Às vezes, a gente não perde, a gente se livra.

Imagem de capa:  Little Perfect Stock/shutterstoc

A gente se livra ao ultrapassar os limites de nossa zona de conforto, deixando para trás o que nos pesa inutilmente, o que nos faz mal, o que fere nossa dignidade. Livrar-se é buscar um novo emprego, novos amigos, outras moradas, amores fresquinhos, paisagens inusitadas, emoções desconhecidas.

Marcel Camargo

É impossível enxergarmos os fatos com clareza quando estamos inseridos em meio à roda-viva dos acontecimentos desagradáveis. Geralmente, somos levados ao desespero, à impotência e à certeza de que jamais conseguiremos nos reerguer depois daquilo tudo. Mas o passar dos dias, dos meses, sempre acaba trazendo a lucidez necessária para que possamos encontrar meios de superar os reveses, os quais, vistos ao longo do tempo e a uma distância segura, tomam a real dimensão que possuem, sendo muitos deles verdadeiras bênçãos em nossa jornada. Há perdas, sim, mas também há muitos livramentos, felizmente.

A gente perde quando magoa quem nos ama de verdade, quem caminha ao nosso lado torcendo pelo nosso sucesso e nos ajudando a batalhar por nossa felicidade. Ferir essas pessoas é como machucarmos a nós mesmos, pois fazem parte de nós e de nossa história. Ao nos distanciarmos daqueles que nos dão as mãos com devoção sincera, limitamos as possibilidades de encontrarmos a felicidade.

A gente se livra ao perceber que está perdendo tempo em uma relação sem futuro algum, investindo em alguém que não oferece nada em troca. Recobrar a consciência e a lucidez, para juntarmos forças que nos possibilitem romper e partir em busca do amor de nossas vidas significa procurarmos pela felicidade com que sempre sonhamos. Os sonhos não devem permanecer na cama, mas sim nos acompanhar também enquanto estivermos acordados.

A gente perde quando trava lutas inúteis contra pessoas que não fazem a menor diferença em nossas vidas, tentando provar algo a quem não tem a mínima consideração com o que somos.

Despender energia com aqueles que não fazem questão de tomar parte de nosso caminhar com cumplicidade apenas enfraquecerá nossos ânimos, desviando nossas atenção do que realmente importa, do que nos é vital junto às pessoas certas.

A gente se livra ao compreender que somos falíveis e que bem provavelmente erramos muito, todos os dias. Esse entendimento amenizará nossa carga de culpa, tornando-nos mais leves e propensos a internalizar os aprendizados que vêm com as colheitas. Somente analisando os nossos equívocos, com maturidade e criticidade, é que conseguiremos articular nossas ações, no sentido de não repetir os erros que emperram nossos avanços, em todos os setores de nossas vidas. É preciso carregar somente as bagagens que nos serão úteis, ou nos cansaremos sem ter desfrutado tudo o que merecemos.

A gente perde quando se nega a mudar os hábitos que emperram as mudanças necessárias ao nosso aprimoramento pessoal, que nos intoxicam o físico e o psíquico, minando nossos sentidos e limitando nossa visão de mundo. Nunca é tarde para que deixemos o novo adentrar em nossas vidas, reoxigenando nossos pensamentos, elucidando nossas dúvidas, oportunizando-nos novas chances de recomeçar aquilo que não está dando certo.

A gente se livra ao ultrapassar os limites de nossa zona de conforto, deixando para trás o que nos pesa inutilmente, o que nos faz mal, o que fere nossa dignidade. Livrar-se é buscar um novo emprego, novos amigos, outras moradas, amores fresquinhos, paisagens inusitadas, emoções desconhecidas. É inconformar-se com o que se acomodou de forma insossa, rompendo as barreiras do medo e da hesitação que nos impedem de utilizarmos todo o potencial que nos preencherá a essência na medida exata de nossa felicidade.

É necessário, pois, sabermos que, ainda que certas rupturas pudessem ter sido evitadas em nosso favor, muitas perdas implicarão ganhos imensuráveis, no tempo e na hora certa. Por mais desoladora que seja a situação, haveremos de vencer a desesperança, o desânimo e a negatividade, renascendo das intempéries cada vez mais fortes e humanos, com uma visão de mundo mais madura e segura. Certamente, ainda haveremos de olhar para trás com uma grata satisfação por tudo o que nos aconteceu e que nos deu a oportunidade de nos tornarmos quem somos, apesar de – e por causa de – todas as escuridões em meio às quais nossa luz interior se fortaleceu para nos guiar de volta, sempre em direção à felicidade.







"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.