca de nós mesmos e do mundo.

Somente depois de termos aprendido esses movimentos é que a nossa terra estará arada para sorver o delicioso fruto chamado “grande amor”.

Dia desses li por aí: “amor não é aquilo que te deixa em paz, calmo, feliz e tranquilo; o nome disso é Rivotril” – ou, acrescentaria, “um simples namoro”.

Não existe amor sem crescimento, sem expansão, sem abandono, sem mudança, sem medo. E mudar dói. Requer coragem. Amar bagunça a vida, não tem jeito. Namorar, só por conveniência, às vezes ajeita. Não existe certo, nem errado, trata-se apenas de uma escolha.

Portanto, cuidado com o que deseja, porque seu pedido pode se realizar: você deseja (somente) namorar ou viver um grande amor?
Lembrando que: é preciso ter se perdido de si umas não sei quantas mil vezes para se perder na estrada de um louco, grande e lindo amor.

Seja lá para que lado for, vá na fé! E boa sorte!

FALANDO NISSO

Ao escrever este texto lembrei-me da receita do grande poetinha Vinicius de Moraes, “Para viver um grande amor”







Mônica Montone é formada em Psicologia pela PUC-RJ e escritora. Autora dos livros Mulher de minutos, Sexo, champanhe e tchau e A louca do castelo.