CULTURA

Qual o papel do brasileiro na inversão de valores da sociedade atual

Por Octavio Caruso

O problema

Estamos vivendo uma inversão de valores. O brasileiro, por hábito de gerações, sempre coloca a culpa de tudo no governo. A situação política da nação está vergonhosa, não há dúvida, mas, gradativamente, o povo está se acostumando a projetar seu desinteresse nos engravatados de Brasília. “Não temos acesso à educação”, um mantra que é repetido diariamente. Mas será que o brasileiro deseja verdadeiramente se instruir?

Ninguém impede a entrada gratuita de uma pessoa, independente de credo, raça e classe social, em uma biblioteca ou em um sebo. Quem decide a forma como essa pessoa irá se divertir, em suma, como ela irá utilizar o seu tempo de lazer, não é o governo. É o mesmo equívoco daqueles pais que colocam a culpa da grosseria dos filhos na escola. Elegância e bom gosto se aprendem em casa, inicialmente, pelo exemplo dos pais, e aprimorados pelas decisões individuais do jovem. A contribuição financeira que os pais oferecem, do mais pobre ao mais rico, pode servir para diversas formas de satisfação, do “ser” e do “ter”. É uma decisão exclusiva do indivíduo. Aquele pouco de salário que resta no final do mês, após o pagamento das contas, pode ser investido em álcool, cigarro, prestação do carro e roupas de grife, mas também pode ser investido em teatro, cinema e livros. Ser medíocre é um direito inalienável de todos, porém, não sejamos ingênuos, é uma opção plenamente consciente. Colocar a culpa no governo, na pobreza, na falta de sorte, é, pura e simplesmente, uma tremenda hipocrisia.

Então eu volto à questão inicial: será que o brasileiro deseja verdadeiramente se instruir? Caso utilizemos como parâmetro o microcosmo representado pelas redes sociais, com uma multidão compartilhando notícias falsas sem buscar a fonte, curtindo postagens de textos em que leram apenas a chamada, incitando discursos de ódio sem nenhum embasamento, seguindo a manada em qualquer modismo tolo, ou, um clássico, postando indiretas enigmáticas que interessam apenas ao umbigo da própria pessoa, podemos ter a nítida constatação de que reina o caos. Há bastante tempo livre, o problema parece estar na lista de prioridades do cidadão. O brasileiro que passa o ano todo reclamando que vivemos numa nação que não valoriza cultura, é exatamente o mesmo que, em seu tempo ocioso na internet, valoriza apenas o raso, compartilhando vídeos bobinhos de crianças escorregando na casca de banana e músicas de qualidade questionável. É tudo muito engraçado para o brasileiro, ainda que viva diariamente uma realidade de altíssimos impostos, sem segurança, moradia, transporte, saúde e educação de mínima qualidade.

Talvez essa mentalidade emocionalmente imatura e constante de bobo alegre, de incentivador do feriadão enforcado, explique o interesse quase doentio pela vergonha alheia, pelo bizarro, em detrimento do que é elegante.[/quote_box_right]

Talvez essa mentalidade emocionalmente imatura e constante de bobo alegre, de incentivador do feriadão enforcado, explique o interesse quase doentio pela vergonha alheia, pelo bizarro, em detrimento do que é elegante. A autocrítica é essencial nesse processo, visando o necessário autoaprimoramento, uma maturidade intelectual e emocional. Nós precisamos, mais do que nunca, de brasileiros que valorizem a água benta da testa, que não postem nas redes sociais, no início da semana, o desejo pela aproximação rápida da Sexta-Feira.

O Brasil precisa de pessoas que compreendam, acima de tudo, que devem procurar trabalhar naquilo que verdadeiramente amam, pois, dessa forma, o estudo constante será sempre uma atitude natural, não uma obrigação profissional. Os pais devem ensinar aos filhos que, na equação da vida, a prioridade deve ser a satisfação profissional com a busca dedicada pela realização do sonho, não a corrida para somar nas filas de concursos públicos, a busca por uma subjetiva estabilidade, que, na realidade, entrega para o mercado funcionários frustrados, sem sangue nos olhos.

Uma possível solução

A criança aprende pelo exemplo, ela começa imitando aqueles que a cercam, ela precisa escutar os pais folheando as páginas dos livros, após um dia longo de trabalho, ou numa manhã de um final de semana tranquilo. Ela precisa ser surpreendida com o desligar da televisão e do computador, após o jantar na casa humilde ou na mansão, sendo estimulada a acompanhar os pais, sentada no sofá ao lado, compartilhando o sábio silêncio de mentes trabalhando. Enxergar perifericamente os olhos do pai se aproximando do final de uma página, fascinada por aquele universo que o encanta, tentando igualar aquela velocidade, vencer a figura terna de autoridade. E, inteligente, o pai carinhoso, consciente dessa linda batalha lúdica, deixa o filho acreditar que é mais rápido.

Com esperta teatralidade, a mãe desliga as luzes e acende velas, captando a criatividade da criança com o bruxulear mágico, formando sombras nas linhas que os pequenos olhos perseguem com o dobro de atenção. As aventuras elaboradas pelos autores se amalgamam à emoção despertada pelo ambiente, uma sensação que nenhum jogo eletrônico poderia emular. Ao invés de despejarem um smartphone ou um tablet nas mãos das crianças, os pais responsáveis presenteiam seus filhos com livros.

A criança precisa assistir os pais admirando por vários minutos aquela estante repleta de capas coloridas, tendo sua curiosidade instigada na direção de descobrir quais maravilhas se escondem naqueles tomos. O pai inteligente pode até se dar ao luxo de inicialmente reprimir a aproximação da criança, afirmando teatralmente que ela precisa ter muito cuidado com aqueles objetos extremamente importantes, já que o proibido é um elemento que atrai com maior intensidade.

O filho pequeno entenderá que, ao tocar aqueles livros especiais, está se empoderando e agindo como um homenzinho, adentrando um mundo novo de incríveis possibilidades. Então, o pai, com o sorriso de quem sabe que está criando um ser humano potencialmente valoroso, promete ajudar o filho a desbravar aquela magnífica aventura literária. Os pais precisam ser os heróis da criança, liderando sempre pelo exemplo, conquistando o respeito por merecimento.

Caso todos os brasileiros tivessem essa consciência, nossa nação não estaria atravessando esse miserável momento cultural. Colocar um filho no mundo precisa ser uma atitude consciente. A parentalidade irresponsável é a gênese de grande parte dos nossos maiores problemas.

O senhor, um provável morador de rua, lendo um livro de literatura da estante- Rio de Janeiro.

OCTAVIO CARUSO: colunista Conti outra

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Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.

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