No meio da multidão, escondidos entre um sorriso fraco e uma risada exagerada, ou entre um abraço apertado e uma lágrima disfarçada, estão os muito machucados. Eles são, em geral, sobreviventes. Sofreram mais do que podem contar, mas ainda estão por aí. Viram mais do que podem se lembrar, mas ainda continuam a enxergar. Ouviram mais do que podem aguentar e, mesmo assim, ainda conseguem escolher uma boa playlist para os sábados de sol.

Os muito machucados são um grupo especial de pessoas extremistas.

São ansiosos, hiper sensíveis, cheios de expectativas. Sonham com o amor da vida, a viagem dos sonhos, o carro do ano e a ideia genial que os fará o Steve Jobs de amanhã. Se frustram quando, ao invés disso, encontram a realidade do companheiro cheio de defeitos, das férias desperdiçadas assistindo Netflix, do transporte coletivo que sempre falha ou do trabalho administrativo na empresa de um familiar.

Eles são, também e infelizmente, um grupo seleto de pessoas que já viveu emoções demais. São aqueles que perderam os pais num acidente quando eram pequenos e que foram parar em um orfanato. Ou ainda aqueles que sofreram um acidente e perderam sua mobilidade pra sempre. Podem ser também os que se divorciaram daquele que era o amor da sua vida, a quem juraram um sentimento que deveria ter sido eterno, mas que precisou ter um fim. São aquelas mães que perderam seus bebês no meio da gravidez. São aquelas mulheres que sofreram abusos dentro de suas casas na infância, e que nunca tiveram coragem de comentar isso com alguém. Pior, são aquelas crianças vendidas pelos próprios pais para o turismo sexual. Aquelas crianças enviadas para o crime ao invés de para a educação.

Os muito machucados perderam a fé, na vida e em si mesmos, há muito tempo. Não confiam nas pessoas, não acreditam que exista empatia (o poder de colocar-se no lugar do outro e sentir o que o outro está sentindo), não conseguem encontrar o otimismo depois de uma vida de capítulos pessimistas e, infelizmente, reais.

Geralmente, essas pessoas têm muito a nos ensinar. Afinal, a dor os ensinou da pior maneira. Eles sabem onde podem pisar e quando devem recuar. São espertos, ligeiros, atentos. Já não temem a vida e nem suas decepções.

Caíram e se levantaram muitas vezes mais do que a maioria, e sabem que o fracasso é um processo da evolução.

Os muito machucados sabem que cada dia é um novo dia, e que a qualquer deslize ou desatenção, uma vida boa e bem vivida pode ser perdida para sempre. Eles sabem valorizar os momentos, o simples, as pessoas de bom coração. Eles as reconhecem. Sabem que elas são raras e passageiras. Sabem que quando terminarem sua missão, irão embora ajudar outras pessoas muito machucadas como eles. Eles precisam de carinho, de afeto, de alguém que os estenda a mão e diga: “Estou com você agora. Vai ficar tudo bem”. Enquanto não encontram, ficam duros, cascudos, se protegem.

Então, um dia, despercebidamente, chega alguém. Um amigo, um companheiro, um filho que amadurece e oferece apoio. Então, com desconfiança e esperança, eles apertam a mão ofertada e, enfim, encontram a paz.

Imagem de capa: PKpix/shutterstock

Ana Carolina Faria Bortolo

Turismóloga e Administradora de Novos Negócios por formação. Escritora, pintora e dançarina por vocação. Planejadora de eventos, bartender, agente de viagens e vendedora por profissão. Garçonete de navio por opção. Vi o mundo e voltei, e de todos os rótulos que carrego na bagagem, só um me define bem: sou uma ótima contadora de histórias.

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Ana Carolina Faria Bortolo

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