Ver o outro em si, e ver a si no outro, é ser capaz de ser humano

“O Eu é um Outro e os Outros são o eu” diz Tzvetan Todorov no início de seu livro, “A conquista da América: o assunto do Outro”. A partir disto, Todorov faz toda uma reflexão sobre a chegada dos Europeus na América (leiamos o livro para descobrir mais).

Deixando de lado boa parte da complexa e importante reflexão do autor, partamos de uma premissa simples: quando Todorov fala da presença deste Eu no Outro e vice-versa ele está nos levando à percepção da alteridade, alteridade esta que seria o simples notar de que há algo no outro que também está em mim, o que o torna humano tanto quanto eu.

A alteridade tem sido bastante discutida entre filósofos, antropólogos, sociólogos e psicólogos – e por aí vai. Sim, os acadêmicos adoram abordar o assunto, mas ele não é um tema o que deve ficar só na academia.

A modernidade tem se mostrado uma competente destruidora dessa percepção do outro como ser igual.

O individualismo, o narcisismo, o egoísmo, a competição e acima de tudo, o medo que nos é imposto diariamente tem nos isolado a ponto de não termos mais a capacidade de entrar em contato com esse Outro que Todorov menciona. Estamos presos à nossos egos, celulares, carreiras. Somos levados o tempo todo à ver o Outro como inimigo, uma ameaça.

A televisão, o rádio, os outdoors, por outro lado, fazem questão de nos amedrontar 24 horas por dia, sem descanso. Nos isolamos em nossos próprios cubículos. Criamos assim, nossas prisões particulares.

“A gente não vê mais gente, pessoal”, disse outro dia uma professora minha sobre este nosso isolamento. Andar à pé não é mais opção. Quem tem condições, anda de carro. Ônibus? Um perigo!!!

Temos medo uns dos outros. Não nos olhamos nos olhos, não nos cumprimentamos. Somos “fieis herdeiros do medo” como diz Drummond em seu poema “O medo”. Estamos frios, cristalizados e distanciados.

Como reconhecer o Outro como igual se nem ao menos o vemos, nem o tocamos, nem ao menos trocamos um “bom dia” ou “boa noite” com ele?

Nossas bolhas sociais nos levam à aversão, à rejeição de tudo e todos que nos é diferente.

É deste tipo de bolha que surgem vários tipos de violências, inúmeras formas de preconceito e incontáveis discursos de ódio. Quando a alteridade nos foge, tendemos a presumir que somos superiores, tendemos a ignorar um fato simples: apesar das diferenças, há algo neste outro que é tão humano quanto o que há em mim.

E é aí que está nosso erro, porque é exatamente nesse Outro que nos encontramos. É na comunicação com o Outro que nos reconhecemos.

“Nos tornamos nós mesmos através dos outros” diz Vygotsky sobre nosso processo de desenvolvimento e de fato, é na troca com o Outro que crescemos, mas acima de tudo, é nesse processo de reconhecimento e crescimento que nos humanizamos.

Humanização. Somando agora as partes e resgatando a primeira citação do texto, podemos dizer que Todorov, estava falando sobre humanização. Ver o Outro em si, e ver a si no Outro, é ser capaz de ser humano.
Nos humanizemos.

Mísia Morais

Paraibana (Campinense) estudante de Psicologia que tem a cabeça nas nuvens, pés no chão e um fraco por causas perdidas.

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