A geração que descarta afetos

Vivemos em tempos críticos. O amor na era do Tinder. Relacionamentos descartáveis a serem escolhidos como quem escolhe o que beber na mesa de um bar. Oferta e demanda crescente quando tratamos dos nossos sentimentos. No simples toque, escolhemos onde distribuir o nosso carinho. Acontece que, o poder gerado disso, carrega cada vez mais solidão. Poucos sabem ou reconhecem oportunidades para mais afetos. Obviamente ninguém é obrigado a mergulhar em outros braços sem sentir vontade, mas essas disponibilidades momentâneas acarretam muito mais distâncias do que proximidades. Ainda assim, não há nada de errado com o Tinder e outros aplicativos compromissados com encontros. Longe disso. O problema maior reside em nós.

A vida anda corrida. Mal podemos nos dar ao luxo de termos um tempo só para nós, quanto mais para conhecer alguém. E se você conhece alguém na rua, fatalmente perde o senso de direção e iniciativa no curto espaço no qual reflete: inicio ou não uma conversa? O que ela (e) irá pensar? No passado isso poderia significar coragem. Hoje, talvez um passo de medo ou até abuso. Porque no fundo, estamos perdendo a nossa capacidade de interagir no mundo real. Ao menos não da mesma forma em que a geração passada fora acolhida. Isso é preocupante? Sem dúvida. Mas também botar na conta dos meios disponíveis não chega a ser um veredicto justo. Porque somos confusões sentimentais que perambulam nas nuvens e nas ruas. Essa falta de tempo mencionada no início, resulta na falta de autoconhecimento. Muita gente não sabe o que quer, mas acha que sabe o que diz. Daí quando nasce um sentimento para ser distribuído, lambanças e mais lambanças no momento de expressá-lo.

O amor não vive de medo, mas nós vivemos de medo do amor. Os afetos que tanto queremos e soltamos nas linhas e diálogos, assusta-nos. Dosamos meias palavras e recebemos meios sentimentos. Por quê? Relacionamentos tornam-se descartáveis a partir do momento no qual não sabemos proporcionar carícias. De nada adianta fazer prece pelo amor de dois e agir pelas regras do querer de um. Gabriel García Márquez escreveu intensamente em O Amor nos Tempos de Cólera: “Nunca teve pretensões de amar e ser amada, embora sempre nutrisse a esperança de encontrar algo que fosse como o amor, mas sem os problemas do amor”.

Mesmo na possível crítica do autor quando se refere – mas sem os problemas do amor, talvez, sem qualquer disparidade, Márquez estivesse querendo agir sobre os nossos problemas do amor. Na maneira como o enxergamos e o mantemos. Assim, nessa vista turva e grossa de egoísmos e vaidades que já não podem caber em qualquer abraço.

Primeiro você se encontra e, depois, quem sabe, transborde. Não descarte afetos para depois reivindicar carinhos. O amor não precisa viver de aparelhos, mas do nosso conhecimento em querer tê-lo.

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