Análise psicológica do filme O exótico Hotel Marigold

Por Cine Sedes Jung e Corpo

O exótico Hotel Marigold

Reflexões compartilhadas no Cine Sedes Jung e Corpo

O Exótico Hotel Marigold” é um filme que faz com que adentremos de maneira leve e descontraída em assuntos profundos e simbólicos da vida. A trama se inicia com a apresentação dos personagens e suas respectivas histórias pessoais. Sete idosos britânicos decidem ir para Índia, cada um por um motivo distinto, mas que os une ainda no aeroporto para encarar uma aventura inesperada. Inicialmente a promessa de passar a aposentadoria e velhice em um hotel colonial para idosos e belos na Índia os seduz e os atrai para a experiência. Mas, logo na chegada percebem que tudo será inusitado e que nada será como deveria ser.

Eles são recebido por Sonny, um jovem sonhador que tenta transformar um antigo e deteriorado hotel familiar num verdadeiro paraíso. E assim, o mito pessoal nos revela como cada um lida com os seus contrastes, conflitos, e com a fase da vida a qual está passando: a velhice ou o início da vida adulta. Temos aqui, a primeira polaridade arquetípica trazida pelo filme: Puer – Senex.

Em certo momento da vida, existe uma possibilidade de ressignificar seu sentido, experienciar um novo tempo. Ao compreender e integrar sua história de vida, o indivíduo pode retirar as projeções, repensar os papéis vividos por meio de sua persona, reconciliar-se com sua anima/animus e compreender e confrontar suas oposições para aceitar e ajustar suas diferenças.

Os personagens estão vivenciando um momento muito importante onde a vida se transforma e é preciso ter coragem para aceitar e olhar para si mesmo. Esse processo que ocorre na segunda etapa da vida é a etapa final da INDIVIDUAÇÃO, denominação atribuída por Jung à fase de elaboração psíquica dos opostos, que consolida a experiência existencial.

Os personagens têm a premência do TEMPO. Estão envelhecendo e não resta mais muito tempo para desperdiçar. Há um grande investimento afetivo com busca por autonomia interior. O envelhecimento do corpo é inevitável, mas não do espirito. No filme, esse investimento é representado por uma viagem com característica iniciática, onde ganha-se muita sabedoria, novo propósito e amizades mesmo na quarta fase da vida.

Os personagens precisam ter a coragem para embarcar nesta viagem iniciática e vivenciar a experiência do AGORA, do VIVER no PRESENTE. Essa vivência é um momento SAGRADO. A coragem de viver, aliada à vontade de estar ali, naquele momento e realidade faz com que não se automatize o viver! Conforme ouvimos no filme, na Índia a vida é um privilégio e não um direito!

A Índia apresenta muitas cores, sons/barulhos, diferenças sociais e um grande caráter espiritual do povo, que mesmo com tantas dificuldades sorriem frequentemente. É uma grande invasão sensorial e um impacto social muito grande para os padrões Ocidentais.

Os opostos estão aqui representados como: o Oriente representando a intuição, as sensações, o sonho, o atemporal, o “doido”. Já o Ocidente representando o pensamento lógico/racional, os padrões e a organização.

Este mesmo país que às vezes até agride os cinco sentidos é também o pano de fundo para o nascimento de um novo EU. A Índia mexe com nossa organização interna Ocidental e, ao mesmo tempo, é um país de tradições fortes e castas sociais. Mais uma vez o filme nos apresenta os contrastes e oposições da vida.

Não é tão fácil viver no presente, o mais comum é viver no conformismo, nos caminhos mais conhecidos pelo Ego. Os artistas, loucos e místicos, assim como o bufão (também conhecido como bobo da corte), geralmente, são aqueles que podem mais profundamente transformar a vida.

Nossos heróis/personagens vão em busca do novo para si. Compram a ideia de ir à Índia buscar o exótico, o diferente. Pode-se entender a Índia como um paraíso perdido, um fim benevolente para a experiência temporal e não temporal.

O personagem Sonny, nos faz lembrar da figura arquetípica do Trickster ou do bufão, que consegue fugir das tendências da estabilidade e conservadorismo e transformar a vida. Ele rompe com as tradições de casar-se com alguém da mesma casta. Sonny tem a ajuda da figura do velho serviçal que aparece para relembrar a mãe de sua velha e escondida história pessoal. É através do contato com o passado e com sua Sombra que a mãe aceita o casamento do filho e integra seu passado.

Sonny sobrepõe o tempo no que diz respeito à realidade do hotel com a fantasia do que ele (o hotel) poderia vir a ser. O resort luxuoso para terceira idade no futuro versus a casa velha, deteriorada e sem recursos do presente. Também mantém a relação do antigo com o moderno (idosos de outras culturas x tradições de seu país).

Assim como o Hotel, os personagens do filme precisam passar por uma reforma e isso precisa de um investimento físico e afetivo para acontecer. O Hotel necessita de novas portas, novas torneiras, mostrando a necessidade de fronteiras, delimitação de espaços e da necessidade de deixar a vida fluir, se renovar. Na medida em que os personagens se reformam interiormente e a dinâmica da vida se modifica, o Hotel também ganha o capital necessário para sua reforma e assim poderá reviver!

Evelym está em um ponto de decisão em sua vida: ou muda e toma as rédeas do seu destino ou continua a deixar que os outros decidam por si após a morte do marido e um casamento de 40 anos. Resolve partir e encarar uma nova etapa. Embarca para Índia e cria um blog para narrar seu percurso. Nele redescobre seus potenciais, sua sabedoria e a possibilidade de um novo amor. Consegue um emprego e descobre-se útil e autônoma.

Miss Greesdale, uma governanta aposentada, precisa de cuidados médicos urgentes e nos mostra a realidade dos idosos da Inglaterra e EUA. A solução é submeter-se à um novo programa de atendimento imediato na Índia. Ela se opera e precisa ficar um período numa cadeira de rodas sendo assistida pelos indianos. Seu corpo quer continuar a caminhar e ela precisa se deparar com seus preconceitos racistas. Podemos pensar na necessidade que ela tinha de um curador indiano e associar como uma cura da alma! É através do choque com a realidade e a identificação com a serviçal que varre, e que não é reconhecida por sua casta na Índia, que ela pode começar seu processo de transformação. Pode expressar suas dores e resgatar a si mesma. No fim, descobriu-se útil e hábil para gerir e tratar da contabilidade do hotel e ainda ser o contraponto e a função pensamento organizadora em oposição a Sonny, que era um sonhador e intuitivo.

O casal do filme mostrou a situação triste e constrangedora da aposentadoria vista com um término do trabalho rotineiro. A capacidade e a criatividade não se aposenta ou se esgota com a idade, pelo contrário, vira sabedoria. O casal, em especial o marido, vive um processo de transformação e libertação. Ele ainda tinha um afeto reprimido para ser resolvido. Sua lealdade e bondade para com a sua esposa tolhia sua personalidade. Ela, por sua vez, não suporta os contrastes trazidos pela experiência na Índia, não se entregou à vivência, resistiu a sair nas ruas, às comidas, aos costumes e se prende a uma idealização romântica em um dos personagens, no qual deposita sua esperança, mas que descobre que é homossexual. Ela não aguenta o processo e decide voltar para casa. Por lealdade, o marido a acompanha, mas a própria Índia os impede de ir embora juntos para a Inglaterra. Há uma festa, o transito está caótico, tudo parado, e o transporte só pode levar um passageiro e suas malas. Ela decidi ir só. Libera o marido da lealdade estabelecida e eles se separam. Ele encontra um novo jeito de existir e um novo amor. O confronto com seu outro lado e com a um novo aspecto de sua anima o toca pelo afeto, tornando-o mais leve e engraçado. O processo “é como uma onda, se resistir é derrubado. Se mergulhar, sai do outro lado“.

Neste momento lembramos da imagem do pássaro branco e seu simbolismo como a ascensão do espirito. Podemos associar com o homem que morre momentos depois de reencontrar o grande amor e ressignificar toda sua existência. Ele acreditava que as experiências do passado fizeram com que seu grande amor vivesse na penúria e na vergonha. Viveu a vida toda com culpa, que se cristalizou em seu coração. Ao descobrir que o homem que amava viveu dignamente feliz e que ainda o amava, libertou-se de uma verdadeira prisão interior, sentindo-se livre dos seus fantasmas do passado. Ele sabia que estava indo para a Índia para nunca mais voltar. Aqui, vemos a transcendência pelo sexo ou pelo amor, aspectos do Eros e do Animus/ Anima.

O luto traz o questionamento: “Será que estamos tristes pela sua morte ou pelas nossas próprias perdas? Será que viajamos para tão longe para podermos chorar?”

A morte traz a constatação da finitude da vida, da necessidade de confrontarmos com nossa realidade, de enfrentarmos nossas perdas, expressar nossas emoções e resgatar um significado para a vida a cada ponto do caminho. “Se o destino for benevolente você cairá logo no buraco” (Jung).

Os personagens que buscam prazer sexual com a viagem nos mostram esse desejo. Querem “subir ao topo da montanha” mais uma vez, viver o auge! Mas esquecem que ali não é o lugar de conforto, pois também existe a descida. O confronto com a realidade impera, eles estão na última fase da vida, não há tempo a perder. Porém, precisam abandonar a Persona (aspecto da Psique a favor da adaptação social), as frases feitas, as tentativas ilusórias da conquista e se mostrar como verdadeiramente são.

Evelyn mostra a Sonny que deve lutar por seu amor, ou seja, leva ao “Trickster” a visão do feminino e a função da experiência. Senex mostra ao Puer um caminho. E ele diz, “Pare de perfurar pois, você já encontrou petróleo“. Ela o ajudou a encontrar em si mesmo o seu amor e a sua razão de viver. Neste momento o jovem, que até então só acumulou experiências de fracasso por estar preso às regras e aprendizados culturais, se liberta e é capaz de agir com criatividade e originalidade, indo em busca da auto realização.

O filme nos transporta para uma reflexão onde nem sempre “dar certo” é o melhor no momento que um fato ocorre, devemos pensar no caminho percorrido. “Não está bom agora, mas tudo vai dar certo no fim” – diz Sonny, nosso “Trickster”. É um grande desafio viver no presente, pois fazer a transição para o agora é alcançar a ETERNIDADE!

Simbolicamente, todo nós temos que ir a nossa “Índia interna” para resgatar nossas polaridades e redinamizar a nossa existência.

Por fim, encerramos com a indicação do filme: “Bosque Proibido” que conta a experiência de Mircea Eliade na Índia e “A 100 passos de um sonho”, trajeto contrário de uma família Indiana que conta a experiência na França.

***

Nota da página: Reprodução realizada com autorização dos Organizadores para a CONTI outra artes e afins.

 

***

Este texto foi produzido pela Comissão Organizadora do Cine Sedes Jung e Corpo com base nas reflexões realizadas durante o evento realizado em Março de 2015, com os comentários do Prof. e Psiquiatra Junguiano Paulo Toledo Machado Filho e da Psicóloga Clínica Karina Toledo Souza Silva.

O Cine Sedes Jung e Corpo é uma atividade extracurricular do curso Jung e Corpo: Especialização em Psicoterapia Analítica e Abordagem Corporal do Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo.

É um evento gratuito e aberto ao público geral organizado pelos professores do curso em conjunto com ex-alunos e ocorre todas as últimas sextas-feiras dos meses letivos do curso.

Para maiores informações acompanhe o Blog do Cine Sedes Jung e Corpo

Ou curta sua Página no Facebook

CONTI outra

As publicações do CONTI outra são desenvolvidas e selecionadas tendo em vista o conteúdo, a delicadeza e a simplicidade na transmissão das informações. Objetivamos a promoção de verdadeiras reflexões e o despertar de sentimentos.

Recent Posts

Novidade na Netflix: Glen Close e Mila Kunis arrancam lágrimas e aplausos em filme arrebatador

É impossível não se emocionar com a história profundamente humana e as atuações fenomenais que…

1 dia ago

Viúvo de Walewska quer que pais da jogadora paguem aluguel para morar em apartamento deixado pela filha

"Ele mandou uma notificação sem autorização judicial informando que os pais dela ou pagarão a…

1 dia ago

Desaparecimento de Madeleine McCann completa 17 anos e pais fazem declaração: ‘Vivendo no limbo’

Dezessete anos se passaram desde que Madeleine McCann desapareceu do quarto de um resort na…

2 dias ago

Pai é acusado pela morte do filho após obrigá-lo a correr em esteira em alta velocidade

O pai alegou que obrigava seu filho de 6 anos a correr em uma esteira…

2 dias ago

Mecânica de jogo: O coração da emoção de Aviator

Na nossa análise exaustiva, mergulhamos na mecânica do Spribe's Aviator, analisando como o seu formato…

2 dias ago

Show da Mandonna: Fiscais encontram facas enterradas na areia de Copacabana

Na madrugada desta sexta-feira (3), a Secretaria de Ordem Pública (Seop) do Rio de Janeiro…

2 dias ago