O “misterioso” caso de quem é deixado porque faz tudo pra agradar

Estava tudo bem entre a gente. De repente você me deixou.

Eu não sei o que houve, apenas senti que você foi se afastando, foi ficando distante, diferente, ou melhor, indiferente. Eu fui me desesperando e o meu desespero acabou piorando as coisas. Queria te segurar e quanto mais eu lhe segurava mais você foi me escapando. Do dia para a noite me vi lutando contra uma correnteza que me levava; que te levava para longe de mim. E hoje eu me sinto vencida.

Naquele dia você não me atendeu, as suas respostas às mensagens que eu enviara foram  monossilábicas e demoravam cada vez mais a chegar. Cada tentativa de me aproximar, de fazer com que tudo voltasse a ser como era antes contribuíam para este tão conhecido final: deixaram-me de novo. Você me deixou. Você também me deixou.

No começo foi tudo tão bom, parecia que eu estava sonhando, era perfeito, eu finalmente havia encontrado a pessoa da minha vida. Eu busco incessantemente a pessoa da minha vida e a vida sempre me engana. A pessoa nunca chega, ou ela chega e vai embora. Eu te amava tanto, eu fazia tudo para agradar. Pensava em você o dia todo, tudo me lembrava de você, queira estar ao seu lado o tempo todo, queria lhe encher de mimos.

Sou perseguida desde criança por um medo de que as pessoas me deixem e, quando começo a sentir esta conhecida sensação, logo acontece. Já fui deixada muitas vezes, meus relacionamentos parecem ser amaldiçoados por uma profecia malévola. As pessoas me deixam, parecem se desencantar, parecem se cansar ou se atraem por algo que lhes desvia a atenção de mim e do nosso relacionamento. Eu me dedico tanto, faço tudo para agradar. O que há de errado nisso?

Olho para as pessoas e me pergunto como elas conseguem se relacionar. Como e porque conseguem conquistar manter relacionamentos duradouros enquanto eu, que os procuro incessantemente, todos os dias e que, quando encontro, me dedico inteiramente a eles acabo sempre me deparando com o abandono e a solidão.

 Inúmeras foram as vezes nas quais ouvi relatos como este e muitas foram também as vezes nas quais eu observei de perto histórias como esta acontecerem. Dentro e fora do consultório é bem comum ver a dor das pessoas quando são abandonadas por quem estava se relacionando afetivamente com elas. Embora o mundo hoje seja de relações líquidas como incessantemente disse Bauman em sua obra, ainda há bastante gente sofrendo quando se desencontra do outro. Ainda há muita gente se relacionando afetivamente trazendo consigo resquícios de desamparo e abandono adquiridos ainda em idade tenra.

A psicanálise mostra com clareza as ligações entre as vivências da primeira infância e adultos que protagonizam relatos como o que lhes trouxe. É preciso sim superar o modelo das nossas primeiras relações para que não sigamos repetindo os mesmos erros, os mesmos padrões. Não quero aqui restringir-me a uma única abordagem teórica. Eu poderia diagnosticar e sugerir terapêutica psicanalítica ou comportamental para a queixa acima. O mais importante é: torna-se preciso, ou melhor, imprescindível que nos conheçamos antes de desbravarmos o desconhecido de uma relação afetiva.

É preciso que sejamos sustentáculo de nós mesmos para podermos depois nos aproximarmos do outro para acrescentar, para trocar e não para exigir que o outro seja coadjuvante na nossa história e que siga o modelo de comportamento que nossa expectativa criou. Vejo muita gente buscar incessantemente ao outro e que, quando o encontra, passa a agir como se este outro fosse uma espécie de fantoche desprovido de vontades, de história, de direito ao tempo e ao espaço.

Imagina-se amando tanto que, de tanto amar, ao outro sufoca.

É preciso medir o quanto há nisso de amor e o quanto há nisso de desamparo e da busca pelo que irá tapar os buracos que ficaram abertos lá atrás. Só o autoconhecimento pode ajudar a aceitar e a superar os obstáculos emocionais que a vida impõe a todos nós. Só quem torna-se capaz de caminhar sozinho consegue conduzir a caminhada em parceria com leveza e sanidade. Só quem sustenta-se sozinho, em pé sobre o solo, sem ter que se escorar, que se apoiar no outro, consegue o equilíbrio necessário para estar ao lado de alguém sem tornar-se aversivo.

Muitas são as vezes nas quais observamos pessoas interessantes, inteligentes e de bom caráter presas neste círculo vicioso; colecionando abandonos e imaginando-se seres de pouca sorte ou vítimas do karma, da inveja e da vontade de deus. Pessoas que acreditam cegamente que a felicidade está no relacionamento afetivo e que se tornam desesperadas como os que estão prestes a se afogar, agarrando-se desesperadamente aos que aparecem para lhes salvar. O desespero pode acabar afundando ambos ou levar o outro a lhes abandonar ali, sob o risco de se afogar junto. Relacionamento afetivo não é salva-vidas de ninguém.

A calmaria é sempre propícia nos relacionamentos. O encanto, o respeito e principalmente o bom senso de não jogar no outro todas as nossas expectativas, carências, traumas e necessidades pode escrever uma linda história.

Imagem de capa: Zivica Kerkez/shutterstock







Psicóloga, psicoterapeuta, especialista em comportamento humano. Escritora. Apaixonada por gente. Amante da música e da literatura...