Erick Morais

Taxi driver – a solidão como condição pós moderna

Bauman em um dos seus pensamentos diz: “Estamos todos em uma multidão e em uma solidão ao mesmo tempo”. Frase paradoxal, típica de tempos pós-modernos, em que não se tem certeza de muita coisa.

Contraditória é também a história de TravisBickle (Robert De Niro), um homem perturbado psicologicamente, imerso em sua solidão, paranoia e decadência, buscando algo sólido para apoiar a sua existência frágil.

Taxi Driver, talvez a maior obra-prima do gênio Martin Scorsese, nos apresenta Travis (em uma atuação espetacular de De Niro) um jovem que aparentemente serviu no Vietnã e não consegue se enquadrar na sociedade. Sofrendo de insônia, ele decide arrumar um emprego de motorista de táxi, a fim de que possa, ao menos, lidar de maneira menos desgastante com o seu problema.

No entanto, Travis é um indivíduo imerso em um inferno tão quente quanto o vietnamita. Movido por uma autoanálise perene, ele sente e percebe toda a degradação que existe nas ruas, ao seu redor, em cada pessoa e dentro de si. A degradação que existe na vida e que nos torna tão distantes uns dos outros e solitários, com vidas mergulhadas em depressões profundas, em que temos apenas o nosso próprio eu como companheiro.

O comportamento esquisito e a degradação psicológica sofridas pelo personagem se constroem de forma verossímil (o que é acentuado pela trilha sonora de Bernard Herrmann) já que Travis é um reflexo da própria degradação apresentada nas ruas e da própria solidão que apavora cada um. Não à toa, a obra é uma história urbana, uma vez que são nos grandes centros urbanos que a paradoxalidade apresentada por Bauman faz mais sentido.

Nas metrópoles, como Nova Iorque, embora exista uma maior concentração de pessoas, estas estão submetidas a rotinas desgastantes, vivendo sempre com pressa, resolvendo os seus problemas e lutando contra os seus demônios, obviamente (ou contraditoriamente?), sozinhas.

Isto é, saímos de casa, vamos, voltamos, tornamos a ir e não enxergamos nada, não nos enxergam, somos invisíveis atormentados pelo medo, asfixiados pelo nada que as nossas vidas seguem, esmagados pela sujeira nas ruas, que parece ser a única existência concreta no mundo, completando a nossa solidão.

“A solidão me perseguiu a vida toda. Em todo lugar. Em bares, carros, calçadas, lojas, em todo lugar. Não há escapatória. Sou um homem solitário de Deus.”

Diante do vazio que o permeia, das suas incertezas e do seu desencanto, Travis busca refúgio no seu diário, a fim de que possa afastar-se de toda aquela sujeira que ele tanto repugna, muita coisa, inclusive, fruto do seu preconceito e conservadorismo.

Entretanto, o seu sonho sempre esbarra em si mesmo, porque sabe que o ódio que nutre pela “escória” das ruas, é apenas um reflexo da sua própria exclusão e desenquadramento, da sua esquisitice inapropriada e inaceitável pelo lado “bonito” da cidade, de modo que não há como a chuva limpar as ruas, sem que ele também seja levado para os esgotos.

“À noite, saem animais de todos os tipos: prostitutas, cafetões, corruptos, drogados, traficantes e esquisitos de todo tipo. Um dia uma grande e verdadeira chuva vai limpar as ruas de toda essa escória.”

Mesmo sabendo de toda a sua decadência e do mundo, Travis nutre o desejo de fuga do inferno no qual está submetido. Esse desejo é almejado em Betsy, que representa o contraponto de toda a miséria pronunciada pelo protagonista. A rejeição, todavia, por parte de Betsy, de um romance sequer iniciado, acentua para Travis, a incapacidade de salvação, posto que o seu portal de salvação revelou-se somente mais uma passagem para o inferno.
“Agora eu percebo como ela é como os outros… fria e distante. Muitos são.”

Talvez o que Travis precisasse, antes de sucumbir à loucura total, fosse de alguém com que pudesse sair, conversar, fazer alguma coisa. Alguém que pudesse ajudá-lo a tirar umas coisas ruins da cabeça, algo que ele tenta expor, mas sem resultado, a um colega taxista. O que Travis precisava, era o que todos nós precisamos em algum momento da vida: alguém que nos ajude a respirar e sair do mar de lama que estamos mergulhados.

Ele não encontrou essa ajuda, nós, na maioria das vezes, também não encontramos e, assim, quando todas as portas se fecham, a loucura se anuncia como a única saída possível. Para o nosso herói foi dessa maneira.

Após o seu ato de loucura ser praticado materialmente, Travis é condecorado por uma sociedade que antes o excluía. Pior, pelos motivos errados. Nada que fizesse substancialmente diferença para ele, já que o final do filme, assim como o começo, demonstra o mesmo olhar refletido no retrovisor.

O olhar de um homem que sabe que não é herói, que não acredita em heróis, cheio de vazio e solidão, buscando apenas um sentido para a sua vida, embora saiba ao olhar pela porta do carro que: “Os dias passam monotonamente um após o outro, nenhum deles difere do anterior ou do próximo, são como elos de uma longa cadeia, até que de repente surge a mudança.” E, sobretudo, que ao olhar-se no espelho não enxerga nada além de si mesmo, ainda que as duas imagens representem a mesma coisa.

Erick Morais

"Um menestrel caminhando pelas ruas solitárias da vida." Contato: erickwmorais@hotmail.com

Share
Published by
Erick Morais

Recent Posts

SBT explica por que episódio de Chaves ficou quase 50 anos inédito na TV

Episódio especial de Natal de “Chaves” nunca tinha passado na TV aberta (até ontem!) —…

4 horas ago

Saiba como o SBT se saiu no Ibope após trocar Zezé di Camargo por episódio inédito de Chaves

⚠️ Após polêmica, SBT trocou Zezé por Chaves de última hora — e o Ibope…

4 horas ago

Arcebispo de São Paulo se manifesta pela 1ª vez após silenciar Padre Júlio Lancellotti

Você não vai acreditar na justificativa que Dom Odilo deu sobre o caso 😒

4 horas ago

AGORA! Zezé DiCamargo se recusa a se retratar, e filhas de Silvio Santos entram com processo contra o cantor

Você não vai acreditar no montante que o cantor pode perder na Justiça 😱

3 dias ago

SBT acaba de tomar decisão bombástica sobre o Especial de Natal de Zezé Di Camargo

Especial de Natal de Zezé Di Camargo vira dor de cabeça e SBT toma decisão…

3 dias ago