Marcel Camargo

Nunca se culpe por ter sido traído

Imagem capa: Copyright Legenda, Shutterstock

Temos todo o tempo do mundo para terminar o namoro ou o casamento, antes de embarcar em aventuras, antes de nos entregarmos a um novo alguém. Covardia mentir, brincar com sentimentos, deixar alguém à espera do que você já está oferecendo a outra pessoa.

Ano passado, a explosão na mídia acerca da suposta traição sofrida pela modelo Gisele Bündchen causou mais espanto do que revolta ou indignação. A maioria dos comentários girou em torno da surpresa causada não pelo ato em si, mas por quem o sofreu.

Espantar-se com o fato de parecer não haver justificativa para que a modelo mais famosa do mundo fosse traída pelo marido equivale a dizer que a traição é justificável, ou seja, que quem é traído também tem sua parcela de culpa no sofrimento causado pelo outro. Mas qual parcela caberia a uma das mulheres mais lindas e desejadas do planeta? Daí o espanto, decorrente não mais do que de uma visão distorcida da infidelidade.

É muito comum as pessoas dizerem que fulano pediu para ser traído, que cicrano deve ser um chato para ter sido enganado, ou que beltrano traiu a esposa que era fria e distante. De uma forma inversa, portanto, tentam culpabilizar a vítima pelo que lhe fizeram, como se sua humilhação já não fosse o bastante, como se a sua dor tivesse alguma razão de ser.

Ainda que a pessoa seja chata, feia, quieta, explosiva, intriguenta, fofoqueira, como costumam ser qualificados os traídos da vida, nem ela nem ninguém merece ser enganado, pois entregar o seu melhor em troca de decepção e dor é por demais aviltante – a traição avassala os sentidos e deixa feridas cuja cicatrização é dolorosamente demorada e, muitas vezes, irrecuperável.

Ao trair uma pessoa, estamos lhe retirando qualquer traço de dignidade, isentando-a de qualquer resquício de humanidade, desconsiderando-a como alguém por quem valha a pena ter um mínimo de consideração, um ser desprezível. Trair quem nos ama é egoísmo, é ausência de caráter, é ingratidão para com a entrega alheia.

Ser traído é humilhação, decepção, é impotência. A lógica distorcida que permeia a infidelidade é tão desumana, que retira da pessoa traída sua lucidez e senso de percepção dos fatos, uma vez que ela é levada a procurar em si mesma os motivos causadores de sua dor, chegando ao absurdo de se perguntar onde errou, o que poderia ter feito para evitar ser traída, o que fez para que o companheiro procurasse outra pessoa.

Esquece-se, nesse redemoinho de indagações, de que nada é cabível, tampouco justificável, em se tratando de traição, pois a infidelidade é pessoal e intransferível; trata-se de uma atitude que depende apenas de cada um – ninguém pede para ser traído nem age deliberadamente para tal, como muitos costumam apregoar.

Temos todo o tempo do mundo para terminar o namoro ou o casamento, antes de embarcar em aventuras, antes de beijarmos outras bocas, antes de nos entregarmos a um novo alguém. Covardia desmedida mentir, brincar com sentimentos, deixar alguém à espera do que você já está oferecendo a outra pessoa, tolher do outro a busca por alguém que o ame, iludindo-o e encenando hipocritamente uma vida de fantasia.

Ainda que a infidelidade masculina seja incoerentemente julgada com mais condescendência do que a feminina em nossa sociedade e, por essa razão, talvez o homem, quando traído, atribua integralmente à mulher a culpa com mais facilidade, tanto um quanto o outro sofrem e amargam o desmoronar abrupto de expectativas, sonhos e esperanças que a infidelidade provoca.

Ademais, temos um dever moral com a pessoa com quem já construímos uma vida, o dever da verdade, de dizer que o amor acabou, que o desejo se foi, que a paciência esgotou, por mais doloroso que isso seja, pois nada pode doer mais do que ser enganado.

A vida a dois não é nem nunca foi fácil, pois requer paciência, troca, renúncia e persistência. Infelizmente, esse dia-a-dia atribulado e célere a que nos entregamos tende a nos esgotar as forças, impedindo-nos de investir na renovação de nossa cumplicidade com o companheiro, ao fim do dia – e o amor, não encontrando mais conforto onde repousar, deixa então de sê-lo.

É fato que o para sempre pode, sim, acabar, que nossa felicidade talvez não se encontre junto às primeiras paixões, que as expectativas que criamos nem sempre se realizam e que temos o direito de correr atrás de nossos sonhos com ética e distantes de quem nos dificulta esse viver.

Porém, é necessário sair de uma vida com dignidade, transparência e sinceridade, antes de entrar em outra, porque não estamos sozinhos, nem solteiros, até que o outro saiba disso. Uma coisa é certa: jamais seremos felizes enquanto não houver verdade, seja ao lado da Maria, seja ao lado da Gisele.

Marcel Camargo

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.

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