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O conforto da ignorância e a nossa complicada relação com a carne

Por Germana Belo

Recentemente, a cena de um filhote de ovelha sendo abatido e esquartejado no programa de culinária Tempero de Família (GNT) causou revolta e rendeu críticas violentas ao apresentador Rodrigo Hilbert que, dizem, chegou a ter contratos publicitários cancelados devido à polêmica. Que a brutalidade das imagens tenha indignado os que lutam contra a exploração animal e baseiam nesse valor seu estilo de vida não surpreendeu. Porém, o que chamou a atenção no episódio foi perceber que muitos vociferando veementemente contra o ato se diziam não vegetarianos. Com uma crueldade tão displicente que nem se dá conta dela mesma, Rodrigo Hilbert fez espirrar sangue nos olhos que se fazem de cegos, dos que fingem não saber da história por trás daquele filé do almoço.

O desenvolvimento da sociedade industrial e o distanciamento entre cidade e campo, levaram, consequentemente, a uma desconexão entre a produção e o consumo de alimentos. Se na sociedade rural o abate de aves e quadrúpedes era atividade corriqueira do dia-a-dia, hoje, não faz parte de nossa realidade. Mal sabemos a origem do que consumimos e, em geral, não nos interessa. Essa escolha pela ignorância é um dos fatores que marcam a complicada relação que temos com a carne. Uma escolha que é facilitada pelo mundo industrializado, esse que nos permite não querer saber da crueldade que financiamos e perpetuamos, o mundo que transforma a vida animal em produto na prateleira, sobre a qual só nos preocupa a validade.

Contudo, à medida que o tratamento ético de animais vira frequente pauta de discussão e tema de denúncias e que cresce o número de organizações e indivíduos dedicados a expor a crueldade da indústria agropecuária, somos cada vez mais demovidos desse lugar de não saber e forçados a nos deparar e a nos responsabilizar pela escolha do que colocamos à mesa. A linha entre a ignorância e a hipocrisia torna-se cada vez mais tênue, e dizer que matar um animal pelo prazer de comer é mais digno que sacrificá-lo por esporte ou pelo lucro do espetáculo torna-se cada vez mais contestável.

Como algoz do cordeiro, inadvertidamente, Rodrigo Hilbert nos tirou do nosso conforto nos apresentando de maneira brutal essa verdade que preferimos não encarar, e talvez por isso muito mais do que pelo ato violento, tenha sido acusado e condenado por muitos, virando alvo da agressividade daqueles que, como mecanismo de defesa, acusam o outro projetando nele a própria culpa com a qual evitam lidar.

Episódios como este deveriam despertar indignação a quem cabe a indignação. De resto, o ideal seria que a comoção sentida diante da execução de um animal pudesse nos levar a refletir sobre nossa própria responsabilidade, sobre nossas escolhas, sobre essa complexa relação que temos com o consumo de carne, ao invés de apontar para aquele que empunha a faca.

Imagem de capa: Ethiopia, © Hans Silvester

Germana Belo

Carioca, Psicóloga de formação, roteirista por vocação, paladina das artes e da Psicanálise. Entre um café e outro escreve sobre os assuntos que lhe ocupam a mente e o coração. Recém-saída da zona de conforto, caminha pela vida buscando inspiração, desejando devolvê-la ao mundo.

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