Notas sobre a esperança

Imagem de capa: Reephotoeasy, Shutterstock

Esperança, por definição, é a confiança de que algo bom acontecerá. É o sentimento da possibilidade de realização, servindo como uma alavanca motivacional positiva.

Tenho dentro de mim uma esperança inesgotável. Não sei como ela surgiu nem o motivo. Mas sei (e sinto) que ela bate forte. Quando tudo parece desabar, ela surge, afastando o desespero e trazendo lucidez.

O ano de 2010, para mim, teve apenas 100 dias. Foram quase três meses de um freela e um dia de enterro. Quando o conheci, no início desse período, era uma tarde de outono. O sol apareceu tímido e deu espaço a um vento cortante. Sentia um frio desagradável.

O escritório em que trabalhava estava localizado em Moema. Tinha uma arquitetura antiga, com sinteco brilhoso no chão e inúmeras obras de arte na parede. Eu estava na última sala, sozinha, quando ele entrou. Acho que nos vimos diversas vezes, mas nenhuma que criasse algum laço importante. Naquele dia, a vida nos colocou frente a frente.

Cumprimentou-me. Perguntou o que eu fazia ali. Disse que iria escrever textos e que permaneceria ali por três meses. Ele respondeu de forma seca: pouco tempo. Retruquei de forma irônica: Pouco? Não! O suficiente. Ele riu. Argumentei dizendo que, em três meses, muita coisa poderia acontecer. E realmente aconteceu.

A partir daquela data, o visitante passou a ser presença constante na minha sala. Às vezes, só entrava com os olhos. Parava na porta e me observava. Outras, sentava na cadeira próxima da janela e admirava o céu. Nunca descobri o que ele pensava. Eu achava que meu cabelo estava bagunçado ou muito maquiada e que ria da cena mentalmente. Bobagem. O cavalheiro em questão tinha a alma grande demais para se perder em detalhes.

Num fim de expediente, de forma atrevida, convidou-me para um café. Fazia um pôr do sol lindo de outono. Aceitei. Tomei aquela bebida quente como se fosse a primeira e a última vez que iria degustá-la. Observou-me calado. Não pegou xícara alguma. Estranhei.

Após uma breve pausa, ele disse (sem cerimônias) que tinha câncer no esôfago. Não sentia nem o gosto e nem o cheiro do café, mas, ao me observar, lembrou-se de como era bom tomá-lo. E foi ali que travamos uma grande amizade.
Conversamos (diariamente) por meses.

Perguntou-me sobre Deus, sobre a vida, sobre a morte e sobre amores. Contou-me (secretamente) que havia perdido quase todos os cinco sentidos. Não sentia cheiro, nem gosto de nada. Ouvia pouco e enxergava menos ainda. Só não havia perdido a capacidade de amar (amava a família, os amigos, a vida, de forma genuína). E também a capacidade de acreditar que algo bom (sempre) aconteceria.

Meu amigo definiu essa crença como esperança. E nesse ímpeto, questionou-me se ficaria curado. Assustei. Logo a mim? Que ousadia. Não sou Deus. Qual a certeza que temos da vida? Hesitei. Tive medo de responder. Medo de ser traída por ela (a tão sonhada esperança).

Ele olhou bem nos meus olhos e percebeu que eu iria chorar. Dei um leve sorriso e (corajosamente) respondi que sim, ficaria curado. Tudo iria depende dele. E retruquei (incisivamente) querendo saber o que ele desejava para si. Não respondeu.

Na manhã seguinte, meu último dia de trabalho, o escritório acordou de luto. Não tivemos tempo para despedidas. Chorei trancada na sala onde ele, por mais de 90 dias, me visitou. Estava profundamente triste.

E foi assim, entre uma lágrima e outra, que ela apareceu. Da janela, percebi que havia um (lindo) pôr do sol. Era a esperança.

Michelle Jardim

Jornalista, locutora e atriz. Ouvinte profissional e amante de boa música, boas risadas e boa companhia. Tem como objetivo de vida a felicidade, acredita nas pessoas e na certeza de um fim certo: a morte. A única promessa para o futuro é o envolvimento em experiências que valem a pena. É atriz e locutora exclusivamente por amor. Jornalista por missão.

Recent Posts

Novidade na Netflix: Glen Close e Mila Kunis arrancam lágrimas e aplausos em filme arrebatador

É impossível não se emocionar com a história profundamente humana e as atuações fenomenais que…

4 horas ago

Viúvo de Walewska quer que pais da jogadora paguem aluguel para morar em apartamento deixado pela filha

"Ele mandou uma notificação sem autorização judicial informando que os pais dela ou pagarão a…

4 horas ago

Desaparecimento de Madeleine McCann completa 17 anos e pais fazem declaração: ‘Vivendo no limbo’

Dezessete anos se passaram desde que Madeleine McCann desapareceu do quarto de um resort na…

15 horas ago

Pai é acusado pela morte do filho após obrigá-lo a correr em esteira em alta velocidade

O pai alegou que obrigava seu filho de 6 anos a correr em uma esteira…

19 horas ago

Mecânica de jogo: O coração da emoção de Aviator

Na nossa análise exaustiva, mergulhamos na mecânica do Spribe's Aviator, analisando como o seu formato…

19 horas ago

Show da Mandonna: Fiscais encontram facas enterradas na areia de Copacabana

Na madrugada desta sexta-feira (3), a Secretaria de Ordem Pública (Seop) do Rio de Janeiro…

20 horas ago